Seguidores

23.11.23

PEQUENA PAUSA


Amigos, como sabem, o pé do meu marido que tinha sofrido no dia 27 de junho, a amputação de um dedo necrosado por entupimento arterial, que o obrigaria a uma cirurgia para um  bypass da cintura ao gémeo no dia 3 de Julho. Bom finalmente a ferida fechou, a enfermeira deu-lhe alta ontem pelo que estamos de partida para o Algarve, e lá não tenho internet. Vamos matar saudades da família e descansar uns dias já que em dezembro eu tenho vários exames e consultas. Então até à volta...

22.11.23

CICATRIZES DA ALMA - PARTE LVIII

 


E chegou o dia 31 de Dezembro, e aproximava-se a noite de fim de ano. Os dois dias anteriores, tinham passado a correr, entre os exercícios, cada dia mais fáceis de Tiago e alegres refeições em que a simpatia e cordialidade de Peter era notória. E a alegria de Tiago com a presença do amigo, não lhe ficava atrás, de tal modo que por vezes Anabela se sentia a mais e então se afastava. Mas logo, Tiago ou Peter lhe pegavam no braço e a traziam de novo ao convívio.

O ambiente era tal, que pela primeira vez na vida, Anabela esqueceu Óscar e conviveu como qualquer outra jovem da sua idade em harmonia, com os dois homens, abertamente. Aquela, seria a última noite que Peter estaria com eles, no dia seguinte partiria, e Anabela não tardaria a fazer o mesmo, pois embora Tiago quisesse prolongar a sua estadia, por mais um mês, a verdade é que ele já não precisava dela. O que faltava na sua recuperação podia fazer em qualquer clínica.

Enquanto ajudava Isilda na cozinha, com as iguarias que os deliciariam na ceia daquela noite, Anabela pensava em como a vida era estranha. Três meses antes chegara àquela casa, com a alma ferida, cujo único consolo era o carinho dos seus compadres e da pequena Patrícia. A luta que teve de enfrentar para tirar o doente do marasmo não foi fácil, mas teve o valor de não lhe dar tempo a remoer a sua dor. E a paz e o carinho que encontrou naquela casa, foram o melhor dos lenitivos. Apenas a animosidade do doente lhe amargava os dias.

Depois quase sem se dar conta, o mau humor foi desaparecendo, e o irascível doutor, foi ficando cada dia mais cordial. Isso tornou os dias da sua estadia mais prazerosos. Era como se a paz que disfrutava na quinta se tornasse ainda mais pacífica e luminosa.

Agora, que chegava a hora da partida, sentia um aperto no peito, uma grande tristeza no coração. Tinha-se afeiçoado ao caseiro, sentia Isilda como uma verdadeira amiga, e Tiago…

Que sentimentos tão contraditórios sentiu naqueles três meses. Primeiro admirou o homem, pelos seus ideais, pela sua luta por um mundo mais igualitário. Encheu-se de compaixão, quando o viu no primeiro dia, naquele quarto escuro, a barba crescida, o rosto macilento, os olhos sem brilho.

Mais tarde a raiva substituiu a compaixão ao perceber que o doente tinha escolhido o caminho para a morte, em vez de lutar pela sua recuperação.

Manteve durante os primeiros tempos uma luta constante para trazê-lo de volta e embora por vezes se sentisse desanimada, nunca desistiu. Orgulhou-se mais dele que de si mesma, quando percebeu que ele tinha voltado a querer viver, a querer voltar a ser a mesma pessoa de antigamente. E nos últimos tempos, depois que a atitude de Tiago, mudara por completo, Anabela sentiu um orgulho imenso pelo seu trabalho, mas também uma grande amizade pelo doente.

Sim, ela estava convencida que era uma simples e bela amizade. De modo nenhum queria pensar que podia ser algo mais…

 

 

 

21.11.23

POESIA ÀS TERÇAS - ADRIANO ALCÂNTARA - A UTOPIA DOS OLHOS ESCANCARADOS

                                                     Obra do pintor Roberto Chichorro





A Utopia dos Olhos Escancarados


 Se num momento de loucura

acaso arriscares acima do tédio
e afoito sozinho dobrares
a agreste solidão da esquina dos dias,
poderás então entrever
por entre as brumas do tempo
a imensa multidão e o verde prazer
das tuas mais urgentes utopias.

