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6.3.23

CICATRIZES DA ALMA - PARTE XXVII

 




No resto da tarde, Anabela não se aproximou do doente tal como tinha dito, mas perguntou ao caseiro como ele estava, se tinha comido bem, e se, não se tinha queixado de alguma dor. Satisfeita com a resposta, aproveitou para dar uma pequena volta para conhecer a quinta e a paisagem dos arredores. Findo o passeio, dirigiu-se à sala de tratamentos e verificou as pomadas e linimentos que havia no armário, o gel para os ultrassons, verificando as datas de validade.

Depois abriu a gaveta da secretária e retirou a prescrição dos tratamentos a efetuar, leu-a e voltou a guardá-la.

 Mais tarde, satisfeita por verificar que tudo estava em ordem para o início do seu trabalho no dia seguinte, subiu ao quarto, acabou de arrumar as suas coisas e por fim estendeu-se em cima da cama pensando se a tarefa que ia enfrentar não era demasiado grande para ela. Cansada, da viagem e da longa caminhada acabou por adormecer.

Duas horas depois, acordou sobressaltada com as batidas na porta. Era Isilda informando que o jantar estava pronto. Anabela levantou-se foi à casa de banho, lavou o rosto escovou o cabelo e desceu. Quando ia a entrar na cozinha, Joaquim saía com o carrinho do jantar para o doente.

Ela perguntou:

- Como esteve o doente esta tarde?

- Como de costume, menina. Barafustou quando fui retirar o carrinho após o almoço porque queria o quarto às escuras,  porém seguindo as suas ordens, não o fiz.  Fechei as persianas e corri os cortinados mas só quando começou a anoitecer.

- Claro. As noites aqui são muito frias?

-São sim, menina, mas a casa tem aquecimento que o senhor mandou instalar quando a remodelou antes de ir para África.

-Bom, vá antes que o jantar fique frio.

Anabela jantou com o casal, e no fim disse-lhes que podiam ir para casa. Ela recolheria o carrinho e arrumava a cozinha. Como tinha dormido de tarde, não tinha sono.

Isilda protestou, Anabela estava ali para tratar do doutor, não para fazer aqueles trabalhos, mas a jovem manteve-se firme e eles acabaram por sair.

Ela levantou a loiça da mesa e depois de a passar por água, meteu-a na máquina. De seguida, dirigiu-se ao quarto do doente, para retirar o carrinho com a loiça do jantar, e ver se o doente necessitava de alguma coisa.

- Boa noite, - disse ao entrar no quarto

- Onde está o Joaquim? – foi a resposta obtida

- Foi para casa com a esposa.

- Porquê? Algum deles está doente? O Joaquim não me disse nada.

- Eu dispensei-os.

- Sargento novo, novas ordens na caserna, - resmungou o doente

Fingindo não ouvir, Anabela perguntou:

-Trago-lhe a cadeira para ir à casa de banho?

-Não obrigado.

Ela então estendeu uma toalha sobre a colcha e sobre ela uma bacia, a escova e pasta de dentes. Encheu o copo de água, pegou o jarro vazio, juntou-o à loiça do jantar que estava no carrinho e dirigiu-se para a porta dizendo:

-Volto daqui a pouco com a água e um copo limpo.



Então é assim. A médica de família diz que agora a RM é com o neurologista. Resta saber onde vou ter consulta já que neste momento parece não haver neurologista no Hospital do Barreiro

 

19.7.21

COMEÇAR DE NOVO - PARTE XXXIII




 Eram dez horas e vinte minutos da noite de sábado, véspera da Páscoa . Estendido no sofá da sua sala, com os braços debaixo da cabeça, Gonçalo recordava as emoções porque passara naqueles dois dias.

Tinha chegado à "Flor do campo" a quinta dos pais de Helena, na véspera faltavam quinze minutos para as onze. À entrada do largo portão, encontrara Matilde que se pusera a meio da estrada que o levaria até à casa uns duzentos metros mais à frente. 

Sem saber bem o que pensar, ele parara o carro e saíra. Por largos segundos que lhe pareceram uma eternidade, ficaram olhando um para o outro em silêncio, deixando que os olhos gritassem tudo o que lhes ia na alma. Depois ele pusera um joelho no chão, tornando o seu corpo de um metro e noventa e dois, mais acessível à altura da filha e abrira os braços.  Matilde correra a refugiar-se neles. 

A emoção que sentira fora tão grande, que só a muito custo conseguiu conter as lágrimas que acabaram correndo livres quando Matilde lhe segurara o rosto com as mãos trémulas e dissera:

- Pai, finalmente vieste. Meu Deus toda a minha vida desejei saber quem eras, onde estavas, porque não vinhas ver-me. Estar agora aqui nos teus braços, é a realização do meu maior sonho.

 A mãe contou do teu desastre, da perda de memória, e de que não sabias sequer que eu existia. Mas agora que já sabes, promete que nunca mais te esqueces de mim. Prometo que serei uma boa filha e que um dia ainda vais sentir orgulho de mim.

- Já sinto orgulho de ti minha filha, e juro que aconteça o que acontecer estarei sempre presente na tua vida, amando-te e protegendo-te. Agora limpa essas lágrimas, entra no carro e vamos até casa, está bem?

Estacionara no largo junto à casa um edifício de dois andares, no qual entrara pela mão de filha e  fora por ela apresentado aos tios, avós e primos. 

