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22.3.23

CICATRIZES DA ALMA - PARTE XXXII


 


Anabela entrou na sala às dez em ponto. Sobre as calças de ganga e a blusa de malha, tinha vestido uma bata branca. Ao contrário do que esperava, encontrou o doente estendido de barriga para baixo na marquesa, o corpo nu coberto apenas por um boxer preto, enquanto Joaquim arrumava a cadeira com o robe em cima, num canto da sala. Como enfermeira, estava habituada a ver corpos com várias mazelas, mas mesmo assim o que viu deixou-a impressionada.

Bom dia! - disse enquanto abria o armário e retirava algumas toalhas que punha sobre a marquesa, ao lado das compridas pernas masculinas. Abriu uma e colocou-a sobre as costas do doente. Fez o mesmo à segunda e estendeu-a sobre as suas pernas. Se esperava ouvir o doente deve ter-se sentido dececionada, porque ele não respondeu.

- Quando acabar avise-me para que eu venha ajudar o doutor, - disse Joaquim, enquanto dobrava o robe e o punha sobre a cadeira de rodas que já tinha encostado à parede.

-Não é preciso, eu mesmo o ajudarei e o levarei para o quarto - respondeu a jovem.

O caseiro saiu e Anabela puxou uma mesinha com um aparelho de TENS(a) a fim de iniciar o tratamento. Retirou a toalha das costas do doente e colocou várias placas de indução pelas costa e braço esquerdo permitindo-se um olhar mais demorado sobre ele. No dia anterior, quando o vira na cama, não se apercebera de que era tão grande. Tinha de certeza mais de um metro e oitenta, mas estava demasiado magro, e assim seria difícil conseguir ter sucesso em exercícios que visavam estimular os músculos se eles continuavam sem força para reagir.

Já lhe devem ter feito este tratamento enquanto esteve no hospital, de qualquer modo, aviso-o, que ao ligar o aparelho vai sentir uma espécie de formigueiro. Irei aumentando a potência.  Quando achar que está bem, avise-me. Intensidade a mais ou a menos far-lhe-á mais mal que bem.

Tiago tinha decidido, que para a irritar, não lhe daria uma só palavra, mas foi obrigado a fazê-lo.

Enquanto decorriam os minutos do tratamento, Anabela disse:

- Está demasiado magro, e isso não é bom para a sua recuperação. Nunca ouviu dizer que saco vazio não se empina? Se não come o suficiente terá de tomar vitaminas. Vitamina B, Glucosamina e Vitamina D se insistir em não ir à rua. O doutor sabe disso,  melhor que ninguém. O que pretende? Remoer a dor do que lhe aconteceu, fechando-se no quarto até que o coração se canse de bater?

O aparelho desligou-se e a jovem apressou-se a retirar as placas e a trocar o aparelho de TENS, pelo de ultrassons colocou o gel condutor e durante cinco minutos circulou o Ultrassom pelas costas incidindo especialmente nos ombros.

Quando terminou, voltou a cobrir as costas com a toalha, levou a mesinha com o aparelho para junto das outras, e trocou-a pela que tinha o aparelho de ultrassons.

Enquanto espalhava o gel condutor para o ultrassom sobre a pele escura cicatrizada e  áspera. Havia uma cicatriz na zona das vertebras L3 e L4. Ali a pele estava mais lisa e tinha uma cor mais rosada. Era a cicatriz da cirurgia.

Iniciou o tratamento fazendo circular o aparelho sobre os músculos dos ombros e os que sustentavam a coluna, tendo o cuidado de não se aproximar da cicatriz da cirurgia.

Enquanto isso foi dizendo:

- Vou utilizar um esquema de tratamentos alternados. De manhã faremos a eletroterapia e terapia de calor seguida de massagem. De tarde faremos a mecanoterapia. Inicialmente não poderá fazer grande coisa, dada a sua fraqueza geral e sobretudo muscular, mas se quer voltar a andar temos que insistir nos dois tratamentos. É pena que não estejamos no Verão para utilizar a piscina que tem.

-Deve estar doida, - disse Tiago, sem conseguir conter-se. Não me seguro de pé quanto mais ir para a piscina. Só se decidisse suicidar-me por afogamento.


a) TENS A Neuroestimulação Elétrica Transcutânea (TENS, do inglês Transcutaneous Electrical Nerve Stimulation)  TENS é um dos aparelhos de eletroterapia mais utilizados pelos Fisioterapeutas, sendo conhecido pelo "aparelho dos choques". TENS é uma estimulação elétrica Transcutânea, ou seja, é uma terapia que utiliza uma corrente elétrica aplicada superficialmente na pele através de elétrodos.  .

