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10.4.23

CICATRIZES DA ALMA - PARTE XXXVI

 


Quando às oito horas da manhã, Anabela entrou na cozinha, encontrou a mesa posta para tomar o pequeno-almoço mas apenas Joaquim se encontrava ali.

-Bom dia, - saudou.

-Bom dia, menina - respondeu o homem com tristeza.

-Anabela, por favor! Aconteceu alguma coisa? A sua esposa?

-Está arrumando o quarto do doutor.

-Tão cedo? - estranhou a jovem. E como ele está?

-Mal. Deve ter tido outro daqueles pesadelos.

-Que pesadelos, Joaquim?

- Não sei, menina. Quando ele saiu do hospital, nos primeiros tempos, eu dormia na sala ao lado com a porta entreaberta de modo a atendê-lo se ele precisasse de mim, durante a noite. E quase todas as noites o ouvia gritar, entrava no quarto e encontrava-o em grande sofrimento embora estivesse a dormir.

 Dizem que não se devem acordar as pessoas com pesadelos, mas eu, que Deus me perdoe, acordava-o sempre, pois não tinha coragem de ver o seu sofrimento. Porém, ele nunca comentou comigo o que o atormentava e a menina sabe como é, se ele quisesse contar tentaria ajudar, mas se não o fazia eu não me ia pôr com perguntas. Afinal ele é o nosso patrão, não um familiar.

- Provavelmente tem a ver com o acidente, - refletiu Anabela. Acontece muitas vezes, que pessoas que sofrem acidentes traumáticos, como o que o doutor Tiago sofreu, revivem em sonhos a tragédia. Às vezes, se não têm ajuda psicológica, até durante anos.

- É horrível, o doutor grita, treme como se estivesse a arder em febre, e o suor encharca-o.  E depois que acorda o olhar está esgazeado e ele olha para nós como se não soubesse onde está e não nos conhecesse.

Naquele momento Isilda entrou na cozinha dizendo:

- O doutor fechou agora o chuveiro.

Joaquim afastou-se em direção ao quarto enquanto a esposa lavava as mãos e começava a preparar o pequeno-almoço para o patrão.

Anabela acabou de comer, levantou-se da mesa e disse:

-Vou caminhar um pouco. Estarei de volta antes da hora do tratamento do doutor.

Saiu pensando no que o caseiro lhe contara sobre o doente.  Os pesadelos não eram incomuns em vítimas de acidentes traumáticos. Porém quando se tornavam recorrentes, quebravam o animo do doente e atrasavam a recuperação.

 Tinha de falar com o doutor Azevedo, ele devia insistir com o sobrinho para aceitar a ajuda de um psicólogo.                                                                  

14.8.19

LONGA TRAVESSIA - PARTE XXIV







No dia seguinte às onze horas o telemóvel tocou.
- Falaste com ele? – Perguntou ansioso
- Acabei de o fazer.
- Disseste-lhe que sou seu pai, e que quero vê-lo?
- Sim.
- E ele?
- Ficou muito feliz. Nunca tinha percebido o desejo que ele tinha, de ter um pai, presente. Queria saber quando vens. Disse-lhe que vinhas jantar.
Fez-se silêncio do outro lado.
- Que foi? Arrependeste-te? Devia imaginar! - Indignou-se ela ao pensar na decepção do menino.
- Muito mal me julgas, - disse com tristeza. - Escuta, não tens com quem deixá-lo após o almoço? Quero mostrar-te uma coisa, antes de me encontrar com o nosso filho. É muito importante para mim, para ele, para todos nós.
Que poderia ser tão importante assim? E que relação poderia ter com Martim? E, com quem deixar o menino num domingo, dois dias antes do Natal? Será que os padrinhos poderiam ficar com ele?
- Então? Posso ir buscar-te?
- Não sei. Vou telefonar à Luísa. Se ela não puder ficar com ele, não poderei ir. Telefona-me dentro de meia hora.
Desligou, e marcou o número da amiga.
- Luísa?
- Olha que milagre! Pensei que te tinhas esquecido de nós.
- Não. Aconteceram muitas coisas. O Rui descobriu o Martim
- O quê? Como foi isso?
- Depois conto-te. Agora o que interessa é que o Martim já sabe que o pai voltou, que vai chegar esta noite para jantar, mas o Rui quer que eu vá sair esta tarde com ele. Diz que é muito importante, algo que tem para me mostrar ou dizer, antes de conhecer o filho. Tenho medo, de que possa ser alguma coisa genética, sei lá. Estou apavorada. Podes ficar com o Martim?
- Claro que sim, mulher. Estava a pensar levar o André ao circo esta tarde. Aproveito e levo os dois. E não te preocupes. Não deve ser nada de importante.
- Obrigada. Nem sei como te agradecer. O Martim vai ficar radiante quando souber que vai ao circo.
Desligou o telefone e chamou o filho
- Chamaste mamã?
- Sim filho. A madrinha vem buscar-te a seguir ao almoço. Vai levar-te ao  circo com o André.
- Que bom! -Gritou o garoto, batendo as palmas.
Voltou para a sala, onde estava a ver os desenhos animados.
O telemóvel voltou a tocar.
- Então?
- Vem buscar-me às duas e meia.
- Obrigado.
Desligou o aparelho com uma interrogação:
Aquele obrigado, soara-lhe como um soluço contido, ou fora ilusão sua?





