Seguidores

Mostrar mensagens com a etiqueta nuvens. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta nuvens. Mostrar todas as mensagens

19.7.24

UMA VIAGEM ESTRANHA

 


Outubro aproximava-se do fim. Apesar disso o céu sem nuvens e o sol, que embora não apresentasse um calor abrasador, como no verão, estava luminoso e lançava sobre a terra um calor muito agradável. Conduzia numa estrada deserta, de volta ao lar de meus pais, depois de alguns anos de ausência.

 Ao olhar a paisagem tive consciência, de que me enganara na estrada, mas segui em frente, pensando que afinal aquela estrada, iria ter a algum lugar, donde poderia retomar o caminho de casa. Porém a estrada terminou um pouco mais à frente. Parei o carro e saí para olhar à minha volta.

 À minha frente uma floresta, exibia os maravilhosos tons de outono. Curiosa avancei uns cem metros e deparei-me um enorme lago, cujas águas tão serenas, mais pareciam um enorme espelho,  sobre o qual as narcisistas árvores da margem se miravam vaidosas. Quedei-me extasiante perante tão bela imagem que  me sugeriu a natureza em paz consigo mesmo . 

Pensei que era um lugar onde o homem ainda não chegou, mas então vi mais à frente duas cadeiras lado a lado, num pequeno pontão, como que a dizer-me que estava enganada. Duas cadeiras vazias que sugerem momentos de contemplação e amor.

Contemplação pela natureza, mas também amor pela pessoa que se senta ao lado, e com quem se quer partilhar um lugar tão paradísico. Olhei à volta e não vi cabana, ou caravana, que me mostrasse que ali vivia alguém. As cadeiras estão vazias, e a paz do lugar, apenas tem por companhia a solidão, o que me leva a pensar no que terá acontecido a quem nelas se sentava. 

Enquanto me perdia em conjeturas, anoitecera e de súbito desatei a correr assustada com medo de não conseguir encontrar o carro. Então a luz do sol bateu-me no rosto, e abrindo os olhos vi que a minha mãe tinha acabado de abrir a persiana, fazendo com que a luz me  acordasse. 


  

 

8.12.19

CONTOS DE NATAL - DAVID E A ESTRELA











A casa de Ciryl e Paola fica mesmo no alto da serra da Malveira. Quando se chega lá acima, o ar é leve e, se levantarmos os braços, podemos tocar nas nuvens e agarrar o sol.
É uma casa antiga, de grossas paredes de pedra, com salas enormes onde se ouve música antiga, canções e poemas porque os corações de Ciryl e Paola estão sempre abertos à beleza e à amizade. Talvez por isso, porque Ciryl e Paola da serra da Malveira são pessoas especiais e lindas, esta história aconteceu.


