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30.11.18

UMA HISTÓRIA DE AMOR - PARTE XX


Durante um longo minuto, o silêncio caiu sobre eles. Por fim Ana falou.
- Eu queria sentir esse amor. Queria que me ensinasses a ser feliz, e a fazer-te feliz. Mas tenho medo Simão. Um medo irracional, que me sufoca.
- E de que tens medo, querida?
- De não ser capaz de corresponder às tuas expectativas. De não conseguir fazer amor contigo, porque de repente me lembro, que somos irmãos.
- Tu sabes que não é verdade, Ana.
 – Por favor, não me interrompas. Deixa que te exponha todos os meus receios. Supõe que não dá certo. Vou perder-te para sempre, magoar os nossos pais, e isso aterroriza-me.
Com imensa ternura, contornou os olhos brilhantes, numa carícia suave.
- Já chega. Não te atormentes. Eu não tenho medo. Acredito em nós, e na força do amor. Vieste ter comigo. Sabes o que sinto e o que desejo. Só tens que decidir se vieste para ficar, e viver este amor que tenho para te oferecer, ou se te vais embora agora, e dás outro rumo à tua vida. 
Era o momento derradeiro, a última hipótese de virar costas e procurar um caminho que lhe parecesse mais seguro, ou fechar os olhos e saltar o abismo em que o medo se transformara. Lembrou-se da mãe. “Às vezes é preciso correr riscos”
Prendeu-lhe o rosto entre as mãos, e  disse baixinho:
- Fico.
Ele engoliu em seco. A emoção era um garrote que lhe sufocava a garganta. Apertou o corpo tremente nos braços, e começou a beijá-la. Lentamente, como quem saboreia um doce, foi-lhe beijando os olhos, e o rosto, até aflorar os lábios femininos. As suas mãos pareciam ter vida própria. Percorriam-lhe os braços, as costas, infiltravam-se sob a blusa, em suaves caricias que a enlouqueciam.
O beijo, tornou-se mais intenso, atrevido e urgente. Simão concentrava toda a sua energia, todo o seu amor,  toda  a sua experiência e conhecimento do corpo feminino, na tarefa única, de a levar pelos secretos labirintos da paixão, até à mágica saída, na apoteose final.
As roupas desapareceram, como por magia, e os corpos livres, uniam-se, na mais famosa dança de todos os tempos, num reconhecimento que vinha desde os primórdios da humanidade.
Mais tarde, apaziguada a loucura que os envolvera, num gesto cheio de ternura, ela tocou com a ponta dos dedos, o rosto masculino. Ele segurou-lhe a mão e beijou-os.  Simão, era um homem experiente, sabia reconhecer quando a mulher que tinha nos braços, estava com ele na entrega sublime do amor. Ana tinha estado. Tinha-se entregado de corpo  e alma. Ele sentiu-o. Mas precisava ouvi-lo da sua boca. Saber até que ponto ela tomara consciência do que acabara de acontecer, saber se conseguira matar todos os seus fantasmas. 
- E, então, querida?- Perguntou num sussurro 
- Amo-te.
- Sem medos, nem fantasmas?
- Sim
-Tens a certeza?
- Nunca tive tanta certeza de nada na minha vida. É… incrível. Sei que é um lugar-comum, mas não me ocorre outra maneira de to dizer. Sinto-me a mulher mais feliz do mundo.

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UMA HISTÓRIA DE AMOR - PARTE XIX


Acabara de fazer a mala. Pegou no telemóvel e fez uma chamada.
- Mãe vou a caminho do aeroporto. Parto dentro de duas horas, com destino a Barcelona. Sabes que há muito tempo desejava visitar esta cidade.
Escutou por momentos:
-A Paris? Para já não. Ainda não me sinto preparada. Quando o fizer digo-te. Vou dando notícias. Dá um beijo a todos por mim.
Desligou, e chamou um táxi.
No dia seguinte, estava em Barcelona, mas deu-se conta que não conseguia elaborar um programa cultural de visitas, pois não conseguia deixar de pensar em Simão.
É como dizia Horácio. "A negra preocupação monta sempre à garupa do cavaleiro".
Percebeu que não lhe adiantava fugir. Precisava descobrir o que se passava com ela. Que sentimentos albergava no seu peito.
 A visita a Barcelona seria de novo adiada. E nessa mesma tarde viajou para Paris. Mas contrariamente ao que tinha dito à mãe, não a avisou.
Tinha a morada de Simão, há dois anos. Tinha-lha dado o seu irmão João, numa altura em que pensava ir a Paris. Depois acabara por desistir da viagem. Não sabia se ainda morava no mesmo sítio, mas não tinha ouvido qualquer comentário sobre mudança. De qualquer modo, havia de encontrá-lo. Em último caso iria à galeria de arte, onde costumava expor as suas obras, e pediria a morada. Decidida, apanhou um táxi no aeroporto, para a morada que tinha.
A porta do prédio, estava aberta, e subiu as escadas até às águas furtadas. Uma tarefa complicada com os saltos altos e a mala de viagem. Sentia-se muito cansada, não sabia se pela longa escadaria, se pelo seu sistema nervoso. O coração batia-lhe tão forte que parecia querer saltar-lhe do peito. Por fim tocou a campainha. Pouco depois a porta abriu-se. Surpresa, alegria, emoção. O rosto dele, era um poema feito de emoções.
Descalço, envergando umas calças de ganga, o tronco nu, Simão passou a mão pelo cabelo murmurando:
- Vieste!
E ela tremente, sem deixar de o olhar:
-Vim.
Então ele baixou-se para apanhar a mala e disse:
- Entra. Desculpa receber-te assim. Não sabia que vinhas, estava a embalar as últimas telas para a exposição. Vêm buscá-las logo de manhã.
Pousou a mala junto à porta, pegou a camisa abandonada sobre o sofá e vestiu-a. Depois calçou os ténis.
Reparou que continuava de pé.
- Senta-te. Deves estar cansada.
Pegou-lhe na mão e esse contacto fez com que tremesse da cabeça aos pés. Sentaram-se no sofá. Perguntou suavemente:
- Porque vieste, Ana?
- Porque não conseguia esquecer o teu beijo.
Assim, simples e direta, fizera a confissão. Abraçou-a emocionado. Sem deixar de a fitar disse:
- Sabes que te amo. Amo-te tanto que me dói o peito. O maior sonho da minha vida, é viver a teu lado. Deitar-me contigo, e acordar a teu lado todos os dias da minha vida, é a minha noção de felicidade.
Falava devagar, calmamente como quem fala com uma criança. Não queria assustá-la com a força do seu amor.

