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28.2.22

ARMADILHAS DO DESTINO - PARTE XVIII

 

- Conta-me o que sabes sobre a Luísa, pai.
- Em dezasseis anos nunca quiseste saber nada dela, nem mesmo quando eu te escrevi a dizer que tinha enviuvado. A que vem esse interesse agora? Encontraram-se?
- Há quase um mês no hospital. Era uma das professoras daquele autocarro de miúdos, lembras-te? De resto era quase impossível não a encontrar, já que está a morar na casa que era do pai, e portanto relativamente perto de mim.
- Há quase um mês? E só hoje te chegou a curiosidade? – perguntou João, fitando o filho com curiosidade.
- Encontrámo-nos hoje no supermercado. Convidei-a para jantar.
- Olha Nuno, fui testemunha do teu sofrimento há dezasseis anos, quando ela te deixou. Nunca tinha visto alguém sofrer tanto por amor. Suponho que foi esse amor que te impediu de refazeres a tua vida, junto de alguma das mulheres que certamente conheceste, em todos estes anos.
- Não foi por amor, sim por ódio. Ela espezinhou os nossos sonhos, matou tudo o que de bom havia em mim.
- Sabes que não é verdade. Continuas a ser um bom homem, um idealista que a vida toda trabalhou em prol dos mais desfavorecidos. Isso é o que de bom havia e há em ti, meu filho. Depois, quantas vezes o ódio não é apenas uma máscara do amor?
- Não quero discutir os meus sentimentos, pai. Até porque hoje já não tem interesse, eu nunca mais posso aspirar ao amor de uma mulher, não seria capaz de olhar nos seus olhos e ver pena em vez de amor. Mas ainda não me disseste nada sobre ela.
-Desiludes-me filho. O que te aconteceu não te torna menos homem. Olha para ti. És ainda jovem, tens saúde, e és um excelente profissional. Não tens porque te sentires diminuído, nem temer sentimentos de compaixão, que só existem na tua cabeça.  Mas voltando à Luísa, o que sei, foi a Lucinda, a amiga da tua mãe que lhe contou. Como sabes ela é vizinha da jovem. Parece que o pai da rapariga, a obrigou a casar com um vizinho que tinha uma quinta, onde passava grandes temporadas. Depois de casada, foram viver para a quinta, e só vinha à cidade para ver o pai, que entretanto adoeceu com cancro, e morreu uns meses, depois. Só a vi uma vez durante esse tempo e confesso-te que fiquei impressionado. Estava muito magra, pálida e parecia muito assustada. O marido não a deixava sozinha, estava sempre a seu lado. Ele era muito mais velho, já era viúvo, e dizem que morreu, porque a Luísa se atirou do carro em andamento, e ele perdeu o controlo do carro. Ninguém sabe ao certo o que aconteceu, ele morreu e ela nunca contou a ninguém, pelo menos que a gente saiba.
- Não sei que tanto vocês têm para conversar. – Disse Arminda, a mãe de Nuno. E acrescentou. – O almoço está na mesa.



27.2.22

HUMOR AOS DOMINGOS


 


Um casal de contabilistas chega ao consultório de um terapeuta sexual.

O médico pergunta:

- O que posso fazer por vocês?

O rapaz responde:

- Pode ver-nos a fazer amor?

O médico olha espantado, mas concorda.

Quando o sexo termina, o médico diz:

- Não há nada de errado na maneira como vocês fazem amor.

E então, cobra 70,00€ pela consulta.

Isto repete-se por várias semanas!

O casal marca horário, faz amor sem nenhum problema, paga ao médico e deixa o consultório.

Finalmente o médico resolve perguntar:

- O que vocês estão a tentar descobrir?

O rapaz responde, dizendo:

- Nada. O problema é que ela é casada e eu não posso ir à casa dela.

Eu também sou casado e ela não pode ir até minha casa.

No Hotel Vila Galé, uma suite custa 140,00€.

