-A
minha filha faz um ano no dia catorze. Devias vê-la. É o bebé mais bonito do
mundo. Meu Deus, preciso ligar para casa. Devem estar numa aflição.
Com
o coração mais triste que dia de chuva, mas esforçando-se por não dar parte de
fraca, Luísa estendeu-lhe o telemóvel dizendo:
-
Liga-lhes. Conta-lhes o que te sucedeu, mas por favor não lhes digas onde estás, nem lhes fales de mim.
-
Porquê? – perguntou ele franzindo o sobrolho.
-
És um homem famoso. Se a imprensa sabe, que estiveste aqui durante todos estes dias, vão acampar aí à porta, tirar fotografias e encher-me de perguntas. Vão
encher as páginas de jornais, inventar histórias, espionar a minha vida, até ao berço, e eu não quero perder o meu
sossego.
- A
minha família tem o direito de saber que só estou vivo, graças a ti.
-Poderás contar-lhes tudo o que quiseres, quando voltares a casa, mas pede-lhes que não o revelem a ninguém. Tenho direito ao anonimato e não quero ver a minha privacidade invadida.
-
Respeitarei a tua vontade, fica descansada.
-
Podes telefonar do quarto estarás mais à vontade. Pede à tua mulher que avise a
polícia, para que interrompam as buscas no rio. Não se justificam os gastos de
dinheiro público, em buscas desnecessárias.
-
Vou telefonar à minha irmã. Sou viúvo.
-Lamento,
- respondeu, virando-lhe as costas, embora no íntimo tivesse gostado de saber que era um homem livre, que não tinha uma esposa à sua espera. Saiu da sala e foi para a cozinha. Meteu a loiça suja do
almoço na máquina, e depois refugiou-se no seu atelier.
Estava
desolada. Ela sabia que não podia ter-se apaixonado por ele. Era um
desconhecido, podia até ser casado, a sua razão avisara-a todos os dias, mas o
seu coração, não lhe dera ouvidos.
"Não
se domina um coração sedento de amor." - murmurou para si mesma.
-
Luísa!
- Estou
aqui no atelier, - respondeu apresando-se a secar as lágrimas.
-
Estás triste – disse estendendo-lhe o telemóvel. - Pensei que ficavas feliz por
eu ter recuperado a memória.
- E
é claro que fiquei. Mas habituei-me à tua companhia, vou sentir saudades.
Ele
pegou-lhe nas mãos e puxou-as fazendo-a levantar-se. Abraçou-a.
-Antes mesmo de ter recuperado a memória, já
tínhamos combinado esta manhã que eu partia hoje. As razões porque parto agora são
totalmente diferentes das que te expus esta manhã, porque agora sei, que não há nada nem
ninguém que nos impeça de ter uma relação, se os teus sentimentos forem tão
fortes quanto os meus. É verdade que nos conhecemos há poucos dias, mas sinto-me como se te conhecesse desde sempre. Também é verdade que não sou só. Tenho uma
filha que amo de todo o coração e que terás de saber, se és capaz de aceitar e
amar, como a primeira dos nossos filhos, se me aceitares a mim. Conhecendo a generosidade dos teus
sentimentos, acredito que a amarás como merece. Mas também sei, que os muitos
anos que vives em solidão, podem confundir o teu coração, pelo que a minha
ausência servirá para conheceres a força daquilo que sentes.