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30.4.21

PORQUE ME APETECE





Riccardo Cocchi - Yulia Zagoruychenko | 2019 Dublin | Showdance Jive


Celebrou-se ontem o dia mundial da dança, mas ontem era o aniversário do Sexta, e como se costuma dizer que o que se não faz em dia de Santa Luzia, faz-se no outro dia, aqui têm pois um par de que gosto muito. 
A propósito para quem não sabe, são um casal. Partilham pois o amor pela dança e não só.

29.4.21

E HOJE ESTAMOS DE PARABÉNS ...

Gentileza da Noname


 É verdade. Este vosso espaço, faz hoje 14 anos. Nunca me passou pela cabeça quando, ainda a tentar descobrir o que era um computador e como se mexia nele,  pedi ao meu sobrinho que me abrisse um blogue, que 14 anos depois ainda por cá andaria. 

Todavia, o mérito não é meu mas de todos aqueles que me acompanharam nesta caminhada, pois são vocês que com a vossa presença, o vosso carinho e as vossas palavras me levantaram, me sustiveram, e me inspiraram em todos estes anos.

É certo que muitos partiram seduzidos pelas redes sociais, mas outros têm chegado e ocupado o lugar com o mesmo carinho e amizade. E não me digam que amizade virtual não existe, porque, meu Deus, quantas provas recebi em momentos críticos de amigos virtuais, muito antes de os ter conhecido e se terem tornado reais. Por isso, meus amigos é por vós que o Sexta existe, é por vós que existe  A Mulher e a Poesia  a irmã mais nova do Sexta que hoje faz 13 anos. E é para vós que vai o meu agradecimento e a festa.




28.4.21

CRISTINA

 baseado numa história real.



A década de sessenta, rinha começado há pouco, quando Cristina nasceu. Era a primeira e viria a ser a única de um casal que já não era muito jovem para a época. Hoje os tempos são diferentes, as mulheres são mães mais tarde, mas naquele tempo, raramente uma mulher, era mãe do primeiro filho depois dos vinte e cinco anos. Pouco tempo depois do seu nascimento, o pai perdeu o emprego, e passaram por um tempo de crise, já que naquela época, um homem com trinta e cinco anos, já era velho demais para a maioria dos empregos.
Enfim conseguiu um emprego e a situação estabilizou, mas o medo do futuro roubou a Cristina a felicidade de ter um irmão.
A menina cresceu assim, com todos os zelos, mimos e confortos que sempre têm os filhos únicos, mas que não compensam a alegria do abraço de um irmão ou irmã, com quem nos podemos zangar, até brigar, mas com quem sempre acabamos por dar um abraço, partilhar uma brincadeira, ou um segredo.
Muito inteligente, foi crescendo, sempre com boas notas, mas com pouca vontade de estudar. Quando completou o Ensino Secundário, deu os estudos por terminados e entrou no mercado de trabalho. Era uma jovem muito bonita, alta, morena, com grandes olhos escuros e farta cabeleira levemente ondulada, (com o que sempre embirrou pois gostava dos cabelos lisos). Pretendentes não lhe faltavam, mas nunca se entusiasmou com nenhum, vá-se lá saber porquê.
Aos vinte anos Cristina tinha tudo para ser uma mulher feliz. Era bonita, tinha um bom emprego e acabara de comprar um carro. Casamento, filhos, tudo isso estava muito distante, ela tinha uma vida inteira pela frente, tudo viria a seu tempo. Pouco depois de completar vinte e um anos, Cristina adoeceu. Fraqueza muscular, infeção urinária, visão dupla. Recorreu ao médico, fez análises, tomou antibióticos, a infeção cedeu e pouco depois estava bem. Retomou a vida normal, transformou um amigo em namorado, não gostou da transformação, mandou o namorado passear, e foi vivendo o melhor que podia e sabia, dentro dos cânones normais para uma jovem da sua idade, naquela época, com uns pais conservadores.
Dois dias antes dos vinte e três anos, Cristina voltou a adoecer. Novamente a fraqueza muscular, também tremores de movimentos, diminuição da acuidade visual unilateral. Mais uma vez recorreu ao médico que depois de repetidas muitas análises lhe disse que não encontrava nada de anormal, que provavelmente seriam nervos e lhe receitou uns “calmantes fraquinhos”
Duas semanas depois estava bem, e tudo parecia ter voltado ao normal, embora ela notasse que tinha menos força nas pernas. Os anos foram passando, Cristina ia tendo crises cada vez mais frequentes e cada vez mais intensas. Andava de médico para médico, ninguém descobria o que se passava, até que as crises, que inicialmente eram muito espaçadas, começaram a surgir de dois em dois meses, e só passavam com tratamento hospitalar.
Quando naquele dia de Março de mil novecentos e noventa e três, Cristina foi a uma consulta de oftalmologia, estava de novo com visão dupla. Tinha vinte e oito anos e há muito tempo, deixara de ter uma vida normal. O médico depois de a observar, disse-lhe que ela não tinha nada que ele pudesse tratar, mas que ia mandá-la a um neurologista amigo dele, a quem escreveu uma carta que fechou e lhe entregou.
Cristina assim fez. O neurologista depois de ler a carta, fez-lhe imensas perguntas e por fim mandou-lhe fazer uma tomografia, e uma ressonância ao cérebro.
Por essa altura, Cristina namorava já há uns dois anos, e o namorado acompanhou-a a fazer os exames.
Pouco tempo depois, os resultados ficaram prontos e Cristina foi de novo ao neurologista. Este examinou-os atentamente e depois deu o veredito. Cristina sofria de uma doença autoimune, a Esclerose Múltipla. 
Ela, nada sabia da doença mas imaginou que não seria nada bom. Pediu esclarecimentos ao médico que lhe disse tudo o que ele próprio sabia. Se hoje não se sabe muito sobre esta e outras doenças autoimunes, imagine-se naquela época.
Cristina chegou a casa, fechou-se no quarto e chorou. Chorou como nunca tinha chorado na vida. Chorou pelos sonhos, que morreram nesse dia, pela incerteza do seu futuro, pela tristeza de seus pais.
No dia seguinte, decidida acabou o namoro. Disse que nunca seria capaz de aceitar o amor de uma pessoa, sabendo que mais cedo ou mais tarde, ia fazer essa pessoa sofrer. Que não queria correr o risco de pôr no mundo um filho, que não sabia se poderia criar. E não houve quem a demovesse dessa decisão.
Durante alguns anos, Cristina manteve o emprego. Depois a empresa faliu e claro que ela não conseguiu novo emprego. Foi reformada por deficiência com trinta e oito anos.
Hoje Cristina, continua a viver com os seus velhos pais. Sofreu muito, cada vez que surgia um novo surto. Há uns anos que com a mudança de medicação, deixou de ter surtos, mas a doença continua a evoluir, embora de forma mais lenta. Apesar disso é ainda uma mulher muito bonita, apesar dos seus quase sessenta anos. Vive um dia de cada vez, como costuma dizer. Sorri com facilidade apesar de todas as provações que a vida lhe deu. De todos os sonhos que não realizou, de todas as alegrias que não viveu.