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Gente vocês acham que o Sexta está com um ar muito sujo?
Sabem quantos comentários anúncios de empresas de limpeza já mandei hoje para o Spam? 8 E já está ali outro na publicação em anterior. 
Isto é o coroar de um dia esquisito ou será que o blogue está mesmo a precisar de limpeza?



29.11.18

NOTÍCIAS



Gente sou uma mulher cheia de sorte. Fui logo de manhã para Lisboa, onde tinha consulta marcada na clínica almOFTALMOLASER, em S. Sebastião, para confirmar ou não o diagnóstico do oftalmologista aqui do Barreiro que me disse que eu tinha o farol direito a necessitar de intervenção urgente por ter uma catarata já muito amarela.Fui observada pelo médico que me confirmou o diagnóstico acrescentando que era uma cirurgia complicada porque a catarata se apresentava muito amarela e não raras vezes quando têm essa cor desfazem-se na cirurgia o que torna o processo mais demorado e complicado. Mais disse-me que o farol esquerdo ia pelo menos caminho pois embora a catarata fosse ainda pequena já apresentava cor amarelada.
Feitos os exames necessários e marcada a cirurgia para dia 10 do próximo mês, saio da clínica e vou apanhar o metro para Santa Apolónia que me deixará no Terreiro do Paço a fim de apanhar o barco para o Barreiro. O comboio começa a andar e começamos a sentir um grande cheiro a queimado. Chegamos à estação seguinte o comboio pára e apagam-se todas as luzes. Ninguem avisou nada, mas dado o cheiro a queimado e o facto de se apagarem as luzes saímos todos. Cá fora, naquela coisa que informa a hora do próximo comboio estava a correr a informação de que por motivo de avaria a linha estava encerrada, não havendo previsão do tempo que levaria para ser restabelecida a comunicação. Saímos e ao chegar cá fora tinha começado a chover.
Viemos até ao Marquês onde ao fim de algum tempo conseguimos um táxi, que nos deixou na estação dos barcos no momento em que um estava a partir e tivemos que aguardar 40 minutos pelo próximo.
Resumindo, pensava que tinha um farol avariado e pelos vistos o outro vai pelo mesmo caminho, a cirurgia foi marcada para o dia de encerramento das minhas aulas em que havia uma festa, a que não vou poder ir. Pagámos bilhetes de metro e tivemos que pagar táxi. E chegámos a casa para almoçar quase às duas. Agora digam-me lá se eu não sou uma mulher de sorte.

