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29.4.23

29 DE ABRIL DE 2007 - JÁ LÁ VÃO 16 ANOS



É verdade, o Sexta, faz hoje 16 anos.

Ao longo dos anos já contei mais que uma vez a história do seu começo e até a origem do seu nome, que nada tem a ver com o dia da semana com o mesmo nome. 

Não vou por isso repetir-me a não ser na parte da minha gratidão pela paciência e amizade com que me têm aturado. 

Então Vamos festejar e desejar que todos continuemos por aqui, e que se alguém deixar de aparecer, seja apenas e só porque se cansou dos blogues.

Sejam felizes e aproveitem a festa. E, já me esquecia de dizer que ali ao lado o irmão mais novo do Sexta também está em festa. http://amulhereapoesia.blogspot.com/


Bem Hajam amigos.



Obrigado Noname
Obrigado Rosélia.

28.4.23

UM PEQUENO CONTO






Numa pequena vila costeira, vivia um velho pescador com a sua neta, Margarida, que ele tomou a seu cargo, quando os pais da menina então com oito anos morreram num acidente.

 A menina adorava o avô que lhe falava de reis e sereias que habitavam o fundo do mar. Margarida, a quem o avô, tratava carinhosamente por Princesa, foi crescendo, simples, alegre e linda, como a flor que lhe dera o nome tornando-se uma bela mulher com a sua pele branca como a neve, os lindos olhos azuis como pedaços de céu, e o cabelo tão loiro, que mais pareciam fios de oiro que o vento agitava.

Todos os homens que a viam, quer fossem pescadores, ou turistas endinheirados, que vinham de férias para o moderno hotel junto à praia, todos por ela se apaixonavam. Dizem até, que quando em noites de luar, Margarida passeava descalça pela orla da praia, Neptuno, o deus do mar, saía das águas encantado, só para a ver passar.

 Mas, dizem que não há bela sem senão e a linda jovem tinha um e grande. Influenciada pelas belas histórias que o avô lhe fora contando ao longo dos anos, Margarida vivia num mundo de magia e sonhos, onde a realidade da vida, não tinha lugar.

O velho pescador estava desolado. Estava velho, cansado e sentia que o seu fim se aproximava a passos largos. Queria que ela arranjasse um bom homem e se casasse, mas a jovem vivia com a cabeça na lua e ele temia que ela não conseguisse sobreviver sozinha, depois da sua partida.

Um tarde porém - continuou o narrador que ia narrando esta história às crianças da pré, na minha escola – um lindo iate ancorou perto da praia, e à noite, um grupo de jovens veio nadando, até ao areal.

Era uma linda noite de luar e como de costume, Margarida caminhava descalça, pela orla das ondas, quando um dos jovens a viu, separou-se dos demais e caminhou ao seu encontro. Então, vindo do mar, um sussurro, suave como uma brisa de verão, chegou aos ouvidos da jovem.

-Margarida, hoje, cumpre-se o teu destino. O jovem que se aproxima é a tua alma gémea. Não temas. Sorri, porque em breve vais partir e ser muito feliz.  Adeus, meu amor.

 


26.4.23

O MÊS DE ABRIL


O MÊS DE ABRIL, 

Chegou o mês de abril, e com ele a primavera que nascera dias atrás e ainda se mostrava tão vacilante como bebé que começa a gatinhar, explode numa miríade de cores e aromas que nos põem estrelas nos olhos e risos no coração. 

O azul expulsa dos céus as nuvens, como quem limpa a casa para uma festa. Os campos enchem-se de variadas flores silvestres, destacando-se as papoilas que ondulam vaidosas, exibindo com orgulho um vermelho vivo, como o sangue que pulsa com um novo vigor nas veias, depois do triste e frio inverno.

Os parques enchem-se de risos de crianças e de avós babadas, que o sol, cheio de amor, passando por entre as verdes e viçosas folhas, de frondosas árvores, acaricia com os seus luminosos raios. 

Abril é o mês em que a natureza renasce, e os homens renovam a utopia, de mundo de paz, liberdade e amor.  