Fim


elvira carvalho


Nota: 
Em Portugal surgem 300 novos casos de EM por ano.
Na esclerose múltipla, o sistema imunológico do paciente provoca danos ou a destruição da mielina, uma substância que envolve e protege as fibras nervosas do cérebro, da medula espinal e do nervo ótico. Quando isso acontece, são formadas áreas de cicatrização (ou escleroses) e aparecem diferentes sintomas sensitivos, motores e psicológicos, que vão desde dormência nos membros até paralisia ou perda da visão.

Fui chamada para a vacina ontem, mas não ma deram.  Porque como já fiz um choque anafilático, disseram-me que só me dão a vacina com uma declaração por escrito do meu alergologista, em como a posso levar.

Para terminar o dia à beira de um ataque de nervos, uma cena de violência doméstica no terceira andar , que pareciam querer deitar o prédio abaixo e que obrigou à intervenção da polícia. Nem sei se vou conseguir dormir.

27.4.21

POESIA ÀS TERÇAS - A PALAVRA DOS POETAS








Para Aquém de Abril


Entardeceram
nos umbrais da aurora
as memórias do teu rosto
Abril...
Nunca mais soprou o vento
depois
de Novembro
a vida
petrificou-se na inconstância
do rio...
não mais navegam
o teu sorriso
de florestas virgens

Hoje
passeio atónito
na neblina
das montanhas
fluir no tempo
na inércia da aventura
sonhar parado
no caminho em movimento
vir à estrada
e saber oscilar no horizonte
ser a terra
o mar
o sol
e a boca
cantar poema aberto
esperança viva
olhar o homem disperso
e cantá-lo
com a herança do ventre
reinvento-me
e não passo da superfície
deste mar austero

nos flancos do dia
arde o inatingível
torno a inventar

(o desfraldar das areias
vai-se consumindo
até que o sol nasça)


Francisco Duarte
Afluentes de Liberdade
Edições Milho Rei

26.4.21

CASAMENTO POR PROCURAÇÃO - PARTE XXVI

Lembram-se da crónica feminina? Pois é, procurei uma noiva de 1979, e olhem o que encontrei.