UMA HISTÓRIA DE AMOR - PARTE XVIII


Encontrou a mãe na sala, tricotando uma camisola para a neta. Recebeu o beijo que a filha lhe dava e disse.
- Senta-te. Esperava-te de manhã
Não se admirou. A mãe sempre sabia quando algo a atormentava. E também sabia que recorreria a ela com a mesma fé com que o náufrago se agarra à tábua de salvação que lhe estendem.
-Sabes o que se passa?
 Assentiu com a cabeça.
- Sabia-lo há muito tempo?
Voltou a acenar com a cabeça.
- Desde quando mãe?
- Pois não tenho a certeza, quando começou. Eu descobri-o nos seus olhos há cinco anos, na cerimonia de casamento dos teus irmãos.
- Era assim tão evidente?
- Para o coração de uma mãe, sim.
-Sabes que ele não regressa por minha causa?
- Sei.
- E não me odeias?
- Que ideia é essa, Ana? Sabes que sempre te amei como uma filha, muito embora não o sejas. Se tivesse que odiar alguém talvez tivesse de o fazer comigo. Pensas que não me sinto culpada? Se não tivesse fomentado entre vós esse arreigado sentimento de fraternidade, talvez agora estivéssemos todos mais felizes. Simão diz que não o consegues ver, senão como irmão.
- Desde ontem que o tento, mãe. Contou-te que me beijou?
Negou com um movimento de cabeça.
 - Beijou-me. E esse beijo mexeu comigo como nada nem ninguém o tinha feito até hoje.
Abraçou a mãe e escondeu a cabeça no seu regaço, exatamente como quando era menina, e alguma coisa a preocupava. Francisca estendeu a mão e acariciou a cabeça da filha.
- Tenho medo, mãe.
- Medo de quê, Ana?
-Medo de me deixar embarcar numa ilusão que nos traga muito sofrimento. Ou que afunde a família.
- Pensas que não o amas, ou que podes vir a amá-lo?
-Não sei. O meu coração está desnorteado, a minha cabeça confusa. O Simão foi para mim o mais amado dos irmãos. Por isso estava tão zangada, por achar que já não gostava de mim. Mas nunca até ontem o vi como homem, nem nunca passou pela minha cabeça pensar nele como tal. Muito menos como o homem da minha vida. Mas desde que me beijou, tudo mudou. Imagino-o de mil maneiras, menos como irmão. Se isso é amor, não sei. Sinto-me desorientada.
É natural, Ana. Espera um pouco. O tempo ajuda a clarificar sentimentos.
- Sabes que não quero só alguém que me ame e me proponha casamento. Se fosse só isso, há anos que me tinha casado. Eu quero alguém que partilhe tudo comigo. A sua vida, os seus sonhos,  o seu amor. Que me enlouqueça.  Imagina que isso não acontece com o Simão. Perdi o irmão e não ganhei o amante. Entendes?
Acenou afirmativamente.
- É disso que tenho medo. De me expor, e de expor toda a família ao sofrimento. No fundo, o que eu queria, era viver um amor como o teu com o pai. Nunca conheci ninguém tão feliz como vocês.
- Nem sempre foi assim, Ana.
- Não? – Perguntou admirada.
-Vou contar-te como conheci o teu pai. É um segredo que nunca contei a nenhum dos teus irmãos, e que espero fique entre nós.  
E Francisca, falou do estranho contrato, celebrado com o marido, que estivera por base do seu casamento. 
Ana estava verdadeiramente espantada. Custava-lhe a aceitar a história que a mãe lhe contava.
- Foi muito arriscado. E se nunca se tivessem apaixonado?
 Viveriam uma vida sem amor, só por nossa causa?
- Era uma boa causa. Mas eu amei o teu pai desde o primeiro dia. E tinha a esperança de que um dia me correspondesse. E às vezes, para chegar ao cume da montanha,não basta ter um bom equipamento.   É preciso correr riscos.
Ana olhou a mãe tentando entender a mensagem.


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28.11.18

UMA HISTÓRIA DE AMOR - PARTE XVII


Ana nem soube bem como chegou a casa. Sentia o corpo tremente como se estivesse cheia de febre. Como era possível que a sua vida se tivesse desmoronado assim em tão pouco tempo. Três meses antes ainda ela era uma rapariga alegre que saía quase todas as noites com um belo homem, que dançava, ria e sonhava com um futuro risonho, mais ou menos próximo. Depois, foi a desilusão, o perceber que Paulo nunca seria o homem da sua vida. Uma nova desilusão a juntar às duas anteriores. E agora, a sua vida tinha-se transformado num caos, um doloroso emaranhado de sentimentos que ela não sabia destrinçar.
Amara o irmão, como não tinha amado mais ninguém na vida. Ele era o seu ídolo, o seu anjo da guarda. Agora o irmão tinha morrido. Sim porque depois do amor que vira nos seus olhos, e sobretudo depois daquele beijo carregado de paixão, era uma imoralidade continuar a pensar nele como irmão.
Mas podia ela matar o irmão por uma ilusão de amor, que não sabia se não passaria disso mesmo?  A verdade é que o beijo, despertara-lhe sensações até aí desconhecidas. Mas isso seria amor? O que ia ser da sua vida daí para a frente? Saber que Simão se mantinha longe do país e da família por culpa dela, fazia-a sentir-se culpada, mas ao mesmo tempo, dava-lhe uma sensação de plenitude, saber que alguém a amava até aquele ponto.
Mas se depois de morto, o irmão, ela não fosse capaz de amar Simão como uma mulher ama o homem da sua vida?
Como poderiam conviver em família? Fosse como fosse sentia-se como um algoz, capaz de acabar com a felicidade de todos.
A meio da tarde do dia seguinte, ainda não tinha saído. Tinha os olhos vermelhos de chorar, estava mal-encarada, não tinha dormido nem comido nada desde o dia anterior.
Mas tinha tomado uma decisão. Tomou banho, carregou um pouco a maquilhagem, para disfarçar as olheiras, e bebeu um copo de leite frio. Pegou nas chaves do carro, na mala e saiu. Ia procurar refúgio junto da mãe. Francisca sempre a compreendera.

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Amanhã vou a Lisboa, fazer os exames na clínica onde serei operada aos faróis se o cirurgião lá for da mesma opinião que aquele que me viu aqui no Barreiro.