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Cicatrizes da alma só volta a 3 de Maio. Por causa dos olhos, tive que reduzir o tempo no pc. E a história que tenho vindo a escrever aos poucos deixou de ter capítulos adiantados. Por outro lado, os posts especiais do 25 de Abril e do 1º de Maio e o aniversário do Sexta no dia 29 levam-me a esta interrupção. Então hoje e na próxima Sexta terão dois pequenos textos que espero lhes agrade

Desculpem

25.4.23

POESIA ÁS TERÇAS - 25 DE ABRIL


LIBERDADE

Ontem
Olhavas e fingias que não vias.
Os órfãos e viúvas de guerras inglórias
O desespero dos emigrantes clandestinos
As terras abandonadas ao sabor da fome
A força-sacrifício dos ideais feitos homens
Encerrados e torturados nas prisões do meu país.

Acordaste numa manhã de Abril
E ficaste arrepiado…
Porque nas nossas mãos
O sangue era cravo rubro.
Nas nossas gargantas
O medo era um hino à Liberdade.
Os nossos braços,
Enlaçavam-se na esperança do momento.

Acordaste...
E como quem muda de camisa
Puseste-te ao nosso lado.
Era o tempo
De fingires ser democrata.
Os anos passaram
Com a liberdade por companheira
Entre avanços e recuos,
Fomos fazendo a nossa história
E tu
Como joio insidioso abafando o trigo
Ias minando a caminhada.
Encerrando escolas
Fechando fábricas
Cortando subsídios
Empurrando-nos para a emigração
Aprisionando os nossos sonhos
No desespero e desencanto
Fomentando a descrença
Entre o Povo

Agora largaste a máscara
E ameaças voltar.
Mas hoje
O povo conhece o sabor
Da Liberdade.
Distingue-lhe o sal das lágrimas,
O odor do sangue derramado
Daqueles que por ela
Deram a vida.
E não se deixa enganar!

Elvira Carvalho

24.4.23

24 DE ABRIL, O ANTES...



Ultimamente oiço cada vez mais, em velhos e novos, sempre que chegam a um qualquer serviço que encontram em greve, a propósito da educação que todos reconhecemos deficiente, do SNS que também apresenta muitas falhas, ou de qualquer outro aborrecimento a seguinte frase "Há Liberdade a mais, isto está a precisar de outro Salazar" Então para aqueles a quem o avanço da idade, lhes roubou a memória dos outros tempos, e para aqueles que têm 50 anos ou menos, eu vejo falar da minha vivência desses tempos, que foi decerto igual à da maioria do povo.

 Nasci numa família muito pobre. O barracão onde vivíamos, não tinha água, nem luz e dividi com dois irmãos mais novos, uma infância onde nossos pais trabalhavam arduamente, sempre com medo de um dia não terem uma sopa e um pedaço de pão para nos matar a fome. Frequentei uma escola, que tinha apenas duas salas, uma, onde uma professora ensinava, na mesma sala, alunas da primeira à terceira classe. A segunda sala, era a casa de banho, composta por uma pia com torneira, e dois potes de barro para fazermos as necessidades.

Mal terminei as aulas, comecei a trabalhar. Fazia recados, tocava o gado na nora,  da quinta do ti’ Pereira, para que a água não faltasse na rega e carregava padiolas de estrume que vinham pelo rio em fragatas para adubar as terras. Depois trabalhei num armazém de lenha, carregando troncos de árvore que pesavam tanto ou mais do que eu. Mais tarde, aos 14 anos, fui trabalhar para a Seca do Bacalhau. Como quase toda a gente que vive assim, o meu maior sonho na altura, era viver numa casa de pedra, com água e luz e uma casa de banho com uma banheira, pois sempre tomávamos banho na selha, onde a mãe fazia a barrela e lavava a roupa, sonho que só se cumpriu anos mais tarde, quando consegui emprego num laboratório farmacêutico, em Lisboa e fui viver com uns tios que viviam em Monsanto, numa casa do estado, pois meu tio era guarda-florestal. Depois casei, meu marido era militar, e acompanhando-o, vi e vivi novas experiências. No norte de Moçambique, pela primeira vez, conheci a realidade dos jovens que ali chegavam estropiados, vítimas de uma guerra que ninguém queria, mas contra a qual não se podiam manifestar sob pena de acabarem nalguma sala de tortura.

Quando aconteceu o 25 de Abril pensei que a vida dos portugueses ia enfim tomar um novo rumo. Com a Liberdade não íamos mais olhar o nosso vizinho com desconfiança cada vez que desabafávamos sobre as dificuldades da vida, já que até aí muitos iam presos um ou dois dias depois de certos desabafos. Pensei também que com o fim das guerras coloniais, a vida dos jovens portugueses ia melhorar muito. Iam deixar de ser obrigados a partir para a guerra, iam deixar de voltar estropiados, física e mentalmente. E esses sonhos concretizaram-se com a democracia, é verdade. Ninguém mais foi preso por pensar diferente do regime e a guerra colonial acabou.