EPÍLOGO

Três anos depois o casal está estabelecido em Aveiro. Quim tinha ajudado os pais, e sogros, na recuperação das velhas casas de família, para lhes dar uma vida de maior conforto, mas a aldeia era demasiado pequena para os seus sonhos. Ele queria montar um bom restaurante, numa cidade,  mas ao mesmo tempo, queria uma zona relativamente perto da aldeia, de modo a que os pais e sogros, pudessem ter uma certa relação de proximidade com os netos.
Dentro desses parâmetros surgiram dois nomes. Aveiro e Viseu. Estudadas as características das duas cidades, o casal optou por Aveiro, pois tinha, segundo a sua lógica, mais condições para atrair o turismo, pela beleza dos seus canais. E passados três anos, o Restaurante Típico da Beira, é o melhor restaurante da cidade e o mais procurado por turistas e residentes. 
Catarina tem sete anos e já está na escola, Maria tem três anos e é o encanto da irmã, pais e avós.
Mas naquele dia o casal está na aldeia.  E é Setembro de novo. O último da década de setenta.
Sofia, está em casa da mãe, no seu antigo quarto de solteira, às voltas com um vestido de noiva. As crianças, lindas nos seus elegantes vestidos de damas, entram e saem sem se calarem, excitadas pela novidade, e seguidas pela velha Idalina, que zela para que não mexam em nada que as possa sujar.  Sofia acaba de se vestir de noiva, como há dez anos atrás. E como nessa altura as primas, Celeste e Maria João, ambas já casadas, ajudam-na a preparar-se. A mãe entra no quarto para as apressar e está radiante. Não só porque a sua menina vai receber o sacramento do casamento, (e para as suas convicções religiosas, deixará de viver em pecado,) como porque agora ela sabe que não tem com que se preocupar. A filha é uma mulher feliz. E se alguma dúvida pudesse ter, bastava-lhe ver os dois juntos. Como se olham, como estão pendentes um do outro, como se entendem com um único olhar. A ideia do casamento religioso, foi de Quim. Ele queria vê-la vestida de noiva, queria viver a emoção de a esperar junto ao altar.
Ela aceitara. E no fundo, também está muito feliz, apesar de pensar que a cerimonia, não vai aumentar nem diminuir o amor que os une. Mas também ela sente a emoção de se vestir de noiva para ele.
O desejo de se ver refletida nos seus olhos na hora do juramento sagrado. De sentir o calor da sua mão, na troca das alianças. Pequenas coisas que fazem a felicidade de uma mulher, e que ela ainda não vivera.
E depois, ele não lhe tinha dito uma vez, que o juramento perante Deus, era para aqueles que sentiam um grande amor?

Fim


Elvira Carvalho

25.4.21

25 DE ABRIL SEMPRE

 




Ontem da minha varanda, assisti ao espetáculo pirotécnico no Seixal, sinal de que se iniciaram as comemorações do 47º aniversário do 25 de Abril

Há 47 anos atrás, o 25 de Abril e a revolução dos cravos entrou na minha vida quando ainda era uma jovem cheia de sonhos. Em África onde me encontrava a acompanhar o marido que era militar, eu sonhava com a Liberdade com o fim da guerra e sobretudo com uma vida melhor e mais igualitária para todos. Oriunda de uma família muito pobre, nasci numa barraca sem água e sem luz, e dividi com dois irmãos mais novos, uma infância onde não havia nada que uns pais a trabalhar arduamente e a sofrer, com medo de um dia não terem a uma sopa, e um pedaço de pão para nos matar a fome. Com onze anos, depois de ter completado a 4ª classe, fui trabalhar. Fazia recados, tocava o gado na nora, da quinta do ti’ Pereira, para que a água não faltasse na rega e carregava padiolas de estrume que vinham pelo rio em fragatas para adubar as terras. Mais tarde aos 14 anos fui trabalhar para a Seca do Bacalhau. Como quase toda a gente que vive assim, o meu maior sonho na altura era viver numa casa de pedra, com água e luz e uma casa de banho com uma banheira, pois sempre tomávamos banho na selha, onde a mãe lavava a roupa.
Quando casei concretizei enfim esse sonho, e vivi outros que nunca me atrevera a ter. Quando aconteceu o 25 de Abril pensei que a vida dos portugueses ia enfim tomar um novo rumo. Com a Liberdade não íamos mais olhar o nosso vizinho com desconfiança cada vez que desabafávamos sobre as dificuldades da vida, já que até aí muitos iam presos um ou dois dias depois de certos desabafos. Pensei também que com o fim das guerras coloniais, a vida dos jovens portugueses ia melhorar muito. Iam deixar de ser obrigados a partir para a guerra, iam deixar de voltar estropiados, física e mentalmente. Íamos enfim ter um País mais justo, mais igualitário. Íamos dar aos nossos pais uma velhice digna e aos nossos filhos um futuro melhor do que o nosso. E uma parte desses sonhos concretizaram-se com a democracia é verdade. Ninguém mais foi preso por pensar diferente do regime e a guerra colonial acabou.
Somos um país melhor do que naquela época.
Mas está longe daquilo que o povo sonhava. Porque passaram quarenta e sete anos, e os nossos filhos continuam a ser obrigados a procurar em terras estranhas, o futuro que o país lhes nega. Ou então amordaçam os sonhos e a esperança e limitam-se a sobreviver. Os mais velhos que trabalharam duramente toda a sua vida, chegam à velhice, com o permanente dilema de escolher entre comer, ou pagar a medicação quase sempre necessária à medida que os anos aumentam, e a saúde escasseia. Porque as reformas de miséria, que grande parte dos idosos recebem pouco ultrapassa os 300 € mensais. Somos um País cada vez mais idoso, e as esperanças do 25 de Abril nos darem uma velhice mais digna já se esbateram há muito. A democracia está meio adormecida, anestesiada pela corrupção que cresce como erva daninha.
Dos sonhos de há quarenta e sete anos, resta-nos a Liberdade, sem dúvida a maior conquista de Abril. E a vida sem Liberdade não faz sentido é verdade. Mas pergunto:
-E a Liberdade sem pão, faz?
É URGENTE ACORDAR A DEMOCRACIA, antes que aqueles que nunca a quiseram, acabem com ela de vez.

