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30.6.17

ROSA - PARTE I

Porque têm sido muitos os amigos que me têm manifestado o desejo de conhecerem esta história,  a única publicada em livro até agora, e esgotada, e de momento não ter hipótese de fazer uma nova edição, eis aqui a ROSA




Obra licenciada pelo IGAC nº  1283 e publicada em livro


(esgotado)



Olhou-se uma vez mais no velho espelho do desconjuntado armário. Não se reconhecia naquela estranha de grandes olhos negros que a olhavam com um misto de pena e desespero, na imagem que o espelho lhe devolvia. Sentia-se cansada e sem vontade de nada. Era como se dentro daquele corpo não habitasse ninguém. E se habitava não era ela. Ela ficara lá longe, na sua aldeia, muitos anos atrás. Quem sabe, andava lá pelo monte da Landeira, pastoreando as ovelhas.
Como era feliz nessa altura! Por que é que estamos sempre desejando mais do que aquilo que temos e lastimando a nossa infelicidade, para depois chegarmos à conclusão que aquela era afinal a felicidade?
Ela fora uma miúda normal numa aldeia do interior, maioritariamente povoada por gente pobre. Tivera uma infância exatamente igual à das outras meninas na aldeia. Só com a diferença que nunca conheceu o pai. Mas nem nisso era muito original, já que havia na aldeia, mais duas ou três meninas que ela pensava que eram suas irmãs, porque eram filhas do mesmo pai. Sim porque ela sabia que o seu pai se chamava “pai incógnito” e o pai dessas meninas também se chamava assim. Um dia, a avó explicou-lhe que “pai incógnito” significava que ninguém sabia quem era o seu pai. Não era nome de gente. Rosa ficou espantada. Como era possível? Não sabiam quem era o pai? Não era da aldeia? Então e as outras meninas? Também não sabiam quem era o pai? Então se calhar eram mesmo irmãs. Que não, tornou a avó. Eram filhas de outro pai. Ela não percebia. Então se não sabiam quem era como é que sabiam que não era o mesmo? Mais tarde, quando fora para a escola, atreveu-se a perguntar à professora e esta fizera-lhe entender o mistério. Ela gostava da escola. Como gostava! Os livros contavam cada história! Infelizmente, quando tinha oito anos, a mãe morreu e ela ficou sozinha com a velha avó. A vida que lá em casa já não era fácil, piorou drasticamente. Teve que deixar a escola.
O Sr. António era o homem mais rico da aldeia. Tinha terras, bois, vacas, cabras e ovelhas. Vivia numa casa grande, feita de grandes blocos de granito, e diziam os que já lá tinham entrado, por dentro parecia um palácio. A avó conseguiu que ela fosse trabalhar para lá como guardadora do rebanho. Foi um pedido feito à Ti'Zefa, a criada do Sr. António. Ganhava um dinheirito, pouco, no fim do mês, mas tinha a barriga cheia, pois segundo se dizia era casa farta. E assim a avó sempre ficava mais descansada. Ela, a avó, sempre conseguia um prato de sopa a troco de algum trabalho. Era exímia a cerzir e as vizinhas tinham sempre o bibe dum filho ou a camisa do marido com um rasgão a pedir a sua intervenção.




Continua amanhã

29.6.17

SONHO AO LUAR - EPÍLOGO



Ele apertou-a nos braços e curvando a cabeça apoderou-se da sua boca, num beijo intenso e apaixonado, que a deixou tonta de felicidade.
- Achas que isto é um beijo de irmãos, Isabel?
- Não sei, não consegui perceber. Importas-te de repetir?
Ele não se fez rogado.                   


*********************************************************************




FIM



Elvira Carvalho 

SONHO AO LUAR - PARTE XVIII


- Esperava esclarecer tudo na volta. Mas então fugiste e não me atendias o telefone. Fui ter com a tua avó e abri-lhe o coração. É por isso que estou aqui.
- Meu Deus! – Exclamou a jovem, incapaz de entender, tudo o que ele lhe dizia.
- Desnudei-te a minha alma, Isabel. Agora é a tua vez. Porque foste até mim, com um nome falso? Porquê, abandonares a tua carreira de advogada, para estares ao pé de mim?

28.6.17

EM NOITE DE ANIVERSÁRIO



Há precisamente 37 anos na noite de S. Pedro, vieste ao mundo. Parabéns filho. 

Fiz um passeio por algumas etapas da tua vida através das fotos




                                       

