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8.5.20

À MÉDIA LUZ - PARTE XVIII


Gabriel chegou nessa noite, e foi direto para casa dela. Estava cheio de saudades. Fizera todos os possíveis para a esquecer, durante aqueles dias, procurara divertir-se com outras mulheres, mas nenhuma conseguiu romper a armadura com que aquele novo sentimento o revestira. Tinha que reconhecer que estava irremediavelmente apaixonado pela sua secretária. Uma mulher admirável, com uma alma grandiosa, que por lealdade ao amor filial era capaz de tudo, até de se arriscar a ser presa. E ele queria essa capacidade de amar e de se dar, para ele. Mais do que querer. Necessitava-o com toda a sua alma. Resistira. Claro que resistira, nunca pensara em casamento, nunca sentira aquela necessidade de ter, e de se dar a uma determinada pessoa. Nos seus relacionamentos anteriores, nunca esteve nada em jogo, que não fosse o sexo, quanto mais prazeroso melhor. Com ela foi diferente desde o primeiro momento, e não porque não lhe despertasse a libido. Durante aqueles meses, tomara mais duches gelados do que em toda a sua vida. Mas sempre soube, que no dia em que se deitasse com ela, não se contentaria com menos do que o resto da sua vida. E era disso que ele tinha medo. Disso que fugira. Aqueles dias de ausência, acabaram com toda a sua resistência. Estava ansioso por chegar, por apertá-las nos braços e beijá-la até se cansar. Até se cansar? Tinha a certeza de que nunca se cansaria. Apanhou um táxi no aeroporto, e deu a morada dela. Ansioso por a ver, tocou a campainha, uma, duas, três vezes.
Sandra franqueou-lhe a passagem, surpresa com a mala que carregava. Ele entrou, largou a mala, e pegando-lhe num braço puxou-a para si, baixou a cabeça e beijou-a. Um leve toque na boca, como que um roçar de ave, que a fez suspirar e entreabrir os lábios, e logo ele a invadiu num beijo urgente e desesperado, que os deixou sem fôlego. Sandra apertava o seu corpo contra o dele, numa entrega que o enlouquecia. Finalmente afastou-a um pouco, sem deixar de a fitar, nem de a abraçar.
- Amo-te Sandra. Sabes isso, não sabes? – perguntou a voz enrouquecida pela paixão.
Ela confirmou com um gesto mudo, tentando esconder o rosto no peito masculino.
Gabriel levantou-lhe o queixo e perguntou preocupado com a sombra de tristeza, no rosto dela.
-Também me amas, mas…? 
-Não pode haver futuro para nós, enquanto o nome de meu pai, não for reabilitado. Não quero que os meus filhos saibam que o avô esteve preso, acusado de ter roubado a empresa do pai.
- Sandra, eu acredito na inocência dele. Mas não sei se conseguiremos prová-lo ao fim destes anos todos. Por favor, não condenes tu também o nosso amor.
- Talvez não seja tão difícil assim. O inspetor Pedro procurou-me hoje. Acredita que descobriu quem fez o desfalque, e pediu para arranjar um advogado e o por em contacto com ele.