25 DE ABRIL - DIA DA LIBERDADE





Abril

Havia uma lua de prata e sangue
em cada mão.

Era Abril.

Havia um vento
que empurrava o nosso olhar
e um momento de água clara a escorrer
pelo rosto das mães cansadas.

Era Abril
que descia aos tropeções
pelas ladeiras da cidade.

Abril
tingindo de perfume os hospitais
e colando um verso branco em cada farda.

Era Abril
o mês imprescindível que trazia
um sonho de bagos de romã
e o ar
a saber a framboesas.

Abril
um mês de flores concretas
colocadas na espoleta do desejo
flores pesadas de seiva e cânticos azuis
um mês de flores
um mês.

Havia barcos a voltar
de parte nenhuma
em Abril
e homens que escavavam a terra
em busca da vertical.

Ardiam as palavras
Nesse mês
e foram vistos
dicionários a voar
e mulheres que se despiam abraçando
a pele das oliveiras.

Era Abril que veio e que partiu.

Abril
a deixar sementes prateadas
germinando longamente
no olhar dos meninos por haver.


José Fanha, Lisboa, Portugal
(Do livro  "Tempo azul")

23.4.21

CASAMENTO POR PROCURAÇÃO - PARTE XXV




Dias depois, Quim foi convocado pelo advogado dos tios para a leitura do testamento. Os tios tinham-lhe deixado tudo. A sua casa, o restaurante e um bom dinheiro. Excetuando uma pequena quantia que destinaram à empregada, e uma cláusula em que determinava que eles deveriam continuar  a mantê-la na casa, já que era quase como família.
O casal, mudou-se então para a casa, que fora dos tios, por cima do restaurante. Quim continuou a ser o chefe, Sofia, tratava de todos os assuntos relativos à gerência. O negócio ia bem, a conta bancária aumentava. Três anos depois, nasceu a  pequena Catarina. E quando esta estava prestes a completar um ano, aconteceu em Portugal, a tantas vezes sonhada revolução, que depôs o regime fascista e colonialista. Era Abril, os cravos floriram e com eles a libertação de um povo, martirizado pela fome e pela guerra.  As imagens correram mundo, e eles viram-nas pela televisão e renovaram as esperanças de poderem voltar a Portugal.
Se a guerra colonial acabasse, Quim podia voltar.  Era o sonho comum do casal. Voltar à terra que os vira nascer, rever parentes e amigos. E então aconteceu. A independência das colonias tornou-se irreversível, mas a paz tão sonhada não. Angola, Moçambique e Guiné, as três maiores colónias, tinham vários movimentos de libertação, e todos queriam o mesmo. Ser o seu movimento aquele que assumiria o poder, e isso teve como consequência que a guerra recrudesceu, levando os muitos portugueses lá residentes a fugiram para Portugal. Mais de meio milhão de portugueses, muitos deles nascidos naquelas possessões africanas, chegaram a Portugal, sem emprego, sem dinheiro, sem outros bens, que não a própria vida. Enquanto o governo procurava dar resposta, aquela avalanche de gente, a precisar de pão, roupas, casa, enfim do básico para sobreviver, alguns acolhiam-se ao abrigo de familiares, ou com algum sacrifício, emigravam para outros países, certos que estavam de não terem futuro em Portugal.  
Quim e Sofia, que na altura planeavam vender a casa e o restaurante, e regressar à terra que os vira nascer, e onde tinham os seus familiares, no intuito de se estabelecerem na terra-mãe, receando que a conjuntura do país naquele momento difícil, não lhes fosse favorável, adiaram  a decisão.
Porém poucos meses depois, Sofia voltou a ficar grávida, e eles ficaram sem outra opção. Se queriam realizar o sonho do regresso, era aquela a ocasião. Quim e Sofia, não queriam que o nascimento do novo bebé ocorresse em França.  Acreditavam que os filhos, iam crescer e sentir que a França era a sua terra, o seu país. Mais velhos, não quereriam ir viver para uma terra que embora fosse a dos seus pais, eles não conheciam, nem sentiam como sua. E os pais, fatalmente iriam ficar onde os filhos estivessem. Por isso era urgente o regresso. Venderam tudo, transferiram para Portugal o seu dinheiro e os três acompanhados de Idalina, a empregada, chegaram à aldeia no mês de Agosto do ano da graça de mil novecentos e setenta e seis.


