Tanto o cabeleireiro, como o edifício dos correios, e o seu apartamento, ficavam no mesmo quarteirão, e por isso Isabel não tinha levado carro. Recordou a conversa recente no escritório.
Era Sexta-feira, e ela sabia que este era o dia, que normalmente os jovens escolhem para sair à noite. Isabel, raramente saía à noite.
Não lhe apetecia ver os casalinhos a divertirem-se. Não que sentisse inveja deles. O que sentia era pena dela, e esse era um sentimento de que não gostava. Sabia que era uma mulher bonita. Estava habituada a ver a admiração nos olhares masculinos. Mas aproximava-se dos quarenta e começava a pesar-lhe a solidão. Onde estava a vida com que sonhara na juventude? Onde os filhos que tanto desejara? Todas as suas amigas da faculdade tinham casado, tinham filhos. Algumas até se tinham divorciado e voltado a casar. Só ela continuava sozinha, presa às suas dolorosas recordações. Bom, para ser sincera consigo mesma, a verdade é que desde aquele dia na praia, as recordações, já não eram tão dolorosas assim. Quem seria, e que estranho poder tinha aquele homem que lhe roubara o sossego, com um olhar e pouco mais? Seria como ela um solitário? Onde viveria? Será que algum dia voltaria a encontrá-lo?
Absorta virou a esquina e esbarrou em alguém, deixando cair os envelopes. Murmurou uma desculpa e baixou-se para os apanhar. O homem fez o mesmo e ao fazê-lo as suas mãos tocaram-se. Ergueu-se rapidamente e nesse momento ouviu a voz rouca, que ultimamente povoava as suas noites de insónia.
- Espere! - A sua mão forte agarrou o braço de Isabel, obrigando-a a parar. - Não acha que nos devíamos apresentar? Afinal de contas para quem anda por aí a esbarrar um no outro, não podemos continuar desconhecidos. Chamo-me Luís. Luís Teixeira.
Estendia-lhe a mão. Morena, forte e cuidada. Isabel não teve outro remédio que fazer o mesmo. A voz saiu-lhe quase inaudível.
- Isabel Mendes
- Hum! Isabel! Nome de rainha, - disse ele apertando-lhe a mão.
Foi um aperto caloroso que a fez tremer da cabeça aos pés como se fosse atingida por uma descarga eléctrica. Inutilmente tentava acalmar-se. Tinha a sensação de que o homem ouvia as loucas palpitações do seu coração. E ali continuava ele na sua frente a olhá-la fixamente como se quisesse ler, alguma coisa nos seus olhos, felizmente protegidos pelos óculos escuros.
Bruscamente Isabel desprendeu-se e quase correu para o edifício dos correios.Pouco depois, tendo sido já atendida, Isabel dirigiu-se aos expositores de livros, e, fingindo escolher um, lá permaneceu por quase meia hora, e quem sabe não teria ficado mais tempo se entretanto não chegasse a hora do encerramento. Tinha medo de voltar a encontrar aquele homem. Não se reconhecia. Ela que enfrentara com coragem a morte do marido daquela forma brutal. Que lutara pelos seus sonhos mesmo quando não dormia para cuidar dos pais. Que era feito daquela mulher forte, a quem a vida madrasta não assustava? Quem era aquela mulher que tremia feito criança assustada na presença de um quase desconhecido?