Se depois com ardor escreveres
- ridícula como o poeta a dizia -
uma simples carta de amor
cuja verdade ofereça fogosa o seu pudor
sinceros significados tão prementes
que a ouro fiquem bordados
no seio nu das palavras inexistentes,
imune farás tombar do muro os pecados
com que este presente impune
procura sarcástico esconder-nos o futuro.

Se porém impossível te for
a sangria das palavras a sério
e ao cansaço sem outra saída
com fúria não conseguires opor
a beleza dum punho bem apertado,
arrepia caminho e não ouses.
Nunca ouses monstro malfadado
dobrar a esquina deste tempo
de cobardias prenhe e silêncios cheio.

Porque só o amor mata a hipocrisia
e reconhece os homens iguais
porque para além deste dia
só de olhos escancarados se sonha a utopia.


Adriano Alcântara - Moçambique

20.11.23

CICATRIZES DA ALMA - PARTE LVII

 




- E então meu tio enviou a Anabela. Ela não se assustou com os meus gritos e contra a minha vontade, obrigou-me a estar com as cortinas abertas e a fazer fisioterapia. Ela fechou a porta da morte e obrigou-me a voltar para o corredor da vida.

- E hoje pareces estar a dois passos de uma recuperação total. Pelo que contas, salvou-te a vida. Não admira que estejas tão apaixonado. Já lhe confessaste os teus sentimentos?

-Até há poucos dias, eu continuava sem saber se ainda poderia ter alguma coisa a oferecer a uma esposa. Na verdade só ao acordar na manhã de Natal, soube que as coisas tinham voltado ao normal.

-Milagre de Natal?

-Mais de um sonho erótico.

-Com a enfermeira, suponho. Então já nada te impede de lhe dizeres o que sentes.

- Continua a ser impossível. Anabela é acima de tudo uma excelente profissional e ainda que sentisse alguma espécie de sentimento por mim, ia negá-lo em virtude de eu ser seu paciente. Depois ainda não sei com o que posso contar a nível de reprodução. Tenciono submeter-me a uma série de exames no início do ano, pois nada me garante que não esteja estéril. E tu sabes que a maioria das mulheres tem o sonho de ser mãe. Especialmente se já sentiu as alegrias de uma gravidez, e nunca pode sentir a alegria de ter um filho nos braços. 

Queres dizer que sofreu um aborto?

Pelo que sei, Anabela é uma mulher que sofreu muito com o seu casamento. Não sei se sabes, que ela é viúva, o marido morreu há três meses assassinado, mas havia meses que viviam separados. Segundo o meu tio, era um traste que a maltratava. Ele contou-me ainda que Anabela perdeu um bebé não há muitos meses e que estava a pensar abandonar o país, porque os sogros a culpavam da morte do filho e lhe faziam a vida negra. Por tudo isto, não estará pronta a abrir-se para uma nova relação.

-Compreendo. Vais ter de ganhar a sua confiança antes do mais.

É isso. Mas falemos de ti. Que novidades me contas? E os teus pais?

-Os meus pais estão bem, levam a vida a dizer que está na hora de me deixar de missões e casar. Que a principal missão de um homem é ser pai e não querem morrer sem ter a alegria de abraçar um neto.

- Os pais são assim. Antes de ficar noivo, os meus atormentavam-me com a mesma conversa. Mas compreende-se, por vontade própria ou não, só nos têm a nós. Se tivessem tido mais filhos a esta hora já estavam encantados com os netos e não nos incomodavam.

-Menino Tiago, interrompeu Isilda entrando na salinha. - O jantar está na mesa.

 

19.11.23

DOMINGO COM HUMOR...OU NÃO.


 A cor do horto gráfico...