E continua...

 

21.4.21

CASAMENTO POR PROCURAÇÃO - PARTE XXIV


Surpreendido Quim franziu o sobrolho. Porque chorava? Puxou uma cadeira e sentou-se a seu lado.
-Que se passa Sofia? O que foi que eu disse, para ficares assim? Será que te arrependeste?

Arrependida? Ela? Não, de modo algum. Olhou-o por entre as lágrimas.
-Não é o que disseste. É o que vais dizer…
- O que eu vou dizer? - interrogou por sua vez, enquanto pensava que as mulheres, eram bem mais complicadas, do que aquilo que ele gostaria que fossem. Especialmente aquela, que era sua mulher. – Não entendo.
-Disseste que temos que falar do que aconteceu. Calculo que me vais dizer que não devia ter acontecido, que estavas cansado, que não desejavas...

Ele estendeu a mão e pegando-lhe no queixo, obrigou-a a olhar para ele.
- Calculas mal, Sofia. Se eu sonhasse que não seria rejeitado, já teria acontecido há muito tempo.
Tocaram sinos no coração de Sofia? Ela seria capaz de jurar, que ouvia os carrilhões de Mafra, em dias de festa.
- Queres dizer que …
- Que aprendi a amar-te, querida! Foste como um delicioso vinho, cujo aroma se foi infiltrando em mim, até me deixares completamente embriagado - disse acariciando-lhe a face com ternura.

-Ó meu Deus! E porque não disseste nada?
- Porque tu disseste que querias ser livre.  Lembras-te? Disseste-me que aceitaste o casamento, porque era o teu voo para a liberdade. 
- Sim, mas referia-me ao ambiente em que vivia, à vida que tinha levado até aí. Apaixonei-me por ti, quase no primeiro dia. Mas tu disseste que amavas outra pessoa. Pediste-me paciência para te livrares dos teus fantasmas. E nunca mais disseste nada. Ainda ontem, fui eu quem tomou a iniciativa. Como ia adivinhar que me querias? Agora mesmo, imaginei que me ias dizer, que uma vez que os teus tios tinham morrido, não havia razão para manter este casamento. Pensei que ias pedir o divórcio, que ia perder-te.

- E por isso choravas? Mas se eu não tenho feito outra coisa, que demonstrar-te o meu amor. Acaso pensas que me preocuparia em passar contigo todos os momentos livres, se não te amasse? Não percebias, que estava sempre pendente de ti, tentando adivinhar o que te fazia feliz, com receio que um dia já ambientada ao país, me exigisses que te libertasse. 
Nem te passa pela cabeça, as noites que não dormi, pensando que estavas ali no quarto ao lado, e ao mesmo tempo tão longe.  Agora mesmo, com esse choro, pensei que me ias dizer que não me amavas, que o que aconteceu, não se podia repetir. Parece-me Sofia, que temos sido um bom par de tontos. E que já desperdiçamos tempo demais das nossas vidas, quando  há maneiras  bem mais interessantes em que gastá-lo.
E dizendo isto atraiu-a para si e curvando-se aprisionou-lhe a boca num beijo demorado.
- Não sei qual é a tua ideia, mas seja qual for, estou de acordo, - disse ela sorrindo feliz.
Sem responder, Quim pegou-lhe ao colo, e levou-a para a cama.




Ufa! Esta acabou! 
Será? Pensam que sim? Eu aposto que não... 
Vamos esperar para ver na Sexta - Feira?



20.4.21

POESIA ÀS TERÇAS - LIBERDADE





LIBERDADE


Ontem

Olhavas e fingias que não vias.