Da varanda da casa que lembra um desses castelos com reis, princesas e fadas boas, avista-se o mar. Até lá, muito longe, onde o olhar quase se perde, crescem as árvores, flores, e o vento que nos despenteia carrega o perfume de coisas que nos enchem de paz e alegria. Mas, o ano passado, alguém deitou fogo à serra.
Por entre as sirenes dos carros de bombeiros, os gritos, o voo assustado das aves, o gemido dos pequenos animais sem abrigo, ouviam-se as árvores a chorar. Primeiro erguiam os seus grandes ramos para o céu, depois, as pequenas folhas estalavam e, com um ruído ensurdecedor, víamo-las tombar como gigantes feridos. Foi tão triste! Nos meses seguintes o que se avistava da varanda mais alta da casa, eram apenas os caminhos queimados cobertos de tristeza e silêncio.
Certa manhã de dezembro, já perto do Natal, Ciryl e Paola tiveram uma ideia: foram pelas escolas e desafiaram as crianças: «Vamos semear pinheirinhos novos e deixar a nossa serra toda verde como era dantes.»
«Vamos!», disseram os meninos. «Vamos!», disseram as meninas.
De súbito, foi como se um sino tivesse tocado no coração do mundo.
Parecia uma só voz o que se ouviu e ecoou por todo o lado, das casas ao mar.
E tinha tanta força essa voz que os pais dos meninos, e as mães, e as avós, e os tios, e as tias, e os primos, e as primas, e as madrinhas, e os padrinhos vieram também. Traziam pás, ancinhos, enxadas, pequenos sachos, regadores. Era como um filme.
Pela serra inteira, gente que andava, parava, ria, abria buracos e plantava árvores. Árvores, dezenas de árvores que o Ciryl e a Paola mandaram vir de todas as partes do mundo: pinheiros, abetos, araucárias, cedros do Líbano.
As pessoas, pela serra, pareciam borboletas voando: corriam aqui, escorregavam ali, levantavam-se, trocavam pequenas palavras, muitas sugestões. Uns plantavam a sua árvore na encosta; outros, nas faldas da serra.
Ao fim da tarde, cansados, os pais e as mães, os primos e as primas, os tios e as tias, os padrinhos e as madrinhas, as crianças, os velhos e os assim-assim juntaram o pão e a salada, o queijo e a Coca-Cola, os pastéis de bacalhau e o bolo-rei, a alegria e o coração contente e fizeram uma grande festa.
A serra parecia pintada de verde fresco e nos olhos de todas as pessoas havia um brilho diferente. Todos se falavam, mesmo os que de manhã não se conheciam e as gargalhadas que davam eram como água fresca que apetecia beber e repartir.
Só David, um dos mais pequeninos, o que tinha olhos azuis e reflexos de ouro nos cabelos lisos, indiferente à festa, continuou a subir a serra. Queria que a sua árvore fosse a mais alta, a que ficasse lá mais acima e se pudesse contemplar da terra inteira.
Subiu, subiu. Subiu muito. Rasgou a pele nas silvas, bebeu o sumo das amoras porque tinha sede. Subiu mais ainda.
Com a sua pequena enxada de plástico cavou um buraquinho. Quando acabou de plantar o seu cedro do Líbano, deitou-se na terra fresca e adormeceu. Então, inexplicavelmente, a árvore começou a crescer, a crescer, e cobriu-o de sombra. Uma ave, veio dos lados do sol nascente e embalou-lhe o sono com seu cantar. Quando a noite desceu, perfumada, uma estrela desceu de mansinho e pousou no ramo mais alto, iluminando todos os caminhos. De repente, no meio da festa, alguém deu pela falta de David. Chamaram, chamaram e nada. Ninguém respondia. Então, como se fosse um formigueiro em movimento, as pessoas começaram a espreitar na urze, no sumo dos frutos, no espelho de água do tanque, dentro da chaminé, debaixo do piano. Chegaram à varanda. Olharam a serra.
Lá no alto, iluminado, enorme, o cedro era um sinal.
Correram todos para lá.
Um grande silêncio desceu na serra. Todos se olhavam estupefactos. Ninguém sabia explicar por que crescera assim, em tão poucas horas, aquela árvore que uma estrela iluminava.
E quando viram David a dormir, segurando ainda na mão o pequeno sacho, com a cara toda lambuzada de amoras e terra, Ciryl disse sorrindo e simplesmente: «Oh! Parece o Menino Jesus!»
E regressaram. Cantando.


Maria Rosa Colaço 



Fonte   A

12.11.19

INSÓNIA.

Reedição                                                  

                                             INSÓNIA

A noite vai alta.

No céu, sem nuvens, as estrelas observam curiosas. Num prédio igual a tantos outros, alguém abre lentamente uma janela. Angustiada a figura masculina,  interpõe-se por momentos, entre a luz da rua, e as sombras do quarto. Perpassam-lhe pela memória os acontecimentos daquele sábado. Como se estivesse no cinema, assiste ao filme da sua vida. Na verdade, ela, a Vida nunca fora fácil para ele. Tudo o que era e o que tinha arrancara dela à força.
O tempo passa, o filme chega ao fim. O sono não veio. Um carro passou rápido, quebrando por momentos o silêncio quase religioso em que a noite mergulhara. Abanando a cabeça, como quem sacode pensamentos dolorosos, o homem deu meia volta e afastou-se da janela. Um raio de luar, veio qual amante atrevido, pousar no corpo da mulher, que nua, na cama, dorme docemente...
Como atraído por um íman, o homem  olha-a. E sobressalta-se. Como se só naquele momento desse pela presença feminina. Ou talvez quem sabe, vê-la assim, nua, banhada pelos raios lunares, qual deusa adormecida, tivesse despertado o Amor, que as preocupações diárias, tinha sepultado no seu subconsciente. A paixão incendiou-lhe o peito, o desejo adormeceu-lhe as preocupações.
Naquele momento deixou de existir o mundo lá fora. Nada além daquele quarto, daquela mulher, e do amor que sentia por ela lhe importava. Ansioso, caminhou para a cama. As suas mãos, frenéticas perderam-se naquele corpo tão conhecido, reinventando carícias, ansiando perder-se nele.
A mulher acordou. Soltou um gemido, e enlaçou o corpo masculino. Não sabia que horas eram, mas que importava isso? O momento era aquele. E deixou-se submergir no mar de paixão, que a envolvia.
Pela janela, a lua enlaçou os dois amantes, como protegendo aquele Amor.