                                            

27.11.18

UMA HISTÓRIA DE AMOR - PARTE XVI



Simão permaneceu algum tempo no escritório, tentando acalmar-se. 
Quando saiu procurou a mãe na sala. Francisca fechou o livro e perguntou:
- Contaste-lhe?
Olhou a mãe, surpreendido. Pensava que tinha conseguido esconder de todos os seu segredo.
- Como sabes?
- Uma mãe, sabe sempre o que vai no coração dum filho. Há muito que sei que é esse amor que te mantem longe de nós. A Ana saiu sem se despedir. Nunca o faz. Devia estar muito transtornada. Disseste-lhe?
- Não foi preciso. Ela leu-o nos meus olhos.
- E…
- Ficou indignada. Disse que é uma infâmia. Que somos irmãos.
- Não é verdade! Ela sabe-o, tal como tu.
- Não é verdade, no sangue. Mas é-o nos sentimentos. Ela sente-o assim no coração. Foi assim que sempre me amou. E contra os sentimentos é impossível lutar, - disse amargurado
-Apesar dos seus vinte e seis anos, Ana é uma menina, que sonha com o amor, mas que ainda não o encontrou. Conheço-a melhor que a qualquer de vós. Não quero que sofra. Sei que seria muito feliz contigo, mas como ela mesmo me disse, “o amor é uma fogueira, que não arde só de um lado” Oxalá consigas esquecê-la. Gostaria de te saber feliz.
Acariciou-lhe o cabelo como fazia quando ele era menino.
- Obrigado mãe. Perdoa-me se te faço sofrer.
- Não te atormentes. A vida às vezes leva-nos por estradas sinuosas. Vai cuidar das tuas coisas. Faltam poucas horas para o teu avião.
Não pôde deixar de abraçar a mãe. Admirava-a tanto. Sempre tão serena, tão doce, tão compreensiva.
- Cuida dela mãe. Vou sentir-me melhor se souber que o fazes.
- E não o fiz toda a vida, filho? Vai descansado. E que Deus te ajude.
Ficou a ver o filho afastar-se com uma secreta sensação de culpa. Se eles não tivessem fomentado tanto aquele parentesco. Se os tivessem criado normalmente, sem enfatizarem um laço que não existia na realidade, quem sabe agora não estavam a sofrer daquela maneira.

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Gente eu sei que não vos visitei a todos mas estou muito cansada, e vou "xonar"

Fica este capitulo agendado para sair daqui a pouco.

UMA HISTÓRIA DE AMOR - PARTE XV




Em menos tempo do que se leva a escrevê-lo, Simão estava atrás dela, abraçando-a com firmeza. Intensificou-se o choro feminino, o frágil corpo sacudido pelos soluços.
Não chores Ana. Não suporto ver-te chorar, - murmurou atormentado.
Ela voltou-se. Continuava presa nos firmes braços dele. Ergueu o seu rosto choroso, e fitou-o. Ele não desviou o olhar. Durante alguns segundos, que aos dois pareceu uma eternidade, permaneceram assim, olho no olho, deixando que a alma aflorasse ao olhar e desvendasse  todos os seus segredos.
Com suavidade ela afastou-se. Voltou-lhe as costas murmurando.
-Não pode ser. É uma loucura.
- Eu sei, - respondeu ele, a voz rouca pela emoção. Percebes agora porque fui viver para Paris? Porque evito aproximar-me de ti?
Voltou-se. Olhou-o tentando mostrar uma serenidade que não sentia.
- Nunca me passaria pela cabeça. Não pode ser. Estás a confundir tudo e a deixar-me confusa. Somos irmãos. Os melhores irmãos do mundo, lembras-te? Tens que esquecer isso que pensas sentir. Temos que esquecer. Temos que esquecer,- repetiu
- Se repeti-lo vezes sem conta, servisse de alguma coisa, já o tinha esquecido há muito tempo, - disse ele com amargura.
Sentia-se indigno dela, dos pais, dos irmãos. Traíra a confiança de todos albergando aquele sentimento. Não lhe servia de consolo, saber que não estava a cometer um pecado, aquele sentimento não era incestuoso, eles não eram irmãos de verdade. Porque na verdade, não importava que o não fossem, se era assim que ela e toda a família o sentiam.
- Dadas as circunstâncias, peço-te que me perdoes a minha insistência. Desejo, que consigas esquecer, e perdoar-me. Não irei logo ao aeroporto. Despeço-me aqui.
Aproximou-se dele como fazia antigamente. Com a mesma confiança, de outrora, ofereceu-lhe o rosto para um breve beijo de despedida.
Como podia fazê-lo, com um homem que estava doido de amor por ela? Como podia ser tão ingénua para não pensar que ele seria incapaz de resistir, a provar as delícias da sua boca, agora que ela tinha descoberto o seu segredo?
Subitamente envolveu-a nos braços, e a sua boca aprisionou a  dela, num beijo intenso, onde deixava expresso todo o amor que lhe atormentava a alma.
Inicialmente recebeu-o surpresa, depois indignou-se.
Empurrou-o com força.
- Como pudeste fazer isto? É infame. Nunca te perdoarei.
E saiu a correr, fechando a porta atrás de si.