Os órfãos e viúvas de guerras inglórias

O desespero dos emigrantes clandestinos

As terras abandonadas ao sabor da fome

A força-sacrifício dos ideais feitos homens

Encerrados e torturados nas prisões do meu país.


Acordaste numa manhã de Abril

E ficaste arrepiado…


Porque nas nossas mãos 

O sangue era cravo rubro.

Nas nossas gargantas

O medo era um hino à Liberdade.

Os nossos braços,

Enlaçavam-se na esperança do momento.

Acordaste... 

E como quem muda de camisa

Puseste-te ao nosso lado.


Era o tempo

De fingires ser democrata.


Os anos passaram

Com a liberdade por companheira

Entre avanços e recuos, 

Fomos fazendo a nossa história

E tu

Como joio insidioso abafando o trigo

Ias minando a caminhada.

Encerrando escolas

Fechando fábricas

Cortando subsídios

Empurrando-nos para a emigração

Aprisionando os nossos sonhos

O desespero e desencanto

Fomentando a descrença

Entre o Povo



Agora largaste a máscara

E ameaças voltar.

Mas hoje

O povo conhece o sabor 

Da Liberdade.

Distingue-lhe o sal das lágrimas, 

O odor do sangue derramado

Daqueles que por ela

Deram a vida.


E não se deixa enganar! 


Elvira Carvalho

19.4.21

CASAMENTO POR PROCURAÇÃO - PARTE XXIII




Nos primeiros dias de Janeiro, a tia Délia sofreu um  ataque cardíaco, que foi a machadada final na sua frágil saúde. Faleceu no mesmo dia.
Sofia, desdobrou-se no apoio ao marido e ao tio, que estava inconsolável. O restaurante foi fechado durante uns dias, e quando reabriu, Sofia que continuava desempregada começou por dar uma ajuda, na contabilidade, já que o tio não saía de casa e definhava dia a dia, mas acabou por assumir toda a parte de gerência do mesmo. Um mês depois, o tio não suportando mais a ausência da mulher que amara, partiu também. Foi mais um rude golpe para Quim. E mais uma vez a mulher esteve a seu lado, como um forte pilar de apoio.

Foi nessa altura, depois do funeral do tio, depois da demonstração de um momento de fraqueza e vulnerabilidade de Quim, que eles se tornaram verdadeiramente um casal. Foi amor? Ela não sabia. Da parte dela, sim, conhecia os seus sentimentos, há muito tempo estava apaixonada pelo marido. Da parte dele, não sabia. Talvez não passasse da necessidade de mitigar a dor da perda daqueles que amara como pais. Talvez fosse um desejo instintivo, próprio de homem, por uma mulher jovem e bonita, que afinal até era sua esposa.

Sofia não sabia. E para ser verdadeira consigo mesmo, nem lhe importava. Tinha vinte anos, viviam na mesma casa há quase cinco meses. Certo que ele lhe tinha confessado amar outra mulher. Que lhe tinha pedido paciência. Mas ela reconhecia que não era muito paciente. Talvez mais tarde se arrependesse, mas naquele momento entregava-se de corpo e alma compensando com amor, a inexperiência que recorria do facto de ser virgem.

Na manhã seguinte, quando acordou, Quim já se tinha levantado. Sentiu-se um pouco desiludida. Tinha sido a primeira noite que dormira com o marido, teria gostado de acordar com ele a seu lado. Encontrou-o na cozinha, e saudou-o envergonhada pela recordação da noite anterior.
-Bom dia.
- Bom dia, Sofia. Acabei de preparar o pequeno almoço, ia levar-to agora -  disse colocando-lhe a bandeja na mesa à sua frente. E acrescentou: - Precisamos conversar sobre o que aconteceu ontem à noite.
Estava muito sério. Ela sentiu-se gelar. Primeiro acordava sozinha. Depois aquele ar sério do marido. Pensou que ele estava arrependido. Sentiu que alguma coisa se rompia dentro dela. Ia rejeitá-la.

Afinal, casara com ela por causa dos tios, e agora que eles tinham morrido, não havia necessidade de continuar aquela farsa. Pedia o divórcio, e podia enfim, voltar para a sua "boneca". E ela feita estúpida, entregara-se de corpo e alma, sonhando com o seu amor. 
Incapaz de conter a dor que sentia, abriu as comportas do rio interior em que a sua alma naufragava e começou a chorar.





16.4.21

CASAMENTO POR PROCURAÇÃO - PARTE XXII

 



E chegou a véspera de Natal. Estavam na casa dos tios de Quim. Sofia e a tia Délia estavam na sala, os homens na cozinha preparando as iguarias para a ceia. A empregada, punha a mesa. Desde que adoecera, Sofia não voltara aquela casa, e preocupou-se com o ar da tia Délia. Estava cada vez mais débil. Mas continuava conversadora e simpática.