Talvez a descolonização pudesse ter sido feita de outra maneira. Talvez pudessem ter sido assegurados os direitos dos portugueses que lá viviam há muito e dos que lá nasceram, mas que experiência política tínhamos nós? Os militares fizeram a parte deles, mas um excelente militar, nem sempre é um bom político e os civis, queriam era ter a certeza de que os seus filhos e netos, não mais teriam que ir para lá.

Mas meu Deus como a vida mudou depois do 25 de Abril. Só a liberdade de poder dizer o que se pensa, sem medo, não tem preço.

Os salários melhoraram, as crianças deixaram de ser obrigadas a trabalhar, para complementar o salário dos pais, nasceram novas escolas, criou-se o SNS que tem todos sabemos deficiências, mas é bem melhor do que quando ele não existia. Mudou-se a noção de pobreza, que existe sem dúvida, e é nossa obrigação pressionarmos o governo por melhores condições de vida, para todos, mas que não se compara ao que havia antes do 25 de Abril, e contra a qual ninguém podia abrir a boca sob pena de acabar na prisão.

Então que ninguém me venha dizer, que o País está um caos e a precisar de outro Salazar.

Elvira Carvalho

 


Gente, há dias que não consigo comentar ninguém. Mal começo o comentário aparece-me essa mensagem. Esta manhã consegui comentar dois blogues, num outro navegador. Depois nem mais um. Já aqui há tempos andei assim. Alguém me sabe ajudar?




21.4.23

CICATRIZES DA ALMA - PARTE XLI



Na casa o silêncio era rei absoluto. Estendido sobre a cama Tiago pensava em Anabela. Por mais que pensasse, desde que ela chegara à quinta há quase um mês, a vida na casa mudara. Isilda e o marido, falavam dela com carinho e admiração e inicialmente isso exacerbara a sua raiva, pois ele já tinha decidido que mais valia deixar-se cair no abismo da morte, do que lutar por uma vida em que estivesse morto como homem, pois mesmo que recuperasse o movimento total das pernas, nunca se sentiria mais do que um meio homem, um eunuco.

Porém ela conseguira impor a sua vontade e ele não podia deixar de admirar a sua força de vontade e o seu profissionalismo.

Tiago sentia-se perdido entre sentimentos complexos por aquela mulher, que não tendo uma beleza de estrela de revista era na verdade muito bonita. Por um lado havia uma grande admiração, um desejo de ganhar a sua amizade, por outro uma raiva sem fim, porque ele sabia que nunca mais podia aspirar a ter uma vida normal. Afinal tinham passado 5 meses depois do acidente, e nunca mais tinha tido uma ereção, nem sequer quando acordava de manhã com vontade de urinar.

A conversa de dias atrás com Anabela, mostrara-lhe uma mulher muito sofrida, embora ela não quisesse adiantar muito sobre a sua vida, pelo que Tiago telefonara ao tio e conseguira saber que era viúva e que o marido aparecera morto, segundo a polícia por um gangue qualquer.

A noite sem dormir, e o silêncio que reinava na casa, fizeram com que quase sem dar por isso Tiago caísse no sono.

E desta vez não foi o pesadelo que lhe veio ensombrar o descanso, mas Anabela. No sonho ele estava a trabalhar numa clínica onde ela era enfermeira. E não uma enfermeira qualquer, mas a sua assistente, em todas as cirurgias. E mais do que isso, eles estavam apaixonados. Naquele dia ele acabara de a pedir em casamento e de lhe colocar no dedo um lindo anel com uma esmeralda, a pedra preferida dela. E depois eles beijaram-se. O gosto dela era inesquecivelmente doce. O seu cheiro a champô e sabonete enlouquecia-o. E o beijo foi intenso, cheio de amor e paixão como são os beijos de quem está prestes a casar-se.

De súbito, o beijo era na testa, e a voz de Anabela, parecia-se demais com a voz da sua mãe.

-Tiago, meu filho, acabámos de chegar.  Como estás?

