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9.9.18

FOLHA EM BRANCO - PARTE LI


Encostou-se mais a ele, o corpo tremendo, mais de ansiedade que de medo. Insistiu
- Não te atormentes mais, nem me tortures. Deixa de lutar contra fantasmas que só existem na tua cabeça.  Eu sou real, e o meu amor por ti, é tão real, quanto esta tempestade.
 Segurou-lhe o rosto entre as mãos, e aproximou o seu do rosto dele, até quase se tocarem. Insistiu:
- Beija-me. Agora. Ou não te perdoarei nunca.
Incapaz de resistir, por mais tempo, ele obedeceu.
E, tal como um rio, que no auge da tempestade, galga  margens e arrasta tudo à sua passagem, assim o beijo que os uniu, despoletou tal paixão, que destruiu  medos e inseguranças, deixando apenas um homem e uma mulher que se amavam, e se entregavam às primícias desse amor.
Lá fora chovia torrencialmente. Aos poucos a tempestade afastava-se, e a trovoada, ficava cada vez mais distante.
Mais tarde, quando a luz voltou, ela sussurrou:
Tens fome?
-Só de ti, - respondeu ele com paixão
Ela riu baixinho. E de novo as bocas se procuraram ansiosas, as mãos  se perderam nervosas, em carícias  delirantes,  e os corpos se envolveram na ancestral dança do amor.





************************************** - EPÍLOGO -******************************** 



Já se passaram mais de quatro anos, desde aquela noite de Dezembro.   Tempo em que muita coisa aconteceu na vida dos dois protagonistas desta história. 
Mariana recuperou os seus documentos, bem como a chave da sua casa.Continuou com as sessões de psicoterapia, durante algum tempo, até interiorizar que o sentimento de culpa, que quase a endoidecera, não tinha razão de ser.
 Casaram numa manhã de sol,no início da primavera. Numa cerimónia, simples e íntima, na presença de Luísa, da filha e do namorado desta, e de alguns amigos do noivo.
 Mariana, voltou à universidade e terminou o curso. Por seu lado, Miguel era cada dia mais respeitado por público, e críticos. O seu quadro,  " Folha em branco"., que retratava Mariana, naquele dia, entre a vegetação da falésia, tal como ele a vira, fizera o maior sucesso, e fora alvo de vários estudos, e muitas ofertas, mas Miguel não o vendeu. Tinha lugar de destaque na sua sala.  
Tinham vivido na casa dela, enquanto remodelavam aquele apartamento, e quando as 
acabaram voltaram para ali, e venderam a outra casa.
Mantinham Luísa como empregada. E Maria continuava a ser, a  sua melhor amiga, embora ela tivesse recuperado a antiga amizade de algumas colegas da Universidade.
Mariana estava cada dia mais bela, mais mulher, mais madura.
Irradiava felicidade.
Por vezes, ao olhá-la, voltava a insegurança de Miguel, o temor de a perder, o medo de que a jovem o trocasse por alguém da sua idade. Tinha esse medo enraizado no peito, muito embora lutasse contra isso todos os dias. Mas às vezes, era maior que as suas forças. Ensombrava-se-lhe o rosto, entristecia-se-lhe o olhar.
Atenta, Mariana afastava essa dúvida, com todo o amor que sentia pelo marido.
Ela sabe, que essa, é uma nuvem,  que ainda vai demorar a sair do horizonte de Miguel.
Mas  hoje é um dia especial. Miguel faz cinquenta e um anos. Daqui a pouco descerá do estúdio, sairão para jantar, e festejar com alguns amigos.  
Mariana acaba de se arranjar e espera ansiosa pelo marido. Ela tem uma prenda especial para ele.
Quando ele desce, ela enlaça-o e murmura-lhe  algo ao ouvido.
 -Verdade?- pergunta ansioso, mergulhando o olhar, naqueles olhos castanhos que tanto ama.
Acena afirmativamente  com a cabeça.
 Sentindo um nó na garganta, o coração batendo desenfreado no peito, ele aperta-a contra si, e murmura emocionado:
-Bendita sejas, Mulher!


FIM


 Elvira Carvalho.




8.9.18

FOLHA EM BRANCO PARTE L





Dizem que o tempo voa, mas para Mariana, os dias decorriam numa lentidão exasperante. Miguel passava os dias no estúdio, apenas descia para almoçar, sabendo que Luísa e a filha estavam em casa. À noite, não descia para jantar, e quando vinha dormir era já madrugada. Mariana, passava os dias com a amiga, que devido à época de festas que atravessavam, não tinha aulas. 
Ora saíam, ora se fechavam no quarto, ouvindo música, ou perdendo-se em longas conversas. Não era de estranhar que se tivessem tornado inseparáveis. Para Mariana, a amiga, era a única pessoa, mais ou menos da sua idade, com quem convivia desde há largos meses. Maria, admirava a amiga, pelo que ela sofrera, e pelo carinho com que sempre a tratara.
E assim se chegou ao último dia do ano, um invernoso dia de vento e chuva. Luísa e a filha, saíram a meio da tarde, em dias assim era mais difícil apanhar transportes e elas moravam no outro lado da cidade.
-Deixei o jantar preparado, menina. É só aquecê-lo no Micro-ondas, - disse antes de partir.
- Não se preocupe Luísa. Aproveitem, sair agora, parece que a chuva e o vento amainaram um pouco.
Pouco depois a chuva voltava em força.
Sete e meia da tarde, ouviu-se o primeiro trovão.
“Só cá faltava a trovoada” murmurou contrariada.
Correu os cortinados, apagou a luz e dirigiu-se à sala.
Abriu um livro, mas não conseguiu ler. A trovoada estava cada vez mais próxima, e  ela cada vez mais nervosa.
Miguel descia as escadas, quando um relâmpago, fez da noite dia, e o trovão soou ameaçador por sobre as suas cabeças, ao mesmo tempo que a luz se apagava, mergulhando a casa na escuridão.
Ela gritou assustada, e rapidamente ele estava a seu lado abraçando-lhe o corpo tremente.
Tens medo? – Perguntou baixinho
Contigo não.- Respondeu no mesmo tom.
Novo relâmpago, novo trovão, desta vez ainda mais assustador, como se a tempestade que eles traziam no peito, se tivesse  materializado lá fora, no espaço.