29.11.19

OS SONHOS DE GIL GASPAR - PARTE XX




O Natal desse ano, não teve o brilho nem o esplendor daqueles que Sara  organizava, mas em compensação o calor humano esteve sempre presente. Nele estiveram presentes, além de Gil, os seus irmãos, Marco com Isabel e os futuros sogros, Laura com Alcides, cuja amizade parecia desviar-se para dar lugar a outro sentimento, a julgar pelos olhares que trocavam entre si. Estavam também à mesa, Celeste, a empregada que estava na casa há mais de dez anos, viúva, cujos filhos se encontravam emigrados, e Inês e o seu filho, o pequeno Luís, um garoto moreno e franzino, que parecia estar sempre em sobressalto como se temesse algo.
Odete, que tinha sido despedida por Sara, e fora reintegrada depois do acidente, e Maria, tinham tido licença para passarem o Natal em casa com as respetivas famílias.
Mariana que saíra do hospital dois dias antes, dormia docemente no seu quartinho, depois de ter tomado banho e bebido todo o leite do biberão.
Pelas vinte horas, o pessoal do restaurante onde Gil encomendara não só a Ceia de Natal, mas também as refeições do dia seguinte, vieram fazer a entrega, e Celeste ajudada por Inês, (que desde que tinha o filho consigo parecia outra pessoa e ganhara de imediato a confiança das restantes empregadas) puseram a mesa.
A ceia, decorreu, pois, num ambiente de fraternidade. Durante ela, Marco e Isabel disseram que pensavam casar no primeiro domingo de Março, do ano seguinte. E Gil informou que tinha aceitado, a proposta de venda dos direitos do seu primeiro livro "Almas Sombrias" para o cinema e que por isso viajaria logo a seguir ao Ano Novo para Nova Iorque, onde se ia reunir com um famoso guionista, que iria transformar a história do livro no guião para o filme.
-Custa-me muito separar-me da minha filha tão pequenina, mas é impossível viajar com ela. Vou conversar com o guionista, saber como ele pretende fazer a adaptação e iniciar o trabalho com ele. Espero estar fora no máximo uma semana. Depois de termos elaborado o projeto poderei analisar e acompanhar o seu trabalho via Internet. Se por algum motivo a estadia se prolongar vou voltar no fim de semana a fim de estar com ela um ou dois dias. E estarei convosco todos os dias por video chamada. A escritura do prédio para a futura Fundação está marcada para o dia vinte e oito e o doutor Alcides tratará imediatamente de contratar a empresa que combinamos a fim de iniciar as obras do projeto que já aprovei. Há umas pequenas alterações com a sala para consultas, mas isso deixo com a Laura que percebe mais de uma sala de consultas do que eu. Ela tratará com o arquiteto. Quero aquilo pronto o mais rápido possível.
- E como se chamará a Fundação? – perguntou a irmã.
- Mariana Gaspar – respondeu Gil emocionando os irmãos, pois todos comungavam da mesma devoção, pela mulher que lhes dera a vida e que tanto sofrera para os criar.
- Laura, tu estarás aqui em casa enquanto eu estiver fora, ou vais para o teu apartamento? – perguntou um pouco mais tarde.
-É claro que estarei aqui durante a tua ausência, exceto claro o tempo que estiver no hospital, pois como sabes vou começar a trabalhar dia dois de Janeiro.
- Obrigado. Fico mais descansado, contigo aqui, não porque não confie em vós, - disse voltando-se para Inês e Celeste. – Mas as crianças nestas idades adoecem com facilidade, e é sempre bom ter uma médica perto.




E com o comentário do Esteban chegamos aos 44.000 

2.5.19

UM HOMEM DIVIDIDO - PARTE XXXV



-Não, de modo nenhum. Desde que te conheci só me tens demonstrado que és uma boa pessoa, e o que fizeste ontem à noite, devolvendo a empresa, ao meu pai, apesar do ódio que lhe tens, foi a maior prova disso.
-Então, o que te impede?
-Se for contigo, a imprensa vai começar a especular. Não quero encher as páginas das revistas cor-de-rosa como a tua nova conquista.
-Isso é desculpa. Primeiro não tenho por costume exibir nenhuma conquista, nunca o fiz, sempre que apareci em alguma festa, fui sozinho, ou acompanhado da Gabi e do Eduardo. Segundo, não me parece que seja essa a verdadeira razão. Penso que cometi um erro quando disse ao teu pai que o salvaria se acedesses a casar comigo. Na altura, só pensei em castigá-lo, não pensei que isso podia separar-nos para sempre. Agora dou-me conta, que hoje, mesmo que diga que te amo, como nunca amei ninguém em toda a minha vida, que daria a minha fortuna, para que tivesses por mim, o mesmo sentimento que me inspiras, tu nunca acreditarás em mim. Como o teu pai não acreditou que eu tinha sido assaltado. Se eu fosse um tipo esperto, teria descoberto há muito que não és diferente dele. Mas até os tipos mais lerdos,  cedo ou tarde, acabam por ver o que têm na frente dos olhos. Assim sendo, não precisas inventar mais desculpas. Não voltarei a incomodar-te, nunca mendiguei nada a ninguém, também não o vou fazer contigo.
Atordoada com aquela declaração, Paula não teve tempo de responder, pois nesse momento bateram à porta, e de seguida, dona Teresa entrou.
-Filho, a tua irmã, e a família acabam de chegar.
Paula aproveitou a interrupção para dar por terminada aquela conversa, antes que começasse a chorar.
 -Já passa do meio-dia. Não se devem atrasar com o almoço, o tempo passa a correr e depois não têm tempo de se vestirem antes dos convidados começarem a chegar.
António levantou-se e deu o braço à mãe.
-Vamos lá então, -disse
Paula ficou só no escritório. Deixou-se cair na cadeira, e escondeu o rosto entre as mãos. De todo o discurso de António ela só retivera a declaração de amor. Pudesse ela acreditar nas palavras do empresário, e sentir-se-ia a  mulher muito feliz ao cimo da terra. Mas será que era mesmo uma declaração ou tratava-se apenas de um mero exemplo explicativo? E mesmo que fosse uma declaração, como acreditar num homem capaz de guardar sentimentos de vingança durante tantos anos? Quem lhe diria que ele não tinha desistido de arruinar o pai, por pensar que seria maior a vingança, se casasse com ela? Se ao menos ela soubesse o que o pai lhe tinha feito. Mas como havia de o saber, se nenhum dos dois queria falar nisso? Certo que o empresário deixara escapar qualquer coisa sobre um assalto. Mas ela estava tão atordoada que nem entendera o que ele dissera. Levantou-se e ia dirigir-se à cozinha, quando encontrou a mãe do anfitrião.
-Venha minha querida, ia chamá-la para almoçar.
-Obrigada, dona Teresa, mas é um almoço de família, não quero ser uma intrusa. Prefiro comer alguma coisa na cozinha. 
-De modo algum. Venha, estão todos à sua espera.
A senhora era tão amável e parecia tão sincera, que Paula não tinha como recusar o convite sem ser indelicada.
Entraram juntas na sala. Eduardo levantou-se para a cumprimentar e apresentou-lhe a  esposa e filho. Paula sentiu uma empatia imediata por Gabi, e emocionou-se quando a esposa de Eduardo, a abraçou com carinho. Pedro, o filho do casal era um rapazinho alegre e simpático, que lhe disse ser muito amigo de Miguel, e lhe contou que o irmão falava muito dela.
Pouco depois era servida a refeição. Todos se mostravam alegres e simpáticos, fazendo com que se sentisse da família. Todos, menos António, que se mantinha em silêncio e de sobrolho franzido, respondendo apenas quando era interrogado diretamente.