Ele gostara da família. Todos o receberam com aquela amabilidade típica das gentes do interior. Apenas Sérgio se mostrara menos simpático, mas ainda assim não inconveniente.

 Durante o almoço, o dono da casa, afirmou que estavam felizes com a sua presença, que gostariam de que passasse com eles aquelas festas da Páscoa.

 Ele agradecera, mas dissera que infelizmente teria de regressar no dia seguinte à tarde, pois estaria no serviço de urgência no hospital Domingo de Páscoa.

Depois do almoço, as mulheres foram para cozinha, Matilde recebera ordem de ir descansar, afinal havia apenas uma semana que sofrera a cirurgia e os primos Maurício e Mário foram para o quarto enfrentar-se num jogo virtual. 

Na sala ficaram apenas os três homens e Gonçalo pensara que era a hora de ter uma conversa séria com os outros dois, sobre quem ele era, as suas intenções de reconhecer e dar o seu nome à filha e o seu desejo de casar com a mãe. 

O destino o privara, por desconhecimento, de lhes dar aquilo a que tinham direito, mas agora que as descobrira, queria o mais rápido possível, recuperar o tempo perdido.  

Os dois mostraram-se satisfeitos com o que ouviram e os três apertaram as mãos num gesto de aceitação e apoio.

    


14.7.21

COMEÇAR DE NOVO - PARTE XXXI

 



A meio da tarde, Helena levou a filha ao centro médico do Fundão a fim de lhe mudarem o penso e verificarem se estava tudo bem, como o cirurgião recomendara Nuno recomendara no dia da alta.

Matilde insistira com a mãe para obter o número do pai, pois estava ansiosa para falar com ele, mas esta não lho dera, não só porque sabia que o pai estava no hospital até às dezasseis horas, mas também porque achava que seria preferível ela falar com o pai pessoalmente uma vez que ele não trabalharia no dia seguinte e iria ter com eles à quinta, a fim de conhecer a família dela e ter uma conversa séria com eles. E então sim os dois teriam tempo para estar juntos e ela dizer ao pai o que desejasse.

 Quando saíram do Centro médico, a garota disse estar com fome e a mãe decidiu que lanchariam ali mesmo na cidade e só depois iriam para a aldeia, onde teriam que jantar cedo pois às dez horas teriam que estar na igreja para o inicio das celebrações da Semana Santa nessa noite com a representação da Última Ceia que incluía a lavagem de pés dos membros da irmandade. 

Antes disso, Sérgio e Sofia, que não trabalhavam no dia seguinte por ser feriado, chegariam à quinta, onde já se encontravam os seus filhos, para passarem a Páscoa na casa paterna. Os pais de Sofia também viriam mas chegariam apenas no sábado pela hora do almoço. 

Entretanto também no dia seguinte chegariam à aldeia, Rita e o marido, bem como os pais de ambos que ali iam passar a Páscoa, pois o velho Alberto Santos, mais conhecido pelo Ti Alberto Ferreiro, avó da Rita, estava muito doente e a família queria estar com ele, pois receavam ser a última Páscoa, do idoso.

 Lena ainda não contara a Rita, tudo o que soubera de Gonçalo na véspera, apesar da grande amizade que as unia, pois era uma longa e complicada história que pensava não devia ser contada pelo telefone.

Enquanto Lena e a filha, regressavam à quinta, a primeira pensando no que o irmão e cunhada diriam, quando soubessem dos últimos acontecimentos, e a segunda sonhando com a visita do recém descoberto pai.

Mais tarde, todos reunidos à mesa para jantar, foi Sérgio quem após mais um comentário da sobrinha sobre o pai, perguntou:

- Que história é essa, Lena? Como é que Matilde diz que o pai vai chegar amanhã? 

-É uma história longa e complicada para contar agora, mas é verdade que encontrámos o Gonçalo. Foi ele quem atendeu a Matilde no hospital antes da cirurgia. 

- E assim sem mais nem menos disse-lhe que era o pai dela? - perguntou o irmão com ironia. Onde é que ele esteve estes anos todos? 

-Já te disse que é uma história longa e complicada que não vou poder contar agora. A vida, nos separou e ela nos juntou de novo. Ele pediu-me em casamento e quer dar o seu nome à filha. 

Estará aqui amanhã para  passar o dia com ela, conhecer-vos a todos e poderás fazer-lhe as perguntas que desejares. Tudo o que sei já contei à mãe.  E agradecia-te que não fizesses comentários sarcásticos sobre este assunto na frente da Matilde.

- A Lena tem razão, amor - disse Sofia. A tua irmã é uma mulher adulta e responsável, absolutamente capaz de saber discernir o que que sabe o que é melhor para as duas. E depois já viste como a Matilde está feliz? 





5.5.21

COMEÇAR DE NOVO - PARTE II





Durante uma semana, Gonçalo ligava várias vezes ao dia, mandava carinhosas mensagens cheias de saudades. Lena respondia da mesma maneira.

E chegou o dia do regresso à casa paterna.  Sérgio, o irmão, resolvera regressar dois dias antes do fim das férias, a fim de passar esses dias na quinta, para que os pais pudessem desfrutar da presença do neto, que começava a dar os primeiros passos e a balbuciar as primeiras palavras. Depois voltaria para Coimbra e só se veriam meia dúzia de vezes até que chegasse o Natal e todos se reunissem de novo.

Por sua vez, Lena também iria para Lisboa, a fim de iniciar os seus estudos. O pai tinha-lhe conseguido um quarto, na casa de uma jovem, filha de um grande amigo de infância, Francisco e neta do velho ferreiro da aldeia, Alberto Santos.