21.3.23

21 DE MARÇO - DIA MUNDIAL DA POESIA E DE...DE... DE...




O AZUL


 Deita-te sobre a minha vontade

toma para ti

todas as minhas palavras

as belas e as impuras


eu sou uma ilha

escolhe as palavras 

e dá-me um nome

a ti chamar-te-ei saudade branca


o céu ficará azul em breve

haverá no meu corpo

um contentamento quando

a minha mão te tocar


Eu sou uma ilha

deita-te sobre a minha vontade.


Luís Rodrigues


E é bom lembrar que hoje é também o dia da árvore e da floresta, Porque sem elas a vida torna-se impossível.


Mas hoje também  é o dia Internacional da Luta Contra a Discriminação Racial

E o dia Europeu da Criatividade Artística


E o dia Internacional da Síndrome de Down  


E ainda o dia Mundial da Marioneta 

E menos mal que a Primavera começou ontem porque senão ainda seria também o dia dela e o dia Internacional do Festival de Noruz 

20.3.23

CICATRIZES DA ALMA - PARTE XXXI

 



Anabela acordou sobressaltada. Sonhou que depois de muitos meses de luta constante com o doente, sem notar quaisquer melhoras, estava prestes a desistir.

Recusando-se a acreditar que o sonho podia ser um aviso do que ia acontecer, olhou o relógio e viu que eram apenas sete horas.  Saltou da cama, calçou os chinelos, vestiu o robe e foi abrir a persiana. O dia amanhecera de novo com bom tempo. Apesar do sol ainda demorar quase uma hora para aparecer no horizonte, a escuridão ia desaparecendo rapidamente e o céu até onde a serra deixava ver, mostrava um belo tom de azul. Abriu um pouco a janela e logo a fechou arrepiada com a lufada de ar gelado que entrou no quarto.

Decidida a começar a nova fase da sua vida, tomou banho, secou e prendeu os cabelos num rabo-de-cavalo, vestiu-se, arrumou o quarto, pôs em cima da cama a sua bata branca e desceu ao piso inferior, sentindo o delicioso cheiro a café que impregnava o ambiente. Na cozinha Isilda preparava o pequeno-almoço.

- Bom dia, Isilda.

- Bom dia, Menina.

- Anabela, por favor. Nada de Menina. O doutor já acordou?

-Não sei. O Joaquim foi agora para o quarto, - disse pondo na mesa um prato com torradas. Não sei se gosta das torradas com manteiga ou doce, no jarro tem sumo natural, feito com as nossas laranjas, e há café na cafeteira. Ontem esqueci-me de lhe perguntar o que queria para o pequeno-almoço, mas se me disser o que costuma comer, amanhã já o farei. Agora estou à espera de que o meu homem me dê sinal de que o doutor já foi para o banho, para lhe ir limpar o quarto.

-Está tudo bem, não se preocupe. Na verdade, nunca como muito de manhã. Penso que temos de ver a dieta do doente. Se ele não tem apetite, se não come o suficiente, terá de tomar alguns suplementos vitamínicos.

- Bom dia, Menina. Apressa-te mulher que o doutor já está no banho, -disse Joaquim ao entrar na cozinha.

-Bom dia, Joaquim.  Por favor, trate-me por Anabela. Como está o doente hoje, muito rabugento? – perguntou, enquanto Isilda se apressava em direção ao quarto do doente e o marido se sentava à mesa para iniciar o pequeno-almoço.

- Não sei que lhe diga. Pela primeira vez não disse nada quando abri a persiana e puxei os cortinados para entrar a luz. Aliás não disse nada de nada. Nem sequer respondeu quando lhe disse bom dia.

- Bom, vou apanhar um pouco de ar. Pode levar-me o doente para a sala de tratamentos às dez horas?

- Claro. Mas e se o doutor não quiser ir?

- Estarei lá a essa hora. Se ele se negar a ir, avise-me.