No Hotel Ibis custa 80,00€.

Aqui nós fazemos amor por 70,00€ tenho acompanhamento médico, arranjo um atestado para faltar ao trabalho, sou reembolsado em 42,00€ pelo seguro de saúde e ainda consigo uma restituição no IRS de 19,20€.

Tudo calculado o custo é de 8,80€!

E, por fim, a única testemunha está sob sigilo profissional !


                                                   ****************








25.2.22

ARMADILHAS DO DESTINO - PARTE XVII



 Enquanto esperava por ela depois de ter pago as suas compras, Nuno observava, o rosto delicado, os cabelos soltos, a figura esbelta. Não tinha dúvidas de que era uma mulher muito bonita. A jovem que ele amara, dera lugar a uma mulher em toda a sua plenitude. Era estranho que estivesse sozinha. Segundo o seu pai lhe dissera, ela estivera casada pouco mais de um ano. Seria que tinha amado tanto o marido, que não queria atraiçoar a sua memória? De qualquer modo isso não lhe interessava. Ele não a deixaria entrar na sua vida, não a deixaria saber do seu acidente, nem a deixaria saber que ele já não era um homem por inteiro.

Não, ele só queria vingar-se de toda a amargura que ela destilara na sua alma. Hoje era só o que lhe restava. Saborear a vingança.
Luísa acabou de meter as compras nos sacos, pagou e saiu.
- Não devias ter esperado. Estás a atrasar-te.
- Não tenho pressa. É sábado. Não tenho urgências este fim-de-semana. E não respondeste ao meu convite. Almoçamos juntos?
- Não posso mesmo.
- E jantar? Não me vais dizer que também não podes. Não estou a pedir nada de especial. Apenas um jantar de amigos.
-Está bem, - concedeu sem se atrever a olhá-lo.
- Há algum sítio da tua preferência?
- Não. Escolhe tu.

Tinham chegado junto do carro dela. Abriu o porta bagagens, e começou a arrumar os  sacos de compras.
- Às oito vou buscar-te. Mas tens que me dizer onde moras.
- Na mesma casa que vivia naquela época. A casa de meus pais.
- Está bem. Lá estarei às oito. Até logo.
Fez-lhe uma leve carícia no rosto, e afastou-se em direção do seu carro.
Luísa, ficou uns segundos a vê-lo afastar-se, depois entrou no carro e manobrou para sair do estacionamento e seguir para casa. Estava perturbada com o encontro. Nuno fora o único homem que amara, e era também o único,  desde a morte do marido, cuja aproximação não lhe provocava pavor.

Mesmo tendo passado catorze anos, e muitas horas de tratamento psicoterapêutico, ela ainda não se sentia muito confortável na presença do sexo oposto. Com Nuno as emoções que ela sentia, não tinham nada a ver com medo.  
Continuava a ser um homem bonito e com uma presença marcante.
Estranho, era não ter casado, pois adorava crianças, e ela lembrava bem dos  projetos que partilharam no passado. Uma casa com jardim, e espaço suficiente para criar três filhos.




23.2.22

ARMADILHAS DO DESTINO - PARTE XVI


Três semanas mais tarde, no supermercado da sua zona, Luísa acabara de colocar um saco com cenouras, ao lado da alface, no carrinho onde já tinha outras compras, e dirigiu-se à bancada das frutas a fim de comprar maçãs. No momento em que ia a chegar, um homem que estava à sua frente, voltou-se para por no seu carrinho de compras, um saco com laranjas, e o seu coração acelerou ao ver que era Nuno Albuquerque.  Ele também a viu e esboçou um sorriso, que no entanto não iluminou os seus olhos escuros. 