Ela apertou o cerco dos seu braços e pediu num sussurro:
-Beija-me, Miguel!
Ele afastou-a ligeiramente
- Não me tentes, Mariana, não me tentes!





7.9.18

FOLHA EM BRANCO - PARTE XLIX



Quando na manhã seguinte acordou, Mariana já encontrou em casa a empregada e a sua filha.
- Bons dias.
- Bom dia, dorminhoca.- Respondeu Maria
- Vieste cedo! Tínhamos combinado alguma coisa?
- Não. Mas estava ansiosa por falar contigo.
- Já tomaste o pequeno-almoço?
- Já. Mas acompanho-te com um café.
- Pode ir para a mesa, menina. Levo-lhe já o pequeno-almoço, - disse Luísa.
- Obrigado Luísa. Viu o Miguel?
-Não, menina. Quando chegámos já não estava.
Foi para a sala e Maria foi atrás.
- Parece que não dormiu em casa, - disse baixinho
- Porque dizes isso?
-Porque a mãe estranhou o quarto arrumado.
Engoliu em seco. Onde teria ficado? E com quem?
Tinham-se sentado. Mariana, numa das cabeceiras da mesa, a amiga, a seu lado, numa das laterais.
Maria inclinou-se para a frente e perguntou baixinho:
-Como foi?
-O quê?
- A noite de Natal, tu e Miguel.
- Não foi, -respondeu triste
-Ó que pena!
Depois, vendo a tristeza da amiga, acrescentou:
-Deixa lá. Vão aparecer outras oportunidades.
Calou-se enquanto a mãe colocava na mesa, uma travessa com torradas, um sumo de laranja e uma taça com frutos secos.
Quando Luísa se retirou, Mariana disse:
- Fazem-me falta as sessões de análise. Preciso desabafar.
- Estou aqui, - retorquiu Maria com seriedade, colocando a sua mão sobre a da amiga. - Se te serve de algo…
Serviu. Ante o espanto da amiga, Mariana contou tudo, desde os seus tempos de estudante, jovem, tranquila e cheia de sonhos, até à conversa com Miguel no dia anterior. As torradas arrefeceram, o sumo e os frutos ficaram intactos. Quando Luísa veio retirar a bandeja, ralhou com a filha, que estava a impedir a menina de comer, e com ela, porque assim ficava doente, as pessoas não vivem sem comer, e retirou-se zangada
Mariana retomou a conversa interrompida, e quando terminou, a amiga apertou-lhe a mão num gesto de carinho. 
- Como deves ter sofrido! E agora? Que vais fazer?
- Recuperar as minhas coisas, e voltar para a minha casa. Tentar seguir com a minha vida. Sei que não vou esquecer o Miguel. Mas não consigo viver neste jogo de gato e rato, esperando por ele, e ele fugindo de mim.
- Eu no teu lugar não desistia. Não dizem que “água mole em pedra dura, tanto dá até que fura”? Então, amiga, se ele é o rochedo, sê tu a água.
- Não tenho forças, para isso. Estou farta de sofrer!
- Acredito. Deves ter sofrido horrores. Que história, meu Deus! Parece uma novela.
Mariana esboçou um sorriso e disse com tristeza:
- A vida, é bem mais complicada que uma novela, Maria.