8.7.19

UM PRESENTE INESPERADO - PARTE XLIII



Cumprimentou os colegas e dirigiu-se à sua secretária, para mais um dia de trabalho. A sombra de tristeza no seu olhar, era maior nesse dia. O calendário marcava o dia vinte de Junho. Num céu sem nuvens, o sol brilhava radioso, as ruas fervilhavam de gente alegre, de roupas leves e curtas, deixando pernas e braços nus, para aproveitar as carícias do sol, naquele que era o último dia de Primavera.
Precisamente naquele dia, fazia seis meses de casada. Mas o marido não fizera qualquer referência à data, pelo que nem se devia lembrar. Pensando naquele aniversário, havia já uma semana que ela tinha comprado, um conjunto de carteira e porta-chaves em cabedal, e mandara personalizar com a inicial do nome do marido. Abriu a gaveta da sua secretária, e acariciou o belo embrulho que ali tinha guardado.
Se o marido não se lembrava da data, ela não podia dar-lhe o presente. Ele ia sentir-se constrangido. Sentiu o calor de uma lágrima que lhe rolava pela face. Limpou-a com as costas da mão e fechando a gaveta entregou-se ao trabalho. Estava tão embrenhada na sua tarefa que nem ouviu a colega quando a chamou à porta do gabinete, e só deu por ela quando parou a seu lado com um belo ramo nas mãos, e disse:
-São para ti. Vieram entregá-las agora.
-Quem? – perguntou segurando o ramo surpreendida
- Um rapaz numa motocicleta. Provavelmente empregado numa florista. É o teu aniversário?
- Seis meses de casada.
- Seis meses - repetiu a colega, com alguma nostalgia. Devia ter suspeitado. Rosas vermelhas. Aos seis meses ainda se está em lua-de-mel. Há um frasco na casa de banho. Vou buscá-lo para que não murchem.
Obrigado – disse retirando o pequeno envelope com o cartão que acompanhava o ramo. Retirou o cartão e leu.

“ Seis rosas. Uma por cada um dos meses, que me permitiste viver a teu lado, dando sentido à minha vida.

Ricardo”

Guardou o cartão no envelope, precisamente no momento em que a colega chegava com um frasco, que já fora contentor de café instantâneo, meio de água.
Agradeceu a gentileza da colega, colocou o ramo no frasco, e pousou-o na sua mesa, à esquerda do computador. Guardou o cartão na mala depois de o reler emocionada. Afinal ele lembrara da data, e não comentara nada para lhe fazer a surpresa.
Pegou no telefone e ligou-lhe.
-Obrigado –disse assim que ouviu a sua voz. Foi uma surpresa maravilhosa,
- Gostaste? Fico feliz por isso. Olha, telefonei ao Artur e perguntei-lhe se podiam ficar com a Matilde esta noite,para que possamos fazer algo diferente.
 Disse-me logo que sim. Estás feliz.
Engoliu em seco antes de anuir.
- Bom, então até logo e bom trabalho. Beijo.
-Outro.
Desligou o telefone, e de seguida telefonou à amiga.
- Natália o Ricardo acabou de me dizer que a Matilde dorme aí esta noite. Posso ir almoçar convosco?
- Claro, filha. O Artur vai buscar-te. Não me pareces muito feliz. Aconteceu alguma coisa?
-Não. Só que sinto saudades de estar convosco.
- Mas querida estivemos juntas há três dias no aniversário da menina. E vemo-nos todos os dias.
-Eu sei. Mas não é a mesma coisa. Até logo e obrigado.