Sem poder recuar, nem fingir que não o tinha visto ela cumprimentou-o:
- Olá, como estás?
- Bem. E tu?
- Também. – Tirou um saco e começou a por nele algumas maçãs. Pelo canto do olho, olhou à volta, procurando alguma figura feminina que pudesse ser a mulher dele, mas não viu ninguém.
-Costumas vir às compras aqui? – perguntou ele, vendo como ela dava um nó no saco das maçãs, e as colocava junto das outras compras.
- É o que fica mais perto da minha casa. E tu?
- Estou na mesma situação.

Era estranho. Por razões diferentes, ambos gostariam de não se terem encontrado. Mas agora que o acaso, os juntou, nem um nem outro tinha vontade de partir. Ambos queriam saber mais do outro, mas ali estavam falando de trivialidades, sem se atreverem a fazer as perguntas que verdadeiramente lhes interessavam. De súbito ambos esticaram a mão para agarrar uma caixa de morangos, e as mãos tocaram-se. Sentindo um tremor percorrendo-lhe o corpo, como se tivesse levado um choque elétrico, Luísa apressou-se a retirar a mão recuando. Como era possível que dezasseis anos depois, ele lhe provocasse semelhante reação?

Claro que Nuno percebeu perfeitamente a perturbação feminina. Arqueou uma sobrancelha num sinal claro de estranheza. Não era possível que ela se tivesse sentido perturbada com um simples toque, tantos anos depois. Ou seria? Se assim fosse era a oportunidade de ele se vingar. Seria interessante, seduzi-la e fazer com que se apaixonasse por ele, e depois deixá-la, como ela fizera no passado. Este pensamento fez com que um sorriso sedutor lhe iluminasse o rosto, enquanto lhe estendia a caixa de morangos.

-Toma. Eu tiro outra para mim. Estás muito bonita.
- Obrigado. Desculpa, tenho de ir. Já acabei as minhas compras.
- Eu também vou.
- Estás… sozinho?
- Estamos conversando, portanto estou contigo, - disse sorrindo. - Com quem achas que devia estar? Já sou grandinho para precisar de ama. E mesmo  acreditando que não te interesse, informo-te que não tenho qualquer compromisso, a não ser com os meus doentes. E tu?
- Também não.
- Então podíamos combinar alguma coisa. Queres almoçar comigo?
- Não acho que seja boa ideia, Nuno.
Chegaram às caixas, e entraram em filas diferente acabando assim a conversa.





21.2.22

ARMADILHAS DO DESTINO - PARTE XV

 





A tarde desse dia passou-a no hospital com os seus alunos, mas também com a outra professora, e os alunos dela.
Soube que a colega teria alta no dia seguinte, se até lá continuasse a não haver sinais do traumatismo craniano. Algumas das crianças, com ferimentos menos graves, que tinham ficado internadas por precaução estavam a ter alta nessa tarde, e em princípio ficariam só aquelas que foram submetidas a cirurgia. Seis ao todo, sendo cinco meninos da sua turma e uma menina da turma da colega.

No fim-de-semana, Luísa passou as tardes no hospital, principalmente junto de uma das crianças que tinha os pais emigrados, e vivia com os avós. Ela sabia das saudades que o pequeno tinha dos pais. Os avós adoravam-no, mas já eram idosos,  o avô tinha problemas de saúde e a avó não podia estar muito tempo no hospital, pelo que Luísa tomou a seu cargo a criança, como se fora um familiar.

Adorava crianças. Fora isso que a levara a escolher a profissão que tinha, pois depois da sua experiência matrimonial, não acreditava possível voltar a confiar num homem ao ponto de pensar em casar e em ter as suas próprias crianças. Há uns quatro anos ainda pensara em recorrer a um banco de esperma. Mas depois pensou que uma criança precisava de pai e mãe para se sentir completa. Ela fora criada apenas pelo pai, e sabia bem o que isso era. Então decidiu que não traria um filho ao mundo para viver a vida só pela metade.