FOLHA EM BRANCO - PARTE XLVIII




Tinham-se conhecido, muitos anos atrás. Miguel tinha dezanove anos, era estudante. Olga, quarenta e era uma mulher  muito bela, alegre, que vivia dos favores que o seu corpo proporcionava aos homens. Ganhara fama a sua beleza, e era procurada pelos homens mais ricos da cidade. Mas também por jovens estudantes, que gastavam no seu leito, a maior fatia das suas mesadas. Miguel fora um desses estudantes.
Era muito novo, quase um rapazinho. Ele apaixonou-se pela bela mulher, que lhe ensinava todos os prazeres do sexo, despertando-lhe, sentidos e emoções, nunca antes experimentados.
Ela gostou do rapaz que a tratava com cuidado e carinho, fazendo-a esquecer-se da realidade da sua vida, para se sentir apenas uma mulher amada. Foi tão intenso, que Miguel, um sonhador com alma de poeta, como ela costumava dizer, chegou a pedir-lhe para ficarem juntos, mesmo que para isso  tivesse de abandonar os estudos, e ir trabalhar para a sustentar. Ela não se iludia. Sabia que mais dia, menos dia, Miguel ia encontrar alguém,da sua idade, e nunca mais punha os pés na sua casa.
E isso aconteceu, uns tempos depois, quando Miguel se apaixonou por uma colega na universidade. Lembrar-se-ia sempre, da tarde em que chegou com o ar mais sério do mundo, e lhe contou, pedindo-lhe desculpa, por ter traído o seu amor.
Para ela não foi nenhum drama. Nunca tivera ilusões. E aquilo, era o rumo natural da vida.
Pensou que ele nunca mais ia aparecer. Seria o que faria qualquer outro no seu lugar. Mas Miguel não era qualquer um. Era um ser especial como ela não conhecera outro na sua vida.
Apesar de nunca mais, se ter deitado  na sua cama, de vez em quando,  Miguel aparecia por lá. De manhã, sabendo que estava sempre sozinha nessa altura.
Conversavam um pouco, bebiam um chá e ia-se embora antes da hora  do almoço. E foi assim ao longo dos anos, antes e depois, dela ter largado a 
"vida", e se ter tornado uma simples e idosa dona de casa.
 Às vezes não aparecia durante um ano ou mais. Mas quando alguma coisa o incomodava, era com ela que ia desabafar. Como quando os pais morreram. Ou como agora.
- Não te atormentes. A história é totalmente diferente. Desde logo, porque uma mulher de vinte anos é muito mais madura, do que tu eras nessa idade. Não confunde sentimentos, sabe muito bem o que quer. Depois, nem tu nem eu nos amávamos, embora na altura pudesses ter pensado que sim. Tu ficaste deslumbrado, pela mulher mais velha, que te despertava os sentidos. Eu, gostava do  rapazito, que me tratava como se eu fosse uma princesa. Nada mais. 
Entre nós, nunca houve amor, Miguel. Atracção física, troca de experiências, um pouco de carinho, talvez. Mas, amor não. Nenhum de nós traiu o outro, porque não há traição, onde não há amor.
Anda, vai para casa. Escuta o teu coração. E se realmente, amas a rapariga, aproveita a oportunidade que a vida te dá e sê feliz. O tempo passa rápido, e quando damos conta, a vida está no ocaso como o sol no fim do dia.
Miguel não queria ir para casa, Não naquela noite. A tensão, a que obrigara o corpo, deixara-o de rastos. Estava muito cansado, sentia-se sem forças, não queria tomar uma decisão que ia mudar a sua vida naquele momento. Podia vir a arrepender-se.E traria mais sofrimento para a vida da jovem. Perguntou:
- Posso, ficar aqui, esta noite?
- Claro que sim. Vou buscar um cobertor que a noite está fria.
Quando voltou, já Miguel dormia estendido no sofá. Tirou-lhe os sapatos, estendeu sobre ele o cobertor, apagou a luz e retirou-se em seguida.







6.9.18

FOLHA EM BRANCO - PARTE XLVII




Deixou-a à porta de casa, dizendo-lhe para não o esperar, e arrancou.
Uma vez em casa, a jovem atirou-se para cima da cama a chorar.
Estava revoltada. Não sabia como lutar contra o novo inimigo que se levantara entre ela e Miguel.
Era irónico, que fosse o facto de ser muito nova, o impedimento para ser feliz. Ela que tantas vezes, se sentia demasiado velha, para a sua idade.
Enquanto isso, Miguel batia à porta, de uma casa no extremo oposto da cidade.
A porta, abriu-se:
- Boa noite, Olga!
A mulher exclamou surpresa:
- Miguel! Há quanto tempo! Entra, homem, entra.
Afastou-se para o deixar passar, e ele encaminhou-se para a sala, e sentou-se pesadamente no sofá.
Parecia conhecer bem a casa.
A mulher, de meia idade, cabelo totalmente branco,preso no alto da cabeça, vestindo uma singela bata de chita, conservava no rosto alguns traços do que devia ter sido uma grande beleza.
Seguiu atrás dele e ficou na entrada da sala, observando-o com atenção.
-Há tanto tempo que não aparecias. Pensei que estavas no estrangeiro, até que há pouco tempo vi uma reportagem sobre a tua exposição. Parabéns por ela. Disseram que foi um êxito.
- Obrigado. Na verdade, voltei poucos dias antes da exposição. Estive em Roma e depois, lá em baixo no Algarve.
- Bom, mas decerto não foi para me falares das tuas viagens que vieste até cá. Vá, despeja lá isso que te atormenta. Sou toda ouvidos, - disse ela sentando-se no velho cadeirão em frente do sofá.
Então, Miguel falou. Durante quase duas horas, contou tudo o que se passara, desde aquela manhã na falésia, até à conversa dessa tarde em Sintra.
Quando terminou ela disse.
- Muito especial deve ser essa mulher, para te deixar nesse estado.
- Não sei que fazer, Olga. Estou desesperado.
- E contudo não tem nada que saber, homem. Se ela te ama, e tu correspondes, qual é o motivo desse desespero?
Mas não percebes? Eu tenho  quarenta e seis anos e ela tem vinte.
Na mente feminina fez-se luz. 
 Sorrindo  a mulher levantou-se.  Aproximou-se de Miguel, e poisou a sua mão no ombro dele.
- E tu temes que se repita a nossa história? – Perguntou com ternura




FOLHA EM BRANCO - PARTE XLVI


                                                

