O tempo que passou no Hospital, não foi só de cirurgias e
tratamentos. Foi também, depois que recuperou a consciência, de muita reflexão, sobre a sua vida passada e futura,
embora principalmente se interrogasse, sobre que futuro podia haver para ele, se
realmente não fosse apenas o uso das pernas que tinha perdido. Ele podia
aprender a viver numa cadeira de rodas, mas não conseguia pensar em viver o
resto da vida sexualmente morto.
Quando recebeu alta hospitalar, recusou o encaminhamento
direto para a fisioterapia de reabilitação e refugiou-se na quinta, para
desespero dos pais e do tio, que não parava de lhe mandar enfermeiras, com quem
ele era deliberadamente mal-educado, para que o deixassem em paz. A penúltima enfermeira que o tio lhe trouxera, era uma mulher de rara beleza, que podia sem
desprimor adornar a capa de qualquer revista de moda. Porém, ela era uma prova
viva, daquilo que ele tinha perdido com aquela maldita explosão. Por isso a
mandara embora imediatamente.
Como médico, sabia que estava deprimido e sabia também que
estava num ponto critico da sua vida. Pela frente tinha dois caminhos. Ou
aceitava o que pudesse acontecer, e lutava para que fosse o melhor, ou
simplesmente desistia, entrava numa depressão grave que acabaria certamente no suicídio. Sim, ele sabia isso, mas precisava de algo que lhe desse o empurrão
para entrar no caminho certo, pois nessa manhã, sentira que estava a um passo,
de entrar na via da autodestruição.
Mas então o tio aparecera com outra enfermeira. Como é que
ele dissera que ela se chamava? À sim, Anabela. Pois, esta era diferente das
outras. Embora tivesse a certeza de que o tio a tinha advertido para o seu mau
génio, ela não o olhou com pena, nem como se ele fosse um monstro. Ela olhou-o
como se ele não fosse um inútil, mas uma pessoa normal e com firmeza mostrou-lhe que ali mandava ela e
fizesse ele o que fizesse não conseguiria amedrontá-la.
Em vez de se exasperar, Tiago ficou curioso. Onde seria que
o tio a tinha ido buscar? E quanto tempo, ela seria capaz de manter aquela pose?
Será que ia medir forças, com ele, dia a dia? Quando anoiteceu, sem ter voltado
a vê-la, surpreendeu-se, por, pela primeira vez, depois que saiu do hospital,
ter levado a tarde a pensar noutra coisa, que não o futuro negro que o
aguardava. Não esperava voltar a vê-la antes da manhã seguinte. Mas eis ela que
voltara surpreendê-lo.
Dez minutos depois, Anabela voltou a entrar no quarto.
Poisou o jarro e o copo sobre a mesa e disse:
-Pronto aqui tem a sua água. Vai tomar algum medicamento?
Antiálgico, ansiolítico, ou quer que lhe traga um chá?
- Não, obrigado.
Ela retirou a bacia que levou para a casa de banho. Depois
dobrou a toalha e guardou-a no espaço por baixo da gaveta, na mesa de apoio.
-Devia tentar dormir. Uma boa noite de descanso, vai ajudá-lo
amanhã com a dureza dos tratamentos, - disse dirigindo-se para a porta.