Seguidores

Mostrar mensagens com a etiqueta estúdio. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta estúdio. Mostrar todas as mensagens

2.12.19

OS SONHOS DE GIL GASPAR - PARTE XXI





Dias depois, Gil fez a escritura do prédio, e firmou o contrato com a empresa de construção. O advogado se encarregaria com a irmã de fiscalizar para que a obra, que se ia iniciar em Janeiro, se fizesse no menor espaço de tempo e de acordo com o projeto. Ele, estaria muito ocupado com o filme, e com a filha. Ainda que Inês fosse uma excelente ama, ele sentia que tinha de aprender a cuidar da filha e queria passar com ela, o máximo de tempo possível. Queria conhecê-la, ver os seus sorrisos, acalmar os seus choros.
Seis meses depois, o guião do filme fora aprovado, o estúdio estava a fazer os “castings” para a escolha dos intérpretes, Mariana a sua filha tinha crescido imenso. Estava agora com sete meses, adorava brincar no chão com o filho da ama, de tal modo que quando ele se afastava, ela seguia-o a gatinhar. Era uma bebé muito risonha, embora as suas birras quando queria, ou não queria alguma coisa, mostrassem uma personalidade forte.  E já apresentava dois minúsculos dentinhos no maxilar inferior.
O seu irmão Marco casara havia três meses, e Laura estava completamente apaixonada pelo advogado, que parecia não poder viver sem ela. Por outro lado, a Fundação estava pronta, ia ser inaugurada em breve, e já estaria a funcionar no próximo ano letivo, gerida, claro, pelo homem que fora sempre o seu advogado de confiança e que tudo levava a crer seria seu cunhado em breve. E tal como Gil pensara, já havia meia dúzia de mecenas, interessados em apoiar financeiramente a Fundação.
Com a venda dos direitos do livro para o cinema, fora impossível continuar a manter segredo sobre a sua atividade como escritor. E isso voltou a trazer a imprensa atrás dele. Pior que isso, alguns jornalistas mais atrevidos quase acamparam em frente da sua casa.
Gil sabia que a qualquer hora, iria parar numa qualquer revista a foto de Inês com a sua filha e o pequeno Luís que sempre passavam algumas horas passeando pelo jardim. E temia que o ex-marido da ama, através delas, viesse a descobrir onde Inês se encontrava, e pudesse tomar alguma atitude que pusesse em perigo a vida da sua filha. Por isso pela primeira vez na vida contratou uma empresa de segurança, e tinha agora alguns operacionais, vigiando o jardim, e acompanhando a ama e as crianças sempre que tinham de se deslocar, quer quando iam às compras, pois a menina crescia e rapidamente as roupas deixavam de lhe servir, ou quando iam ao pediatra, para as consultas de rotina, pois ele nem sempre podia acompanhá-las.
Gil pensava que neste momento a sua vida estava mais certinha que um relógio suíço, e por isso podia dedicar-se ao seu novo romance, pois Luna não parava de lhe dizer que era uma ótima ideia aproveitar a campanha de lançamento do filme previsto para o próximo ano para lançar o seu terceiro livro.



22.11.18

UMA HISTÓRIA DE AMOR - PARTE VI




O homem semicerrou os olhos, analisando o ambiente que o rodeava. Na pista, vários casais dançavam alegremente como se estivessem celebrando a própria vida.
Pela quinta vez, a mulher perguntou:
- Vamos dançar, querido?
Esboçou um gesto de impaciência. Desagradava-lhe a insistência feminina. 
Naquele sábado tinha decidido misturar-se na multidão que se divertia. Entrara ali como podia ter entrado em qualquer outro recinto semelhante. Mas já se cansara.
Pousou o copo e levantou-se. Era um homem alto, bem proporcionado. Vestia umas calças justas, pretas, e uma camisa solta por fora das calças. Era moreno de cabelos e olhos escuros.
-Já vais embora?- perguntou a mulher que antes o interrogara.
- Já. Lamento não corresponder às tuas expectativas. Não me apetece dançar.
- Que pena! Ia gostar de te conhecer melhor.
Não respondeu. No fundo estava desejando sair dali.
Na rua, parou por breves instantes, aspirando profundamente o ar noturno. Depois encetou o caminho de regresso ao seu estúdio, seguindo pela margem do Sena, observando o movimento dos pares de namorados que por ali passeavam, entre silêncios e beijos. Tão diferente do movimento de dia, onde grupos, de amigos ou famílias faziam piqueniques, e conviviam em amena cavaqueira.
Ele também gostaria de passear por ali com a mulher que amava.
Porém sabia que isso não ia acontecer. Com tanta mulher bonita, logo tinha que se apaixonar pela única que nunca poderia ter.
Apertou os punhos ao pensar nela. Que estaria fazendo? Ia casar, ele sabia. Só não sabia quando. Que fosse em breve. Ele havia de sobreviver. E depois quem sabe, sabendo-a casada, deixasse de pensar nela e naquele amor maldito. Entrou no velho prédio e subiu as escadas de madeira, gastas pelo tempo até às águas furtadas, onde tinha o seu estúdio.
O local estava longe de ser luxuoso, mas da janela, ele tinha uma das mais belas panorâmicas do mundo. E uma esplêndida luz para as suas pinturas. Despiu a camisa, que atirou para o velho sofá, e em tronco nu, dirigiu-se à janela.
Enquanto a sua mente se perdia em tortuosas recordações, a seu lado, no cavalete, numa tela por acabar, uma jovem mulher, olhava enlevada o bebé que amamentava.
Era a última tela para a sua próxima exposição.