- Pareces muito bem, para quem esteve tão doente. É uma vantagem da juventude. A recuperação é sempre fácil e total. E como vai o teu casamento? O Quim tem-se portado bem contigo?
Sem saber bem o que a velha senhora queria dizer, e não querendo falar da sua vida intima, apressou-se a responder.

- Ó sim. Vai tudo muito bem.
- Folgo em saber isso, minha filha. Confesso que já senti remorsos da forma como o obrigamos a casar. Mas ele andava todo enrabichado com aquela serigaita da Joana e se não tomássemos uma atitude, acabava por fazer uma asneira que lhe ia dar cabo da vida.

Era a primeira vez que a senhora falava do assunto. Fez de conta que não sabia de nada. A senhora continuou:
- Sabes que já depois de casado ela ainda o andava a rondar? Apareceu algumas vezes no restaurante. E pedia sempre para cumprimentar o chefe. Para o obrigar a ir à sua mesa. Na última vez ficou frustrada quando o meu marido se apresentou na sua frente. E não voltou a aparecer.

Aquilo, Sofia não sabia. Porque é que ele não lhe dissera? Não se proclamara um homem sincero? Não lhe pedira paciência para se livrar dos fantasmas?
- Ai filha que já falei demais! Desculpa, não queria preocupar-te. O Quim é um homem responsável. Tem sólidos princípios morais. Nunca te trairá. Mas aquela mulher é um demónio com cara de anjo. Que o diga o seu ex-marido a quem ela arruinou.
Ela acreditava nos princípios do marido. E na sua sinceridade.

Tinha provas disso. Também do seu sentido de responsabilidade.
Só que isso não lhe bastava. Ela desejava dele o que uma mulher apaixonada deseja do homem que ama.
- Não se preocupe tia. O Quim tem sido um excelente marido, - afirmou desejando tranquilizar a velha senhora.

Nesse momento os homens entraram na sala.
- Vamos jantar? Está tudo pronto.
Quim ajudou a tia a levantar-se e deu-lhe o braço para a ajudar a chegar à sala. Ela e o tio seguiram-nos. Junto à mesa, Idalina a empregada aguardava-os. A mesa estava posta para cinco pessoas.
-Hoje a Idalina janta connosco. Desde que ficou viúva, vive connosco, já é quase da família, - explicou o tio.

                                               *********

Correu tudo bem com a consulta e a vacina do marido ele está muito mais calmo e eu também. Não fora as dores de cabeça que os olhos me estão a provocar e estaria tudo bem. 
Bom fim de semana e obrigado pelo vosso apoio e compreensão.

15.4.21

PENSAMENTO DO DIA


 E hoje o marido tem consulta de neurologia no hospital do Barreiro às  9 horas e vacina anti Covid  às 12,14. E andamos numa pilha de nervos. Ele que tem pavor de hospitais, e eu que não lhe posso valer.

Quanto à minha vacina, disseram-me que o meu nome não aparece ainda no agendamento. Vou fazer 74 anos e tenho vários problemas de saúde, entre os quais um que já me obrigou a uma cirurgia para retirar a úvula e me faz dormir assim há treze anos.
A minha irmã 2 anos mais nova, e sem problemas de saúde, foi vacinada hoje. Quem entende estes critérios?


Bom então por aqui me vou levantando a cada dia que passa...

14.4.21

CASAMENTO POR PROCURAÇÃO - PARTE XXI

Ficou triste. Mais do que isso, sentia-se irritada. Gostava do emprego, tinha-se esforçado por ser uma boa empregada e não tinha tido culpa de ter adoecido.
- Não fiques triste. Não é nada pessoal, acontece a qualquer um. E é melhor assim, precisas pôr-te boa e ainda vai levar um tempinho até que voltes a sentir-te como antes, - animou-a Quim.

-Eu sei. Mas não consigo evitar. Gostava do trabalho e as colegas eram uma simpatia. Também estou preocupada contigo, passas os dias comigo, não tens ido trabalhar…
-Não te preocupes. Nesta época a afluência ao restaurante baixa sempre de forma drástica. Por isso costumamos fechar oito dias antes do Natal, e reabrimos dois dias antes da passagem de ano. Natal é tempo de recolhimento, de família, mas no ano novo é diferente, é sempre dia de muito movimento. 

Faltam poucos dias para o Natal. Gostaria de cear com os tios. Achas que estarás bem até lá?
- Espero que sim. Estou cansada desta imobilidade.
Uma sombra de tristeza ensombrou o seu rosto. Ele reparou. Estava sempre atento.

