Tudo arrumado, Miguel acendeu um cigarro. A jovem estava a levar mais tempo a acordar do que aquilo que ele previra. Quem seria? À primeira vista, não tinha documentos, pois não trazia nenhuma bolsa, nem se lhe notava na roupa qualquer carteira.
A jovem soltou um gemido e pouco depois abriu os olhos. E que olhos! Grandes, de um quente e aveludado castanho dourado. Na mente de Miguel ficou impressa a imagem que mais tarde iria transpor para a tela. Ele não era um pintor famoso, daqueles cujas obras vão para os museus, mas modéstia à parte considerava-se um bom pintor. Tinha palmilhado meio mundo, e em todos os lugares onde expôs, os seus quadros sempre se venderam bem, e sempre foi disso que ele viveu. Nunca se tinha dedicado a pintar o ser humano. Era um apaixonado da natureza, e sempre optara por perpetuar as suas maravilhas, mas aquela imagem da jovem, deitada na vegetação o corpo soerguido sobre o cotovelo esquerdo, olhando-o de forma inquiridora, era por demais sugestiva.
Aproximou-se dela.
-Como se sente? - Perguntou.
- Confusa, -respondeu a jovem numa voz melodiosa. – O que faço aqui? Que lugar é este? E quem é o senhor?
Miguel engoliu em seco.“Querem ver que é doida?” – Pensou.
Estendeu-lhe a mão para a ajudar a levantar-se.
- Vamos por partes, - disse calmo. Chamo-me Miguel. E a menina?
- Não sei, - respondeu desconcertada.
Passou a mão, de dedos longos e finos pela testa, como se quisesse lembrar de alguma coisa e por fim murmurou.
- A verdade é que não me lembro. Não me lembro de nada. A minha cabeça está vazia.
Fez-se silêncio. A cabeça da jovem podia estar vazia, mas a de Miguel estava a mil. Quem seria ela? Teria sido a comoção do momento que lhe fizera perder a memória? Ou já tinha acontecido antes, e fora o desespero de não saber quem era, que a levara a tentar o suicídio? De súbito a jovem quebrou o silêncio, como quem acaba de ter uma ideia.
- Mas você sabe quem eu sou, verdade? Não teria vindo para aqui se não fossemos conhecidos. Vejo que é pintor. Sou sua modelo?
-Não, - retorquiu Miguel. A menina não veio comigo.
-Como assim?- Interrogou a jovem. Pois se estava aqui dormindo, enquanto pintava.
Apertou a cabeça entre as mãos e desatou a chorar.
-Que se passa comigo? Porque não me lembro de nada? Porquê?- Gritou em desespero.