O dia em que chegou a casa de Rita, foi o primeiro em que Gonçalo não telefonou, nem respondeu à mensagem que ela lhe enviou já com a morada de Lisboa.

E esse foi o primeiro dia, do fim daquele amor que parecia indestrutível.

Rita Santos, era alta, morena, de cabelos e olhos escuros, nariz pequeno e boca carnuda. Tinha vinte e seis anos e acabara de se divorciar, mas contrariamente ao que Lena pensara, não se sentia triste, antes pelo contrário dava graças, por se ter livrado do marido, um pinga amor, capaz de a trair com qualquer uma. As duas, sentiram uma grande empatia, e em breve era como se fossem amigas de longa data.

Uma tarde, Rita que trabalhava na agência imobiliária do pai chegou a casa e encontrou Lena na sala com os olhos vermelhos e inchados, sinal mais que evidente de ter passado a tarde a chorar.

-Lena, querida que se passa? Estás doente? Aconteceu alguma coisa com os teus pais ou o teu irmão?

As sua perguntas despoletaram uma nova avalanche de lágrimas. De seguida tirou as mãos do colo e mostrou o teste.

- Meu Deus, estás grávida! E o Gonçalo continua sem responder às tuas mensagens? Tens que lhe dizer. Ele tem que assumir a responsabilidade.

- E como vou fazê-lo se o telemóvel está sempre desligado e nem sequer viu as mensagens que lhe enviei. Meu Deus Rita, como é possível que me tivesse enganado tanto com ele? Juro que acreditei de coração que ele retribuía o meu amor!

- Alguns homens são mestres na arte de sedução. São capazes de enganar a maior cínica da terra, quanto mais tu que és tão ingénua. Mas chorar não resolve nada. Tens que decidir se vais querer esse bebé, e as implicações que isso vai ter na tua vida, ou se queres fazer…

-É claro que eu quero este bebé, Rita. Mal soube que ele estava aqui, - disse colocando a mão no ventre, - o meu coração encheu-se de amor por ele. O que me preocupa é a deceção que vou dar aos meus pais.  Não sei como arranjar coragem para lhes contar. Estão velhos, viveram sempre na quinta. O meu irmão, não quis casar, vive em união de facto e é feliz, mas os meus pais, custaram a aceitar a decisão do filho. E agora eu apareço grávida, sem casamento, sem namorado, sem nada.

-Talvez seja melhor telefonares ao teu irmão, e pedir-lhe que venha cá. Contas-lhe e decerto ele te ajudará a enfrentar os teus pais. De resto eu estou aqui para te apoiar em tudo o que precisares, já que não podes nem deves abandonar os estudos. Eles serão a tua porta, para um futuro melhor.

 

13.12.19

CONTOS DE NATAL - UM NATAL MUITO ESPECIAL


  1.  Um Natal muito especial
  2. Era o primeiro Natal da Rita Ratinha. O céu rasgava-se de rosas e dourados e o ar era frio. Algo cintilava através da janela de uma casa, brilhando na escuridão da noite. — O que é aquilo, mamã? — guinchou a Rita. — Chama-se árvore de Natal — respondeu a mãe. — As pessoas enchem-na de bolas brilhantes, luzes e estrelas. — Quem me dera ter uma árvore de Natal — suspirou a Rita. — E se fôssemos à floresta procurar uma? — sugeriu a mãe. — Podes pô-la tão bonita como aquela que se vê na janela. A Rita achou a ideia maravilhosa. Chamou os irmãos e as irmãs, e lá foram todos à procura. E
  3.  Pelo caminho, encontraram um celeiro e os ratinhos aventuram-se lá dentro, à procura de alguma coisa para colocar na sua árvore. Debaixo de um enorme monte de palha, a Rita encontrou uma boneca. — É igual à que está no cimo da árvore de Natal que se vê à janela — comentou. — É perfeita para a nossa árvore! Mas a boneca já tinha dono. — Grrrrr! — rosnou o velho cão da quinta. — Essa boneca é minha! — Não corras atrás de nós — pediu a Rita. — Só pensei que a boneca ficaria bem na nossa árvore de Natal.
  4. O velho cão bocejou. É verdade que, por vezes, corria atrás de ratinhos. Mas, talvez por ser Natal, ou por se lembrar da altura em que brincava com as crianças,
  5. junto da árvore de Natal da quinta, o cão disse aos ratinhos que podiam levar o brinquedo emprestado. Os ratos saíram da quinta, levando consigo a boneca, e chegaram ao outro lado da floresta. — Vejam! Encontrei outra coisa para colocarmos na nossa árvore! — exclamou a Rita. Era uma fita dourada, que pendia de um ramo de um carvalho. A Rita trepou pelo tronco acima, agarrou a fita e puxou... Mas a fita pertencia a uma gralha, que queria usá-la para forrar o seu ninho.
  6. — Por favor, não te zangues — pediu a Rita. — Só a queria para enfeitar a nossa árvore de Natal. Ora, normalmente, as gralhas perseguem ratinhos. Mas, talvez por ser Natal, ou por também ter ficado a admirar a árvore de Natal que se via à janela, ela largou a fita e a Rita levou-a consigo. Ao longe, a Rita viu umas coisinhas vermelhas a brilhar, caídas no chão. Eram muito parecidas com as bolas penduradas na árvore de Natal que se via à janela.
  7. — É mesmo disto que precisamos! — exclamou a Rita, correndo para apanhar uma delas. — Agora, já temos uma boneca, uma fita dourada e uma bola brilhante! Mas as bolas brilhantes pertenciam a uma raposa.
  8. — Essas maçãs são minhas — resmungou. — Estou a guardá-las para ter o que comer no Inverno frio. — Nós só achamos que uma ficaria bem na nossa árvore de Natal — disse a Rita, tremendo de medo. A raposa cheirou-a. Já correra atrás de muitos ratinhos. Mas, talvez por ser Natal, voltou para o interior da floresta, deixando que a Rita escolhesse uma maçã e a levasse com ela. O sol começava a pôr- -se, à medida que os ratinhos avançavam cada vez mais para o interior da floresta. Por fim, numa
  9. clareira, encontraram uma árvore verde muito grande. — A nossa árvore de Natal! — gritou a Rita. E, nos seus ramos, penduraram a boneca, a fita e a maçã. — Oh — disse a Rita, quando terminaram. — Não se parece nada com a árvore de Natal que eu vi. Tristes, os ratinhos voltaram as costas e, desiludidos, caminharam de regresso a casa, para se deitarem.
  10. A meio da noite, a Senhora Rato acordou os seus pequenotes. — Venham comigo — sussurrou. — Quero mostrar-vos uma coisa. Os ratinhos apressaram-se para junto da mãe, seguindo-a em direção à floresta. Pelo caminho, viam alguns animais que passavam por eles, cheios de pressa. Por fim, os ratinhos chegaram à clareira. A Rita parou de repente e os seus olhos começaram a ficar mais e mais redondos e brilhantes. — Oh, vejam aquilo! — exclamou.
  11. Durante a noite, os animais da floresta tinham acrescentado mais enfeites à árvore e a neve começara a cair, cobrindo tudo com o seu brilho. A pequena árvore piscava sem parar na escuridão. — A nossa árvore é ainda melhor do que a que se vê à janela. — sussurrou a Rita, muito feliz. E, talvez por ser Natal, todos os animais se sentaram à volta da árvore, tranquilos e em paz.