 Última atualização do dicionário de língua portuguesa - novas

    entradas:

 Testículo: Texto pequeno

    Abismado: Sujeito que caiu de um abismo

    Pressupor: Colocar preço em alguma coisa

    Biscoito: Fazer sexo duas vezes

    Coitado: Pessoa vítima de coito

    Padrão: Padre muito alto

    Estouro: Boi que sofreu operação de mudança de sexo

    Democracia: Sistema de governo do inferno

    Barracão: Proíbe a entrada de caninos

    Homossexual: Sabão em pó para lavar as partes íntimas

    Ministério: Aparelho de som de dimensões muito reduzidas

    Detergente: Acto de prender seres humanos

    Eficiência: Estudo das propriedades da letra F

    Conversão: Conversa prolongada

    Halogéneo: Forma de cumprimentar pessoas muito inteligentes

    Expedidor: Mendigo que mudou de classe social

    Luz solar: Sapato que emite luz por baixo

    Cleptomaníaco: Mania por Eric Clapton

    Tripulante: Especialista em salto triplo

    Contribuir: Ir para algum lugar com vários índios

    Aspirado: Carta de baralho completamente maluca

    Assaltante: Um 'A' que salta

    Determine: Prender a namorada do Mickey Mouse

    Vidente: Aquilo que o dentista diz ao paciente

    Barbicha: Bar frequentado por gays

    Ortográfico: Horta feita com letras

    Destilado: do lado contrário a esse

    Pornográfico: O mesmo que colocar no desenho

    Coordenada: Que não tem cor

    Presidiário: Aquele que é preso diariamente

    Ratificar: Tornar-se um rato

    Violentamente: Viu com lentidão

   E…  Língua "perteguesa"... PORQUE O SABER NÃO OCUPA LUGAR!

 Prontus

    Usar o mais possível. É só dar vontade e podemos sempre soltar um

    'prontus'! Fica sempre bem.

  Númaro

    Também com a vertente 'númbaro'. Já está na Assembleia da República uma

    proposta de lei para se deixar de utilizar a palavra NÚMERO, a qual

    está em

    claro desuso. Por mim, acho um bom númaro!

 Pitaxio

    Aperitivo da classe do 'mindoím'.

Aspergic

    Medicamento português que mistura Aspegic com Aspirina

Alevantar

    O acto de levantar com convicção, com o ar de 'a mim ninguém me come por

    parvo!... alevantei-me e fui-me embora!'.

 Amandar

    O acto de atirar com força: 'O guarda-redes amandou a bola para bem

    longe'

Assentar

    O acto de sentar, só que com muita força, como fosse um tijolo a cair no

    cimento.

Capom

    Tampa de motor de carros que quando se fecha faz POM!

 Destrocar

    Trocar várias vezes a mesma nota até ficarmos com a mesma.

 Disvorciada

    Mulher que diz por aí que se vai divorciar.

 É assim...

    Talvez a maior evolução da língua portuguesa. Termo que não quer

    dizer nada

    e não serve para nada. Deve ser colocado no início de qualquer frase.

 Entropeçar

    Tropeçar duas vezes seguidas.

 Êros

    Moeda alternativa ao Euro, adotada por alguns portugueses.

    Também conhecida por “aéreos”

Falastes, dissestes...

    Articulação na 4ª pessoa do singular. Ex.: eu falei, tu falaste, ele

    falou,

  TU FALASTES...

Fracturação

    O resultado da soma do consumo de clientes em qualquer casa

    comercial. Casa

    que não fratura... não predura.

Há-des

    Verbo 'haver' na 2ª pessoa do singular: 'Eu hei-de cá vir um dia; tu

    há-des

    cá vir um dia...'

 Inclusiver

    Forma de expressar que percebemos de um assunto. E digo mais: eu

    inclusiver

    acho esta palavra muita gira. Também existe a variante 'Inclusivel'.

    A forma mais prática de articular a palavra MEU e dar um ar afro à

    língua

    portuguesa, como 'bué' ou 'maning'. Ex.: Atão mô, tudo bem?

Nha

    Assim como Mô, é a forma mais prática de articular a palavra MINHA. Para

    quê perder tempo, não é? Fica sempre bem dizer 'Nha Mãe' e é uma

    poupança

    extraordinária.

 Parteleira

    Local ideal para guardar os livros de Protuguês do tempo da escola.

Perssunal

    O contrário de amador. Muito utilizado por jogadores de futebol.

    Ex.: 'Sou

    perssunal de futebol'. Dica: deve ser articulada de forma rápida.

Prutugal

    País ao lado da Espanha. Não é a Francia.

Quaise

    Também é uma palavra muito apreciada pelos nossos pseudo-intelectuais...

    Ainda não percebi muito bem o quer dizer, mas o problema deve ser meu.

Stander

    Local de venda. A forma mais famosa é, sem dúvida, o 'stander' de

    automóveis. O 'stander' é um dos grandes clássicos do 'português da

    cromagem'...