SONHO AO LUAR - PARTE XVII



Isabel, tivera um dia complicado no escritório. O telefonema de Hélder, no fim da manhã, contribuíra para uma desconcentração na parte da tarde, que a obrigara a um esforço extra para fazer alguma coisa de útil. Felizmente que no dia seguinte era sábado, podia descansar um pouco. Cansada, tomou um relaxante banho, espalhou sobre o corpo um creme hidratante, enfiou uma curta camisa de dormir, o robe de seda, e sem ânimo para fazer jantar, pensou em fazer um chá e duas tostas. Acabara de pôr a chaleira ao lume com a água para o chá, quando a campainha tocou. Espreitou pelo ralo, e ficou sem cor ao reconhecer o escritor. Olhou para si mesma, para a roupa inapropriada para receber visitas, que vestia, mas acalmou-se ao pensar que ele não podia vê-la. Mas seria mesmo ele? Devia estar enganada. Ele não sabia onde ela morava. Nem se devia lembrar já da sua existência. Nesse momento a campainha voltou a tocar de forma impaciente. Voltou a espreitar. Não havia dúvida. Era ele. Abriu a porta, quando ele se aprestava para tocar pela terceira vez.
- O que estás aqui a fazer? Como soubeste onde morava?
- Se me convidares a entrar, posso responder a isso e a muito mais.
- Mas estás sozinho? E o Rex?
Ele sorriu. Sem se dar conta, perguntando pelo cão guia, ela tinha-se denunciado.
- Já não preciso dele, - disse tirando os óculos e deixando-a mirar-se nos belos olhos escuros. Mas vamos ficar a conversar aqui ao pé da porta? Não me mandas entrar?
- Sim, claro, desculpa. Vem para a sala. Senta-te. Vou só apagar o lume, ia fazer um chá.
Regressou logo a seguir. Ele estava de pé, com uma foto dos dois na mão. Tinha sido tirada pouco antes de se separarem dez anos antes, e a lembrança do que tinha acontecido na época tingiu de carmim, as faces da jovem.
- Senta-te. Suponho que convenceste a minha avó a dar-te a minha morada, -disse sentando-se no sofá em frente dele. Só não entendo para quê? Dez anos é muito tempo, para ainda te lembrares de mim.
- Dez anos Isabel? Pensas mesmo que não te reconheci? Que não sei que eras tu que estiveste a meu lado estes dois meses?
Ela perdeu a cor. Balbuciou.
- Como o soubeste? E desde quando?
- Senti-o no primeiro momento na praia, quando me saudaste. Não quis acreditar, pensei que estava a ficar maluco, e por isso não te respondi. Depois, procuraste-me para te ofereceres como secretária, e fiquei meio convencido que realmente eras tu, mas a certeza, só a tive quando leste para mim. Lembrava-me bem quantas vezes, tínhamos lido um para o outro há dez anos. Quando falaste do teu amigo, senti vontade de te abraçar e te dizer que não podias esconder-te. Estavas dentro de mim, achar-te-ia sempre, mas depois pensei que devias ter uma razão para te esconderes, quem sabe tinhas um namorado, sei lá. Dez anos, é muito tempo, não sabia nada de ti, podias até ter casado. Esperei que fosses tu a falar. Além disso que podia eu oferecer-te, na situação em que me encontrava?  Mas logo depois, começou a acontecer algo, com que eu já não sonhava. Começava a distinguir formas e movimentos. Então fiz a mala e parti para Barcelona, pois tinha sido lá que tinha tentado todos os tratamentos para recuperar a visão.

SONHO AO LUAR - PARTE XVI







- Deves estar muito contente.
- Por voltar a ver, sim. Mas vinha doido para ver a sua neta. Que se passa com ela?
- Não sei, Helder. Diz-me tu, porque a queres ver? Desde quando sabias que era ela?
- Quase desde o primeiro dia. A dona Lucinda conhece-me desde sempre. Sabe da amizade que me unia à sua neta. Também sabe como fiquei meio perdido quando os meus pais morreram. Sei que pode parecer estranho que tenha sido uma miúda, a fazer com que me reencontrasse, eu que era já na altura um homem. Mas foi o que aconteceu. Ela era encantadora, tão simples, tão natural, e eu sentia-me feliz a orientá-la nas leituras, a mostrar-lhe o mundo como eu o via. Era como se tivesse uma irmã mais nova, para amar e proteger. E esse sentimento levou-me a recuperar da dor e desorientação em que a morte dos meus pais, daquela forma trágica, me tinha deixado. Por muito estranho que pareça, dada a nossa diferença de idades,  durante quatro anos, fomos os melhores amigos do mundo. Depois um dia descobri que se tinha apaixonado por mim. Fiquei zangado. Foi como se a vida me tivesse roubado de novo, como se a minha irmãzinha tivesse morrido. E de certa forma assim foi, já que desde esse dia, nunca mais fui capaz de a ver, ou de pensar nela, da mesma maneira. Senti-me atraiçoado.  Fui para Lisboa, 

27.6.17

SONHO AO LUAR -PARTE XV




Hélder entrou em casa. Tirou o casaco que pendurou no bengaleiro, e olhou para todos os lados, analisando cores e móveis. Respirou fundo. A sua casa. Era a primeira vez que a via, desde que partira há dez anos. E estava bem diferente após a remodelação que sofrera há meses. Antônia à porta, olhava-o espantada. Como é que ele tinha vindo sozinho? E onde estava o cão?

SONHO AO LUAR - PARTE XIV


Na manhã seguinte, quando Isabel chegou para o seu dia de trabalho, foi recebida por Antónia, que a informou da viagem do patrão. Disse-lhe que o patrão, antes de partir lhe dissera, para lhe comunicar que tinha deixado uma mensagem gravada para ela. Agradeceu o recado e dirigiu-se ao escritório para ouvir a mensagem. Ligou o gravador, e a voz grave fez-se ouvir.
- Bom dia, Isabel. Deves estar surpresa com a minha súbita partida, mas aconteceu algo que não posso adiar. Não sei quanto tempo vou estar ausente, espero que não seja muito. Até lá, estás de férias.