28.8.18

FOLHA EM BRANCO PARTE XXXIII


                                    

Fizeram imensas compras. Uma árvore de Natal, bolas coloridas,  roupas e calçado. Muitas roupas. Mais para ela que para ele. Ela se entusiasmava como uma miúda, ele sorria e gostava de a ver assim, sem aquela sombra de tristeza que sempre tinha nos olhos.
Carregados de sacos, e a caminho se casa, Mariana disse:
-Gostava de te pedir uma coisa.
- Esqueceste alguma coisa?
- Não. Gostava de vir amanhã, com a Maria. Comprar umas coisas para ela. Sabemos que a mãe, não lhe poderá comprar nada.  Que dizes?
Ele gostou de saber que ela se preocupava com a amiga.
-Desde que não me esgotem o saldo bancário,- respondeu sorrindo.
Mais tarde, enquanto jantavam, Mariana perguntou:
- Como vai ser a noite de Natal?
- Costumo passar a noite num hotel. Por falar nisso tenho que fazer a reserva.
- Não podemos ficar em casa?
- Em casa? Mas como? Não podemos pedir à Luísa para vir trabalhar nesse dia. E eu não percebo nada de cozinha. Sabes cozinhar?
- Não, - respondeu envergonhada.
- Então?- Interrogou, sem saber o que ela queria.
- A Maria disse que iam passar a noite, com a tia lá em baixo. Parece que é, a única família que têm. Tenho a certeza que se lhe pedirmos, a Luísa faz a nossa ceia. Os doces, podemos comprar, numa pastelaria. Não me apetece ir para um hotel. É muito frio, muito impessoal. Que te parece?
- Se achas melhor assim, parece-me bem. Falamos com a Luísa amanhã e veremos se ela está de acordo.
Depois do jantar, Miguel subiu ao atelier e Mariana foi arrumar as compras.
Sentia-se estranhamente feliz. Aquele dia tinha sido inesquecível.
Não pelas imensas coisas que Miguel lhe comprara, mas porque ele passou a tarde a seu lado, e estivera sempre lá. Sim, porque uma mulher, sabe sempre, quando um homem está consigo, ou quando está apenas a seu lado. E Mariana nunca se tinha reconhecido tão mulher, como quando estava com Miguel.
Desde quando o amava? Não sabia. Talvez desde que abriu os olhos e o viu de pé junto do cavalete, olhando-a inquieto. Ou mais tarde, quando com desvelo cuidou dela. Não sabia. E de resto nem isso  lhe importava. O que era realmente importante, é que estava irremediavelmente apaixonada por um homem, que a olhava como se ela fosse uma miúda, e a tratava como se fosse um pai, atento e carinhoso.

25.8.18

FOLHA EM BRANCO - PARTE XXX



                                                  