 Tipo

    Juntamente com o 'É assim', faz parte das grandes evoluções da língua

    portuguesa. Também sem querer dizer nada, e não servindo para nada, pode

    ser usado quando se quiser, porque nunca está errado, nem certo. É

    assim...

    tipo, tás a ver?

Treuze

    Palavras para quê? Todos nós conhecemos o númaro treuze.



Não sei bem se isto é para rir, ou chorar, mas hoje é o que há.



    E feliz dia para todos os cavalheiros que me visitarem. Hoje é 19 de Novembro dia Internacional dos Homem

17.11.23

CICATRIZES DA ALMA - PARTE LVI

 



 Enquanto Anabela passeava pela quinta, na pequena salinha os dois amigos punham a conversa em dia.

-Bonita a tua enfermeira. Com uma enfermeira assim, também não me importava estar doente - disse Peter dando uma amigável palmada no ombro do amigo.

- Não digas asneiras. Ser ferido de uma forma tão brutal, não é uma doença, é um acidente, que pode ferir mais do que o corpo. Pode fazer-nos descrer da humanidade, de Deus, dos nossos ideais. 

Estive entre a vida e a morte e quando saí do estado comatoso, tinha sofrido várias cirurgias e estava com os membros inferiores paralisados. Todavia, mais do que as chagas físicas, são as da alma, aquelas que mais custam a cicatrizar.

-Sei. Mantive correspondência com os teus pais. Sei que a tua noiva, rompeu contigo no hospital e isso deve ter sido um golpe terrível. Lembro dos teus projetos de casamento para quando regressasses da missão.

-Curiosamente, não foi o rompimento dela o que mais me doeu. Sabes que a explosão me atingiu a bacia até à virilha?

-Não! Pensava que tinhas sido atingido só nas costas.

-Bom, não sei o que aconteceu, não me recordo, mas ao ouvir o estrondo devo ter tentado virar o corpo, talvez para ver o que tinha acontecido, e a explosão apanhou-me não só as costas mas parte do lado esquerdo até à coxa. O braço protegeu o tórax, mas não a bacia. 

Calou-se por momentos como se ainda lhe custasse falar do que lhe acontecera. 

-Os médicos disseram-me que estavam convencidos que eu voltaria a andar, mas não podiam garantir que eu pudesse voltar a funcionar como homem pois parte do ventre do lado esquerdo foi bastante atingido e a minha parte genital e reprodutora podia ter sido afetada.  Com esta informação, eu sabia antes mesmo da visita da Sandra, que não podia manter o noivado.

-Mas de qualquer modo foi cruel da parte dela, não esperar sequer que tivesses alta para terminar o noivado.

-Talvez, mas ao contrário do que os meus pais pensam, não foi isso que me fez entrar em depressão e desejar a morte, mas a informação médica, e o facto de que mesmo após ter tido alta hospitalar nunca mais ter sentido desejo, nem conseguido uma ereção; (e olha que meu tio se esforçou bastante, em escolher as mais belas enfermeiras que conhecia).

-Meu Deus, amigo, mas isso é terrível.

- Foi. De tal modo que desisti de viver. Corri com todas as enfermeiras, que meu tio enviou, vivia num quarto às escuras, não queria falar com ninguém, e quase não comia. Simplesmente tinha desistido de viver. E então meu tio enviou a Anabela.

 

15.11.23

CICATRIZES DA ALMA - PARTE LV

 

Os dois homens, entraram na sala, enquanto Anabela se dirigia à cozinha para avisar Isilda de que podia levar a merenda à salinha e perguntar se ela precisaria de alguma ajuda para o jantar. Depois subiu ao seu quarto despiu a bata, tomou um duche e vestiu um conjunto de lã cor-de-mel.

Como Isilda dissera que não precisava da sua ajuda, e o dia apesar do frio intenso, se apresentava bonito, resolveu dar uma volta pela quinta. Hesitou entre o casaco de fazenda grossa, castanho e o casaco parka verde-azeitona, acabando por escolher o último por ser mais quente. Calçou as botas e sentindo-se confortável, desceu as escadas e saiu. 