A custo ele abriu os olhos para ver a figura da mãe, inclinada sobre ele. Ia responder um tanto irritado, por ter sido obrigado a sair do sonho, quando uma sensação estranha o fez olhar para baixo e abrir os olhos de espanto, ao mesmo templo que estendia a mão e puxava rapidamente a colcha para cima, antes que a mãe se apercebesse da enorme ereção que indiscreta levantava as calcas do pijama.

 

20.4.23

PORQUE ME APETECE


LA MARIONETA

 Se por um instante Deus esquecesse que sou uma marionete de trapos, e me desse um pedaço de vida, possivelmente eu não diria tudo o que penso, mas, em última análise, pensaria tudo o que digo. Eu daria valor às coisas, não pelo que valem, mas pelo que significam. 

Dormiria pouco e sonharia mais, entendo que a cada minuto que fechamos os olhos perdemos sessenta segundos de luz. Andaria quando os outros param, acordaria quando os outros adormecessem, ouviria enquanto os outros falam, e como me deliciaria com um bom gelado de chocolate... 

Se Deus me desse um pedaço de vida, eu me vestiria com simplicidade, me jogaria de cara no sol, expondo não só meu corpo, mas minha alma. 

Meu Deus, se eu tivesse coração... escreveria meu ódio no gelo, e esperaria o sol nascer. 

Com um sonho de Van Gogh pintaria um poema de Benedetti sobre as estrelas, e uma canção de Serrat seria a serenata que ofereceria à lua. 

Regaria as rosas com minhas lágrimas, para sentir a dor de seus espinhos, e o beijo encarnado de suas pétalas... 

Meu Deus, se eu tivesse um pedaço de vida... não deixaria passar um dia sequer sem dizer às pessoas que as amo, que as amo. Eu convenceria todas as mulheres de que ela é minha favorita e viveria apaixonado pelo amor. 

Isso provaria aos homens como eles estão errados ao pensar que param de se apaixonar quando envelhecem, sem saber que envelhecem quando param de se apaixonar. 

Eu daria asas a uma criança, mas a deixaria sozinha para aprender a voar. Aos velhos, aos meus velhos, ensinaria que a morte não vem com a velhice, mas com o esquecimento. 

Tantas coisas aprendi com vocês... Aprendi que todo mundo quer viver no alto da montanha sem saber que a verdadeira felicidade está em escalar a escarpa. 

Aprendi que um homem só tem o direito de olhar de cima para outro homem quando precisa ajudá-lo a se levantar. 

Há tantas coisas que pude aprender com você, mas no final muito não vai servir porque quando você me guardar dentro desta mala, infelizmente estarei morrendo...


 Del libro “Lo Que Le He Enseñado a la Vida” por Don Mofles (© Johnny Welch). Editorial Selector, 1996.


Nota: Este maravilhoso texto foi escrito por um ventríloquo colombiano. Resolvi publicá-lo, agora, não só porque o acho lindíssimo, mas porque há dias alguém mo enviou como sendo de Gabriel Garcia Marques. 

Johnny Welch escreveu “La Marioneta” para El Mofles, uma boneca com a qual se apresentou em todo o continente latino-americano. Ao saber que seu texto havia sido atribuído a Garcia Márquez (e as declarações que fez para esclarecer o equívoco), quis conhecer o escritor colombiano. Isso foi conseguido alguns meses depois, por meio de Ignacio Solares, diretor de Difusão Cultural da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM). O encontro entre Welch e Gabo foi registrado em vídeo.

 

19.4.23

CICATRIZES DA ALMA - PARTE XL

 


Nos dez dias que se seguiram, até à antevéspera do Natal, a rotina dos tratamentos mudou muito. Anabela não dava descanso ao doente, mas este respondia amável a tudo o que ela lhe dizia, e por vezes até com algum humor. Anabela estava satisfeita, já via melhoras no seu estado geral e embora ainda fosse demasiado cedo para o pôr na passadeira e tentar que conseguisse dar alguns passos, notava que Tiago movimentava com mais facilidade o braço esquerdo, tinha mais força nos braços, e nas pernas, o corpo não estava tão magro e a musculatura estava voltando a evidenciar-se. Para ela era essencial exercitar e fortalecer a musculatura do doente antes de passar a outro tipo de tratamentos.

Também estava contente, porque segundo Joaquim, o doente mostrava-se mais animado, conversava mais e o empregado acreditava, que mais uns dias e Tiago seria capaz de sair enfim do quarto, quanto mais não fosse para ir tomar as refeições com eles.