26.6.17

SONHO AO LUAR - PARTE XIII


A avó viu-a entrar. Leu-lhe o desespero no olhar. Uma sombra de tristeza, perpassou-lhe pelos olhos cansados. Conhecia aquele filme. Tinha-o visto dez anos antes. E dessa vez ficou cinco anos sem ver a neta. Se a história se repetia, tinha a certeza de que nunca mais a veria. Esperou um pouco e seguiu-a. Ouviu o choro da jovem. Abriu a porta, e sentando-se na cama, perguntou:

SONHO AO LUAR - PARTE XII


Um mês depois, tinha-se estabelecido uma grande amizade entre os dois. O livro estava quase pronto, e era frequente vê-los, passeando, ora até à praia, ora aventurando-se pelos caminhos da serra. Para Isabel era como se tivesse voltado dez anos atrás, quando inseparáveis percorriam aqueles mesmos caminhos, em longas conversas.
Raro era o dia, que a avó não lhe chamava a atenção, preocupada que estava com a sua felicidade. Ela, fazia ouvidos de mercador, empenhada em desfrutar ao máximo da companhia dele. Tinha pedido férias sem vencimento, no escritório, e pensava todos os dias, que tinha que procurar um espaço para montar o seu escritório, mas arranjava sempre uma desculpa para adiar essa resolução.
Uma tarde, depois de terem estado durante uma hora a rever o último capítulo, ela lendo o que estava escrito, ele corrigindo frases, mudando palavras, deram enfim o livro por terminado.
No dia seguinte sairia para a editora.
Então, ele disse-lhe que ia visitar a idosa, da casa ao lado, e pediu-lhe para o acompanhar. Ficou aflita, não podia avisar a avó, e receava o que ela pudesse dizer.
Ele cumprimentou carinhosamente a senhora, que o levou para a sala, onde conversaram sobre a sua ausência, e o tempo que esperava ficar.
Depois a avó disse que ia fazer um chá, e Isabel ofereceu-se para a ajudar, a fim de recomendar à avó, que não a desmascarasse.
A visita foi muito agradável, e acabou por se prolongar. Na volta, ele rompeu o silêncio para dizer.
-É uma senhora muito agradável. Tanto que me esqueci de lhe perguntar pela neta. Antigamente ela estava sempre cá, de férias, nesta altura do ano.
Isabel estremeceu. Ele lembrava-se dela. Com voz tremente, perguntou:
-Eram amigos?
- Amigos? Não. Era muito mais do que uma amiga. Era uma irmã.
Ela deu graças a Deus por ele não a poder ver. Uma irmã. Foi assim que ele sempre a viu. Por isso ficou tão zangado naquele dia. Com raiva, limpou as lágrimas que iam deixando um rasto molhado no rosto pálido. Percorreram em silêncio, o resto do caminho. Depois ele recolheu-se ao quarto, enquanto ela morta de dor, arrumou a secretária, pegou na mala e foi para casa. Ficaria muito surpreendida, se tivesse visto o sorriso enigmático do homem, quando meia hora depois regressou ao escritório.

25.6.17

SONHO AO LUAR - PARTE XI

                                                       





E prefere os clássicos, ou autores contemporâneos?
- Pois, não sei. Há clássicos de que gosto muito, mas entre os modernos há autores excelentes. Como por exemplo, o Mia Couto, o João Tordo, Joaquim Pessoa, entre muitos outros.
- Sabe que sou escritor. Não utilizo o meu nome verdadeiro. Pelo que já viu do meu próximo livro, identificar-me-ia com algum dos seus autores preferidos?
- Sem dúvida que sim. Eu juraria que o senhor é Tomás Reis.
- Já lhe tinha pedido, para esquecer o senhor. Trate-me simplesmente por Hélder. Mas porque me associa a esse autor?
- Porque é um dos meus preferidos, li os quatro livros que publicou até hoje, e o estilo parece-me o mesmo.
- Folgo saber que o Tomás lhe agrada, - disse com um sorriso que lhe suavizou os traços do rosto. - Efetivamente, eu sou Tomás Reis.
- Mas porquê tanto mistério? Por causa da…

24.6.17

SONHO AO LUAR - PARTE X




Quando voltou depois de almoço, encontrou em cima da secretária, uma caixa com papel de impressora, que ela abriu para tirar algumas folhas e guardar as restantes. Acabara de ligar o gravador, quando ele entrou no escritório.
- Olá. Já viu o papel?
- Sim. Já o guardei. Acabei de verificar que já cheguei ao fim do que estava no gravador. A cópia, está impressa e arquivada numa pasta.
- Muito bem. Gostaria que lesse para mim. Há muito tempo que não leio um livro.
- E tem algum preferido?
- Sim. Tinha comprado “Os poemas possíveis” de José Saramago, que não cheguei a ler. 

SONHO AO LUAR - PARTE IX


Nessa noite, pegou no último livro de Tomás Reis, "Sonho ao luar," e releu algumas páginas.
Estava quase convencida que tinha descoberto o pseudónimo de Hélder Figueiredo.
Pesquisou o autor, na Internet, mas a única coisa que encontrou, foi o nome dos vários livros, publicados e o nome da editora. Nem uma fotografia, nem a idade, nada que o identificasse. Era muito estranho.
Apesar de ter adormecido tarde, acordou cedo. Tomou banho, vestiu -se e foi para a cozinha preparar o pequeno-almoço. Preocupou-se por não encontrar a avó, que sempre se levantava cedo, e foi ao quarto, onde também a não encontrou. Começava a ficar assustada quando a porta se abriu e a avó entrou com o missal na mão. Tinha ido à missa das sete. Era o dia do aniversário da morte do marido.
Isabel, acabou de fazer as torradas, aqueceu o leite para a avó, e fez um sumo de laranja para ela.
Acabada a refeição deu um beijo na idosa, e saiu apressada, pois faltavam apenas trinta minutos para as nove horas.

SONHO AO LUAR - PARTE VIII


Pela primeira vez, viu no seu rosto um leve sorriso.
- Bom parece que está empenhada em mostrar serviço.
- Entusiasmei-me, nem dei pelas horas, - disse ao mesmo tempo que parava o gravador. Imprimiu a última folha, e fechou o computador. Teve vontade de lhe dizer que gostava da história, mas temeu que ele pudesse pensar que estava a intrometer-se.
- Deve estar cheia de fome. Vou pedir à Antônia que lhe faça um lanche.