26.11.18

UMA HISTÓRIA DE AMOR - PARTE XIV


Aproximou-se perigosamente dele.  
-Que se passa contigo, Simão? O que foi que eu te fiz? Porque me odeias? Desde menina, sempre foste o meu irmão preferido. Aquele em quem confiava de olhos fechados. Depois já adolescente, eras o meu ídolo. Ficava tão feliz quando nos ias buscar à escola e nos trazias para casa. Imaginas o que choramos, eu e Matilde quando foste para Paris? O quanto nos sentimos desamparadas sem ti?
A Marta não. A Marta era muito extrovertida, tinha muitos amigos, uma legião de admiradores, primeiro na escola, depois na Universidade. Ela não deve ter sentido a tua falta. Eu e a Matilde éramos diferentes. Mais tímidas. Tínhamos um certo receio de nos juntarmos aos outros. Tu eras a nossa tábua de salvação. E deixaste-nos à deriva.
As últimas palavras foram como um lamento. Simão amaldiçoou-se em silêncio. Queria consolá-la e não o podia fazer. Se lhe tocasse, não ia resistir. 
Ela revoltou-se. Porque não dizia nada? Sentiu vontade de lhe bater:
- Porquê, Simão? Porque o fizeste? E porque o fazias hoje? Fala pelo amor de Deus. Desde quando começaste a odiar-me?
- Eu não te odeio.- A sua voz soou rouca. Pelo esforço em se conter, ou pela emoção? Ele não sabia. Do que tinha a certeza é que estava utilizando todas as suas forças para resistir à tentação de a apertar nos braços e a beijar até aquietar a angústia que lhe amargurava o coração.
- Não? Então o que é? Desprezas-me? É isso? Porquê?
“Meu Deus fá-la calar. Não aguento mais” – implorou ele mentalmente
- Não sei de onde tiraste essas ideias absurdas, Ana. Porque não vives a tua vida e me deixas em paz?
- Vês? O Simão de antigamente, nunca me falaria assim.
Ia começar a chorar. E ele não ia conseguir conter-se.
- Por Deus Ana. Deixa de remoer o passado. O tempo não passa incólume por ninguém. Todos mudamos.
Semicerrou os olhos. Não queria que ela surpreendesse aquilo que ele teimava em esconder.
De súbito ela voltou-se para a janela. Estava cansada. E muito triste. A sua vida era um desastre. Precisava de se ausentar rapidamente. Ver outras terras, conhecer outras gentes. Para não sentir aquele terrível vazio no peito.
Deixou escapar um soluço.

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UMA HISTÓRIA DE AMOR - PARTE XIII







Chegou uns minutos depois.
- Desculpem. Atrasei-me um pouco. Vou só lavar as mãos, volto já.
O almoço decorreu animado. Matilde, queria saber tudo, fazia muitas perguntas.
Simão respondia brincando com a irmã. Os pais sorriam felizes, e Ana comia calada. Sentia-se marginalizada. Porque é que o irmão, não tinha sido assim simpático com ela, como o estava sendo com Matilde?
Acabado o almoço, o pai voltou para o escritório. A irmã, que tinha combinado ir ver uma casa com o noivo, despediu-se dizendo que iria à noite ao aeroporto.
Simão, também se aprestava para sair, quando ela disse:
-Espera. Quero falar contigo.
A empregada, levantava a mesa, e a mãe que se dirigia para a sala, disse.
- Porque não vão para o escritório do pai? Lá podem conversar à vontade.
Nenhum dos dois respondeu, mas Ana encaminhou-se para o escritório, e ele seguiu-a.
Ela entrou e aproximou-se da janela. Ele fechou a porta e apoiou nela as costas.
Semicerrou os olhos. Como era linda. Assim, vista na contraluz da janela, era como uma aparição.
Decorreram uns momentos de espera até que ela se voltou. Estava zangada. Ele sabia. Conhecia-a, como se conhecia a si mesmo. Escondeu as mãos nos bolsos, para que ela não se desse conta dos punhos cerrados, quando se aproximou.
- Vais ficar aí especado sem dizer nada? A porta não cai.
- Eu? – Procurou parecer indiferente. - Estou à espera. Afinal foste tu que quiseste falar comigo.
- Vais-te embora hoje e não me dizias nada. Soube pelo pai. -  queixou-se ela.
- Não tinha que te dizer, Ana. Sabias que ia estar poucos dias, tenho uma exposição na próxima semana. Tens a tua vida, a tua casa, que nem sei onde fica, não ia ao escritório para to comunicar. Além disso, supus que o pai o fizesse.
- Não é desculpa, Simão. Os telefones também servem para as pessoas se comunicarem. E não me venhas dizer que não sabias o número. Qualquer pessoa desta casa, to daria.
Era verdade. Ele sabia que lho devia ter comunicado. Porém preferia partir sem se despedir dela. Era menos doloroso. E só ele sabia o quanto lhe doía.  