Olhou o relógio. Quatro e meia da tarde. No fim do ano, os dias eram bem curtos e não tardaria a cair a noite. De qualquer modo ela não sairia da quinta, precisava apenas esticar um pouco as pernas e para ser sincera consigo mesma, também não se sentia muito à-vontade com os dois homens. Peter era simpático, extrovertido e um pouco brincalhão, diferente de Tiago que era um homem sério e muito intenso. Curioso como dois homens tão diferentes podiam ter uma relação de amizade, tão forte. Talvez fosse verdade a história de que polos opostos se atraem.

A bem da verdade, não era Peter quem a inibia, mas sim Tiago. Ela não sabia que se teria passado naqueles dois dias que esteve ausente, para as festas de Natal, mas embora Isilda, não se tivesse apercebido de nada especial, ela sabia que alguma coisa acontecera, e tinha de ter sido muito importante, porque o doente que ela deixara, não era o mesmo que encontrara. 

 A indiferença que ela lia nos olhos dele, tinha sido substituída por algo que ela juraria ser... desejo, talvez paixão. A rebeldia tão frequente anteriormente, tinha desaparecido. Tiago estava muito mais calmo, aceitava sem contestar e executava com entusiasmo todos os exercícios que ela lhe mandava fazer. Às vezes, Anabela tinha mesmo de se impor, a fim de que o entusiasmo masculino, não o levasse a cometer nenhum excesso que viesse a prejudicar o que já tinham conseguido.

Tinha de telefonar ao doutor Azevedo. A sua presença ali, já não se justificava, embora Tiago ainda tivesse de fazer mais algum tempo de fisioterapia, já podia fazê-lo em qualquer clínica, pois mesmo que ainda não pudesse conduzir, Joaquim que era um verdadeiro faz-tudo na propriedade, podia conduzir por ele. Afinal era ele que o fazia, sempre que era necessário ir às compras.

A noite caíra e com ela o frio intensificara-se. Anabela levantou o capuz, tentando proteger-se e iniciou o regresso a casa. Talvez Isilda precisasse de ajuda na cozinha.  Na quinta, o jantar era servido mais cedo que na cidade, e eles tinha em casa um convidado.

14.11.23

POESIA ÀS TERÇAS - LUÍS RODRIGUES - SE FOSSES UM LIVRO



SE FOSSES UM LIVRO

Penso que

se fosses um livro

te desfolharia folha a folha

todos os dias faria uma cópia 

de cada folha

que eras tu

juntaria a minha folha 

com a tua folha

que eras tu

 

Assim passávamos a ser uma obra

toda igual mas toda diferente 

repleta de palavras

umas comuns outras difíceis 

que falaríamos num coro 

com o rosado das nossas bocas

e viveríamos juntos 

corpo com corpo

numa estante qualquer.

 

 Luís Rodrigues   

13.11.23

CICATRIZES DA ALMA - PARTE LIV

 


Nos dois dias que se seguiram, Tiago entregou-se de corpo e alma, aos exercícios, silenciando todo e qualquer comentário de origem pessoal. A sua recuperação era cada vez mais nítida, de tal modo que no final do segundo dia, Anabela comentou com Isilda que provavelmente no início do ano, iria embora, pois embora Tiago pudesse ter de continuar a fisioterapia por mais algum tempo, poderia fazê-lo em qualquer clínica sem precisar de ter uma fisioterapeuta em casa.

Na manhã, da antevéspera do Ano Novo, Anabela acabara a sessão de fisioterapia a Tiago quando após uma leve batida na porta, esta se abriu para dar passagem a um homem alto e magro, que devia andar perto dos quarenta anos, ruivo e de olhos cor de âmbar provável legado de algum antepassado escocês.

-Peter! - exclamou Tiago abrindo um alegre sorriso e descendo da marquesa de tratamento, para se dirigir ao amigo.

-Desculpe enfermeira, interromper a sessão, mas tinha um enorme desejo de ver este morto-vivo, - disse o recém-chegado.

-Ora, já tínhamos acabado, - respondeu Anabela, estendendo o par das canadianas a Tiago

Os dois homens trocaram um apertado abraço que emocionou a jovem. Ela sabia que o visitante era esperado pelo seu paciente, com alguma ansiedade, e que os dois eram amigos, todavia não pensou que houvesse uma tal ligação entre os dois. Não era apenas uma simples amizade, era mais como se fossem dois irmãos, que se amavam e se reencontravam após longa separação.