22.6.17

SONHO AO LUAR - PARTE VI


Isabel abriu o portão e disse ao homem que estava no jardim que ia por causa da vaga de secretária. Ele pediu-lhe para esperar, e entrou em casa. Voltou pouco depois e levou-a ao escritório. Ela ia olhando para a casa. Estava bonita, mais moderna, mas mais impessoal. Tão diferente daquilo que ela se recordava.
O homem abriu a porta, deu-lhe passagem e fechou-a atrás dela. Na sua frente, Helder encontrava-se recostado num cadeirão, com o cão a seu lado. Tinha vestido umas calças cinzentas, e um polo azul-escuro.
Mentalmente fez as contas. Se ela tinha vinte e seis anos, ele tinha trinta e seis. Parecia mais velho. Tinha já alguns fios de cabelo branco. O rosto moreno, continuava bonito, apesar dos óculos escuros, que escondiam os outrora brilhantes olhos castanhos.
- Bom-dia, - saudou. - Venho por causa da vaga de secretária.
- Bom-dia. A agência não me informou de que tinham mandado alguém.
- Bom, é que não vim mandada pela agência.
- Como assim?

21.6.17

SONHO AO LUAR - PARTE V





Ferveu o leite, fez o café, pôs manteiga nas torradas, e finalmente sentou-se em frente à avó. Comeram em silêncio, a jovem não se atrevia a dizer à idosa, o que tão bem planeara à noite. Quando acabaram, a avó colocou a sua enrugada mão sobre a dela, e disse com ternura:
- Vá lá filha, desembucha. Ou corres o risco de sofrer uma indigestão.

20.6.17

SONHO AO LUAR - PARTE IV




Depois do jantar, como já era tarde, e a avó se deitava cedo, Isabel arrumou as suas roupas e como a noite estava quente resolveu dar um passeio. Enquanto o fazia, pensava no que a avó lhe tinha contado. Hélder estava cego. Como era possível? O que teria acontecido? E era escritor? Ela nunca ouvira o seu nome ligado à literatura, nem vira nenhum livro dele. Decerto usaria um pseudônimo. Mas qual? De súbito viu-o no passeio do outro lado da rua, e agora sim, reconheceu o cão guia. Ficou parada no passeio, vendo como o cão parava junto do portão do jardim, que ele abria, e entrava, fechando-o atrás de si.
Sentiu uma pena enorme dele, e dela que em dez anos não esquecera um único dia, a vergonha da rejeição que sofrera, e o amor que desde menina lhe devotava.

19.6.17

SONHO AO LUAR - PARTE III


Agora, Isabel tem vinte e seis anos, um bom emprego como advogada, num escritório de advocacia, e encontra-se de férias que mais uma vez decidiu passar na casa da avó, que ela adora e com quem está a pensar, passar mais tempo. Na verdade, anda a estudar a hipótese de montar o seu próprio escritório de advocacia, na aldeia. 

SONHO AO LUAR - PARTE II

                                       

Passou os meses seguintes a sonhar com as férias junto da avó, para voltar a vê-lo. E apesar da diferença de idades, e de ele ter menos tempo por estar empregado, todo o tempo livre que tinha, passava-o com ela.
No ano em que fez quinze anos, não o viu, pois nesse ano, ele tinha viajado, com os pais, e as férias foram uma desilusão para ela. E mais um ano se passou, e de novo, chegaram as férias e desta vez ele estava lá. Triste, meio deprimido, com a recente morte dos pais num acidente de automóvel, apoiou-se na amizade e alegria de Isabel, e os dois estiveram mais unidos que nunca, ao ponto de na aldeia se dizer, que um era a sombra do outro. Isabel tinha acabado de fazer dezasseis anos, tinha mais de um metro e setenta de altura,  era demasiado magra, as suas ancas ainda não tinham arredondado, os seios eram como dois pequenos botões de rosa por desabrochar. Mas no peito batia um coração de mulher, que ansiava, por beijos e afagos do homem que amava. Sem qualquer suspeita, do que ela sentia, ele via-a apenas como aquilo que era, uma menina. E como tal a tratava. Continuavam a ser amigos inseparáveis, ria-se com as coisas que ela dizia, por vezes zangava-se e repreendia-a, enfim tratava-a como trataria uma irmã mais nova, se não fosse filho único.



18.6.17

DE LUTO







A morte saiu à rua num dia de canícula.
 Veio rápida como um raio, ou num raio,
 Dizem. Uma gigantesca labareda.
Cercada por mares de fumo.
A natureza que se agita, estrebucha,
E se imola. Na agonia de quem partiu
Na dor de quem ficou. 
Que os mortos repousem em paz.
 E que os vivos tomem medidas,
Para que tragédias destas dimensões,
 não se repitam.

SONHO AO LUAR - PARTE I


Descalça pela borda de água, deixando que as pequenas ondas de espuma branca, lhe viessem beijar os pés, a mulher caminhava de olhos fitos no horizonte, onde o sol mergulhava no mar, despedindo-se com uma explosão de cores. Isabel parou por momentos, extasiando-se com tanta beleza, e depois deu a volta, e dirigiu-se para as dunas, que davam acesso à estrada onde deixara o carro. Quase a alcançá-las, sobressaltou-se ao ver o homem sentado na areia, junto ao local por onde iria passar. Pensou desviar-se, mas isso seria dar ao homem, a ideia de que estava com medo, e não o impediria de a alcançar, se fosse essa a sua intenção, pelo que decidiu ir em frente. De súbito, empalideceu ao reconhecer o homem que sentado na areia, acariciava a cabeça de um cão.
Apesar dos óculos escuros reconheceu-o imediatamente.
Parou quase a seu lado e saudou com voz trémula.
-Olá.
Ele soltou uma espécie de grunhido, sem mover o rosto um milímetro sequer.