Fim

Enquanto eu ando às voltas com os sucessivos problemas de saúde continuam por aqui as reedições. Aos que já conhecem peço desculpa



28.3.19

UM HOMEM DIVIDIDO - PARTE XI



Paula chegou ao escritório no dia seguinte, pelas catorze horas.
Tinha trabalhado no dia anterior até às dez da noite e toda a manhã daquele dia,  mas estava tudo pronto para a festa.  Agora só tinha de se preocupar em estar presente no início da festa, e assegurar-se que ela ia decorrer sem nenhum incidente que lhe roubasse o brilho. Era sempre assim. Ela estava presente em todas as festas, mas só até se assegurar que tudo estava a correr como ela planeara. Depois despedia-se dos anfitriões e regressava a casa. Não se sentia bem naqueles ambientes tão cheios de hipocrisia. Ela era muito frontal. Gostava da verdade acima de tudo. Saudou Irene e dirigiu-se para o seu gabinete, seguida pela secretária.
- Já terminaste a decoração do salão?
- Trabalhei ontem até às dez e esta manhã, mas está tudo pronto.
Falta-me confirmar data e hora com a empresa de segurança que vai estar presente. Podes fazer isso em seguida. E o “rei” da Cozinha Portuguesa, sempre vem?
- Tal como te disse ao telefone ontem à noite, telefonaram de novo à tarde para saber a resposta e eu marquei para as quinze.  Estou muito curiosa. Não é costume que os futuros clientes, queiram marcar uma entrevista contigo. Por norma, sempre nos contactam por telefone, ou correio eletrónico. E só já quase em cima do evento é que aparecem. E às vezes nem chegam a aparecer, são as secretárias ou os agentes que tratam de tudo. Não estás curiosa?
- Nunca ouviste falar em milionários excêntricos? Ou maníacos do trabalho?
- Dos primeiros já ouvi falar, mas nunca conheci nenhum. Maníacos do trabalho, tenho uma na minha frente. Bom se não tens nada urgente para mim vou para o meu lugar.
Dirigiu-se para a porta, mas antes de a abrir voltou-se e batendo a mão na testa disse.
- Ah! Já me esquecia. Chegou a resposta do Ferraz. Aprovou a primeira opção. A festa vai ser ao estilo dos gloriosos anos vinte. Vou encomendar os endereços.
  Irene saiu e Paula olhou o relógio. Catorze e vinte e cinco. Levantou-se e foi até à janela. No céu sem nuvens o sol brilhava aquecendo tudo à sua volta. Estava-se na Primavera, mas os dias já anunciavam o Verão que se aproximava. Na rua não andava muita gente. Não era para admirar, quem não estava a trabalhar, não saía aquela hora. Voltou para a secretária. Estava nervosa. A situação da sua família preocupava-a. Nunca fora muito chegada ao pai, talvez porque ele também não se tivesse preocupado em criar laços de carinho, quando ela mais precisava. Mas gostava muito da madrasta, e adorava o irmão. E depois havia aquele homem que ela não conhecia, e que o pai dizia que o podia salvar da ruína, em troca de se casar com ela. Tinha cabimento uma coisa assim? Retirou da mala, um pequeno espelho e olhou-se, tentando descobrir o que poderia ter levado aquele homem a semelhante disparate. Os seus cabelos negros como asa de corvo, estavam penteados para trás e presos num coque. O rosto moreno era na sua opinião vulgar. O nariz não era grande nem pequeno nem sequer arrebitado. A boca pequena era cercada por lábios grossos que seriam mais bonitos se os realçasse com um batom atraente. Porém só usava maquilhagem quando se deslocava às festas. Tinha um bonito sorriso, mas vulgar. A única coisa que reconhecia, ter muito bonitos, eram os olhos.  De um verde intenso e límpido como esmeraldas, quando estava calma, ou verde escuro como jade, quando alguma coisa a tirava do sério. Voltou a olhar o relógio. Catorze e cinquenta e cinco. Estava cada vez mais nervosa. Ligou o computador e abriu o esboço da festa do Ferraz.