E a verdade é que os dois tinham desenvolvido esse sentimento único, que une duas pessoas solitárias e com os mesmos ideais.

- Foi com uma enorme emoção que soube que estavas vivo. Quando o helicóptero levantou voo, do acampamento, ninguém tinha esperança de que chegasses ao hospital de Bangui, vivo. Mais tarde, soubemos que não só tinhas resistido, como após dois dias em que se fez tudo o que era possível para te manter vivo, te tinham enviado para um hospital alemão.  A partir daí nunca mais tivemos notícias e só soube que estavas vivo quando acabamos a comissão, e telefonei aos teus pais. Rapaz, isso é que foi dar um pontapé na morte.

Nesse momento, tendo arrumado a sala de tratamento, e querendo dar privacidade aos dois amigos, Anabela, despediu-se dizendo a Tiago que levasse o seu amigo até à salinha, onde Isilda lhes iria servir o lanche.

Com as alterações que a casa sofrera, para que Tiago tivesse o seu quarto no rés -do-chão e a sala de tratamentos, a antiga sala de estar, tinha sido transferida para o piso de cima, o que era difícil para Tiago, apesar dele já se movimentar com uma certa facilidade com as canadianas. Mas subir uma escada era ainda uma enorme dificuldade. Assim, sabendo da próxima visita, Anabela, Isilda e Joaquim, uns dias antes esvaziaram o quarto de arrumos, que a antiga dona tinha entre a sala e a cozinha, e trouxeram alguns moveis e sofás, que Tiago mandara guardar na garagem, quando herdou a casa, e renovou a decoração, transformando o quarto numa pequena, mas agradável e confortável salinha.

 

12.11.23

DOMINGO COM HUMOR


 




Um médico recém-formado abre um consultório. Na sala de espera, já se encontra um homem sentado. Para não dar o ar de que se está a estrear, finge um telefonema com um suposto paciente. Minutos depois desliga e vira-se para o homem e pergunta:
- Então o meu amigo do que se queixa?

E responde o homem:
- Eu não me queixo de nada doutor. Sou da PT e venho ligar o telefone à rede…


                                                                 *********************************


No Alentejo, dizia uma vizinha:
- O meu marido foi à caça e trouxe para casa dez lebres e sete perdizes!

Diz a outra:
- O mê Zéi também andou por esses campos e apanhou quatro couves galegas, oito repolhos e seis molhos de espinafre… Lá em casa somos todos vegetarianos!


                                                                    ******************************


Numa conversa entre velhotes, pergunta um:

- Conheces os Açores?

O outro:
- Conheço. Estive em S. Miguel.

O primeiro:
- E a Terceira?

O outro:
- Ainda tentei várias vezes, mas já não consigo…

10.11.23

CICATRIZES DA ALMA - PARTE LIII

 



Anabela recolheu-se no seu quarto incomodada. A atitude de Tiago para com ela, vinha mudando nas duas últimas semanas. Estava mais cooperante nos exercícios, é certo, mas ultimamente parecia tão interessado na vida dela, como na sua recuperação. E aquele abraço, mexera com ela. 

Muitos doentes já tinham tido um gesto semelhante, quando se desequilibravam, era apenas uma tentativa de não caírem. O abraço de Tiago foi diferente. Podia dizer-se que era apenas o júbilo, de quem, ao fim de longos meses em que pensara, que nunca mais poderia andar, verificava que afinal o podia fazer. E certamente ela acreditaria que era apenas isso, não fora a paixão que vira brilhar nos olhos dele.

Sem dúvida que Tiago era um belo homem. Especialmente agora que o seu corpo tinha ganhado peso e massa muscular devido ao intenso tratamento no ginásio. Mas que podia ele querer com ela? Profissionalmente era seu superior e no momento era um doente e ela a sua fisioterapeuta. Nada podia haver entre eles, mesmo que ela estivesse interessada numa nova relação, coisa que depois de Óscar e do que sofrera com ele, não sabia se algum dia voltaria a desejar.

 Anabela reconhecia que desde o primeiro momento em que conhecera Tiago e soubera das suas ideias em relação ao mundo que o rodeava, sentira uma grande admiração por ele, mas quem não sentiria o mesmo perante os ideais do homem e a maneira como se tinha entregado a eles?