  12.  Christine Leeson 
  13. Um Natal muito especial V. N. Gaia,
  14.  Edições Gailivro, 2006 Texto adaptado

Uma história bem levinha para os que não gostaram da história de ontem. Eu adorei-a porque entendi que ela tem, não uma mas duas grandes mensagens. A primeira de amor, do marido e filhos que tudo fizeram para amenizar a dor e o desalento da doente, a segunda a mensagem de que nem sempre o cancro é sinal de morte. Muita gente se cura e essa é a esperança que todos devem ter, a força para lutar contra a doença. 

12.9.18

HISTÓRIA DE ANTIGAMENTE - AVIAR A CADERNETA

Na Seca do Bacalhau, da Parceria Geral de Pescarias, havia duas quintas, cada uma com o seu caseiro, onde se produzia tudo o que a terra dá. Das batatas às frutas e ao feno para os animais. Numa delas, havia um depósito de água que servia toda a Seca e vários tanques que serviam para regas e para lavagens de roupa.  Na outra um poço e uma nora movida geralmente por uma vaca, completava as exigências. Havia uma casa grande, senhorial, com garagem, e quintal. Era a casa do senhor Capitão, o gerente deste pequeno mundo. Ficava isolada junto dum pequeno eucaliptal.


 Depois mais afastadas ficavam meia dúzia de casas, habitadas por pessoas que viviam todo o ano na Seca,e que tratavam da manutenção para que tudo sempre estivesse em ordem quando começava a safra.
 Os electricistas, os dois empregados de escritório, o ferreiro, os vigias, e o Ti'Abel.

Havia ainda uma casa em cada quinta, para os caseiros, uma casa junto ao portão principal, para a porteira e um barracão grande no portão junto à praia, para o pessoal do Barreiro que ia e vinha a pé para o trabalho pela "caldeira do alemão" O terceiro portão junto ao moinho de maré, para quem vinha de Palhais, atravessando a Quinta do Himalaia, era o próprio moleiro que abria e fechava à hora do pessoal entrar ou sair, sendo que à saída em qualquer dos portões tinham que mostrar a alcofa que traziam de manhã com o almoço, para ver se não levavam, alguma coisa que não lhes pertencesse. Havia ainda duas enormes camaratas, e o posto da guarda fiscal que ficava pegado a uma destas camaratas, que eram chamadas de "malta".
O Ti'Abel era o encarregado de ir todos os dias, levar a correspondência da firma, e também do pessoal que trabalhava nela, à estação dos correios no Barreiro. Na volta, trazia o correio, que havia para a Seca, e trazia também peixe, e carne do mercado, para quem lhe tinha encomendado. Tudo isto numa carroça, puxada por um manso cavalo. Os caseiros tinham também uma carroça, que usavam para levar para o mercado, os produtos da quinta que excediam os gastos da Seca.

A actividade da seca do bacalhau, decorria de Outubro até Abril. Durante esses meses a Seca chegava a ter quase meio milhar de trabalhadores, entre os residentes, aqueles que vinham do norte para fazer a safra e ficavam a viver nas camaratas, e o pessoal, maioria mulheres que vinham todos os dias das terras vizinhas, Telha, Quinta de Lomba, Barreiro, Baixa da Banheira, Alhos Vedros, Palhais, Santo António da Charneca, e Coina.  Do Norte, vinham homens e mulheres, muitos dos quais casados. E então acontecia uma situação algo caricata.