E CHEGOU A PRIMAVERA




19.3.23

19 de MARÇO DIA DO PAI


Porque hoje é o dia do pai, o primeiro homem da minha vida, aquele que me deu o ser, e quando se aproxima a data em que partiu, hoje não há o habitual post do domingo. Talvez se ele fosse vivo me repreenderia, pois sempre foi um homem alegre de sorriso fácil, mesmo quando a sua vida estava mais para lágrimas do que para sorrisos. "Tristeza não paga dívidas, nem mata a fome a quem a tem" costumava dizer. Os que o conheceram, não esquecem o "Manel da Lenha" e recordam-no com admiração e saudade. Sentimentos cuja grandeza ele soube granjear ao longo da vida. 

 

PAI

 

Para ti,

Que foste a semente da vida

Em mim.

Que me acolheste com Amor 

Em teus braços amorosos

Tantas vezes cansados

Mas sempre presentes

E me acompanhaste

Mais de metade da minha vida.

Que me ensinaste

A caminhar

A ler

A escrever

E me mostraste

Com teu exemplo

Como ser uma pessoa de bem.

Para ti

Meu pai, meu amigo,

Meu mentor.

Um enorme obrigado.

E se lá na dimensão

Onde te encontras

Te é dado ver o nosso plano

Aceita pai a minha gratidão

O meu amor, a minha saudade.


Elvira Carvalho



17.3.23

CICATRIZES DA ALMA - PARTE XXX


Apesar do cansaço, Anabela tardou a adormecer. Estava habituada ao ruído constante da cidade, durante praticamente toda a noite. Estranhava o silêncio da casa, no meio da quinta, afastada da estrada principal. Ali só o galo que vira, durante o passeio pela quinta, à tarde, no galinheiro, rodeado de galinhas, como um sultão no harém, podia cantar, mas ainda faltavam umas horas para a madrugada.

Por outro lado, não podia esquecer o doente no andar inferior, nem a sua estanha atitude. Depois de tudo o que o doutor Azevedo e o Joaquim lhe contaram sobre o  jeito intratável com que reagia às profissionais que a antecederam, ela preparara-se mentalmente para uma luta diária. Porém depois do mau génio demonstrado quando ela lhe fora apresentada, a atitude do doente mudou por completo.

 Quando nessa noite lhe levara o jantar, esperava outra demonstração de fúria e má educação do doente, mas em vez disso ele mostrara que sabia ser um homem educado. Que pretenderia com a nova atitude? Esperava que ela baixasse a guarda para então lhe infernizar a vida? Devia ser isso, ou então Nossa Senhora dos Milagres passou por lá e ninguém mais deu por isso. Sim porque ela não acreditava que tivesse sido o seu sermão, que lhe tivesse mudado a atitude. Nunca acreditara em vitórias fáceis, talvez porque na sua vida nada fora fácil.

Por tudo o que lhe contaram, Anabela sentia uma profunda admiração pelo homem que tanto se preocupava com os desvalidos da sorte, a ponto de largar a sua vida de conforto e pô-la ao serviço de quem nada tinha. Por outro lado, não podia deixar de se compadecer, pela sua situação atual.

Porém, esse era um sentimento, que não podia de modo algum deixar transparecer na frente dele. Se Tiago se apercebesse de qualquer tipo de compaixão, ia lutar contra a sua vontade, fazendo-lhe a vida negra e atrasando consideravelmente a sua recuperação. Se não suportava a compaixão dos que ele amava, pais e tio, muito menos suportaria a sua, que era uma desconhecida.

Anabela preocupava-se com a magreza excessiva do doente, com os músculos enfraquecidos e atrofiados, pelo longo tempo no leito. Acreditava que durante o tempo no hospital, lhe tivessem feito alguma fisioterapia, porém há dois meses que ele estava na quinta enfiado na cama, sem qualquer espécie de tratamento.

 E segundo Joaquim, só saía da cama, pela manhã para o duche diário. Ela já vira a casa de banho, sem banheira, apenas o chão liso, de modo que a cadeira de rodas se deslocasse até debaixo do chuveiro.

 Enquanto ele estava no banho, Isilda entrava no quarto, fazia a cama e aspirava o chão. Quando Tiago saía o empregado ajudava-o a meter-se de novo na cama, arrumava a cadeira e ia buscar o pequeno-almoço

Deu uma volta na cama, ajeitou o travesseiro e deixou-se invadir pelo esquecimento, nos braços tentadores de Hypnos.