O que tinha a fazer, era intensificar os exercícios de marcha de modo a poder sair, logo após o Ano Novo. Depois talvez ainda conseguisse uma vaga para o Hospital inglês, ou quem sabe, o doutor Azevedo lhe oferecesse um contrato de trabalho na sua clinica. De uma coisa estava certa, de momento não estava preparada para voltar ao hospital, onde todos a conheciam e sabiam do seu passado. Não queria a piedade de ninguém.

Postos os seus pensamentos em ordem, desceu e entreteve-se na cozinha ajudando Isilda, com o jantar e ouvindo as muitas e engraçadas histórias sobre os “velhos tempos”, na quinta e na vila.

 Em dezembro os dias acabam depressa e as noites são longas. Anabela, preferia a companhia da cozinheira e do marido, à televisão que tinha no seu quarto. Na verdade, nunca ligara muito à TV. Gostava de ler um bom livro, ou de uma ida ao cinema. E sobretudo gostava de conviver com a sua amiga Paula e família. De resto, ela sempre tivera por companhia habitual a solidão. Primeiro com a mãe a quem o álcool tirara toda a capacidade de ser verdadeiramente uma mãe, depois com a velha senhora que a recolhera, que fora sem dúvida, melhor do que o orfanato, ou mesmo do que a sua mãe, mas a quem os muitos anos, e o seu grande desgosto com a morte do companheiro de toda a vida, não permitiam dar à pequena Anabela, mais do que o conforto dum teto e do alimento físico. A alma de Anabela, sempre fora descuidada e desde muito cedo aprendera a viver na solidão.

 

8.11.23

CICATRIZES DA ALMA - PARTE LII

 

Nessa mesma tarde, ao entrar na sala de tratamentos, Tiago dirigiu a cadeira para junto da passadeira a fim de tentar andar, mas Anabela virou a cadeira dizendo-lhe:

-Primeiro vamos fazer alguns exercícios com os elásticos num pequeno aquecimento a fim de preparar os músculos para então tentar caminhar.

Então depois de estar deitado na marquesa, entregou-lhe os elásticos. Durante dez minutos deixou-o executar os exercícios a que estava habituado, depois disse:

-Pode parar e vamos então tentar o treino de marcha. O doutor já consegue estar de pé, mas aguenta o peso do corpo nos braços. Então quero que me oiça com atenção e siga a minha orientação, - disse enquanto o doente dirigia a cadeira até à passadeira para tentar iniciar a marcha.

Primeiro fique de pé, colocando as mãos na barra e fazendo todo o peso do corpo sobre os braços. Depois respire fundo e vá soltando o peso do corpo lentamente sobre as pernas. Sinta o chão debaixo dos pés. Se sentir dores avise-me se estiver tudo bem, deixe de fazer força nos braços por completo, Mantendo-os na barra de apoio prontos a segurá-lo se sentir dores fortes ou se perder o equilíbrio

Se continuar bem levante um pé e tente balançá-lo para a frente, sustentando o corpo no pé que está apoiado e nos braços. Não se preocupe se sentir o tronco impulsionado para a frente, pois é normal, mas pare e avise se sentir dores fortes. Caso contrário, pouse o pé no chão e embora mantenha as mãos na barras de apoio, tente deixar o peso do corpo apenas nas pernas. Se continuar bem experimente fazer o mesmo com o outro pé. Isso, assim, muito bem. Acaba de dar um primeiro passo. Como se sente?

-Bem.

-Então vamos continuar. Hoje apenas cinco minutos. Não quero que se esforce em demasia. Iremos aumentar gradualmente o tempo até que esteja bem.

Cinco minutos depois, Anabela trouxe a cadeira para junto da passadeira.

-Parabéns. O pior já passou. As pernas recuperaram o movimento, acredito que mais duas semanas e poderei dar o meu trabalho por concluído.

-Obrigado. É um milagre, e devo-o a si - disse ao mesmo tempo, que em vez de rodar o corpo para se sentar na cadeira, deu apenas meia-volta estendeu os braços e abraçou Anabela.

Não foi um abraço, apertado, ele continuava dentro da passadeira e Anabela ao lado desta pelo que entre ambos havia as barras de apoio, mas ainda assim, Anabela sentiu o corpo tremer, e uma emoção estranha.