17.6.17

NA HORA EM QUE O GALO CANTOU - PARTE III




A irmã estava na idade, em que as hormonas se começavam a fazer sentir. A preocupação dela, estava em olhar e escolher entre os rapazes que andavam à sua volta, como abelhas em torno de flores.
Completamente sozinho consigo próprio, com as suas frustrações, e os seus anseios, dia após dia, Bruno caía no poço sem fundo da depressão.
E os anos foram passando, a irmã casou, o irmão já era pai.
Uns meses atrás o pai terminara o contrato de trabalho na Alemanha e regressara cheio de planos para a tal casinha.
Estranhara ver o filho tão macambúzio, mas dissera. ”É muito jovem, tem a vida pela frente, aquilo passa-lhe. O que ele precisa é de arranjar mulher”
Um mês depois a irmã fora mãe, e os pais, viviam “babados” nas gracinhas dos netos.
Durante o dia, Bruno castiga o corpo, enfrentando os trabalhos mais pesados com determinação. Para que à noite esteja tão cansado que adormeça, logo que cai na cama. Porém o descanso dura pouco mais de três horas. Depois acorda. Quando o galo canta, ele já está farto de andar às voltas na cama.  Remexe-se inquieto, com a solidão por companheira. A solidão é lixada. Está sempre presente, mas não se deixa abraçar, não faz amor com ele, não acalma as suas angústias. Fecha os olhos na esperança de que algo mude, mas ao abri-los só o vazio persiste à sua volta. E volta o mesmo pensamento. Belo como um raio de luz, cálido como um abraço materno. Persistente. Insidioso. Há meses que por esta hora, a ideia do suicídio, o acalenta. Inebria-o como o aroma de um perfume raro. E dia após dia, ele vai-se deixando conquistar. Como se nele encontrasse a realização dos seus sonhos, o fim certo, para os seus medos, os seus fantasmas. No quintal do vizinho o galo canta. Como se fosse um sinal, Bruno põe-se de pé e de mansinho, abre a porta da cozinha e sai para o quintal. Ao fundo a casa das ferramentas. No meio do quintal um pilar de ferro, donde parte um arame que passa pelo terraço por cima da casa de ferramentas. O estendal da roupa. Como um automato, vai à casa das ferramentas e sai com uma corda e um pequeno banco. Cuidadosamente faz um laço numa das pontas, passa-a pelo pescoço, sobe para o banco, amarra bem a outra ponta no pilar de ferro. Lentamente o dia vai clareando. Bruno lança à sua volta um último olhar. Depois sem hesitar, derruba o banco.
No quintal do vizinho, o galo canta de novo.






Maria Elvira Carvalho

16.6.17

NA HORA EM QUE O GALO CANTOU - PARTE II




Bruno ficou com a irmã e a mãe. A ausência em simultâneo do pai e do irmão mais velho, foram um rude golpe para ele. Sentiu-se como o deficiente que necessita de muletas para andar, e alguém lhas rouba. E era ele quem devia apoiar a mãe e a irmã?
 Ia de casa para o trabalho e vice-versa. Não falava com ninguém, a não ser no trabalho nos assuntos que precisava tratar com os colegas. Não gostava de ler. Os livros retratavam personagens completamente opostos ao que ele era. Neles, os personagens eram todos altos, atléticos e perfeitos. Homens que faziam as mulheres suspirarem, e sonharem. Por ele nunca nenhuma mulher ia suspirar. Que importava se o seu rosto era perfeito, se os seus olhos viam o mesmo que os dos demais, se o seu coração era tão capaz de amar como o do ser mais belo da sua espécie? Nenhuma mulher no mundo se ia sentir protegida com um homem que lhes dava pelo ombro. Ao cinema também não ia. Os filmes eram como os livros. Além de que no cinema havia sempre uns parezinhos mais interessados em trocar carinhos, do que em seguir a trama no ecrã. De futebol não gostava. Até nisso ele tinha que ser diferente? Não entendia o entusiasmo dos colegas com o futebol. Que graça tinha, ver um grupo de homens em calções, a correr de um lado para o outro atrás de uma bola, como se não houvesse amanhã? E milhares a gritarem, a rirem e a chorarem, como se não houvesse tanta gente no mundo a sofrer de verdade, a morrer vítimas da fome, da guerra, da poluição, até da violência doméstica.  
Com a mãe, Bruno falava o indispensável. Não que não a amasse. Ou que ela não se preocupasse com ele. Mas como podia falar com a mãe, do que o atormentava, se ela sempre lhe respondia: 
" Os homens não se medem aos palmos, filho"  Era boa pessoa, mas era também mãe, e para as mães os filhos sempre são perfeitos. Às vezes dizia-lhe para sair, se divertir, que parecia um velho. Ele encolhia os ombros e nem respondia.