 

 


14.3.23

POESIA ÀS TERÇAS - PEDRO HOMEM DE MELO - ADOLESCENTES

 


Adolescentes

Exaustos, mudos, sempre que os vejo,
Nos bancos tristes que há na cidade,
Sobe em mim próprio como um desejo
Ou um remorso da mocidade…


E até a brisa, perfidamente
Lhes roça os lábios pelos cabelos
Quando a cidade, na sua frente
Rindo e correndo, finge esquecê-los!


Eles, no entanto, sentem-na bela.
(Deram-lhe sangue, pranto e suor).
Quantos, mais tarde se vingam dela
Por tudo o que hoje sabem de cor!


E essas paragens nos bancos tristes
(Aquela estranha meditação!)
Traz-lhes, meu Deus, só porque existes,
A garantia do teu perdão!



Pedro homem de Melo

13.3.23

CICATRIZES DA ALMA - PARTE XXIX

 

O tempo que passou no Hospital, não foi só de cirurgias e tratamentos. Foi também, depois que recuperou a consciência, de muita reflexão, sobre a sua vida passada e futura, embora principalmente se interrogasse, sobre que futuro podia haver para ele, se realmente não fosse apenas o uso das pernas que tinha perdido. Ele podia aprender a viver numa cadeira de rodas, mas não conseguia pensar em viver o resto da vida sexualmente morto.  

Quando recebeu alta hospitalar, recusou o encaminhamento direto para a fisioterapia de reabilitação e refugiou-se na quinta, para desespero dos pais e do tio, que não parava de lhe mandar enfermeiras, com quem ele era deliberadamente mal-educado, para que o deixassem em paz. A penúltima enfermeira que o tio lhe trouxera, era uma mulher de rara beleza, que podia sem desprimor adornar a capa de qualquer revista de moda. Porém, ela era uma prova viva, daquilo que ele tinha perdido com aquela maldita explosão. Por isso a mandara embora imediatamente.

Como médico, sabia que estava deprimido e sabia também que estava num ponto critico da sua vida. Pela frente tinha dois caminhos. Ou aceitava o que pudesse acontecer, e lutava para que fosse o melhor, ou simplesmente desistia, entrava numa depressão grave que acabaria certamente no suicídio. Sim, ele sabia isso, mas precisava de algo que lhe desse o empurrão para entrar no caminho certo, pois nessa manhã, sentira que estava a um passo, de entrar na via da autodestruição.

Mas então o tio aparecera com outra enfermeira. Como é que ele dissera que ela se chamava? À sim, Anabela. Pois, esta era diferente das outras. Embora tivesse a certeza de que o tio a tinha advertido para o seu mau génio, ela não o olhou com pena, nem como se ele fosse um monstro. Ela olhou-o como se ele não fosse um inútil, mas uma pessoa normal e com firmeza mostrou-lhe que ali mandava ela e fizesse ele o que fizesse não conseguiria amedrontá-la.

Em vez de se exasperar, Tiago ficou curioso. Onde seria que o tio a tinha ido buscar? E quanto tempo, ela seria capaz de manter aquela pose? Será que ia medir forças, com ele, dia a dia? Quando anoiteceu, sem ter voltado a vê-la, surpreendeu-se, por, pela primeira vez, depois que saiu do hospital, ter levado a tarde a pensar noutra coisa, que não o futuro negro que o aguardava. Não esperava voltar a vê-la antes da manhã seguinte. Mas eis ela que voltara surpreendê-lo.

Dez minutos depois, Anabela voltou a entrar no quarto. Poisou o jarro e o copo sobre a mesa e disse:

-Pronto aqui tem a sua água. Vai tomar algum medicamento? Antiálgico, ansiolítico, ou quer que lhe traga um chá?

- Não, obrigado.

Ela retirou a bacia que levou para a casa de banho. Depois dobrou a toalha e guardou-a no espaço por baixo da gaveta, na mesa de apoio.

-Devia tentar dormir. Uma boa noite de descanso, vai ajudá-lo amanhã com a dureza dos tratamentos, - disse dirigindo-se para a porta.

 

Nota: Não sei que se passa mas todos os dias tenho no spam uma série de comentários da Isa Sá, Francisco Manuel Carrajola Oliveira e Teresa Silva. Desde 2016 para cá. Tenho a certeza que estes comentários estiveram publicados na altura e não entendo porque carga de água agora aparecem no spam. E são sempre os mesmos. ontem foram 5 anteontem 7 e por aí fora.