Luísa era uma mulher dos seus quarenta anos, alta e magra de rosto simpático e voz suave. Vestia de preto, e tinha no olhar uma expressão de tristeza. A filha, Maria, tinha dezoito anos, e era igualmente alta, e bem proporcionada. Mariana gostou delas.
Miguel acabou contratando-as, embora ficasse estabelecido que Maria faria apenas companhia a Mariana, quando o seu horário o permitisse.
A consulta com o tal doutor Serra, ficou marcada para a Segunda-feira seguinte e no resto da semana, a jovem não viu Miguel.
Saía antes dela, acordar, chegava quase de madrugada. Às vezes, à noite, sentia-o no estúdio, e tinha um desejo enorme de ir até lá.
Como nessa noite, em que se levantara, enfiara um robe e se dirigira à escada em caracol. Parou junto dela sem se atrever a subir.  Que justificação teria para o fazer? Não podia dizer simplesmente que tinha saudades dele. Ia rir-se dela. Arrependida voltou para a cama. Porque não vinha para baixo? O que fazia lá em cima? Caramba, as telas para a exposição, é que não era. Já tinham sido todas levadas para a galeria, onde iam ser expostas. Pinturas novas? Talvez. Mas tinha que ser agora?
Desde o primeiro momento, quando Miguel lhe disse que a escada, era o acesso ao estúdio, e não a convidou a subir, para lho mostrar, Mariana entendeu que aquele era um local que lhe estava vedado. Era um espaço só dele, uma espécie de santuário masculino. Por isso, pese toda a curiosidade que sentia, nunca se atreveu a subir, nem mesmo quando sabia que Miguel tinha saído. Cansada acabou por adormecer.
Eram quase onze horas quando acordou. Finalmente era Segunda- feira. Dia da consulta. Que diria o médico? Seria da mesma opinião do outro? E Miguel? Lembrar-se-ia da consulta?
Vestiu o robe e dirigiu-se à cozinha.
-Bom dia Luísa.
- Bom dia menina. Preparo-lhe o pequeno-almoço?
- Se comer agora, não almoço. Obrigado.
- O senhor disse, para a avisar que vinha almoçar a casa, e para a menina não esquecer que tinham a consulta de tarde.
- Não esqueço. Vou-me arranjar.
“Miguel vem almoçar! E vamos ficar juntos umas horas. Que bom!” – Pensou enquanto mergulhava na banheira, para um relaxante banho de espuma.

FOLHA EM BRANCO - PARTE XXIX


Como todos os artistas, Miguel era um bom observador do que o rodeava, e possuía uma enorme sensibilidade. Por isso mesmo, não lhe passava despercebida a tristeza no rosto da jovem, que ele atribuía ao seu estado amnésico. Estava porém longe de imaginar, que ele poderia ser parte dessa tristeza.
O restaurante escolhido, ficava perto de casa. Era um café restaurante, não muito grande, mas acolhedor.
-Um dia, com mais tempo, havemos de ir à Adega Machado, jantar e ouvir o fado. Mas hoje jantamos aqui mesmo, a comida é boa e podemos conversar mais à vontade. - Disse ele afastando a cadeira para ela se sentar.  
Escolheram a refeição e enquanto esperavam, Miguel disse: 
- Queria arranjar alguém de confiança, para te acompanhar e ajudar no que precisares.
Amanhã, vou tentar conseguir a consulta com o tal médico. Vou contigo à primeira consulta, mas se ele achar necessário, as tais sessões de psicoterapia, não poderei acompanhar-te. Os próximos dias vão ser muito complicados, em termos de tempos para mim. Provavelmente nem as refeições, faremos juntos. Falei com a porteira, ela conhece meio mundo no bairro, talvez pudesse ajudar-me. E sabes uma coisa? Ela tem uma irmã que enviuvou há três meses. Precisa urgente de trabalho, tem uma filha estudante, que está em risco de ter de abandonar os estudos, por causa dos problemas económicos em que a morte do pai a deixou.
Calou-se enquanto o empregado servia a refeição, retomando a conversa, logo depois:
- Disse-lhe para virem amanhã. Estou a pensar, que a mãe poderá tratar da casa, fazer compras, e inclusive as refeições. E a filha, que deverá andar pela tua idade, pode acompanhar-te às sessões, ou a dar uma volta pela cidade, ir ao cinema, ou outro lado qualquer que vós, jovens, apreciais. Dava-nos jeito, e era uma maneira de as ajudar, nesta hora difícil. O que achas?
- Não sei Miguel. Faz o que achares melhor.
-Então está decidido. Claro que teremos de combinar as coisas, em função do horário da miúda. Não vamos atrapalhar os seus estudos.
- Miúda, Miguel? Não disseste que era mais ou menos da minha idade?
Ele arqueou a sobrancelha
- E?
-Eu, não sou uma miúda, - protestou com veemência.
- Pois não. Tu és ...uma senhora miúda. – Riu divertido