Depois do lanche, percorreram o centro, admiraram a fachada do Palácio Nacional de Sintra, e a paisagem envolvente, de onde se destacava no cimo da serra, o Palácio da Pena e o Castelo dos Mouros.
Já ao findar do dia, encaminharam-se para o carro.
Como a jovem continuava calada, Miguel disse:
-  Estás muito calada hoje. Que se passa? Estás zangada?
Foi como quem ateia fogo ao rastilho. A ira, a deceção, a dor da rejeição, explodiram-lhe no peito fazendo-a levantar a voz
- O que se passa, Miguel? És tu que me perguntas, o que se passa? Tu a quem ontem, confessei o meu amor, abrindo-te o meu coração? Tu que fizeste com que me sentisse a mulher mais reles do mundo, quando me rejeitaste?
Ele sentiu como se lhe tivessem dado um murro no estômago. Doía-lhe profundamente a mágoa dela.  Sentindo-se penalizado, respondeu sincero.
- Não te rejeitei. Sabe Deus como queria aceitar a generosa dádiva do teu amor. Mas não é possível. Não posso, -  murmurou com amargura.
- Porquê Miguel? Porque não podes? O que te impede? Não me amas? Tens alguém? É isso?
- Não. Não, tenho ninguém.
- Então, não te entendo. Que pode impedir-nos de ser felizes?
Ele parou. Pôs-lhe as mãos nos ombros, obrigando-a a olhar para ele.
- Olha para mim. Olha com atenção. Vês as rugas à volta dos meus olhos? Os fios brancos no meu cabelo? Tenho quase quarenta e sete anos. Tens vinte anos, Mariana. Vinte. Podias ser minha filha…
- Mas não sou! E a diferença de idade não me interessa. O que me importa é o teu amor.
- Hoje, talvez não. Mas, serás capaz de dizer o mesmo daqui a vinte anos, quando estiveres na plenitude da vida, e eu na curva descendente? - Perguntou com amargura.
Tinham entrado no carro, mas continuavam no mesmo sítio.
-Ó Miguel! Quanto sofrimento! – Levantou a mão, e acariciou  a face masculina - A vida é para ser vivida, hoje, neste momento. Daqui a vinte anos, até posso já ter morrido. Aliás, neste mesmo momento, eu podia já ter morrido. No acidente de carro ou naquele dia na falésia.  Ninguém sabe o que será o dia de amanhã. É o presente que interessa. Repara na palavra. Presente. É o hoje que temos para viver como uma dádiva divina, um presente da vida. Vamos vivê-lo e ser feliz. Por favor Miguel. Não nos condenes ao sofrimento.
-Não posso, Mariana. Nem  sabes, quanto o desejo. Mas não posso! Conheço-me bem. Se hoje nos amassemos, eu não suportaria perder-te depois.
Amargurado, pôs o carro a trabalhar e arrancou velozmente.



5.9.18

FOLHA EM BRANCO - PARTE XLV


O empregado conduziu-os à mesa, e estendeu-lhes a ementa, retirando-se em seguida
Voltou pouco depois, com as entradas. Perguntou se já tinham escolhido, tomou nota do pedido e afastou-se. 
Mariana olhou à sua volta. O restaurante estava completamente cheio. Gente que conversava e ria, famílias pequenas e outras mais numerosas, todas irmanadas na mesma alegria. Poucos casais.
Talvez recém-casados, no seu primeiro Natal a dois. Imaginou-se assim, recém-casada com Miguel, e involuntariamente corou.
- Está calor aqui dentro,- disse tentando disfarçar.
Terminado o almoço, seguiram em direcção à Boca do Inferno, depois pela marginal até à praia do Guincho. Seguiam devagar admirando a paisagem, que naquele lugar, é de cortar a respiração.
Miguel estacionou perto da praia, e ficaram algum tempo olhando as ondas de espuma branca,  que se desfaziam no areal.
Retomaram a marcha começando a subir a serra,  na estrada para o cabo da Roca, porém um pouco mais à frente, Miguel entrou numa estrada estreita, rodeada de vegetação, típica  da serra e foram sair junto do Palácio da Peninha. Estacionou aí e saíram para admirar a paisagem, verdadeiramente deslumbrante.
De volta ao carro, seguiram pela mesma estrada. Logo a seguir, encontraram o desvio para o Palácio da Pena e Castelo dos Mouros, porém seguiram em direcção ao centro, passaram pela Quinta da Regaleira, uma maravilha , misto de natureza, e talento do homem, seguindo depois para o centro histórico.
O passeio era maravilhoso, mas os dois continuavam tensos e mudos.
Estacionou à saída do centro.
Saíram.  Na rua, estava bastante frio. A jovem levantou a gola do casaco.
-Tens frio?
Ela moveu a cabeça em sinal afirmativo. E ele passou-lhe o braço pelos ombros, como se quisesse protegê-la do frio, com o calor do seu corpo. Um acto natural e tantas vezes repetido ao longo daqueles meses, mas que agora lhe transmitia uma emoção diferente.  Quebrando o silêncio, que desde a manhã, persistia em acompanhá-los disse:
- Vamos lanchar. Conheces os travesseiros de Sintra?
- Só as queijadas.
 -Experimenta os travesseiros. São uma verdadeira delícia.
Mariana, sentia cada vez mais dificuldade em aparentar uma calma que não sentia. Ela não entendia que ele estivesse a lidar com ela, como se fosse uma miúda, depois da confissão que lhe fizera na véspera, e pensou que não estava nada interessada nos travesseiros. Porem, não disse nada.
- Quando vamos ao Algarve? – Perguntou ele mudando o rumo da conversa.
-Penso que logo no dia 2. No dia 4 tenho a sessão de psicoterapia, a que não quero faltar.
Tinham chegado à pastelaria. Procuraram uma mesa vaga, mas tiveram que se contentar com um lugar ao balcão.