É que os casais não podiam viver juntos. Os homens viviam numa das "maltas", que além dos imensos quartos colectivos, tinha um grande refeitório, mesas de vários metros com bancos corridos, e uma cozinha com um enorme fogão a lenha, com imensas bocas, e dois cozinheiros que cozinhavam para os homens. No extremo oposto, a "malta" das mulheres, era em tudo gémea da que acaba de se descrever, só que em vez de cozinheiros, tinha cozinheiras. A única concessão que era feita aos casais, era a de poderem comer juntos, num ou noutro edifício. Mas antes das onze da noite, todos tinham que estar recolhidos na respetiva "malta",  sob pena de terem que dormir ao relento.
Bom, mas os casais precisavam de intimidade. Principalmente os homens, já que naquela época a sexualidade parecia ser privilégio deles. 
Talvez porque os homens se preocupassem mais em desfrutar do ato sexual, do que em proporcionar à sua companheira qualquer satisfação, as mulheres, encaravam o mesmo, como "um frete a que não podiam fugir, porque era a sua obrigação satisfazer o marido".  Não sei se a origem do nome de código "Aviar a caderneta" mas os homens usavam essa expressão para dizerem à mulher quando queriam ter sexo. Talvez pareça um tanto crua esta expressão, mas não me parece que se pudesse chamar aquilo fazer amor.
Na Seca havia também um pequeno pinhal com umas ribanceiras à volta, e um canavial que ladeava a vedação da Seca, estendendo-se até à Telha.

 Então quando os casais, queriam "aviar a caderneta", recorriam a estas instalações. O pinhal, ou o canavial.
Parece que a pessoa que vos está a contar esta história, é filha de um "aviamento de caderneta". Corria o ano de 1946, já tinha acabado a II Guerra Mundial.

Vou deixar para outro dia o trabalho de pôr o Bacalhau seco e salgado, como todos o conhecem.

Para todos uma excelente semana 

23.7.18

O DIREITO À VERDADE - XLV



Os quinze dias que Helena passou na quinta foram maravilhosos. Ela diria sem medo de mentir que tinham sido os mais felizes de toda a sua vida.
A mãe de Cláudio tinha sido uma surpresa. Dado o quase metro e noventa do filho, Helena tinha imaginado uma mulher alta e forte, e Carmo era exatamente o oposto. Não ultrapassaria o metro e meio, e o seu aspeto era frágil e delicado, embora tanto o marido como o filho lhe dissessem que o seu aspeto era enganador e que ela era uma força da natureza. Desde o primeiro momento, a jovem sentiu que Carmo a recebeu com muito carinho, sem reservas, como se ela pertencesse à família desde sempre. Depois porque o tio aceitara ir passar uma semana lá, e ela verificou que havia realmente uma saudável amizade entre o pai e o tio, e teve a certeza de que se os dois homens não tinham privado durante todos aqueles anos, foi porque o tio se sentia culpado de não contar ao amigo que ele tinha uma filha. E não podia fazê-lo, por via da promessa que fizera à cunhada. O tio estava mais sereno e até já falava em vender a casa em Lisboa e se tornar sócio do amigo.
O seu romance com Cláudio não podia ir melhor, ele levara-a a percorrer a quinta, falara-lhe do seu trabalho, dos seus sonhos, e dissera-lhe que gostaria de casar o mais depressa possível.  Como quem casa quer casa,  se ela estivesse de acordo, ele gostaria de viver na quinta e podiam construir aí a sua casa. As crianças teriam mais espaço para brincar e sempre  podiam contar com a ajuda dos avós. Entretanto até que a casa ficasse pronta, alugariam uma casa em Viseu, ou Nelas, ou, caso ela não se importasse, poderiam continuar a viver com os pais, durante o tempo que levassem a construir a casa deles.  O que interessava é que casassem rápido, ele não aguentava mais. Os abraços e beijos, não lhe matavam a fome, que tinha dela.
Helena gostou que ele contasse com os seus desejos, em relação à maneira como e onde iam viver, e disse que não se importava de ficar a viver com os pais durante o tempo necessário à construção, mas queria ter a certeza, de que iria acabar o seu curso e ter a sua profissão, fora de casa, não se via o dia inteiro na quinta apenas dedicada ao lar. Ele respondeu-lhe que os dois teriam liberdade para viverem os seus sonhos, o verdadeiro amor, liberta não subjuga.
- E que faço com a casa em Lisboa?- Perguntou.
-Nada. Não precisamos desse dinheiro, a casa está numa excelente zona, será muito agradável poder contar com ela quando quisermos dar uma escapadinha à capital. Servirá também para os pais, ou para o tio Alberto, passarem alguns dias quando lhes apetecer. Isto claro se o teu tio, levar adiante a ideia de vender a casa dele e se tornar nosso sócio.
Definidos que foram todos os pormenores, Helena ia voltar a Lisboa. Ia buscar o seu enxoval, tratar da sua transferência para a Universidade de Viseu, e depois voltaria.