Tinha um carinho especial pelos seus alunos. E talvez por isso, as crianças gostavam dela e se esforçavam para cumprir os objetivos impostos para cada ano.
Na segunda-feira, retomou as aulas, com as crianças ainda inquietas pelo susto que tinham passado e pela falta dos colegas ainda internados. Como Beatriz, a colega acidentada, ainda estava de baixa, apesar de já ter tido alta hospitalar, e como havia apenas duas turmas do terceiro ano, Luísa teve que ficar nesse dia com todas as crianças, o que lhe tornou o dia muito desgastante. Ainda assim, quando às dezasseis horas terminaram as aulas, foi direta para o hospital.

Não tinha voltado a encontrar o doutor Nuno Albuquerque, embora soubesse pelos miúdos que os ia ver todos os dias. Inicialmente tinha receio de voltar a encontrá-lo. Porém depois percebeu que ele estava ou nas urgências ou no bloco operatório, ou nas consultas externas. Só ia à enfermaria para a visita diária, e isso era sempre de manhã, fora de horas de visita.
Não percebia o que se passava com ela. Se por um lado receava encontrá-lo por outro desejava-o. Gostaria de poder falar com ele, saber como vivia, se tinha casado, se tinha filhos. Afinal, ele fora a pessoa que ela mais amara na vida, mesmo que ele pensasse o contrário. Sentir-se-ia melhor, se soubesse que não lhe guardara rancor, e era feliz.







18.2.22

ARMADILHAS DO DESTINO - PARTE XIV

 




- Queres contar-me o que se passa? Ou preferes ir logo ao consultório?- perguntou Fátima depois de terem sido atendidas e já prestes a degustar o seu bife. – Se calhar devíamos ter escolhido um local, menos barulhento.
Fátima era pouco mais velha do que Luísa. De estatura média, muito morena, de olhos escuros e cabelos castanhos. Tinha um olhar que inspirava confiança, um sorriso simpático, e uma figura um pouco cheia.

-Tive um pesadelo aterrador esta noite, - disse Luísa sem levantar a voz, mas inclinando-se para a frente
- Com o falecido?
-Sim.
- Há muito que não tinhas esses pesadelos, pensei que era uma fase ultrapassada. Vejamos, terá sido pelo acidente do autocarro? Lembraste-te do teu acidente? Ou aconteceu alguma coisa especial que possa ter despoletado no teu subconsciente uma emoção relacionada com o passado?

- Encontrei o Nuno?
- Quem?
- Nuno Albuquerque.
-O teu primeiro amor?
Assentiu com a cabeça.

-Bom, o Nuno nunca foi violento contigo, verdade?
- Claro que não. Foi o homem mais amoroso que conheci em toda a minha vida.
- Isso não é difícil pois não? Se bem me lembro, conheceste três. O teu pai, o teu marido, e o Nuno Albuquerque.

Calou-se, enquanto saboreava um naco do bife.