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Amanhã vou estar fora em visita de estudo. Desculpem a ausência

25.11.18

UMA HISTÓRIA DE AMOR - PARTE XII


Três dias depois, Ana encontrava-se no escritório, estudando um processo de um divórcio litigioso, quando o pai lhe perguntou se ia nessa noite ao aeroporto despedir-se de Simão.
Sentiu raiva. Então o irmão ia-se embora nessa noite, e não lhe dissera nada? Verdade que não voltaram a encontrar-se depois da festa, mas ainda assim, ele podia ter-lhe telefonado. Não era justo que não o fizesse. Afinal fora ele a levantar as hostilidades, era ele quem tinha de pedir desculpas. De todos os irmãos, Simão sempre fora o seu preferido. Porque era o mais velho? Porque sempre tratava as irmãs com todo o cuidado como se elas fossem delicadas flores de cristal? Porque estava sempre perto dela, para a acalmar e a proteger de todos os perigos imaginários? Não sabia.
E agora? Tinham sido cinco anos sem o ver. Tinha saudades dele. Teria desejado contar com o seu apoio, e a sua compreensão, para lhe ajudar na fase de desilusão em que se encontrava, com a recente desilusão amorosa. E ele não só não lhe ligara nenhuma, como até se mostrara desagradável.  E agora ia-se embora assim? Ah! Não. Não ia ser assim tão fácil. Arrumou o processo:
- Pronto pai está aqui o processo que me pediste e todos os apontamentos necessários para a elaboração da defesa. Sempre posso contar com os quinze dias de férias que me prometeste?
- Claro. Vais viajar?
- Vou. Hoje mesmo vou marcar passagem. Preciso afastar-me. Espairecer. Pensava começar amanhã. Dispensas-me esta tarde? Preciso tratar de muitas coisas.
- Está bem, Ana. Porque não vais lá a casa, almoçar connosco? A mãe ia ficar contente de te ver, e se não vais logo ao aeroporto, aproveitavas para te despedires do teu irmão.
- Está bem.
O resto da manhã decorreu quase sem dar por isso, empenhada em deixar em ordem todos os processos que tinha entre mãos. Separou aqueles que pela proximidade das datas, não poderia tratar e combinou com os colegas, quem os ia assumir.
Quando chegaram a casa, a mãe e a irmã, mostraram grande alegria por vê-la. Mas não viu o irmão.
Ouviu o pai perguntar:
- O Simão não almoça connosco?
- Disse que sim. Deve estar a chegar. – Respondeu a mãe.

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25 NOVEMBRO | DIA INTERNACIONAL PELA ELIMINAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES


GRAÇA



                                    Foto DAQUI 
Passou por mim. Ia a chorar e nem me viu. Estranhei. Conhecemos-nos desde sempre e sempre nos falamos com a cordialidade duma amizade cimentada nos anos. Interpelei-a:
- O que aconteceu Graça?
-Foi o meu filho, -respondeu num soluço.
Peguei-lhe no braço e perguntei:
- Queres falar?
Ela não respondeu. Mas eu percebi que sim.
-Vem comigo. Vamos tomar um café.
Enquanto nos dirigíamos ao café, recordei desde quando conhecia Maria da Graça. Desde que me lembrava, sempre a conhecera. Somos mais ou menos da mesma idade. Nos anos cinquenta os pais dela vinham todos os Invernos trabalhar para a Seca do Bacalhau. Era um trabalho sazonal, mas vinha muita gente do norte do país, para trabalhar na safra. Chegavam nos últimos dias de Setembro, quando os barcos bacalhoeiros regressavam da Terra Nova e da Gronelândia, e partiam em fins de Março, quando os navios voltavam para a pesca. Maria da Graça vinha com os pais. E brincava comigo e com as outras crianças cujos pais trabalhavam na Seca. Todos os anos era a mesma coisa até que fez os 14 anos. Depois já vinha para trabalhar.
A Graça -eu sempre a chamei assim -nunca foi uma moça muito bonita. Mas era uma jovem vistosa. Alta, forte, bem proporcionada, mas com um rosto um tanto rude e uma voz demasiado forte, o que lhe dava um ar um tanto ou quanto masculino. Boa moça, boa amiga, não tinha muita sorte com os namorados. Talvez que eles se assustassem com ela. Os homens gostam de mulheres de aspecto frágil, porque isso os faz sentir mais fortes, e lhes dá a oportunidade de se armarem em protetores. Com a Graça, isso era impossível. Com 1,75m de altura e 72Kg de peso, assustava a maioria dos rapazes casadoiros.
Tinha dezanove anos quando conheceu Armindo. Armindo era um bom rapaz, trabalhador, e ainda mais rude que ela. Tinha começado ainda menino no monte a guardar gado e não sabia uma letra do tamanho dum comboio como costumava dizer. Mas encantou-se com ela e daí ao casório, lá na igreja da aldeia, foi só o tempo de correrem os "papéis". Até porque ele já tinha ido às "sortes" e estava prestes a começar o serviço militar.
Pouco mais de um ano de casado, morria numa emboscada em Cabinda, enquanto a mulher segurava uma gravidez de sete meses, apesar do desgosto.
Quando o filho nasceu, Graça voltou à vida anterior. A vir fazer a safra do Bacalhau, até porque agora precisava criar o filho, e  se a vida era muito difícil naquela época, por cá, lá na aldeia ainda era pior. Pouco tempo depois da morte do marido, Graça perdeu a mãe, e dois anos mais tarde o pai também se foi. Nessa altura ela decidiu que não ia mais lá para a aldeia. Quando o Bacalhau acabasse havia de arranjar uma casa ou duas para trabalhar a dias. Queria que o filho fosse à escola e estudasse. E se bem o pensou, logo o pôs em prática no fim da safra.
Começou por ajudar no trabalho do campo, numa das quintas da Seca, e assim conseguiu ficar a morar com os caseiros, e não pagar renda. Trabalhava na Seca do Bacalhau desde que os navios chegavam até que voltavam a abalar, e depois na quinta, até que voltavam a chegar. Assim foi ficando  por aqui, e criando o filho que mandou para a escola logo que fez sete anos.
Tinha o filho dez anos, quando se juntou com aquele que ela diz ter sido o homem da sua vida. Fernando era um vizinho que conhecia há muito. Casado, pai de dois filhos, bom marido, bom pai. Graça admirava-o pelas qualidades que todos lhe reconheciam. Um dia porém, a mulher de Fernando enrabichou-se, por um mariola, com pinta de artista e lábia de bom malandro. E de tal forma se apaixonou que desapareceu com ele deixando para trás o marido e os dois filhos. Com pena do vizinho, Graça, começou a tratar-lhe da casa e dos filhos. Mas a pena e a admiração que sentia depressa se transformaram num sentimento muito mais forte. Como Fernando era casado e naquela altura não havia divórcio, juntaram os trapinhos como se costuma dizer. E formaram uma nova família, mas Graça não conseguiu ter mais filhos. Anos mais tarde, depois da revolução de Abril, a mulher de Fernando apareceu a pedir o divórcio, e os filhos.
então ela pôde realizar o sonho de voltar a casar, embora apenas no registo. Mas nessa altura já Maria da Graça tinha um novo e mais grave problema na sua vida. O filho com 18 anos tinha-se ligado a uns amigos esquisitos, abandonara os estudos, não trabalhava, cada vez que saía, voltava estranho, agressivo e depois levava a dormir um dia ou dois seguidos. Droga, começaram a murmurar as vizinhas. O rapaz metia-se na droga. E a mãe levava os dias a chorar, e à noite mostrava um sorriso forçado ao marido, para não o apoquentar. Uma noite, estava ela na cozinha a "fazer horas" a ver se o filho chegava, quando o marido gritou por ela do quarto. O grito da morte, pois quando ela chegou ao quarto estava caído, meio atravessado na cama, como se tivesse tentado levantar-se e não conseguisse. E morto. Maria da Graça, nem queria acreditar. Nem deu pela chegada do delegado de saúde, nem pela ambulância que lhe levou o marido para autópsia. Era como se o espírito se tivesse ausentado do corpo.
Mais tarde soube que tinha sido um ataque cardíaco fulminante. Maria da Graça nunca mais foi a mesma mulher. Mudou de casa, perdeu a alegria, tornou-se uma mulher seca, amarga. Pouca gente sabe que se chama Maria da Graça. Toda a gente a conhece por Maria.
Chegamos ao café e sentando-nos numa mesa mais afastada. Perguntei-lhe então o que se passava.
- Tu sabes -respondeu-me, - que o meu filho é um drogado. Ninguém sabe o que eu tenho sofrido com ele. Por causa da droga roubava-me todo o dinheiro, batia-me, levou-me as coisas de valor de casa e vendeu tudo. Para sobreviver fiz de tudo, até cheguei a ir aos contentores do lixo em busca de comida. Depois arranjei cartões de jogo para vender. Ele ficava-me com a pensão e com o dinheiro que eu ganhava a lavar escadas. E eu ia-me governando com o dinheiro dos cartões. Até ao dia que ele descobriu. E levou-me o dinheiro que eu tinha com a ameaça de que me ia denunciar à polícia por vender jogo clandestino. Desisti. Por medo dele, um dia, mudei a fechadura da porta.  Quando chegou fez um escarcéu para entrar e eu fingi que não estava em casa. A ver se ele se ia embora. E sabes o que ele fez? Deitou-se no chão e ali ficou caladinho.
Quando passado largo tempo abri a porta para ir ao pão, ele agarrou-me as pernas e com um puxão forte fez-me cair. E depois bateu-me. Eu gritei, gritei e os vizinhos chamaram a polícia. Ele foi preso e da esquadra, meteram-no numa casa de recuperação. Esteve lá um ano. Chegou anteontem. Pousou as coisas em casa, saiu e chegou tarde da noite, drogado. Está a dormir há quase dois dias e eu tremo de pensar que ele vai acordar a qualquer momento.
Que Deus me perdoe, mas penso que era uma sorte se ele morresse.
Olhou para mim e disse:
- Ficaste escandalizada? Achas que sou um monstro?
Sem palavras que servissem de consolo, apertei-lhe o braço e abanei negativamente a cabeça.

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 Elvira Carvalho

Porque em Portugal há uma média de 40 mulheres que morrem todos os anos vitimas de violência doméstica, porque todos os anos aumenta em algumas dezenas o número das que ficam estropiadas, física ou psicologicamente  para o resto da vida. 