Porém no dia seguinte era véspera de Natal, e ela partiria logo após terminar os tratamentos da manhã, pois iria passar o Natal com a comadre em Lisboa, e ainda tinha de comprar os presentes.

Voltaria no dia vinte e seis bem cedinho de modo a estar na quinta à hora do início dos tratamentos de Tiago, pois entendia que parte do êxito ou do fracasso de qualquer doente, estava na persistência e força de vontade com que se encarava o tratamento. 

Por isso antes de se deitar naquela noite separou e colocou numa pequena mala, algumas peças de roupa e objetos pessoais, o necessário para as duas noites que estaria fora, de modo a não perder tempo no dia seguinte.

Anabela ajudara Isilda a decorar a árvore de Natal, e a preparar a casa para receber os pais de Tiago. Não que isso fosse a sua obrigação, ou que alguém lhe tivesse pedido, mas a casa era grande, e mantê-la limpa e arrumada e ainda cozinhar era difícil e muito cansativo para alguém que já deixara os melhores anos da sua vida no passado.

Com a sua ajuda, a empregada ficava com mais tempo livre, para preparar as iguarias natalícias.

 Nessa noite, Tiago não conseguia dormir. Novamente. Mas dava as boas-vindas à insónia, porque era melhor do que sonhar. Sonhos eram uma das poucas coisas que ele não podia controlar. Eles vinham espontaneamente, penetravam seu cérebro e o envenenavam com as terríveis memórias. Pelo menos, a mente consciente estava sob seu comando. Assim depois do pequeno-almoço e antes de iniciar os tratamentos, pegou no Smartphone e mandou uma mensagem ao tio pedindo que lhe indicasse um bom psicólogo para uma consulta.

Pouco depois estava na sala para a sessão de fisioterapia, e logo depois que esta terminou,  Anabela desejou-lhe um feliz Natal, despediu-se com um abraço de Isilda e do marido, entrou no carro e dirigiu-se à cidade.


18.4.23

POESIA ÀS TERÇAS -JOAQUIM PESSOA

 


Estou Mais Perto de Ti porque Te Amo

Estou mais perto de ti porque te amo.
Os meus beijos nascem já na tua boca.
Não poderei escrever teu nome com palavras.
Tu estás em toda a parte e enlouqueces-me.

Canto os teus olhos mas não sei do teu rosto.
Quero a tua boca aberta em minha boca.
E amo-te como se nunca te tivesse amado
porque tu estás em mim mas ausente de mim.

Nesta noite sei apenas dos teus gestos
e procuro o teu corpo para além dos meus dedos.
Trago as mãos distantes do teu peito.

Sim, tu estás em toda a parte. Em toda a parte.
Tão por dentro de mim. Tão ausente de mim.
E eu estou perto de ti porque te amo.

Joaquim Pessoa, in 'Os Olhos de Isa'

Foi com grande tristeza que tomei conhecimento ontem, numa tertúlia poética que Joaquim Pessoa tinha partido. Já tinha este post programado para hoje, apenas substitui a foto de um casal romântico que ilustrava o poema, pela foto do autor. 
LUZ e PAZ para ele.

17.4.23

CICATRIZES DA ALMA - PARTE XXXIX

 


O aparelho apitou e desligou-se. Anabela apressou-se a retirar as placas e a levar a mesa com o aparelho para o seu sítio junto à parede trazendo em seguida a outra mesa com o aparelho de ultrassons e iniciar o tratamento. Terminado este, aplicou os calores húmidos e  sem voltar a pronunciar uma única palavra fez-lhe a massagem 

Por fim aplicou as botas de pressoterapia e voltou para a sua mesa, reportando para a ficha os tratamentos efetuados, tentando acalmar-se e rezando mentalmente para que o doente meditasse seriamente na atitude que vinha tomando desde que ela chegara.

Quando terminou, foi buscar a cadeira e o robe e ajudou-o a descer da marquesa e instalar-se na cadeira levando-o depois para o quarto e ajudando-o a deitar-se.

 Enquanto ela se afastava para arrumar a cadeira, a sua linguagem corporal não conseguiu esconder a sua irritação para o bom observador que o doente sempre fora. 