25.7.18

O DIREITO À VERDADE - XLIX



Legalizado o reconhecimento de paternidade da jovem por parte do pai, e averbado ao seu nome o apelido Noronha, e já com a construção da nova casa iniciada, Cláudio e Helena casaram na Igreja Matriz de Nelas no dia vinte e oito de Novembro do ano dois mil e quinze.
A seu lado, como padrinhos, a jovem tinha o tio Alberto, e a sua grande amiga Paula Correia. Os padrinhos de Cláudio, eram o seu amigo Doutor Ricardo Souto e a esposa Clara.
A pedido de Helena, a amiga viera logo no início da semana, e ficara hospedada lá em casa. Para tratar de todos os pormenores antes do casamento, a jovem sentia-se mais à-vontade, com Paula que era quase da sua idade, do que com Carmo, que além de ser mais velha, era mãe do noivo.
A alegria e simpatia natural de jovem encantaram Cláudio e os pais. Por seu lado Paula também estava encantada com a quinta e a nova família da amiga.
Sandro chegara apenas na véspera com os pais de Paula, e tinham ficado hospedados no Áqua Parque de Nelas, hotel onde se realizaria a festa, vulgarmente conhecida por copo-de-água.
A cerimónia foi muito bonita, apesar do nervosismo da noiva e da emoção do noivo, e dos pais. Nada que não seja vulgar em qualquer casamento.
Depois da cerimónia os noivos viram-se submergidos num mar de abraços e felicitações de familiares e demais convidados.
- Eu não te disse, que tivesses cuidado, não podias andar por aí a atropelar pessoas, que um dia te metias em sarilhos, - disse o padrinho rindo, enquanto abraçava o noivo.
- É um sarilho lindo, de que não quero livrar-me nunca, -respondeu ele emocionado.
Depois de mais uma série de fotografias à saída da igreja, os noivos e convidados lá entraram nos seus automóveis rumo ao hotel, para a festa.
Atento, Jorge estava preocupado com a filha e a determinada altura não se conteve.
-Que se passa querida? Vejo uma sombra de tristeza nos teus olhos. Não me parece que estejas feliz como é natural numa noiva, - disse inclinando-se e falando-lhe ao ouvido.
- Sinto falta da mãe. Gostava tanto que ela estivesse comigo, neste dia.
- Dizem que Deus escreve direito por linhas tortas, e neste caso penso que assim foi. Se a tua mãe fosse vida, continuarias a ignorar a minha existência,  e este momento nunca teria acontecido. Pensa nisso, querida.
- Penso nisso o tempo todo, mas não consigo evitar a saudade, nem deixar de me sentir triste.
-É natural filha, mas tenta esquecer pelo menos hoje. É o teu dia, aquele que se recorda toda a vida. Quer-se feliz. Repara no ar preocupado do teu marido. Já deve estar a pensar que te arrependeste.
A jovem olhou para Cláudio e o seu rosto abriu-se num sorriso radioso, que sossegou o coração do homem.