- E então? Encontraste o Nuno. Como e onde?
- No hospital. Pelo que percebi, foi um dos médicos que tratou os miúdos. O que não admira pois pediatria é a sua especialidade. Descemos juntos no elevador. Pensei que não me reconheceria, mas não tive essa sorte. Deverias ver a indiferença com que me tratou. Foi como se nunca me tivesse conhecido antes.
- E isso doeu-te. Estou a ver. Tens noção de que ao vê-lo, o teu subconsciente trouxe à superfície o passado?
- Sim, creio que sim. Até porque no pesadelo eu era perseguida pelo Nuno que à medida que se aproximava se transformava no Álvaro. Penso que o meu subconsciente se sentiu ameaçado. Ele sabe que o Nuno é provavelmente o único homem no mundo capaz de acabar com a minha tranquilidade.
- Tens medo do Nuno, ou dos sentimentos que ele te despertam? 
- Dos sentimentos claro. Julguei que tinha esquecido, e bastou vê-lo para transformar todas as minhas certezas em dúvidas.
- Então amiga, não precisas de psicóloga nenhuma. Tu sabes perfeitamente as causas e a solução.
Tinham acabado a refeição. Descartaram a sobremesa e pediram café para as duas. Depois Fátima retomou a conversa.
- Sabes se casou? – Perguntou Fátima
- Como vou saber? Mal falámos. Mas acredito que sim, talvez com alguma colega. Não faz sentido, que o não tenha feito.
- Há mais coisas que não fazem sentido nesta vida, do que o contrário. Ainda o amas. 
Não era uma pergunta, mas uma afirmação. Luísa desviou o olhar, mas não foi suficientemente rápida, para que conseguisse esconder da amiga, a dor que escureceu os seus belos olhos.
Trouxeram os cafés que elas beberam em silêncio.
Depois Luísa pagou a conta e saíram. Despediram-se junto ao carro de Fátima.
- Não precisas de ir ao consultório logo. Mas podemos sair à noite, ir até um bar, beber um copo, ouvir um pouco de música. Ou ao cinema se preferires. Precisas de te distraíres. Há anos que vais de casa para a escola e da escola para casa.
- Hoje não amiga. Talvez para a próxima. Obrigada por estares sempre pronta para me escutares. Mesmo sem bata.
- Não é para isso que servem as amigas? – disse Fátima abraçando-a e entrando em seguida no carro.
Luísa ficou a vê-la afastar-se até que o automóvel se perdeu na rua. Só então deu a volta e se dirigiu ao seu carro.



Amigos , ontem fui surpreendida pela publicação do jornal Rostos sobre o Renascer.
Para quem quiser ler por favor siga o link  AQUI


16.2.22

ARMADILHAS DO DESTINO - PARTE XIII

 




Luísa reuniu com a diretora, mal chegou à escola. Esta disse-lhe que não teria aulas nesse dia, era sexta-feira, os alunos das duas turmas que seguiam no carro acidentado, estavam na maioria internados, e mesmos os feridos menos graves iriam às aulas apenas na segunda-feira. Depois ela passara o dia anterior no hospital, deveria descansar nesse dia. 

Luísa agradeceu, meteu-se no carro e foi para o hospital. Sabia que as visitas eram só de tarde, mas talvez lhe dessem alguma informação sobre a colega, que tinha ficado em observação, e as crianças que tinham sofrido ferimentos mais graves e tinham tido que ser operadas.
Meia hora mais tarde, saiu do hospital, com o coração mais sossegado depois de saber que estavam todos a recuperar bem.

O mês de Maio estava a caminho do fim, e o dia apresentava-se radioso, como costumam ser estes dias, já com a primavera a querer rivalizar com o verão que se aproxima.
Luísa respirou fundo, pôs os óculos escuros e seguiu a caminho do parque onde tinha deixado o automóvel.
Sem ser uma grande beleza, com os seus traços finos e delicados, o rosto orlado pela farta cabeleira, da cor do trigo maduro, que lhe tocava os ombros em suaves ondulações, a alta e esbelta figura, envolta num camiseiro de seda azul, e nas calças de ganga, com as sandálias de meio salto, chamava a atenção de quem com ela se cruzava, apesar dos óculos escuros que escondiam uns maravilhosos olhos azuis, tal belos, como a mais bela das safiras.

Entrou no carro, mas antes de o ligar, retirou o telemóvel da mala, e marcou um número
- Fátima?
- Olá Luísa, que surpresa! Não devias estar em aulas? Espera, ouvi falar do acidente com um autocarro de miúdos da tua escola. Eram os teus alunos? Estavas com eles?
- Sim. Eram duas turmas. Uma delas era a minha. E claro que estava com eles mas felizmente saí ilesa. Preciso de ti. Tens um tempinho para mim?
- Para a amiga, ou para a paciente?
- Podia ser para as duas?
- Quando? Hoje?
- Sim.
- Bom, que tal almoçarmos juntas? Depois se necessário marco-te uma hora para o início da noite. Tenho marcações para toda a tarde.
-Eu também preciso da tarde, para ver a minha colega e as crianças que estão internadas.
- Então onde nos encontramos?
- Já alguma vez almoçaste no mercado de Campo de Ourique?
- Já. Queres ir lá?
-Ainda não conheço. Estou curiosa.
- Então está combinado. Meio-dia e meia. Está bom para ti?
-Está. Encontramo-nos lá. E obrigada.
- Até logo.