FOLHA EM BRANCO - PARTE XLIV




O sol brilhava, naquele dia de Natal, embora estivesse bastante frio.
No seu quarto, Mariana acabara de se arranjar, disfarçando com o corrector os círculos arroxeados que lhe circundavam os olhos e davam conta da noite mal dormida. Escolheu  umas calças de fazenda preta, e uma camisola de gola alta da mesma cor. Completava a indumentária com umas botas também  pretas. O cabelo estava de novo entrançado. Parecia mais alta, mais estilizada a figura.
E Miguel? Por onde andaria? - Interrogava-se.
Quando meia hora antes se levantara, ele já não estava em casa.
“Volto logo” era tudo o que estava escrito no bilhete preso na porta do frigorífico.
Arrumou o quarto, apanhou do chão o belo vestido preto, que levou para o cesto da roupa suja, e dirigiu-se à sala, onde deu início à tarefa de arrumação da mesma, pois se encontrava com loiças, frutos e restos de velas, testemunho da noite anterior.
Pouco depois ele chegou.
- Bom dia. Vim buscar-te, para almoçar.
Assim, tranquilamente, como se não tivesse acontecido nada na noite anterior. Sentiu-se frustrada, enraivecida, com vontade de o arranhar. Mas era preciso que ele não percebesse.
-Bom dia Miguel. Faz muito frio lá fora?- Perguntou aparentando uma naturalidade que não sentia.
- Bastante. É melhor ires bem agasalhada.
- Está bem. Não me demoro.
Entrou no quarto, deixando o homem perplexo. Estava tão diferente da mulher apaixonada da noite anterior. Decerto nem se lembrava do que tinha dito horas antes ali mesmo. O que provava, que ele estava certo. Tinha que sufocar aquela lembrança e fazer por esquecer.
- Estou pronta. Podemos ir.
Tinha vestido um grosso casaco de fazenda e na cabeça, um gorro de lã, dava maior graciosidade ao seu rosto.
Já na rua, seguiram em direção ao carro.
- Pensei que almoçávamos aqui mesmo no bairro.
- Neste dia há poucos restaurantes a funcionar. Vamos almoçar a Cascais, já fiz a reserva há mais de quinze dias. Depois damos uma volta até Sintra. Toda aquela zona é muito bonita e o sol convida.
Não respondeu.
- Não dizes nada? Não te agrada?
- Sim claro, - respondeu sem entusiasmo.  
O silêncio instalou-se entre eles, acompanhando-os  na viagem o resto do trajecto.


Informando os amigos. 
Hoje fui buscar os resultados dos últimos exames médicos. A consulta está marcada para dia 11.
Também retomei os tratamentos de fisioterapia, e tive a neta comigo. O que me deixou sem tempo para a blogosfera.
Retomarei as visitas normais amanhã.

4.9.18

FOLHA EM BRANCO - PARTE XLIII


Mariana deixou-se cair no sofá. Desalentada. Que se passara? A noite estava a ser maravilhosa. Ela sentia-se tão feliz enquanto dançavam. O que, ou porque, se quebrou o encanto? Porque a rejeitara? Acaso  tinha sido ilusão sua, a emoção que lhe julgara sentir, momentos antes, enquanto dançavam?
Ela fora sincera, abrira o seu coração, confessara-lhe o seu amor de mulher. E ele não a levara a sério.
Com as costas da mão, limpou com raiva, as lágrimas que lhe enevoavam o olhar.
E agora? Que fazer? Não podia arrancar do peito, aquele fogo que a devorava. Insistir e ser rejeitada de novo? Morreria de vergonha. Triste e desiludida, recolheu ao quarto.
Despiu o belo vestido, atirando-o com raiva para um canto do quarto.
Já deitada, dava voltas no leito sem conseguir dormir. Por fim deu largas à sua frustração e chorou até adormecer. Ela não sabia, que no quarto ao lado, o homem também não conseguia dormir, submergido num mar de dúvidas e inquietações.
Ele estava sentado na cama, a cabeça enterrada entre as mãos.
Relembrava a noite. Minuto a minuto, desde que ela saíra do quarto. Onde estivera escondida, aquela mulher que se apresentava na sua frente? Estava maravilhosa naquele vestido negro. Miguel tinha visto ao longo da vida muitas mulheres bonitas, Tinha conquistado algumas. Muitas, talvez. Nunca porém nenhuma o impressionara tanto. Depois do jantar, enquanto dançavam, sentindo o corpo dela, colado ao seu, o calor dos seus braços, envolvendo-o, sentiu que alguma coisa se quebrava dentro dele. O que ele sentia, não era de modo algum um amor fraternal, e muito menos paternal. Era o amor de um homem por uma mulher
Pela primeira vez, desejara aprisionar a boca dela na sua, num beijo apaixonado. A sua noção da realidade, impedira-o.
Em breve faria quarenta e sete anos, Ela tinha vinte. Era natural que se sentisse fascinada pelo homem mais velho, tal como muitas alunas se sentem fascinadas pelos seus professores, e pensam que estão enamoradas. E nela, que tinha sofrido tanto, e nos últimos meses não convivera com nenhum outro homem, era ainda mais plausível. Não podia iludir-se nem aproveitar-se da situação. Quando voltasse para a sua casa, a universidade, e os amigos da sua idade, a confissão dessa noite, haveria de parecer-lhe ridícula. E quem sabe não iria odiá-lo por ter-se aproveitado da sua fragilidade. Ah! Se ele fosse mais jovem!
Agora, outra realidade se impunha. Como continuar a fingir, que nada tinha acontecido, e que ela representava para ele, o que sempre fora? Onde arranjar forças?
O dia raiava e ele continuava sem adormecer