19.7.18

O DIREITO À VERDADE - XXXVI



A notícia que a jovem tanto esperava, chegou nessa mesma tarde, num telefonema do pai. Ele fora ao laboratório buscar o resultado, e informaram-no de que também já o tinham enviado para ela, nessa mesma manhã, pelo que devia recebê-lo no dia seguinte. Ela era filha de Jorge Noronha sem qualquer dúvida. Que aliás ele nunca tivera e sempre dissera que por ele, aquele teste  era desnecessário. Mas ela, sim, precisava ter certeza. Estava emocionada, tinha vontade de chorar e rir ao mesmo tempo. O pai contou-lhe que já tinham feito as vindimas e que o vinho já estava no processo de fermentação. Também, lhe disse que dentro de dois dias, a mulher voltava ao médico e que como estava tudo a correr bem, ele lhe devia dar alta. Ele estava à espera desse dia, para falar com o médico e saber se o que tinha para contar à mulher, podia de algum modo prejudicá-la.  E se a opinião do médico fosse favorável, nesse mesmo dia lhe contaria. E terminou, dizendo que estava cheio de saudades dela.
Lena desligou a chamada e ligou para o tio a contar-lhe a novidade.
- Nunca duvidei que fosse esse o resultado, querida. E tenho a certeza de que o Jorge também não terá duvidado nem por um minuto. A tua mãe era doida por ele, e nunca teve outro homem antes ou depois dele.
- Mas se ela o amava tanto, porque pediu o divórcio? E porque nunca lhe disse que estava grávida.
- Mistérios da alma humana. A tua mãe sofria de um grave complexo de inferioridade. Não se julgava merecedora do amor do teu pai. Talvez pensasse que um dia ele se ia cansar dela e pedir o divórcio. Então para não prolongar a tortura da espera, resolveu pedi-lo ela. Tenho a certeza de que aquele abraço foi só o pretexto, ela sabia bem que não fora traída. Desde que soube que estava grávida, deve ter pensado, que quando ele pedisse o divórcio, ficaria também com o filho, uma vez que tinha uma melhor situação financeira. E ela não ia suportar a dupla perda. Eu e a Ana, conversámos algumas vezes sobre isto e a tua tia, Também pensava assim.
- Meu Deus, isso é doença! Como é que eu nunca me apercebi desse complexo? Dessa insegurança?
- Não te recrimines. És muito jovem, mal começavas a descobrir a vida, e depois tinhas a faculdade, os estudos, as amigas. Tenho a certeza que a tua mãe se arrependeu. Se assim não fosse quando sentiu que estava perto do fim, teria destruído as provas. Penso que conhecendo-te, ela sabia que ias em busca do teu pai, e isso foi também uma maneira de  lhe pedir desculpa.
-Acreditas que ela se arrependeu?
- Penso que sim. Quando sentiu que ia partir e que ficavas sozinha, deve ter-se arrependido, sim. Só assim se explica o não ter, destruído os documentos. E agora, vais viver com o teu pai?
Havia tristeza na sua voz e a jovem percebeu-o.
- Ainda não sei. É verdade que gostaria de o fazer, mas o meu pai tem a sua família e eles podem não me aceitar. E eu não quero criar mal-estar na sua vida. Não te preocupes. Mesmo que me aceitem e vá viver para lá. Nunca te deixarei sozinho. Quando estive em Viseu, falamos nisso. E o pai disse, que vocês sempre foram amigos e que seria uma mais-valia ter-te por perto.
- Está bem querida, mas não vamos por o carro à frente dos bois. A vida nem sempre nos leva por onde queremos ir. Olha para festejar o facto, vou aí buscar-te e vamos jantar a qualquer lado. Aposto que não tens saído desde que vieste do norte.
- Mas tio…
- Não tem mas, nem meio mas, põe-te bonita que eu não demoro.



Não se admirem se saírem dois posts por dia. Não serão todos os dias mas em alguns já aconteceu e vai voltar a acontecer, visto que eu desejo acabar esta história antes das férias.


9.6.17

JOGO PERIGOSO - PARTE XXIII







Daniela, foi direita ao escritório do advogado, tratou da procuração em nome do sócio, assinou-a, registou-a no cartório e por fim meteu-a num envelope, e enviou-a pelo correio. Foi à agência, e comprou o bilhete de avião para Nampula, para o voo do dia seguinte. Já em casa, procurou a mala de viagem, escolheu algumas roupas simples e confortáveis, com que encheu a mala, tomou banho, enfiou uma camisa e um roupão, pegou na roupa suja, meteu-a na máquina, e só quando o tambor começou a rodar na lavagem, pensou que devia fazer alguma coisa para comer. Porém não lhe apetecia cozinhar. Abriu o congelador, retirou uma lasanha que aqueceu no micro-ondas e comeu.
Mais tarde, na sala, frente à televisão desligada, com um livro que não conseguia ler, recordou a noite anterior. Lembrou do sentimento contraditório, que a invadiu, quando David entrou, com a caixa de preservativos na mão. Alegria por saber que ele que os fora comprar naquele momento. Não os trouxera para o encontro, logo não tinha programado seduzi-la. Tristeza pela ironia que representavam. Depois, o carinho com que a despiu, a paixão com que a amou, a preocupação em levá-la ao clímax, uma, duas, três vezes.
Nunca, nem nos anos de casada se sentira tão mulher, tão amada e desejável.
Raios, porque é que não era uma mulher como as outras? E porque é que os homens haviam de fazer tanta questão em deixar descendência?  Impotente para refrear a dor que a atormentava, chorou até adormecer de cansada.
No dia seguinte acordou melhor. Procurou o passaporte, e demais documentos, verificou tudo, e depois do pequeno-almoço, dirigiu-se ao cabeleireiro, onde cortou os longos cabelos, deixando-os com um tamanho médio e um corte moderno. 
Depois passou pela perfumaria, comprou o perfume que sempre usava, e os artigos de higiene,  que utilizava habitualmente, pois não sabia se os encontraria à venda em Nampula e não queria prescindir deles.
Já passava das duas horas da tarde, quando almoçou. Tinha que estar no aeroporto às vinte e duas horas o avião partia à meia-noite. O melhor que tinha a fazer, era dormir umas horas. Acordou às dezasseis com o toque do telemóvel. Era David. Atendeu.
- Porque fizeste semelhante estupidez? – Perguntou alterado
- Porque confio em ti, - respondeu suavemente
- Raios, merecias que te tirasse tudo.
- Talvez. Mas não o farás.
  Um longo silêncio do outro lado. Depois...
- Estás muito confiante. Pode ser que te surpreenda. Quando partes?
- Logo, à meia-noite.
- Boa viagem.
Desligou sem lhe dar tempo a agradecer