Desligou o telemóvel e voltou a metê-lo na mala. Olhou o relógio. Onze e vinte. Ainda tinha tempo de ir fazer algumas compras. Uns mimos, para as crianças internadas. Ligou o motor e rodou para a saída do parque.






15.2.22

RENASCER - MAIS UM SONHO QUE SE CUMPRIU

 

Nasceu hoje o meu terceiro filho literário. Renascer. Em edição bilingue graças à amizade e generosidade  do Joaquin  Duarte e da sua turma de alunos. 



"O ano de mil novecentos e sessenta e oito, caminhava a passos largos para o fim. A guerrilha das fações políticas que lutavam pela independência nas colónias estava ao rubro, enquanto na chamada Metrópole cada vez se levantavam mais vozes contra o regime."

Assim começa a história de Julião, um jovem ferido na guerra colonial, que não sabe bem ao certo quem é, mas sabe ter uma missão. Regressar para casa, e cuidar da esposa que deixara grávida, cuja fotografia carrega na carteira. 
Mas será Julião quem pensa que é?







POESIA ÀS TERÇAS - JUAN GÉLMAN -




MI BUENOS AIRES QUERIDO


Sentado na borda de uma cadeira sem tampo,
enjoado, doente, vivo por pouco,
escrevo versos previamente chorados
pela cidade onde nasci.
Tenho de segurá-los, também aqui
nasceram doces filhos meus
que me adoçam belamente no meio de tanto castigo.
É preciso aprender a resistir.

Não a partir nem a ficar,
mas a resistir,
embora seja seguro
que hão-de vir mais penas e olvido.



 Juan Gélman



EPITÁFIO


Um pássaro vivia em mim.
Uma flor viajou no meu sangue.
Meu coração era um violino.

Eu queria ou não queria. Mas às vezes
eles me amavam. Eles também me fizeram
feliz: primavera,
mãos juntas, felicidade.

Eu digo que o homem deve ser!

Aqui jaz um pássaro.
Uma flor.
um violino



 Juan Gélman



biografia
AQUI

14.2.22

PORQUE HOJE É DIA DE S. VALENTIM - MARIA TERESA HORTA - MORRER DE AMOR

Tu e eu, eu e tu, dois corações batendo em uníssono há mais de 50 anos


 

 Morrer de amor

ao pé da tua boca

Desfalecer
à pele
do sorriso

Sufocar
de prazer
com o teu corpo

Trocar tudo por ti
se for preciso

Maria Teresa Horta, num dos mais belos poemas de amor que já se escreveram.

Feliz dia dos namorados




              



11.2.22

ARMADILHAS DO DESTINO - PARTE XII

 

Luísa encontrava-se no meio de uma floresta desconhecida. Há horas que tentava sair dali e ia parar sempre no mesmo sítio. Ficava com a sensação de que andava em círculos. Estava cansada e aterrorizada. De vez em quando, chegava até ela um som de passos. Amedrontada, recomeçava a correr, na busca de uma saída. Sentia que o mato lhe rasgava a roupa.  Alguns espinhos cravavam-se-lhe na carne infringindo-lhe uma dor terrível. Mas não podia parar. Sentia que quem a perseguia estava cada vez mais próxima. Numa clareira olhou para trás e reconheceu o homem. Era Nuno Albuquerque, com a sua bata branca e o estetoscópio ao pescoço. 
Cansada, parou para o esperar. Mas então à medida que ele se aproximava, o seu rosto foi-se transformando, a bata branca desapareceu, o estetoscópio transformou-se numas tiras negras, e o rosto abriu-se-lhe num sorriso odioso, quando levantou a mão direita com o cigarro aceso. Gritou alucinada, e acordou com o rosto banhado em suor, e o corpo a tremer.