15.6.17

NA HORA EM QUE O GALO CANTOU - PARTE I

                           





Três horas da madrugada. No quarto às escuras um homem está sentado na cama com a cabeça entre as mãos. De vez em quando um ronco surdo quebra o silêncio em que a casa está mergulhada. Bruno sabe que é o pai no quarto ao lado. Desde menino habituou-se a ouvir aquele ronco. É-lhe tão familiar que há muito deixou de o ouvir. Ou pelo menos, não chega para lhe perturbar os pensamentos. Que diga-se em abono da verdade, são bem perturbadores. Bruno é um homem jovem. Completou à pouco vinte e sete anos. Baixo, faltam-lhe alguns centímetros para o metro e sessenta, e isso, sempre foi um pesadelo para ele. Porque apesar do rosto perfeito, ele sempre estivera abaixo da média em altura. Desde a escola, onde os outros meninos, lhe chamavam, anão, ou meia-leca. Ou mesmo quando rejeitavam a sua presença nos jogos do recreio, como se ele tivesse peste, apenas porque era mais pequeno do que devia. As crianças podem ser extremamente cruéis sem se darem conta, nem deixarem cair o sorriso.
Bruno foi crescendo, sentindo-se rejeitado por uma sociedade que avalia os homens em centímetros, beleza, ou poder material, mas nunca pelo carácter. Aos dezassete anos, apaixonou-se por uma colega de escola. Levou todo um período a ensaiar as palavras para se declarar.
“Cresce e aparece”- disse ela, rindo-se dele.
 Desde esse dia a revolta instalou-se-lhe no peito, e como erva daninha foi devorando tudo de bom que havia nele. Um ano depois, abandonou a escola. Era bom aluno mas perdera todo o interesse pelos estudos. Mais tarde, foi considerado inapto para a tropa.
Por essa altura o irmão mais velho casou-se e o pai emigrou para a Alemanha. Tinha uma boa profissão, arranjara um bom contrato, e seria a hipótese de conseguir ganhar algum dinheiro e construir a casinha com que sonhava, já que o terreno lhe deixara um tio em testamento.




Aviso ao leitor. Esta história tem apenas três capítulos. Não é real, mas podia ser. Escrevi-a como um alerta, a certas atitudes. 


14.6.17

VAMOS CONVERSAR?


Mais uma história chegou ao fim. Espero que vos tenha agradado. Como sempre gostaria de uma opinião sincera sobre o que leram, o que mais, ou menos gostaram.   O que escrevo, não são obras de literatura, mas histórias com que pretendo se  entretenham. De qualquer modo, com a vossa ajuda sempre se pode  melhorar. Como devem reparar, quase sempre, elas abordam um tema da atualidade.  A violência doméstica, doenças,  o alcoolismo, a solidão, o abandono, o conflito entre gerações. Tudo muito soft claro, não pretendo ser uma extensão dos noticiários, nem que vocês fujam do sexta a sete pés. 
 A próxima história,  a começar amanhã, terá apenas um décimo dos capítulos desta. Será um conto com três capítulos apenas, e que espero não vos deixe em choque. Tenho depois mais três novas agendadas.Também ando a pensar se devo repor a Rosa. Como sabem Rosa foi publicado em livro. Esgotou em dois meses, e não tenho hipótese de fazer outra edição. Muitos me têm dito que gostariam de o ler. Claro que os mais antigos o terão lido, quando o publiquei aqui no blogue, há quatro anos. Tenho vários colegas da Universidade Sénior que gostariam que eu o republicasse para poderem lê-lo. Gostaria de saber se entre vós também há quem não o leu. Lembro que ao fazer a publicação do livro, apaguei o conto do blogue.
 Vocês  são os melhores amigos do mundo. Provam-no os mais de 25.000 comentários.  MUITO OBRIGADA A TODOS

JOGO PERIGOSO - PARTE XXX






Na faculdade tinha feito amizade com o teu irmão. Eu tinha ouvido falar dos sonhos dele, de ir para África, e admirava-o muito. Creio que ele me admirava porque a minha história era conhecida. Dessa admiração mútua, nasceu uma profunda amizade. Quando surgiu a oportunidade de começar com o negócio da confecção, o padre Miguel deu-me o acesso a uma conta no banco, dizendo-me que era o dinheiro que eu lhe dera, e que o guardara para eu iniciar a vida depois dos estudos. Mas o dinheiro não chegava e eu não ia sobrecarregá-los com mais encargos. De modo que decidi desistir e procurar um emprego em qualquer firma. Não sei como o teu irmão soube, juro que não falei nada com ele, sobre o assunto, embora tenha comentado com outros amigos que se tivesse dinheiro comprava aquela microempresa de confecções. O teu irmão pagou tudo o que me faltava e ainda me ajudou com  o investimento inicial. 
Jurei que lhe devolveria tudo com juros, quando triunfasse, e tentei fazê-lo três anos mais tarde, mas ele não aceitou. Disse que tinha sido  como um presente de aniversário.  E que lhe retribuiria um dia se ele precisasse. Por isso, quando me procurou e me ofereceu a compra da sua parte na fábrica eu não hesitei. Mas só nessa altura soube que ele tinha uma irmã.
 Até te conhecer, era um lobo solitário. Nunca tinha pensado numa mulher como companheira de vida, nunca pensara em casamento.  A minha figura agradava às mulheres e elas agradavam-me a mim. Desculpa se te pareço cínico, mas estou a ser o mais sincero possível. Tive várias amantes. Mas quando te conheci, e me enfrentaste, senti que tinha encontrado a minha alma gémea. Cada vez que o fazias, ficava louco. Não davas qualquer sinal de que te agradava, e eu  que sempre vivi rodeado de belas mulheres, não sabia como te conquistar. Quando enfim começamos a entender-nos, pensei que era um sonho. Nunca tinha estado apaixonado antes, desconhecia o sentimento. E era algo tão novo, tão incrível.  E quando fizemos amor, senti-me o último rei da terra. Depois, os dois sabemos o que aconteceu.  A tua falta de confiança, fez com que me sentisse destroçado. Sei que fui muito duro, disse coisas horríveis, mas acredita, não te fazia sofrer tanto quanto o meu próprio sofrimento.
O facto, da minha mãe ter morrido de parto, criou em mim uma espécie de rejeição à ideia de ter um filho. Nunca pediria à mulher, que amo, que assumisse esse risco. Creio que viveria em suspenso todo o tempo da gestação, num pesadelo constante, temendo o que podia acontecer. Por tudo isto, eu nunca te rejeitaria se me tivesses contado naquele dia. É a ti que eu amo, tal como és. E depois, quando um dia, quisermos um filho, há tantas crianças a precisarem de quem as ame e cuide delas. Como eu precisei.
Apertava-a contra si, beijava-lhe o rosto, o colo, o pescoço. As mãos nervosas, percorriam-lhe o corpo, ora se introduzindo sob o vestido até à coxa, ora  acariciando os seios através da fina seda, que os cobria.  O desejo crescendo desenfreado.
- David o jantar! – Murmurou ela os dedos acariciando-lhe a nuca. 
Levantou-se, pegou-lhe ao colo, e sussurrou-lhe ao ouvido: 
- Acho que vou querer, primeiro a sobremesa. No quarto...
O riso dela, era uma promessa de felicidade.