E Tiago não pode deixar de perceber, que apesar dos gestos gentis, com que Anabela o ajudava. a jovem estava furiosa e provavelmente com vontade de lhe atirar algo à cabeça, mas acima de tudo, ela era uma profissional e como tal procedia. E nada havia que ele admirasse mais, do que uma profissional competente.

-Peço desculpa pela maneira como me tenho comportado. Não que o faça por teimosia, embora seja verdade que meu tio a contratou sem falar comigo, e numa altura em que eu estava desistindo de viver. E para ser sincero, sei que devia estar-lhe grato, porque a sua atitude, fez-me reagir e sair do poço onde me encontrava. Todavia o problema é que ainda não consigo aceitar o que aconteceu comigo e não sei se lhe estou grato por me obrigar a sair do caminho que já tinha tomado.

Calou-se e olhou para ela. E havia uma tal dor nos olhos dele que ela estremeceu. Aproximou-se e disse:

- Percebi que estava nessa fase mal entrei no quarto e por isso fui tão dura. Mesmo que não acredite eu já passei por fases muito duras, cheguei mesmo muito perto de uma grave depressão, conheço melhor os sinais por experiência própria do que pela minha profissão. Por isso, porque não esquecermos as desculpas mútuas, e estabelecemos umas tréguas? Eu tentarei de fazer tudo o que posso e sei em prol do movimento das suas pernas, e o doutor aceita a ajuda dum profissional competente, no sentido de aceitar o que aconteceu e acabar com os pesadelos que lhe minam as forças físicas e anímicas.

- Vejo que o Joaquim falou de mais.

- O Joaquim? Como assim?

-Vai-me dizer que não foi ele que lhe falou, que sofro de terríveis pesadelos ?

-Claro que não, - mentiu Anabela. Calculei que os tivesse porque sempre surgem depois de um grande trauma. Eu quase ia endoidecendo e a minha sorte foi ter recorrido à ajuda da psicóloga Fátima Correia. Ou o doutor pensa, que ter um homem enlouquecido, com uma faca encostada à minha carótida, não é trauma suficiente para ter pesadelos o resto da vida se não tivesse procurado ajuda?

-Meu Deus, Anabela! Como isso foi acontecer.

-Esqueça, doutor. Só falei nisto, para que entendesse que sei pelo que está a passar e sei, o que a ajuda de um bom profissional pode fazer por si. O resto não importa. Então temos tréguas?

 

14.4.23

CICATRIZES DA ALMA - PARTE XXXVIII

 


Quando às dez horas Anabela entrou na sala de tratamentos, Joaquim acabava de ajudar o patrão a deitar-se na marquesa e afastava-se para encostar a cadeira à parede.

- Bom dia, - saudou

Ouviu um resmungo do doente que supôs fosse a retribuição à sua saudação enquanto Joaquim saía da sala fechando a porta atrás de si.

Levou o aparelho das corrente TENS para junto da marquesa e enquanto colocava as esponjas na placa perguntou:

-Como se tem sentido. Ainda tem muitas dores? Sente ou não alguma melhora com os tratamentos que tem feito? Sei que oito dias de tratamentos, são muito pouco para o seu problema, mas gostaria de ter algo para dizer ao doutor Azevedo quando falar com ele logo.

Tiago manteve-se em silêncio.

Ela retirou-lhe a toalha e aplicou as placas nas costas, voltando a colocar a toalha sobre elas.

-Vou ligar agora, avise quando estiver com a intensidade correta.

- Está bom.

Ela parou de rodar o botão e afastou-se para a mesa de trabalho. Pegou no Smartphone e fingiu estar a falar com alguém:

-Bom dia, doutor:

Depois de um curto silêncio como se estivesse a escutar o que lhe diziam do outro lado, continuou:

- Bom doutor, não sei que lhe diga. O doente não fala comigo, nem para me dizer se tem dores, se sente algumas melhoras, se tem frio, fome, calor. Eu sei que não é mudo, por causa das duas palavras que me diz quando ligo as TENS. Mas não sei se perdeu a memória, e só lembra essas duas palavras, se está em greve de conversa, ou se com a explosão ficou surdo e não ouve as minhas perguntas.

- Não seja tonta, - disse Tiago soerguendo o tronco apoiado nos dois cotovelos, - dê-me o telemóvel que eu falo com o meu tio.

-Um momento doutor, eu ligo mais tarde, -disse ela apressando-se a largar o telemóvel e a correr para a marquesa.

-Deite-se. Não sabe que não se pode mexer, que as placas saem do lugar?