2.9.18

FOLHA EM BRANCO - PARTE XLII


Miguel não conseguia desviar os olhos da jovem. Desde o primeiro dia, sempre a achara muito bonita, mas também sempre a vira como uma adolescente. Nunca assim, tão bela, tão feminina, tão mulher.
Depois do jantar, Mariana tomou a iniciativa. Escolheu um CD de música romântica, e quando se ouviram os primeiros acordes, estendeu-lhe a mão dizendo:
-Vem, apetece-me dançar.
Ele enlaçou-a, e ela passou os braços à volta do pescoço masculino, fechou os olhos e deixou-se levar. Dançaram largo tempo, em silêncio, embalados mais pelas emoções, do que pela música, cada um sentindo no seu, o desejo pelo corpo do outro. Para ela, que cedo descobrira o seu amor por Miguel, e o fora alimentando de sonhos para o futuro, a noite era a concretização de um desses sonhos. Para ele que começou por ter pena da jovem, que se foi afeiçoando a ela, sempre olhando-a como uma miúda, que se sentira um pouco pai da jovem, confundindo sentimentos, o que estava sentindo agora, era como um pesadelo, não fazia sentido, era uma aberração e um sacrilégio. Por isso, quando sentiu os dedos femininos na sua nuca, movendo-se numa suave carícia, empurrou-a com firmeza.
-Basta! Já chega!
Passou a mão pela testa, e deixou-se cair no sofá.
Ela não desistiu. Sentou-se no braço do sofá, e inclinou-se para ele.
Porquê Miguel? Não gostas de dançar? – Perguntou baixinho, provocando,  com aparente ingenuidade.
O perfume dela, envolvia-o, inebriava-o. Tinha vontade de abraçá-la e beijá-la até à exaustão.
Em vez disso cerrou os punhos, apelando a toda a sua força interior.
- Não brinques, comigo.
- Não estou a brincar, Miguel. Não percebes que te amo? Que estar nos teus braços me faz a mulher mais feliz da terra?
Levantou-se de um salto, todos os músculos retraídos.
- Não sabes o que dizes. Não devias ter bebido…
Levantando-se, aproximou-se dele:
-Não é o álcool que me dá a volta à cabeça. São os teus olhos, a tua presença, o teu cheiro. Tu é que me dás a volta à cabeça, me inebrias e me pões tonta. Porque resistes?
Miguel travava uma dura batalha consigo mesmo. Por um lado, as palavras de Mariana, soavam aos seus ouvidos como um canto de sereia, e iam ao encontro dos seus instintos masculinos.  E se o desejo de se deixar ir, de a apertar nos seus braços e mostrar-lhe como ele era capaz de amar, era grande, por  outro lado, o seu código de honra, o facto de saber que ela não tinha mais ninguém no mundo, e a promessa que a si mesmo fizera de a proteger  impediam-no de tomar outra atitude que não fosse a rejeição.
Esforçando-se por se controlar, disse com voz rouca:
- É muito tarde.Vai dormir. Amanhã  conversamos.
E voltando-lhe as costas, encerrou-se no quarto.



Recordo que amanhã não haverá esta história.

FOLHA EM BRANCO - PARTE XLI




                                            foto do Google


E chegou a noite de Natal.
Dias antes, as duas jovens, tinham armado a árvore de Natal decorando-a  com bolas e luzes. Colocaram-na junto do aparador. Espalharam pelos móveis algumas velas, natalícias.
Agora, durante a tarde, enquanto Luísa preparava a ceia, Mariana e a amiga preparam a sala para a festa.
Quando terminaram, Maria disse:
- A mesa está linda. Parece para um jantar romântico.
Mariana ruborizou-se. E Maria que tinha tanto de inteligente, quanto de discreta, pensou que acabara de descobrir o segredo da amiga,  mas nada comentou.
Só ao fim da tarde, quando se despediu desejando um feliz Natal, a abraçou e lhe sussurrou ao ouvido:
-Boa sorte.
Mariana arranjou-se cuidadosamente. Queria surpreender Miguel.
Mostrar-lhe que era uma mulher. Não a miúda que ele sempre dizia que era, Depois se veria até onde conseguiria ir.
Não fora o imenso amor que nutria por ele, e teria ido imediatamente, buscar as suas coisas, e partido para a sua casa.
Mas amava-o. Tanto que lhe doía só de pensar, na sua vida sem ele. Por isso, tinha decidido que só depois das festas, ia ao Algarve recolher as suas coisas. Na volta, teria que regressar a casa. Não tinha como continuar ali, depois de ter recuperado a memória. Logo o tempo que a si mesma dera, para conquistar Miguel, era muito curto. Mas ela estava decidida a aproveitar cada segundo desse tempo, usando de todas as suas armas, para o conquistar e não ter que separar-se dele. Por isso, ela preparara com tanto cuidado essa noite.
 Os sapatos de salto, e o vestido preto, longo e justo, que lhe moldava o corpo na perfeição, faziam-na parecer mais alta, e mais mulher
O decote em V realçava-lhe o colo. Escovou com cuidado o cabelo, deixando-o solto. Por fim realçou a beleza dos seus olhos com um toque de rímel,  e passou um pouco de brilho nos lábios, apenas para realçar o seu desenho, e torná-los mais sedutores.  Nada de exageros de que não gostava e decerto não a iam favorecer em nada. Sentiu, quando Miguel entrou. Deu-lhe tempo para que se arranjasse, esperando com impaciência a hora em que já pronto, a chamasse.
Quando isso aconteceu, abriu a porta e saiu aparentando uma segurança, que estava longe de sentir.
E saboreou como uma vitória, a surpresa e admiração que o olhar masculino revelava.