-Então, que é isso? Compreendo que se sinta feliz, mas não precisa agradecer. Não fiz nada mais que fazer-lhe os tratamentos que seu tio prescreveu. É a minha profissão. A sua força de vontade é que fez o resto, - disse tirando-lhe os braços do seu corpo e apoiando-os barra. E por favor sente-se. Não quero que regrida por ter abusado no primeiro dia, - concluiu 

Ele assim fez e enquanto se movimentava para o quarto disse:

-Até amanhã. Um dia, quando eu tiver recuperado totalmente, conversaremos sobre isso.

7.11.23

POESIA ÀS TERÇAS - MIA COUTO - SEM DEPOIS

 


SEM DEPOIS


Todas as vidas gastei

para morrer contigo.

E agora
esfumou-se o tempo
e perdi o teu passo
para além da curva do rio.

Rasguei as cartas.
Em vão: o papel restou intacto.
Só meus dedos murcharam, decepados.

Queimei as fotos.
Em vão: as imagens restaram incólumes
e só meus olhos
se desfizeram, redondas cinzas.

Com que roupa
vestirei minha alma
agora que já não há domingos?

Quero morrer, não consigo.
Depois de te viver
não há poente
nem o enfim de um fim.

Todas as mortes gastei
para viver contigo.


Mia Couto

6.11.23

CICATRIZES DA ALMA - PARTE LI

  (RECORDANDO O ÚLTIMO CAPÍTULO)


Intrigada, Anabela arrumou a sala, guardou a ficha do doente, e dirigiu-se à cozinha, onde encontrou a empregada, pondo a mesa para o almoço.

- Bom dia, Isilda. Aconteceu alguma coisa especial nestes dois dias que estive ausente?

- Bom dia, Anabela. Bom foi Natal, e os pais do menino Tiago vieram passar o Natal. Porquê?

- O doutor Tiago, parece bem melhor, mais animado, mais conversador…

-Bem, isso está. Há dias que o meu Joaquim me dizia que ele estava bem melhor, já a movimentar a cadeira sozinho, e a tornar-se mais independente. Mas como sabe eu só entro no quarto quando vou fazer limpeza e isso é sempre pela manhã, ou quando está no banho ou nos exercícios de modo que nunca o vejo. Porém nestes dois dias ele veio comer à mesa com os pais, e realmente parecia outra pessoa, muito diferente de há um mês. Conversou bastante com os pais e eles estavam muito esperançosos, de que em breve o filho voltasse a andar. Por que pergunta?

-Porque anteontem quando fui embora, ele continuava com mau humor, e precisou da minha ajuda para sair da maca para a cadeira. E hoje, não só não precisou dessa ajuda, como estava bem-humorado e conversador.

- Ele soube ontem notícias de outro doutor que estava com ele, lá em África e ficou bastante contente. Mas penso que não foi esse o milagre pois ele já se mostrou simpático e bem-disposto na véspera, durante a consoada.

- Bom, vou até ao quarto, preciso mudar de roupa, e já volto para lhe ajudar.

Despejou a mochila em cima da cama, pôs de lado os dois embrulhos e guardou na cómoda a roupa que trouxera.  Depois de ter lavado a cara e o rosto, pegou nos dois embrulhos e desceu.

-Já na cozinha, entregou a Isilda um dos embrulhos, pôs o outro na cadeira onde Joaquim costumava sentar-se dizendo:

-É uma pequena lembrança de Natal.

-Obrigada. Mas não carecia de estar a gastar dinheiro connosco. E demais não comprámos nada para si.

- Mas que mais me podiam dar, se já me deram tanta atenção e carinho durante estas semanas? De resto como disse é apenas uma lembrança.

A empregada rasgou o embrulho e retirou uma bonita camisola de lã, cor de salmão.

- Obrigada. É tão bonita. E macia – disse encostando a malha ao rosto.

Nesse momento entrou Joaquim e a conversa repetiu-se. E depois de rasgar o seu embrulho, retirou um belo pulôver de lã castanho, que ele agradeceu. De seguida perguntou à mulher.

- Tens o almoço pronto para levar ao doutor?

- Tenho. É só preparar o tabuleiro.

Pouco depois ele levava o almoço ao patrão.

 

Nota:  Amigos vou tentar acabar esta história, mas não sei se o conseguirei fazer pois os problemas que tenho enfrentado desde abril, têm-me deixado sem inspiração para nada.