reedição


Quem será este homem. Têm algum palpite?









8.9.18

FOLHA EM BRANCO PARTE L





Dizem que o tempo voa, mas para Mariana, os dias decorriam numa lentidão exasperante. Miguel passava os dias no estúdio, apenas descia para almoçar, sabendo que Luísa e a filha estavam em casa. À noite, não descia para jantar, e quando vinha dormir era já madrugada. Mariana, passava os dias com a amiga, que devido à época de festas que atravessavam, não tinha aulas. 
Ora saíam, ora se fechavam no quarto, ouvindo música, ou perdendo-se em longas conversas. Não era de estranhar que se tivessem tornado inseparáveis. Para Mariana, a amiga, era a única pessoa, mais ou menos da sua idade, com quem convivia desde há largos meses. Maria, admirava a amiga, pelo que ela sofrera, e pelo carinho com que sempre a tratara.
E assim se chegou ao último dia do ano, um invernoso dia de vento e chuva. Luísa e a filha, saíram a meio da tarde, em dias assim era mais difícil apanhar transportes e elas moravam no outro lado da cidade.
-Deixei o jantar preparado, menina. É só aquecê-lo no Micro-ondas, - disse antes de partir.
- Não se preocupe Luísa. Aproveitem, sair agora, parece que a chuva e o vento amainaram um pouco.
Pouco depois a chuva voltava em força.
Sete e meia da tarde, ouviu-se o primeiro trovão.
“Só cá faltava a trovoada” murmurou contrariada.
Correu os cortinados, apagou a luz e dirigiu-se à sala.
Abriu um livro, mas não conseguiu ler. A trovoada estava cada vez mais próxima, e  ela cada vez mais nervosa.
Miguel descia as escadas, quando um relâmpago, fez da noite dia, e o trovão soou ameaçador por sobre as suas cabeças, ao mesmo tempo que a luz se apagava, mergulhando a casa na escuridão.
Ela gritou assustada, e rapidamente ele estava a seu lado abraçando-lhe o corpo tremente.
Tens medo? – Perguntou baixinho
Contigo não.- Respondeu no mesmo tom.
Novo relâmpago, novo trovão, desta vez ainda mais assustador, como se a tempestade que eles traziam no peito, se tivesse  materializado lá fora, no espaço.

Ela apertou o cerco dos seu braços e pediu num sussurro:
-Beija-me, Miguel!
Ele afastou-a ligeiramente
- Não me tentes, Mariana, não me tentes!