Bom parece claro que há um forte sentimento entre Miguel e Mariana. Já sabemos que da parte da jovem se trata de amor. Mas será que o mesmo se passa com Miguel? Se bem se lembram o pintor está a poucos dias de fazer 47 anos.  Mariana tem 20. O sentimento que ele tem, por ela, o desejo de proteção não será mais um amor de pai do que de homem?
Que vos parece?.
E porque amanhã é dia 3 de Setembro, esta história será interrompida.

1.9.18

FOLHA EM BRANCO - PARTE XL






 Entretanto no  estúdio, Miguel acendeu um cigarro. Estava nervoso. Não conseguia deixar de pensar que em breve, Mariana ia embora, da sua casa. E na mudança que isso ia trazer à sua vida. Ele podia voltar à sua antiga vida de  boémio, mas sentia-se cansado e começava a questionar-se sobre a finalidade dessa vida.
Ultimamente já nem as saídas à noite lhe interessavam. A busca do prazer, pelo prazer, já o cansava. "Estou a ficar velho" ,- pensava.
A estadia da jovem lá em casa, tinha sido uma lufada de ar fresco na sua vida. Por causa dela, contratara Luísa, e passara a fazer as refeições em casa, coisa que não fazia, desde que os pais morreram. Ela enchia a casa, com seu jeito suave, os seus silêncios, os seus sorrisos. Aquecia-a com a sua presença. Agora a casa ia ficar vazia. E fria.
Começava a pesar-lhe a solidão. Tinha-se afeiçoado à jovem, gostava dela como se fosse seu pai. Mas não era, e portanto era natural que a jovem quisesse voltar à sua casa, e viver a sua vida longe dele. Mas doía-lhe. E como doía.
Como seria a vida dela, quando se fosse embora? Teria o pai, deixado à jovem, meios suficientes para a sua sobrevivência?  E se assim não fosse? Do que ia  ela viver, se não tinha mais ninguém no mundo? Talvez tivesse 
 que abandonar os estudos e ir trabalhar. Mas em quê, se não tinha experiência de coisa nenhuma? E depois cada vez havia menos empregos e mais desempregados. Por outro lado, não lhe agradava que abandonasse os estudos. Ele  podia pagar-lhos. Mas, ela aceitaria? Uma coisa era a jovem desmemoriada, carente  e totalmente dependente dele. Outra bem diferente a jovem que ele tivera à pouco, na sua frente. A segurança com que ela dissera. “Deixemos isso para depois das festas” quando ele sugerira que teriam de ir ao Algarve, era prova evidente que a jovem se libertara e  já não precisava dele.
Estava irritado, inquieto.
Não sabia o que se passava com ele, mas ficava sempre assim, quando pensava que um dia a jovem ia recuperar a memória e partir.  
Ouviu as jovens conversarem em baixo, sinal de que já tinham regressado. Relaxou. Ficava mais calmo, quando a sabia por perto.
Na tela, exposta no cavalete, a jovem, deitada na relva, parecia querer perguntar-lhe alguma coisa.

31.8.18

FOLHA EM BRANCO - PARTE XXXIX


- O que deve fazer uma mulher que ama um homem, para que ele perceba?- Perguntou de súbito Mariana
Maria riu-se.
-O quê? Não me digas que não sabes. Vais dizer-me que nunca tiveste namorado?
-Amigos sim, namorado só o primeiro coleguinha quando fui para a escola.
- Mas tu és linda, tens bom gosto, és simpática. Por onde tens andado?
 -Por aí. Mas não me respondeste.
- Insinua-te. Se ele não for parvo, percebe.
- Insinuar? Como?
-Isso é lá pergunta que uma mulher faça? Mariana, tu não deves estar bem. Deixa cá ver se tens febre, - brincou Maria tentando colocar-lhe a mão na testa.
-Não sejas tonta. E vamos às compras que ainda gostava que me ajudasses a decorar a árvore de Natal.
Na loja Mariana escolheu um par de calças de ganga, e uma camisola de gola alta vermelha,
-Gostas?
-É um conjunto muito bonito.
-Então vai experimentar. É para ti. Prenda de Natal.
- Para mim? Oh! Obrigado. És um anjo, - disse quase arrancando-lhe as peças da mão, esfuziante de alegria.
Quando saíram, Mariana perguntou à amiga:
-E agora? Sapatos ou botas?
- Posso escolher?
Acenou afirmativamente
-Botas.
Entraram na sapataria, e Maria escolheu umas botas de cano alto, sem salto, muito práticas.
Quando regressavam a jovem disse quase chorando.
-Este ano, não esperava ter outra prenda que não a do Luís. Desde que o pai morreu, o dinheiro lá em casa, é muito pouco. Nem quero pensar o que teria sido de nós, se a minha mãe não tivesse vindo trabalhar para a tua casa.
- Não é a minha casa. É do Miguel.
- Mas tu vives lá. Porquê?
- Porque meu pai morreu, e eu estava doente, como sabes.
Calou-se. Maria percebeu que a jovem não queria falar da sua vida, e mudando de conversa disse:
-Tenho tantas saudades do meu pai!
-Também eu Maria ! Também eu!- Repetiu com tristeza.