20.7.18

O DIREITO À VERDADE - XXXIX






O mês de Outubro chegou sem grandes alterações na vida de Helena. Continuava a falar com o pai quase todos os dias, mas começava a perder a esperança de que alguma vez, a convidasse a passar uns dias na sua quinta. Jorge parecia ter receio de contar a verdade à esposa, e desculpava-se com a sua saúde frágil, para protelar a confissão.  Helena não o recriminava. Afinal a esposa era a sua companheira de vida, a mulher que amava. Se a mulher, não a quisesse por perto, ele não ia contrariá-la. Era a sua felicidade que estava em jogo, e ela não queria ser motivo de discórdia entre o casal.
 Porém o facto de compreender, não queria dizer que não lhe doesse. Sentia-se rejeitada. Naquele dia resolvera fazer uma limpeza à casa. Cabeça ocupada não pensa noutras coisas, e ultimamente, ela só pensava em duas coisas. No pai e em Cláudio. Ficava perturbada cada vez que pensava em Cláudio. Há duas noites, voltara a sonhar que estava naquele quarto que ela nunca vira, a dormir com Cláudio. Bom dormir não era de forma alguma, o que os dois faziam naquela cama, e ela corava cada vez que se lembrava dos sonhos.
 Continuava a pensar em alugar o quarto da mãe a uma estudante, e daqui a pouco começavam as aulas. Assim, vestiu umas velhas calças de ganga, e uma T-shirt desbotada, amarrou um lenço à cabeça e munida de um escadote começou por tirar os cortinados que pôs na máquina de lavar. De seguida limpou a sanefa, os vidros da janela e o candeeiro do teto.
Meteu o édredon num saco para mandar para a lavandaria, e o resto da roupa da cama juntou aos cortinados na máquina, que pôs a lavar. Aspirou o colchão e com um pouco de dificuldade voltou-o. De seguida, abriu a arca de sândalo, onde a mãe guardava as roupas, tirou um par de lençóis lavados e uma colcha de renda branca que a mãe fora fazendo ao longo de muitos serões e pôs sobre o colchão. Limpou o pó dos móveis e só depois fez a cama. Por fim aspirou o chão, e levou o aspirador para o seu quarto, disposta a fazer o mesmo tipo de limpeza. Antes de fechar a porta do quarto, já limpo, foi buscar uma folha de papel e escreveu. “Comprar tapetes para o quarto”  
Jogara fora os antigos, quando a mãe, já sem forças tropeçara num. Preparava-se para iniciar a limpeza do seu quarto quando a campainha tocou. Levantou o auscultador e perguntou quem era. “Correio” responderam. Só podia ser alguma carta registada, o correio era deixado nas caixas da porta, sem que tocassem a campainha. Procurou uma caneta, e abriu a porta, para se deparar com um elegante e sorridente Cláudio.

26.6.18

O DIREITO À VERDADE - VIII





-Então, não sabes onde mora?
-Bom o Jorge é um dos viticultores da região demarcada do Dão. Tem uma quinta numa terra ali para os lados de Viseu. Porquê? Não estás a pensar procurá-lo pois não?
- Claro que estou. É meu pai, quero conhecê-lo.
-Tens noção que ele pode não acreditar em ti, e rejeitar-te? Estás quase a fazer vinte e três anos e ele nunca soube que tu existias. Por outro lado, quando o encontrei, estava acompanhado pelo enteado que ele criou como um filho. O menino que era quando ele casou, é hoje um homem de quase trinta anos.
- Não lhe vou bater à porta, e dizer, “Olá boa tarde, eu sou tua filha.” Mas vou tentar vê-lo, saber que tipo de pessoa é. Talvez nem lhe diga que sou sua filha, mas quero conhecê-lo. E se depois resolver que devo dizer-lhe, ele tem como tirar as dúvidas rapidamente. Hoje em dia com o exame de ADN, fica-se logo a saber a verdade. Preciso de arranjar trabalho. Pode ser que tenha mais facilidade lá que em Lisboa. Pelo menos por um tempo. Depois regresso.
-Vejo que estás decidida. Quando partes?
-Para a semana. Logo que tenha tratado de tudo por aqui. Depois ficas-me com a chave do correio e passas por cá, de vez em quando, por causa das faturas?
-Claro. E queres que as pague?
- Não. Mandas-me uma mensagem com os dados para pagar no multibanco.
- Bom, então penso que está tudo dito. Telefona-me antes de ires para que venha buscar as chaves.
Pôs-se de pé, e estendendo os braços acolheu neles a sobrinha. Deu-lhe um beijo na testa e afastando-a um pouco disse fitando-a:
-Cuida de ti, Lena. Lembra-te. Aconteça o que acontecer, estarei sempre aqui para ti.
-Obrigado, tio. Julgo que sabes que gosto muito de ti. Telefonar-te-ei para te contar o que acontecer.
Fechou a porta quando o tio saiu e regressou à sala Guardou cuidadosamente os documentos no envelope, e voltou a colocá-lo na caixa que levou para o seu quarto.
Sobre a cómoda, numa moldura, uma senhora ainda jovem e bonita, sorria-lhe. A jovem pegou na moldura e ficou olhando-a com tristeza durante alguns minutos. Na sua cabeça havia uma interrogação contínua desde que fizera aquela descoberta.
“Como é que foste capaz, de me fazer isto, mãe? Como foste capaz de me roubar o direito a ter um pai?”
Aproximou-se do espelho e olhou-se. Depois olhou o retrato. Não havia dúvida, as duas eram bastante parecidas. O mesmo rosto redondo, os mesmos olhos e cabelos negros.O formato do nariz. Porém ela era bastante mais alta do que a mãe, e o queixo e boca não tinham qualquer semelhança. A sua boca era maior, os lábios mais carnudos. Seriam esses os traços do seu pai? Recolocou a moldura sobre a cómoda.
A casa sem a presença da mãe, parecia-lhe enorme, fria e vazia. Abraçou-se a si mesma, na tentativa de minimizar a solidão e tristeza que sentia. Que não era só pela ausência física da mãe, mas pela mágoa que lhe causara descobrir, que a mulher que ela considerava cheia de garra, uma mãe coragem, a quem sempre adorou, era afinal uma santa com pés de barro, uma mulher capaz de por vingança, sonegar à própria filha o direito a conhecer o pai.