Fim



Elvira Carvalho


12.6.17

JOGO PERIGOSO - PARTE XXIX




-Tonta. Como foi possível pensares que eu te ia deixar por causa disso? - Perguntou, sem deixar de olhá-la com imensa ternura.
-Dizes isso agora, mas quando os anos passarem, vais recriminar-me. E não vou aguentar. Morro de desgosto.
- Escutei-te. Escuta-me tu agora. Nasci numa aldeia do norte. Minha mãe morreu de parto, e fui criado pelo meu pai e por uma sua irmã, viúva, que vivia lá em casa. Não me lembro de um único afago do meu pai. Creio que ele me culpava pela morte da minha mãe. A minha tia, também não era muito carinhosa, pelo que as minhas recordações de infância, não são como deves calcular muito boas. Fui crescendo com mais sonhos, que dinheiro para concretizá-los, pois lá em casa ele rareava. Aos catorze anos, farto daquela vida, fugi para a cidade. Mas na cidade, ninguém ligava a um miúdo, ninguém lhe dava trabalho. Vagueei pelas ruas durante vários dias. Cheio de fome, entrei numa igreja, disposto a roubar a caixa das esmolas para comer. Faltou-me a coragem e sentei-me num banco a chorar. Depois de algum tempo senti que uma mão me afagava a cabeça, e vi que era o padre. Tentei fugir, mas ele segurou-me o pulso com força, falou-me com tal suavidade, que quase sem dar por isso, acabei por lhe falar da minha vida, dos meus sonhos, da fuga, enfim uma verdadeira confissão. Então ele levou-me a um pequeno café que havia perto da igreja, e pagou-me uma refeição. Depois disse que ia tomar conta de mim, que me ia ajudar a realizar os meus sonhos.  Pediu a morada do meu pai e escreveu-lhe a dizer que eu estava bem e que ia estudar. Depois levou-me para casa de uma irmã que tinha dois filhos, um da minha idade, e outro um pouco mais velho. Eles acolheram-me muito bem, partilharam comigo, roupa, alimentação, e carinho. O padre Miguel, e algumas senhoras da catequese, pagaram-me os estudos e obrigaram-me a estudar. Graças a eles, não sou hoje um vadio. Era aplicado e cheguei a fazer dois anos num. Depois fui para a faculdade. Na primeira semana na faculdade, o padre Miguel, trouxe-me um bilhete de comboio e informou-me que meu pai tinha morrido. Voltei à terra para o funeral, cheio de pena, de não ter conseguido ganhar o seu amor. Depois regressei para a minha verdadeira família. O padre Miguel e os seus. E para a faculdade.  Queria ajudar nas despesas, mas eles não me deixavam trabalhar. Eu tinha um incrível jeito para o desenho e comecei a vender alguns desenhos, aos amigos, e a fazer ilustrações para editoras, e jornais. O que ganhava, não era muito, mas dava tudo ao padre Miguel, para ajudar nas despesas. 


  