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Aqui está a explicação do que aconteceu lá atrás.  Para quem pensou que tinha saltado um episódio.

30.3.16

MANEL DA LENHA - PARTE XXXIX


                                                                      Foto do google



Pouco antes do seu aniversário, Manuel acabou de pagar a motorizada e resolveu comprar  um rádio a pilhas. Era um rádio grande, com gravação e leitura de cassetes.  Era um bocado caro, mas o dono da loja facilitava o pagamento em prestações, e depois os filhos mereciam ter música em casa. Não era por ele que continuava com a sua velha galena a ouvir o que gostava, quando tinha tempo para isso. Mas as crianças não terem um rádio, numa altura em que já tanta gente tinha TV era uma tristeza.
Nesse Verão, um dos cunhados casa-se e vai viver para Palhais. Entretanto a filha mais velha vai passar um mês ao norte, a casa de familiares pois há quase três meses anda com uma tosse que não passa apesar de todos os xaropes tomados. Dizem-lhe que quando assim é, só mudança de ares. Também nesse mês, morre no hospital em Lisboa a sogra do Manuel de cancro na garganta, e a mulher traz para casa o pai, que no ano anterior sofrera um AVC e ficara afectado mentalmente.  Combina com os irmãos e fica decidido que cada filho, cuidará do pai durante um mês.
 Ainda nesse ano, pouco depois dos anos da filha mais velha, enquanto Manuel pisava a uva com alguns amigos, no lagar do Bernardino, começa a germinar-lhe na cabeça um desejo. Poder no ano seguinte fazer vinho. 
O Bernardino, caseiro de uma das quintas da seca, e amigo de longa data do Manuel, tinha um grande lagar onde todos os anos fazia vinho. Não que na Seca houvessem vinhas. Mas ele comprava a uva na zona de Palmela, que depois vinha numa camioneta até à Seca. Fazia sempre muito mais do que precisava para consumo próprio, pois o pessoal do norte gosta da pinga caseira e mais ninguém na Seca tinha lagar. Assim sempre lhe pediam para fazer com ele o vinho. Uns compravam um barril de 100 litros, outros de 150 ou uma pipa de 200 litros. No ano anterior, também Manuel comprara uma pipa de 100 litros. E este ano ia pelo mesmo.  Mas começa a pensar que talvez quem saiba um ano possa fazer o seu próprio vinho.
Em breve recomeça a safra do bacalhau. O pessoal anda cada vez mais apreensivo. As poucas notícias que lhe chegam sobre  as colónias, são cada dia mais preocupantes, mas a PIDE está cada dia mais activa e ninguém se atreve a pensar em voz alta o que lhes vai na alma, pois nunca se sabe quem  os está a ouvir, e às vezes, até as paredes têm ouvidos. O clima de desconfiança que reinava entre o pessoal, acabara com a alegria de anos antes, e tornava a tarefa mais pesada.
A 22 de Novembro o presidente Kennedy é assassinado.
A América é lá tão longe, mas por estranho que pareça, Manuel e alguns dos seus camaradas na Seca, têm uma admiração especial pelo homem, e ficam quase tão chocados como se lhes matassem um amigo pessoal.