1.9.18

FOLHA EM BRANCO - PARTE XL






 Entretanto no  estúdio, Miguel acendeu um cigarro. Estava nervoso. Não conseguia deixar de pensar que em breve, Mariana ia embora, da sua casa. E na mudança que isso ia trazer à sua vida. Ele podia voltar à sua antiga vida de  boémio, mas sentia-se cansado e começava a questionar-se sobre a finalidade dessa vida.
Ultimamente já nem as saídas à noite lhe interessavam. A busca do prazer, pelo prazer, já o cansava. "Estou a ficar velho" ,- pensava.
A estadia da jovem lá em casa, tinha sido uma lufada de ar fresco na sua vida. Por causa dela, contratara Luísa, e passara a fazer as refeições em casa, coisa que não fazia, desde que os pais morreram. Ela enchia a casa, com seu jeito suave, os seus silêncios, os seus sorrisos. Aquecia-a com a sua presença. Agora a casa ia ficar vazia. E fria.
Começava a pesar-lhe a solidão. Tinha-se afeiçoado à jovem, gostava dela como se fosse seu pai. Mas não era, e portanto era natural que a jovem quisesse voltar à sua casa, e viver a sua vida longe dele. Mas doía-lhe. E como doía.
Como seria a vida dela, quando se fosse embora? Teria o pai, deixado à jovem, meios suficientes para a sua sobrevivência?  E se assim não fosse? Do que ia  ela viver, se não tinha mais ninguém no mundo? Talvez tivesse 
 que abandonar os estudos e ir trabalhar. Mas em quê, se não tinha experiência de coisa nenhuma? E depois cada vez havia menos empregos e mais desempregados. Por outro lado, não lhe agradava que abandonasse os estudos. Ele  podia pagar-lhos. Mas, ela aceitaria? Uma coisa era a jovem desmemoriada, carente  e totalmente dependente dele. Outra bem diferente a jovem que ele tivera à pouco, na sua frente. A segurança com que ela dissera. “Deixemos isso para depois das festas” quando ele sugerira que teriam de ir ao Algarve, era prova evidente que a jovem se libertara e  já não precisava dele.
Estava irritado, inquieto.
Não sabia o que se passava com ele, mas ficava sempre assim, quando pensava que um dia a jovem ia recuperar a memória e partir.  
Ouviu as jovens conversarem em baixo, sinal de que já tinham regressado. Relaxou. Ficava mais calmo, quando a sabia por perto.
Na tela, exposta no cavalete, a jovem, deitada na relva, parecia querer perguntar-lhe alguma coisa.

25.8.18

FOLHA EM BRANCO - PARTE XXX



                                                  


Luísa era uma mulher dos seus quarenta anos, alta e magra de rosto simpático e voz suave. Vestia de preto, e tinha no olhar uma expressão de tristeza. A filha, Maria, tinha dezoito anos, e era igualmente alta, e bem proporcionada. Mariana gostou delas.
Miguel acabou contratando-as, embora ficasse estabelecido que Maria faria apenas companhia a Mariana, quando o seu horário o permitisse.
A consulta com o tal doutor Serra, ficou marcada para a Segunda-feira seguinte e no resto da semana, a jovem não viu Miguel.
Saía antes dela, acordar, chegava quase de madrugada. Às vezes, à noite, sentia-o no estúdio, e tinha um desejo enorme de ir até lá.
Como nessa noite, em que se levantara, enfiara um robe e se dirigira à escada em caracol. Parou junto dela sem se atrever a subir.  Que justificação teria para o fazer? Não podia dizer simplesmente que tinha saudades dele. Ia rir-se dela. Arrependida voltou para a cama. Porque não vinha para baixo? O que fazia lá em cima? Caramba, as telas para a exposição, é que não era. Já tinham sido todas levadas para a galeria, onde iam ser expostas. Pinturas novas? Talvez. Mas tinha que ser agora?
Desde o primeiro momento, quando Miguel lhe disse que a escada, era o acesso ao estúdio, e não a convidou a subir, para lho mostrar, Mariana entendeu que aquele era um local que lhe estava vedado. Era um espaço só dele, uma espécie de santuário masculino. Por isso, pese toda a curiosidade que sentia, nunca se atreveu a subir, nem mesmo quando sabia que Miguel tinha saído. Cansada acabou por adormecer.
Eram quase onze horas quando acordou. Finalmente era Segunda- feira. Dia da consulta. Que diria o médico? Seria da mesma opinião do outro? E Miguel? Lembrar-se-ia da consulta?
Vestiu o robe e dirigiu-se à cozinha.
-Bom dia Luísa.
- Bom dia menina. Preparo-lhe o pequeno-almoço?
- Se comer agora, não almoço. Obrigado.
- O senhor disse, para a avisar que vinha almoçar a casa, e para a menina não esquecer que tinham a consulta de tarde.
- Não esqueço. Vou-me arranjar.
“Miguel vem almoçar! E vamos ficar juntos umas horas. Que bom!” – Pensou enquanto mergulhava na banheira, para um relaxante banho de espuma.