Esperou que ele obedecesse, retirou a toalha e reposicionou as placas no lugar, voltando a cobri-lo com a toalha, dizendo em seguida:

-Quando a sessão terminar vamos conversar. Penso que oito dias são tempo mais que  suficiente para me demonstrar que não gosta de mim e não me quer aqui. Aflige-me que me considere tão estúpida. Mesmo uma criança teria entendido isso em muito menos tempo. Mas quer saber de uma coisa? Isso não me interessa nada. Homens teimosos, com a mania de autossuficiência, com um ego maior, que o Monte Evereste, que não os deixa dar um ai, mesmo quando por dentro estão a sangrar de dor, já conheci muitos na minha profissão e tenho a certeza de que o doutor também. E penso que se deve ter sentido desorientado o suficiente com esses doentes, para saber como eu me sinto consigo.

 

12.4.23

CICATRIZES DA ALMA - PARTE XXXVII


Anabela estava preocupada. Ela sabia como ninguém que os pesadelos recorrentes podiam destruir uma pessoa. Ela teve pesadelos depois daquela noite em que Óscar lhe encostara uma faca à carótida. Todavia ela procurara ajuda, fizera amizade com a psicóloga e sabia que mesmo afastada de Lisboa, podia recorrer a ela em qualquer altura se necessário mesmo pelo telefone, todavia depois da morte do marido não voltara a ter aquele pesadelo.

Era estranho, ela sempre se considerara uma pessoa de bons sentimentos, e nunca desejara mal a ninguém, muito menos a morte do marido. Só desejava que a deixasse em paz, aceitando o divórcio e afastando-se da sua vida. E no entanto quando soube da sua morte, não sentiu tristeza, antes uma sensação de alívio.

Tristeza sentia e muita, quando se cruzava com uma mãe transportando um bebé ao colo, ou no carrinho, e pensava que ela nunca conheceria a sensação de gerar e dar à luz um filho. Não, que alguma coisa no seu organismo a impedisse de engravidar. 

A ginecologista dissera-lhe que apenas uma trompa ficara danificada, todo o resto do seu aparelho reprodutor estava em ótimas condições. Apenas numa próxima gravidez, ela teria de fazer uma ecografia logo após a primeira falta, para ver se o óvulo estava no útero e não em qualquer outro sítio, para prevenir uma repetição do problema, embora não havendo doenças como a salpingite, associadas raramente se repetia o problema.

Porém ela estava a caminho dos vinte e nove anos, e depois da experiência do seu casamento não tencionava nunca mais, dar a outro homem o poder de transformar a sua vida num inferno como Óscar fizera.

Claro que ela podia recorrer à adoção e sabia que seria igualmente capaz, de amar como sua, uma criança adotada, mas nunca sentiria todas as alegrias e inconvenientes de uma gravidez, nem a sensação de ver pela primeira vez depois do parto, o rostinho do ser, tanta vez imaginado ao longo dos nove meses.

A menos que recorresse à inseminação artificial, porque aí não corria o risco de gravidez ectópica, já que o óvulo seria implantado no útero, mas conhecia casos, em que as mulheres só conseguiam a gravidez desse jeito, depois de três ou mais tentativas. E não se sentia com coragem para sofrer todo o processo de deceção, cada vez que uma tentativa não resultava.

Passou a mão pela testa, como se ela fosse uma borracha com que pretendia apagar os pensamentos e olhou o relógio. Quase dez horas. Apressada voltou a casa.

 

 

 

11.4.23

POESIA ÀS TERÇAS - JAIME PORTELA

                      

FLOR SUBENTENDIDA (481)


 

Há em ti uma flor subentendida

e, enquanto a razão apenas presume,

hesitante,

ela caminha segura na pele do instinto

à procura da seiva,

infiltra-se nos poros e enlouquece a melodia

que até aqui me soava mortiça nas fontes.

 

Cheiras a terra e à frescura da resina,

tens a forma de flecha

que me perfura o peito em desejo,

fazendo rebentar da minha carne

a miragem que deseja tornar numa certeza

a tua flor subentendida.

 

Mostra-me o corpo

com o peito a dançar nas minhas mãos,

para que beba da tua boca a chama e a terra,

para que inunde com a minha resina de verão

o orvalho da tua primavera .

 

Jaime Portela , pode ser seguido no seu blogue RIO SEM MARGENS