Saiu da cama e dirigiu-se à casa de banho. Despiu a camisa transpirada que meteu no cesto da roupa para lavar, abriu a torneira e meteu-se no duche.  
Deixou que a água lhe percorresse o corpo, enquanto pensava que tinha de telefonar a marcar uma hora com a psicóloga. Há mais de cinco anos não tinha pesadelos com o falecido marido. 
Parecia que tinha conseguido ultrapassar aquela fase da sua vida, afinal ele morrera há catorze anos. Mas o pesadelo daquela noite não agoirava nada de bom. Lembrou de como eram aterradoras as noites de pesadelo que sofreu durante anos, do acompanhamento psicológico da doutora Fátima, e até de duas consultas com um psiquiatra. Houve uma época em que o medo dos pesadelos era tão grande que só conseguia dormir à base de soníferos. Por fim, os medicamentos e o acompanhamento psicológico acabaram surtindo efeito e os pesadelos acabaram. Porque teriam voltado agora? E porquê Nuno aparecia no pesadelo?

Terminou o duche. Enrolou o corpo numa toalha, ligou o secador e começou a secar o cabelo. Depois passou o hidratante no corpo e vestiu-se.
Dirigiu-se à cozinha e preparou uma taça de cereais, que engoliu de pé. Tinha tanto que fazer, e sentia-se tão nervosa.
Passou a taça por água e enfiou-a na máquina. Foi à casa de banho, escovou os dentes e o cabelo. Voltou ao quarto, fez a cama, pegou no telemóvel que estava sobre a mesa-de-cabeceira, verificou o estado da bateria, meteu-o na mala e saiu.
Ainda era cedo, mas como no dia anterior tinha deixado o carro na escola, tinha que apanhar o autocarro e não sabia quanto tempo ele demoraria a chegar ao estabelecimento de ensino.


10.2.22

PORQUE ME APETECE


Este vídeo é dedicado a quem  se sinta tão em baixo como eu. Há dois dias que ando à base de comprimidos para as dores e ontem nem consegui ir ao tratamento de fisioterapia. Passei mais de metade do dia de cama. A nora e as meninas estão com covid, mas graças a Deus não têm estado muito mal, à parte algumas dores de cabeça e a falta de apetite para comer. Como tomamos conta da pequenina e tínhamos estado com ela na véspera de ela adoecer, fizemos o teste mas graças a Deus o resultado veio negativo.
  

9.2.22

ARMADILHAS DO DESTINO - PARTE XI

 





Nuno entrou em casa, acendeu a luz e fechou a porta atrás de si. Despiu o casaco e jogou-o com displicência para um cadeirão na sala. Foi até ao bar e serviu-se de uma bebida. Sentou-se no sofá e cerrou as pálpebras. Mentalmente reviu a figura de Luísa. Já não era a jovenzinha que ele tanto amara, e que lhe destroçara o coração. Era uma mulher muito bela.
 O amadurecimento tinha-lhe dado um outro encanto. E apesar da raiva que o consumira durante aqueles dezasseis anos, a sua presença mexeu tanto com ele que teve de fazer um enorme esforço para aparentar uma naturalidade, tão falsa como ela própria.
Namoravam há dez meses e ele tinha a certeza do seu amor. Recordou o dia em que a pediu em casamento. Os planos, para um futuro próximo. As juras de amor que ela lhe fizera. Parecia tão sincera, tão apaixonada. Ele estava tão feliz, que deixara de lado o sonho de ir para África. 

Uma semana foi o tempo que durou a sua felicidade. Uma semana e as juras de amor foram quebradas, com a desculpa de que era muito jovem, e não estava preparada para assumir um compromisso sério. 
Devastado, com a atitude da mulher que amava, a tal ponto que estava disposto a renunciar aos seus sonhos, com a alma em farrapos, Nuno partiu para o Zimbabwe, onde esteve durante três anos.