Amigos, entre hoje e amanhã, sairão três partes da história, ou seja mais duas para além desta. Dia 28 é um dia muito especial, é a festa de anos do filhote, dia 29 tenho cá a neta, e depois mete-se o fim de semana que desejo que gozem em paz, pelo que o capítulo XI só sairá segunda feira.

4.2.18

A VIDA É... UM COMBOIO. PARTE XXVIII




Nunca uma semana passou tão depressa para Amélia. Naquela mesma noite falou com o filho e contou-lhe sobre a proposta de casamento de Paulo. A criança ficou pensativa por alguns momentos, e depois disse:
- Tu disseste que para arranjar um namorado era necessário gostar muito dessa pessoa, e que ela gostasse de nós. Eu gosto do Paulo, mãe. Nada me deixaria mais feliz, do que contar com ele como se conta com um pai. Eu sinto que ele gosta de nós. De mim, de ti. O problema é teu. Será qua gostas dele como dizes que é preciso?
Amélia ouviu o filho, espantada com a sua lógica. O seu menino estava a demonstrar-lhe que tinha crescido. Com os olhos rasos de água abraçou a criança.
- Sim, filho, a mãe gosta dele. Não sei como aconteceu, conhecemo-nos há tão pouco tempo, mas encantei-me com o seu jeito, a sua gentileza, a maneira como te trata, e até com os sentimentos que descobri nele, nestes dias.
- Então, mãe, não há problema. Suponho que casarão em breve, e podemos enfim ser uma família.
Paulo ficou encantado, quando depois de Martim ir dormir, ela lhe telefonou, e contou a conversa que tiveram 
No dia seguinte depois, de ter estado uma hora com Pedro, dando-lhe dicas que podiam ser importantes para a defesa que estava a elaborar, dirigiu-se ao gabinete que partilhava agora com Carlos e pô-lo ao corrente do desejo do cliente em doar metade da propriedade. Carlos que a olhava curioso, por a achar diferente naquela manhã, perguntou-lhe:
- Como sabes tu disso? Não me digas que passaram juntos, o fim-de-semana.
-É claro que não, mas encontrámo-nos sim. Ou melhor o Martim encontrou-o num passeio na quinta da avó. Sabes que ele é vizinho da avó Maria?
- Muito me contas. E então ele pediu ao Martim para te dizer que desejava doar metade da quinta?
- Não brinques, é sério. É claro que nos encontrámos depois. E que o adverti de tudo o que devia em relação a essa doação, mas ele está seguro do que quer. A pessoa a quem quer beneficiar, é o seu caseiro, que na verdade, ele considera como irmão de criação, já que foram criados juntos lá mesmo na fazenda, que segundo diz era nesse tempo, bem mais pequena. Eu disse-lhe para procurar os documentos de propriedade, para que pudéssemos agendar a doação e os novos registos de propriedade. O problema é que ele gostaria de ter tudo pronto para o dia dois de Maio, porque o beneficiado, faz anos nesse dia, e ele queria dar-lhe essa posse, como prenda de aniversário.
- Dia dois? Mas temos apenas dez dias úteis até ao dia dois. Vou dizer à Margarida que lhe telefone, ou queres fazê-lo tu?
- Diz. Eu telefono.
- Bem me queria parecer. Até tiraste a aliança. Grandes progressos. “Não brinques com isso, Carlos. É apenas um conhecido que me ajudou a mudar o pneu” – disse tentando imitar a voz de Amélia e lançando a seguir uma gargalhada.  Estou a ver que o chefe tanto esperou para te fazer sócia para acabar por te promover, quando te vai perder. E mais, vai perder um dos seus melhores clientes.
- Porque dizes isso?
- Ora, não te lembras do que ele disse de ter os advogados nos seus próprios escritórios, trabalhando em exclusivo com ele?
-Achas que me vai propor isso?
- Ó não. Acho que te vai propor casamento. O resto vem por acréscimo. Telefona lá ao homem e diz-lhe que traga todos os documentos da propriedade esta tarde. Não temos tempo a perder.



Aqui podem ver a netinha que hoje fez 9 anos, bem como os dois bolos de aniversário para as duas festinhas que lhe foram dedicadas