20.8.18

FOLHA EM BRANCO - PARTE XXII




Na manhã seguinte, Miguel voltou à falésia, na companhia da jovem. Na verdade não precisava ir, a tela inacabada, ia ficar assim mesmo. Estava quase pronta. O que faltava, podia acabar em estúdio. O que ele desejava, era saber se a visão daquele local, tinha alguma influência, na memória perdida de Mariana.
Além do mais, se ela autorizasse,  desejava, fazer uns esboços da jovem, como a vira naquele dia. Para trabalhar quando voltasse ao seu estúdio em Lisboa.
Infelizmente a jovem não teve qualquer reacção que suscitasse interesse. Manteve-se calma, fez algumas perguntas, aceitou que ele fizesse vários esboços dela, cumprindo as suas ordens relativamente à mobilidade e posição do corpo.
Quando finalmente deu por terminado o trabalho e lhe estendeu a mão para a ajudar a levantar, ela permitiu-se até brincar, dizendo que não conseguia levantar-se porque tinha criado raízes.
Nos dias que se seguiram, saíram várias vezes juntos, fizeram compras, foram ao ginásio, visitaram o mercado municipal e o museu. Influência ou não da medicação, a jovem não voltara às suas crises de choro, nem de revolta, como se estivesse resignada, ou tivesse perdido o interesse pelo seu passado.
Respondia pelo nome de Mariana, com naturalidade, como se toda a vida o tivesse ouvido.
E assim os dias foram correndo, Outubro chegava ao fim, Miguel tinha agendada uma exposição para meados de Novembro, era altura de voltar para a sua casa de Lisboa, e não sabia como fazer com a jovem. Se não lhe passava pela cabeça abandoná-la, também considerava arriscado levá-la para Lisboa. 
Na véspera, tinham ido a Portimão, fazer a Ressonância Magnética, e agora tinham que esperar uma semana, pelo resultado.
Naquela tarde, estavam sentados numa esplanada na marginal quando se ouviu o silvar de uma ambulância.
De súbito, Mariana ficou lívida, uma expressão de terror surgiu nos seus olhos, o corpo começou a tremer, e foi escorregando na cadeira até ficar toda encolhida. Grossas gotas de suor, surgiram na sua testa e deslizaram pela face como se fossem lágrimas. Levantou as mãos, e apertou a cabeça entre elas. Miguel ficou assustado.
Que estava a acontecer com ela? Porquê aquele desespero repentino? Não sabia o que podia fazer para a ajudar. A atitude da jovem e a sua atrapalhação, chamaram a atenção das outras pessoas que estavam na esplanada,e que se foram aglomerando à sua volta.
Alguns minutos depois, que a Miguel pareceram horas, lentamente a jovem foi voltando ao normal. Porém parecia não saber o que tinha acontecido e mostrava-se tão envergonhada que só queria sair dali.








27.11.15

FOLHA EM BRANCO PARTE LI


Encostou-se mais a ele, o corpo tremendo, mais de ansiedade que de medo. Insistiu
- Não te atormentes mais, nem me tortures. Deixa de lutar contra fantasmas que só existem na tua cabeça.  Eu sou real, e o meu amor por ti, é tão real, quanto esta tempestade.
 Segurou-lhe o rosto entre as mãos, e aproximou o seu do rosto dele, até quase se tocarem. Insistiu:
- Beija-me. Agora. Ou não te perdoarei nunca.
Incapaz de resistir, por mais tempo, ele obedeceu.
E, tal como um rio, que no auge da tempestade, galga  margens e arrasta tudo à sua passagem, assim o beijo que os uniu, despoletou tal paixão, que destruiu  medos e inseguranças, deixando apenas um homem e uma mulher que se amavam, e se entregavam às primícias desse amor.
Lá fora chovia torrencialmente. Aos poucos a tempestade afastava-se, e a trovoada, ficava cada vez mais distante.
Mais tarde, quando a luz voltou, ela sussurrou:
Tens fome?
-De ti. - Respondeu com paixão
Ela riu baixinho. E de novo as bocas se procuraram ansiosas, as mãos  se perderam nervosas, em carícias  delirantes,  e os corpos se envolveram na ancestral dança do amor.