 Foi lá que recebeu a carta do pai que lhe anunciava o casamento de Luísa, com um homem que quase podia ser seu pai. Não tinham passado nem seis meses depois da sua partida. Amaldiçoou-se pela dor que sentia, por não conseguir esquecê-la. E fez uma jura a si próprio, de que mulher alguma no mundo ia voltar a ter poder sobre ele. Nunca mais ia deixar que o seu coração se prendesse.
Integrado numa equipa de Médicos Sem Fronteiras, Nuno tinha chegado a Chitungwiza, nos subúrbios de Harare, a capital do Zimbabwe. Da mesma equipa, fazia parte a doutora, Helena Santos, que desde o início mostrou sentir grande atração por Nuno, apesar de ele nunca ter demonstrado qualquer outro sentimento que não o saudável companheirismo de dois colegas de profissão. Apesar disso Helena mantinha esperança. De tal modo que quando a missão do grupo acabou, e Nuno decidiu ficar, ela fez o mesmo, talvez pensando que acabaria por o conquistar.

Nuno continuou dedicado de corpo e alma às suas crianças, até que farta de esperar, Helena decidiu tomar a iniciativa e declarar-se ao colega. Sentindo-se incapaz de corresponder ao sentimento dela, Nuno despediu-se dos seus pacientes, e rumou ao Bangladesh, onde permaneceu durante dois anos.
Findo esse tempo voltou a África, tendo passado pela República Centro Africana, Eritreia, Burundi,  e Angola, para acabar por voltar ao Zimbabwe,  onde permaneceu até ao maldito acidente.

 Depois foi uma longa batalha consigo mesmo, até vencer as suas limitações e voltar a ser o médico, conhecido e estimado.
O acidente porém causara grande preocupação aos seus pais, que sentindo-se na reta final da existência , temiam não voltar a ver o filho.
Daí, que quando finalmente recebera alta do hospital da Universidade Técnica de Munique, para onde fora enviado após o acidente e onde estivera mais de três meses, regressou a Portugal  onde se candidatou a um lugar num hospital em Lisboa, e se mudou, para um apartamento não longe da casa dos pais. E quando pensava que tinha enfim encontrado a paz de espírito eis que encontrava Luísa e com ela regressava todo o passado. A dor e o ódio, que o acompanharam ao longo de dezasseis anos.

8.2.22

POESIA ÀS TERÇAS - ALLEN GINSBERG



Canção

O peso do mundo
é o amor.
Sob o fardo
da solidão,
sob o fardo
da insatisfação

o peso
o peso que carregamos
é o amor.

Quem poderia negá-lo?
Em sonhos
nos toca
o corpo,
em pensamentos
constrói
um milagre,
na imaginação
aflige-se
até tornar-se
humano –

sai para fora do coração
ardendo de pureza –

pois o fardo da vida
é o amor,

mas nós carregamos o peso
cansados
e assim temos que descansar
nos braços do amor
finalmente
temos que descansar nos braços
do amor.

Nenhum descanso
sem amor,
nenhum sono
sem sonhos
de amor –
quer esteja eu louco ou frio,
obcecado por anjos
ou por máquinas,
o último desejo
é o amor
– não pode ser amargo
não pode ser negado
não pode ser contigo
quando negado:

o peso é demasiado
– deve dar-se
sem nada de volta
assim como o pensamento
é dado
na solidão
em toda a excelência
do seu excesso.

Os corpos quentes
brilham juntos
na escuridão,
a mão se move
para o centro
da carne,
a pele treme
na felicidade
e a alma sobe
feliz até o olho –

sim, sim,
é isso que
eu queria,
eu sempre quis,
eu sempre quis
voltar
ao corpo
em que nasci.


Biografia  AQUI