FOLHA EM BRANCO - PARTE XXXVIII


   Miguel, chegou pontual à hora do almoço.
- Estás bem? – Perguntou.
- Sim. Agora estou. Finalmente sei quem sou, recuperei a minha história.
Calou-se, enquanto Luísa lhes servia o almoço. Quando se retirou, Miguel disse:
-Mas ainda há muita coisa que não sei. Desde logo, o teu nome e o que fazias naquele dia…
- O meu nome é Mariana. Mariana Teixeira.
E Mariana contou-lhe tudo, desde que o pai morrera, até àquela tarde na falésia.
- Muito deves ter sofrido! E agora? Precisamos ir buscar as tuas coisas, ao tal hostel.
- Deixemos isso para depois das festas Miguel.
- Não podemos protelar muito. Quem sabe se eles comunicaram à polícia o teu desaparecimento, e a policia anda por aí a investigar? E outra coisa. Disseste que o teu pai se tinha sacrificado para comprar a casa. Lembras-te onde moravas?
-Sim, claro. Aqui mesmo na cidade. Numa rua simpática, perto da Av. Brasil. Rua Camilo Pessanha. Conheces?
- Não.
- Vais conhecer quando fores lá a casa. Vais ver, que vais gostar. É uma zona sossegada, gente que mora ali há muitos anos, quase todos se conhecem.
Nessa altura, Luísa apareceu com a sobremesa e Mariana perguntou por Maria.
- Disse-me que vinha às duas, saber se a menina precisava dela.
- Obrigado Luísa.
Quando a empregada se retirou, Mariana perguntou;
Mantém-se o combinado ontem?
- O que é que combinamos?- Perguntou, perdido entre tanto facto novo.
As compras com a Maria, e a conversa com a Luísa por causa da ceia de Natal.
- Ah! Sim, claro.
Acabaram a refeição, e perguntaram a Luísa se ela se importaria de lhes fazer a ceia de Natal.
Ela, disse que não tinha nenhum inconveniente, uma vez que passava a ceia ali no prédio com a irmã.
Só tinha de saber se queriam o tradicional bacalhau ou outro prato, para saber o que havia de comprar.
Logo depois, chegou Maria, e as duas jovens despediram-se e saíram. 





30.8.18

FOLHA BRANCA - PARTE XXXVII


Acordou cerca das dez. Curiosamente sentia-se bem. Como se a catarse que se seguiu à recuperação da memória, tivesse expurgado do seu espírito, toda a culpa que não tivera forças para carregar, e a levara a tentar o suicídio.
Enquanto tomava o duche matinal, recordava o que acontecera durante a noite. Como acordou assustada com a trovoada, e como de repente o som do trovão, já não era da trovoada, mas do choque entre os dois carros, e como num momento a morte do pai e tudo o que se seguiu, lhe surgira nítido na memória. 
Era como se estivesse vendo um filme, no qual, ela era a protagonista. Lembrou dos longos meses que passou no hospital, primeiro  em choque, depois perdida entre pesadelos e ataques de pânico. De quando teve alta. Dos dois dias que passou quase por inteiro no cemitério, junto da campa do pai. Da boleia que a levou até Faro. E da outra que a deixou em Lagos. Da decisão de não voltar para casa, onde sabia que não ia encontrar o pai, do  peso da culpa, do medo da solidão, do hostel onde deixara as suas coisas, naquela tarde em que procurara uma falésia mais escondida para acabar com o sofrimento, que a devorava por dentro.
Vestiu umas calças de lã cor de mel, e um camisolão branco. Prendeu a farta cabeleira, numa trança e olhou-se ao espelho. Gostou de se ver. Olhava com firmeza, a figura que o espelho lhe devolvia, sem medos, nem mudas interrogações. Tinha largado a pesada carga que há meses carregava. E agora?
Agora tinha que retomar a vida, que ficara lá atrás em suspenso.
Aprender a viver sem o pai, e sem culpas. Sentia que as sessões de psicoterapia a iam ajudar a ultrapassar, e quem sabe esquecer, aqueles meses em que a sua mente fora uma folha em branco.
Não. Esquecer, não. Esquecer, seria olvidar Miguel, a sua presença, o seu carinho, o seu riso, o seu cheiro. Os dias passados juntos, os passeios, os conselhos. Tudo o que tinha gravado para sempre no coração. Decididamente, o que mais lhe doía neste momento, já não era a ausência do pai, mas a eminente separação de Miguel.
E como doía pensar nisso.
Aos poucos enevoaram-se-lhe os olhos e uma lágrima deslizou pela face.
Porque tinha de ser assim? Era como se a vida estivesse sempre montando armadilhas no seu caminho. Porque tinha de se separar das pessoas que amava?