24.11.18

UMA HISTÓRIA DE AMOR - PARTE XI






-Vai-te embora, Ana.
A voz saiu-lhe seca e rude como um tiro. Assustada, a jovem largou-lhe o braço e deu um passo atrás.
- Outra vez? Estás muito instável. Não pensei que depois de cinco anos voltasses assim. Não podes ser o Simão. És apenas parecido com ele. O Simão que eu conheço não me trataria assim. 
Afastou-se a correr, para que ele não visse as lágrimas que embaciavam o seu belo olhar.
Ele ficou no jardim vendo-a afastar-se. Doía-lhe o corpo e a alma. Sentia-se impotente para dominar os seus sentimentos. Apertou os punhos. Que podia fazer? Correr atrás dela e confessar-lhe… o inconfessável? Não podia fazê-lo. Ia odiá-lo. E com ela toda a sua família. Tinha que se dominar. Disfarçar. Fingir.
Mas ele nunca fora bom a fingir. Desde menino sempre quis saber a verdade das coisas e ser verdadeiro com os seus sentimentos e as pessoas que o rodeavam. Sentou-se e fechou os olhos.
Sobressaltou-se ao sentir uma mão no ombro.
- Que se passa, filho? Porque não entras e te divertes como os teus irmãos? Convivem tão pouco.
- Não se passa nada, pai. Estava aqui a recordar. A lembrar da primeira vez que entrei nesta casa, para cá morar. Até aí, vivia com os meus avós.
-Sim? Tinhas cinco anos. Não julguei possível que te recordasses.
-Pois. Mas na verdade até lembro, da primeira tarefa que me deste. Disseste para vir para o jardim com os manos, tomar conta deles, e ter especial cuidado com a Ana porque era ainda um bebé.
- E tu passaste a manhã toda com ela ao colo, - sorriu Afonso
- Ela gostava. E eu sentia-me tão importante com isso.
O pai sorriu e mudando de conversa, perguntou:
-Quando é que pensas, deixar Paris e voltar para casa? A mãe sofre, com a tua ausência.
- Sinceramente ainda não pensei nisso.
- Tens alguém lá que te prenda? – Perguntou encarando-o.
-Não. – Respondeu com firmeza, devolvendo o olhar
- Então filho, juro que não te entendo. Sei que Paris é uma cidade linda, com uma grande concentração de artistas de todo o mundo, muitas tertúlias, muita boémia. Mas será que um homem pode ser feliz só com isso? Já realizaste algumas exposições e todas foram um êxito. O teu nome anda sempre associado ao talento. Então, o quê, ou quem, te mantém exilado da tua pátria e daqueles que te amam?
Engoliu em seco. Mas não respondeu.
Afonso sentiu que havia qualquer coisa que impedia o filho de regressar. Qualquer coisa de muito doloroso. Era advogado há muitos anos. Conhecia a natureza humana. Estava habituado a descobrir nos silêncios, coisas que lhe queriam esconder. E o filho escondia-lhe alguma coisa. Talvez precisasse da sua ajuda e não se atrevesse a pedir. Tinha que estar alerta.
- Vamos Simão. Está na hora do jantar.
E os dois homens entraram em casa.

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UMA HISTÓRIA DE AMOR - PARTE X


Ana soltou uma gargalhada cristalina
-Pelo amor de Deus. Não posso acreditar nisso.
- Acredita no que quiseres. – Disse com aspereza, voltando-lhe as costas. Não tenho que te convencer de nada.
Ela franziu o sobrolho. Que se passava com ele? Parecia zangado. Mas porquê?
- Ouve,- agarrou-lhe a manga do casaco mas ele não se voltou. - Que raio se passa contigo. O que foi que eu disse para ficares assim? 
- Desculpa, - era evidente que estava a fazer um enorme esforço para parecer natural. Não foi nada contigo. Sou eu que não ando bem.
Recomeçou a andar pelo jardim. Ela pendurou-se no se braço como quando ele ia buscá-la à escola.
-Sabes o que é isso? É solidão. Precisas arranjar alguém. Nunca pensaste em casar?
- Não, - respondeu com voz rouca
- Não entendo. Um homem bonito como tu. Simão… tu és gay?- Perguntou de repente.
- Não. Que disparate é esse, Ana?
- Desculpa. Ocorreu-me que o facto de não pensares em casar e o tempo que levas em Paris sem nos visitar,  podia ser por isso, ou não ?
- Podia. Mas não é. O meu interesse sexual sempre se manifestou pelo vosso sexo.
-Desculpa, mano. Mas insisto. Devias pensar em arranjar alguém. Já passaste dos trinta.
-  Queres fazer o favor de mudares de assunto? Porque é que não me falas antes de ti. Porque é que ainda estás solteira? A mãe disse-me que estavas noiva. Mas vejo-te sozinha
- Acabou.
Havia uma nota triste na voz dela, ou era impressão sua?
- E porque acabou?
- Não interessa.
- A mim, sim.
-Tu és meu irmão, e há coisas que uma mulher não conta a um irmão.
Sentiu uma dor aguda no peito. Era como se lhe tivesse cravado um punhal invisível no coração.

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