- É a proximidade do Natal? Sentes saudades? - perguntou
- Sim. É o primeiro Natal que passo longe dos meus pais. Da nossa terra.
Sentia vontade de chorar, mas não o queria fazer na frente dele. Já lhe bastava o sentir-se feita um trapo velho, o rosto macilento, o cabelo sem brilho, o corpo sem forças pela doença. 

O carinho com que Quim a tratava, fazia com que cada dia gostasse mais dele. Mas com aquele aspeto, era impossível provocar algum sentimento nele que não fosse compaixão. 
Será que ele ainda pensava na Joana-Boneca? Ela sempre pensava na outra, como uma boneca, não conseguia imaginá-la como uma mulher a sério.
No dia seguinte, escreveu uma longa carta para a mãe. Falou da cidade, da casa, do marido. Disse-lhe que não estivesse preocupada, que ela era muito feliz. Mas não disse que estava doente, nem falou das saudades que tinha de casa.


Desculpem a ausência. O dia 13 foi complicado. O marido foi extrair um dente, e teve uma hemorragia que nos obrigou a ir ao hospital para levar uma injeção hemostática. Isto aconteceu porque como já teve um AVC, faz medicação anticoagulante que não pode parar.    

13.4.21

POESIA ÀS TERÇAS - A PALAVRA DOS AMIGOS



NÃO HÁ FIM PARA O SONHO. NÃO HÁ FIM...
Não há, neste planeta, mar nem céu,
Estrada longa demais, alta montanha,
Ponte suspensa sobre um medo teu
Que te trave esse sonho e, coisa estranha,

Um pouco desse sonho é também meu,
Um nada dessa chama em mim se entranha
E aonde chegar, chegarei eu,
Pois nisto ninguém perde. Só se ganha.

Não há fim para um sonho construído,
Nem haverá lugar para o vencido
Num sonho desta forma partilhado

Se, quando te pareça estar no fim,
Vês que mal começou dentro de mim
E que outros vão nascendo a nosso lado.

 

Maria João Brito de Sousa – 02.05.2018


Maria João Brito de Sousa, uma das maiores sonetistas vivas, está na blogosfera, com  alguns blogues por onde vai espalhando o seu talento. 

Podem visitá-la AQUI 

12.4.21

CASAMENTO POR PROCURAÇÃO - PARTE XX



 Pouco depois, ouviu a campainha, e vozes. Logo em seguida, o médico entrou no quarto.
Fez uma série de perguntas, viu a febre, os ouvidos, os olhos, a garganta, e auscultou-a meticulosamente.
Por fim deu a consulta por terminada e saiu com Quim. Ouviu-os falar, mas não entendeu o que diziam.

Pouco depois, o marido voltou. Sentou-se na beira da cama:
-Sofia, o médico quer que vás fazer um Raio X e Análises. Ele suspeita de pneumonia. Vamos ter que ir ao hospital. Consegues levantar-te?

Não esperou resposta. Levantou-se, retirou do armário um conjunto de calça e casaco de lã, um casaco comprido e um cachecol, que colocou em cima da cama. Abriu a gaveta da comoda e retirou um conjunto de sutiã e cueca de algodão rosa, que colocou igualmente em cima da cama.  Verificou que ela continuava deitada. Puxou a roupa para trás, meteu um braço sob os seus ombros, e o outro sob os joelhos e sentou-a na cama.

- Queres que saia um pouco para te vestires, ou precisas que te ajude?
- É melhor saíres, - disse sem o olhar, sentindo o rosto a arder, sem saber se da febre, ou de vergonha. 
 
Uma hora mais tarde, estavam no hospital, donde só voltou já a noite tinha caído.
 Os exames que lhe fizeram, revelaram uma pneumonia viral. O médico disse que dada a juventude da doente, e o facto de ser uma pessoa saudável, não seria necessário internamento, o tratamento podia ser feito em casa. Receitou-lhe um antibiótico, aspirina para a febre, um xarope para a tosse, e recomendou repouso, e muitos líquidos. Em princípio estaria boa no fim do tratamento que seria de dez  dias.

E assim foi. Depois de dois dias agitados e febris, a tosse começou a enfraquecer, a febre baixou e as dores no corpo, tornaram-se mais suportáveis. O marido foi um enfermeiro carinhoso e dedicado. Naqueles dois dias de febre intensa, sempre que abria os olhos, encontrava-o sentado na cama, atento às suas necessidades. 

Durante o dia, as ausências eram curtas, e Sofia suspeitava que ele não ia ao trabalho desde que ela ficara de cama. Naquele dia, o quinto desde  que adoecera, chegou uma carta da loja onde ela trabalhava. Informavam que lamentavam a sua doença, mas dado que decorria o período de experiência, e como estavam na época de Natal, em que a loja registava maior movimento, precisaram preencher o seu lugar, pelo que davam por encerrado o seu vínculo laboral.