28.1.18

A VIDA É... UM COMBOIO - PARTE XIX




- Mãe, mãe, - gritou Martim
- Que aconteceu? Que gritaria é essa? – Perguntou, Amélia, saindo da cozinha a limpar as mãos ao avental
- Sabes quem eu encontrei junto ao rio?
- Como hei-de saber se não estava lá?
- O Paulo, o motard.
Sobressaltou-se a jovem.
- Junto ao rio? Não é local para motos.
- Estava a cavalo. Diz que tem aqui uma quinta.
- Deve ser o sobrinho do falecido António, - interrompeu a avó Maria.
- A avó sabe quem é?
-Conheci-o quando era um garoto. Andava sempre por aí com Alfredo o filho do caseiro. Mas isso foi há muitos anos. O caseiro morreu há vários anos e o filho assumiu o lugar do pai. Era uma pequena quinta, mas de há uns anos a esta parte, o tio desatou a comprar os terrenos todos à volta. Até a mim me fez uma proposta, depois da morte do teu avô, mas eu não seria capaz de viver noutro sítio.
- Ah! Então são vizinhos?
Sim. Embora eu não o tenha visto ainda. Aliás o tio dizia que ele vivia no estrangeiro. Mas vocês conhecem-se?
- O Paulo ajudou-nos naquele dia em que se furou o pneu do carro. O curioso, é que é nosso cliente.
- Vosso cliente? – Admirou-se a idosa
- Sim. É a nossa firma de advogados que trata de todos os assuntos jurídicos da firma dele.
- Sabes, interrompeu o garoto, - estivemos a conversar, e ele disse que se tu deixares me acompanha no jogo da escola. Deixas não deixas, mãe?
- Sinceramente Martim, achas bem apresentares-te na escola com um quase desconhecido?
- Mas nós já o conhecemos. Até a avó sabe quem é. Por favor, mãe.
- Está bem. Mas primeiro quero falar com ele. Quando é que lhe vais dar a resposta.
- Combinámos encontrar-nos esta tarde, junto ao rio. Eu gosto dele, sabes? Ele até ficou preocupado por eu estar ali sozinho que podia ser perigoso. Tive que lhe mostrar como o Rex tomava conta de mim.
- Está bem. Vai lavar as mãos que vamos almoçar em seguida.
- Sabes se o rapaz é solteiro? – Perguntou a avó, assim que Martim desapareceu na casa de banho.
- Não me digas que já estás armada em casamenteira, avó.
- E então, não me vais dizer que era uma má opção. O tio era um homem muito rico e que se saiba, não tinha outro herdeiro. Acho que vou convidá-lo para almoçar connosco amanhã. Política de boa vizinhança.
- Nem sonhes, avó. Nem sonhes.



27.1.18

A VIDA É...UM COMBOIO - PARTE XVIII



 Durante boa parte da manhã, Paulo cavalgou pela herdade, ouvindo as explicações de Alfredo, sobre as últimas aquisições do tio, foi apresentado aos trabalhadores, que preparavam as terras para as próximas sementeiras do milho e da beterraba. Ajudou a reparar uma cerca danificada e por fim, volta das onze horas despediu-se e regressou a casa, seguindo o curso do rio Nabão, recordando os tempos em que nele tomou banho em criança ou pescou, na companhia de Alfredo, sempre sob a vigilância de Casimiro. Pensava no que tinha ouvido nessa manhã. Seria possível que o seu tio tivesse amado a sua mãe, de tal modo que tivesse renunciado a ter uma família, em prol do filho da mulher que amara? De súbito, Paulo avistou uma figura de criança, sentado numa pedra perto do rio. Entretinha-se a jogar pequenas pedras à água, e a olhar os círculos que elas formavam. A seu lado, um belo exemplar de pastor alemão.
Ainda um pouco distante, a figura pareceu-lhe familiar, e não vendo nenhum adulto por perto, decidiu aproximar-se.  Atento o cão, começou a ladrar, e a criança virou a cabeça para ele. Paulo parou o animal, e sem desmontar, disse:
- Ora, ora, se não é o meu amigo Martim! Posso aproximar-me ou o teu amiguinho não é de confiança?
O pequeno levantou-se e segurando o cão pela coleira, fez-lhe uma festa na cabeça, murmurando.
- Quieto, Rex. O Paulo é meu amigo.
Paulo desmontou, prendeu o cavalo a uma árvore e aproximando-se deixou-se cair junto do menino que tinha voltado a sentar-se.
- Que fazes por aqui, campeão? Os teus pais sabem que vieste para o pé do rio?
- A mãe sabe. Venho, desce pequeno. Não tem perigo, queres ver?
Levantou-se e caminhou em direção da margem do rio. Mal deu dois passos, o cão agarrou-lhe na perna das calças e começou a puxá-lo para trás.
- Estou a ver. Um guardião de peso. Mas, costumas vir para aqui?
- Sim. Desde que me lembro, venho muitas vezes, nos fins-de-semana, e férias, passar um tempo com a bisavó Maria.  Vive naquela casa além. E tu? Moras por aqui?
- Aqui e em Lisboa. Aqui tenho uma quinta, sabes. Mas tu pareces triste. Gostavas mais de estar na cidade?
- Não. Gosto de estar aqui. Estou triste, porque as aulas vão acabar, vai haver uma festa, com torneio de futebol entre pais e filhos, e eu não tenho com quem ir.
- Porquê? O teu pai, não pode ir?
- O meu pai morreu. A mãe diz que viajou, mas eu sei que morreu. Ela não me quer dizer para eu não ficar triste. Nunca o vi, sabes? E é triste, que nunca possa entrar nos jogos, por não ter pai.
Paulo sentiu a tristeza do garoto como se fosse sua. Depois de uns minutos em silêncio, perguntou:
- E não podes levar um amigo, um familiar?
- Sim, mas quem? O meu tio vai viajar para Cabo Verde.
- Acho que encontrei a solução. Se a tua mãe deixar, convidas-me e eu entro no jogo contigo.
- Farias isso por mim?
-Claro.
-Vou falar com a mãe. Mas como te encontro depois?
- Fala com a tua mãe, e dás-me a resposta aqui, logo à tarde. Está bem assim?
-Está, - disse o garoto, abraçando-se ao seu pescoço num impulso.



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