************************************** - EPÍLOGO -******************************** 



Já se passaram mais de quatro anos, desde aquela noite de Dezembro.   Tempo em que muita coisa aconteceu na vida dos dois protagonistas desta história. 
Mariana recuperou os seus documentos, bem como a chave da sua casa.Continuou com as sessões de psicoterapia, durante algum tempo, até interiorizar que o sentimento de culpa, que quase a endoidecera, não tinha razão de ser.
 Casaram numa manhã de sol,no início da primavera. Numa cerimónia, simples e íntima, na presença de Luísa, da filha e do namorado desta, e de alguns amigos do noivo.
 Mariana, voltou à universidade e terminou o curso. Por seu lado, Miguel era cada dia mais respeitado por público, e críticos. O seu quadro,  " Folha em branco"., que retratava Mariana, naquele dia, entre a vegetação da falésia, tal como ele a vira, fizera o maior sucesso, e fora alvo de vários estudos, e muitas ofertas, mas Miguel não o vendeu. Tinha lugar de destaque na sua sala.  
Tinham vivido na casa dela, enquanto remodelavam aquele apartamento, e quando as obras acabaram e voltaram para ali, venderam a outra casa.
Mantinham Luísa como empregada. E Maria continuava a ser, a  sua melhor amiga, embora ela tivesse recuperado a antiga amizade de algumas colegas da Universidade.
Mariana estava cada dia mais bela, mais mulher, mais madura.
Irradiava felicidade.
Por vezes, ao olhá-la, voltava a insegurança de Miguel, o temor de a perder, o medo de que a jovem o trocasse por alguém da sua idade. Tinha esse medo enraizado no peito, muito embora lutasse contra isso todos os dias. Mas às vezes, era maior que as suas forças. Ensombrava-se-lhe o rosto, entristecia-se-lhe o olhar.
Atenta, Mariana afastava essa dúvida, com todo o amor que sentia pelo marido.
Ela sabe, que essa, é uma nuvem,  que ainda vai demorar a sair do horizonte de Miguel.
Mas  hoje é um dia especial. Miguel faz cinquenta e um anos. Daqui a pouco descerá do estúdio, sairão para jantar, e festejar com alguns amigos.  
Mariana acaba de se arranjar e espera ansiosa pelo marido. Ela tem uma prenda especial para ele.
Quando ele desce, ela enlaça-o e murmura-lhe  algo ao ouvido.
 -Verdade?- pergunta ansioso, mergulhando o olhar, naqueles olhos castanhos que tanto ama.
Acena afirmativamente  com a cabeça.
 Sentindo um nó na garganta, o coração batendo desenfreado no peito, ele aperta-a contra si, e murmura emocionado:
-Bendita sejas, Mulher!


FIM


Maria Elvira Carvalho.



9.11.15

FOLHA EM BRANCO PARTE XXII




Na manhã seguinte, Miguel voltou à falésia, na companhia da jovem. Na verdade não precisava ir, a tela inacabada, ia ficar assim mesmo. Estava quase pronta. O que faltava, podia acabar em estúdio. O que ele desejava, era saber se a visão daquele local, tinha alguma influência, na memória perdida de Mariana.
Além do mais, se ela autorizasse,  desejava, fazer uns esboços da jovem, como a vira naquele dia. Para trabalhar quando voltasse ao seu estúdio em Lisboa.
Infelizmente a jovem não teve qualquer reacção que suscitasse interesse. Manteve-se calma, fez algumas perguntas, aceitou que ele fizesse vários esboços dela, cumprindo as suas ordens relativamente à mobilidade e posição do corpo.
Quando finalmente deu por terminado o trabalho e lhe estendeu a mão para a ajudar a levantar, ela permitiu-se até brincar, dizendo que não conseguia levantar-se porque tinha criado raízes.
Nos dias que se seguiram, saíram várias vezes juntos, fizeram compras, foram ao ginásio, visitaram o mercado e o museu. Influência ou não da medicação, a jovem não voltara às suas crises de choro, nem de revolta, como se estivesse resignada, ou tivesse perdido o interesse pelo seu passado.
Respondia pelo nome de Mariana, com naturalidade, como se toda a vida o tivesse ouvido.
E assim os dias foram correndo, Outubro chegava ao fim, Miguel tinha agendada uma exposição para meados de Novembro, era altura de voltar para a sua casa de Lisboa, e não sabia como fazer com a jovem. Se não lhe passava pela cabeça abandoná-la, também considerava arriscado levá-la para Lisboa. 
Na véspera, tinham ido a Portimão, fazer a Ressonância Magnética, e agora tinham que esperar uma semana, pelo resultado.
Naquela tarde, estavam sentados numa esplanada na marginal quando se ouviu o silvar de uma ambulância.
De súbito, Mariana ficou lívida, uma expressão de terror surgiu nos seus olhos, o corpo começou a tremer, e foi escorregando na cadeira até ficar toda encolhida. Grossas gotas de suor, surgiram na sua testa e deslizaram pela face como se fossem lágrimas. Levantou as mãos, e apertou a cabeça entre elas. Miguel ficou assustado.
Que se  estava a acontecer com ela? Porquê aquele desespero repentino? Não sabia o que podia fazer para a ajudar. A atitude da jovem e a sua atrapalhação, chamaram a atenção das outras pessoas que estavam na esplanada,e que se foram aglomerando à sua volta.
Alguns minutos depois, que a Miguel pareceram horas, lentamente a jovem foi voltando ao normal. Porém parecia não saber o que tinha acontecido e mostrava-se tão envergonhada que só queria sair dali.