JOGO PERIGOSO - PARTE XXVIII


A dor que Daniela sentiu foi tão intensa que não resistiu. Sentiu que a visão se  lhe nublava, teve a nítida sensação de que o chão vinha ao encontro da sua cabeça e mergulhou no abismo.
Acordou minutos mais tarde, estendida no sofá. Sentado ao seu lado, David, passava-lhe uma toalha molhada pela testa.
- Sentes-te melhor? – Perguntou apreensivo.
- Já passou. Queres ou não ouvir-me?
 -Achas que vale a pena? - Perguntou com amargura
-Talvez sim, talvez não. Tu dirás. Lembras-te, de me teres perguntado porque me divorciei? Perguntaste se houve traição e eu respondi que sim e não. Bom para ir ao princípio da questão, casei-me aos vinte e quatro anos,   profundamente apaixonada, sonhando com uma relação para toda a vida. Um ano depois de casada, Felipe começou a questionar-me porque eu não engravidava, e ele queria logo ser pai. Consultei um ginecologista, fiz vários exames e no fim ele disse-me que era estéril. Calculas a dor que é para uma mulher de vinte e cinco anos, cujo marido a pressiona todos os dias, para lhe dar um filho, saber que nunca vai poder fazê-lo? Foi como se o mundo inteiro ruísse à minha volta. Fiquei destroçada. Quando contei ao Filipe, ele disse-me que não importava e durante alguns dias, eu acreditei nisso. Mas foi sol de pouca dura. Pouco depois começou a marcar-me consulta em vários médicos, sempre acreditando que um deles ia fazer o milagre. A minha vida, deixou de fazer sentido, era um verdadeiro calvário, de médico em médico, de exame em exame.
David estava pálido. Percebeu a crueldade, que as suas palavras tinham representado, e a causa do  desmaio da jovem, e recriminou-se por isso.  Abraçou-a.
- Perdoa-me. Não precisas continuar, não quero que sofras.
- Tenho de o fazer. Não percebes que é um espinho que trago cravado no peito? Deixa-me continuar. Ao fim de quatro anos, quando o último médico aconselhou o Filipe, a esquecer os filhos biológicos e a fazer uma adoção, ele pediu o divórcio. Sofri muito. Não tinha sido traída por nenhuma outra mulher, fui traída pelo meu ventre inútil. Jurei que nunca mais me ia interessar por nenhum homem, e durante mais de três anos, consegui viver apenas para o trabalho, mas quando te conheci, esqueci todos os meus propósitos, e apaixonei-me que nem uma idiota. Espera, deixa-me ir até ao fim, - disse colocando-lhe uma mão no peito e empurrando-o ao perceber que ele se inclinava para a beijar. -Via nos teus olhos, que me desejavas, e pensei que podia ser feliz mantendo uma relação de amante contigo. Tinhas fama de mulherengo, não te ias prender, não quererias mais do que isso, e eu poderia desfrutar desse arremedo de felicidade, pelo menos até que te cansasses de mim. Era um jogo perigoso, sabia que mais cedo ou mais tarde, te ia perder, mas enganava-me dizendo que teria tempo suficiente para me habituar à ideia. Tu nunca quererias mais do que uma relação passageira, não tinhas que saber da minha inutilidade, como mulher. Mas depois daquela noite, tu disseste que me amavas, que querias casar, e eu fiquei apavorada, - concluiu com um soluço.
Ele apertou-a nos braços, e deixou um rasto de beijos no rosto molhado.



Aceito a critica de que o David entrou a matar. Mas temos que convir não foi pior do que a Daniela fez aquando do pedido de casamento. Os dois usaram a crueldade como um escudo.

11.6.17

JOGO PERIGOSO - PARTE XXVII









A vida que conhecera em África dera-lhe força para o que ia fazer e ajudaram-na a tomar uma decisão. Sabia que amava David, e que se ele a rejeitasse, ia sofrer muito. Mas não podia continuar a fugir dos seus sentimentos. Se não desse certo, vender-lhe-ia as suas ações e juntar-se-ia ao irmão em Marrere. Onde tudo falta, ela encontraria decerto uma boa razão para viver, e uma oportunidade de esquecer, a sua tragédia pessoal. Naquela manhã levantou-se cedo, tomou banho, vestiu o conjunto da segunda página do catálogo que tanto a encantara e comprara antes de partir, e seguiu para a fábrica. Passou pelo gabinete de Madalena que abraçou com alegria e depois bateu na porta do gabinete e entrou.
- Olá,- cumprimentou tentando aparentar uma naturalidade que não sentia.
Ele levantou-se. Estava mais magro, tinha um ar cansado. Não devia ser fácil gerir as duas fábricas e simultaneamente preparar o catálogo para a próxima época. Reparou no olhar de admiração quando a olhou. Seria pelo fato, que ele reconheceria, como criação sua, ou pela sua presença?
-Olá. Julgava-te em Moçambique.
-Regressei na madrugada de ontem, mas levei quase vinte horas horas a dormir.
- Vens trabalhar?
- Ainda não. Vim convidar-te a jantares comigo. Na minha casa.
Viu que como o corpo musculado enrijecia, enquanto o rosto se tornava pálido. Notou o apertar dos punhos, e antes que ele falasse, inclinou-se para a frente e pediu.
-Por favor, não digas nada que não possa perdoar-te. Já nos ferimos o suficiente. Tenho que te contar uma coisa, que pode ou não mudar toda a nossa história. Se ainda tens algum carinho por mim, não faltes.
Ele esticou o braço e segurou-a pelo pulso. Olharam-se profundamente, estudando-se mutuamente.
-A que horas? – Perguntou largando-lhe o pulso.
-Às oito.
Voltou-lhe as costas e saiu deixando o homem perplexo.
Ela seguiu para o supermercado onde fez as compras para o jantar.
Uma perna de borrego para assar, os ingredientes para a sobremesa, um gelado e vinho.
Fez um bolo de chocolate, preparou e pôs no forno o borrego com batatas, e fez a salada. Hesitou sem saber bem como ia por a mesa, acabando por decidir por uma mesa simples para duas pessoas, sem qualquer detalhe romântico que o levassem a tirar conclusões apressadas, e não muito abonatórias para ela.
Com tudo pronto, foi tomar banho, e vestir-se. Acabava a maquilhagem, quando ouviu a campainha. Abriu a porta e ele estendeu-lhe um ramo de tulipas amarelas. Ela aceitou-as como uma promessa de paz e amor.
- Obrigada, são lindas. Entra, o jantar está pronto, é só por as flores numa jarra, e levo-o já para a mesa.
Seguiu-a para a cozinha.
- Não tenho fome. Deixa as flores aí e vem para a sala. Quero saber o que tens de tão importante para me dizer. Decerto não será que estás grávida. Porque se é isso, escusas de tentar. Lembro-te que usei proteção.

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Na reta  final. Será que estes dois, se vão entender?