Passei o dia fora e estive na Alameda. Aqui podem ver algumas imagens se estiverem interessados. 

27.11.18

UMA HISTÓRIA DE AMOR - PARTE XV




Em menos tempo do que se leva a escrevê-lo, Simão estava atrás dela, abraçando-a com firmeza. Intensificou-se o choro feminino, o frágil corpo sacudido pelos soluços.
Não chores Ana. Não suporto ver-te chorar, - murmurou atormentado.
Ela voltou-se. Continuava presa nos firmes braços dele. Ergueu o seu rosto choroso, e fitou-o. Ele não desviou o olhar. Durante alguns segundos, que aos dois pareceu uma eternidade, permaneceram assim, olho no olho, deixando que a alma aflorasse ao olhar e desvendasse  todos os seus segredos.
Com suavidade ela afastou-se. Voltou-lhe as costas murmurando.
-Não pode ser. É uma loucura.
- Eu sei, - respondeu ele, a voz rouca pela emoção. Percebes agora porque fui viver para Paris? Porque evito aproximar-me de ti?
Voltou-se. Olhou-o tentando mostrar uma serenidade que não sentia.
- Nunca me passaria pela cabeça. Não pode ser. Estás a confundir tudo e a deixar-me confusa. Somos irmãos. Os melhores irmãos do mundo, lembras-te? Tens que esquecer isso que pensas sentir. Temos que esquecer. Temos que esquecer,- repetiu
- Se repeti-lo vezes sem conta, servisse de alguma coisa, já o tinha esquecido há muito tempo, - disse ele com amargura.
Sentia-se indigno dela, dos pais, dos irmãos. Traíra a confiança de todos albergando aquele sentimento. Não lhe servia de consolo, saber que não estava a cometer um pecado, aquele sentimento não era incestuoso, eles não eram irmãos de verdade. Porque na verdade, não importava que o não fossem, se era assim que ela e toda a família o sentiam.
- Dadas as circunstâncias, peço-te que me perdoes a minha insistência. Desejo, que consigas esquecer, e perdoar-me. Não irei logo ao aeroporto. Despeço-me aqui.
Aproximou-se dele como fazia antigamente. Com a mesma confiança, de outrora, ofereceu-lhe o rosto para um breve beijo de despedida.
Como podia fazê-lo, com um homem que estava doido de amor por ela? Como podia ser tão ingénua para não pensar que ele seria incapaz de resistir, a provar as delícias da sua boca, agora que ela tinha descoberto o seu segredo?
Subitamente envolveu-a nos braços, e a sua boca aprisionou a  dela, num beijo intenso, onde deixava expresso todo o amor que lhe atormentava a alma.
Inicialmente recebeu-o surpresa, depois indignou-se.
Empurrou-o com força.
- Como pudeste fazer isto? É infame. Nunca te perdoarei.
E saiu a correr, fechando a porta atrás de si.




17.10.18

ENTRE O AMOR E A CARREIRA - PARTE XXXI


Clara deixou-se cair no sofá, uma lágrima silenciosa rolando pela face. Ele não precisava dizer nada, para que ela soubesse o que tinha acontecido.
Ele desejava-a, isso era mais que evidente, mas a palavra amor assustara-o. Ricardo não acreditava no amor e talvez o seu coração nunca viesse a senti-lo, mas o seu corpo, as suas hormonas, não precisavam de amor para entrarem em ação. E ela amava-o como nunca amara alguém. Não que tivesse uma grande experiência amorosa. Amou Júlio, ou pelo menos pensava que o amava, quando se lhe entregou, e quando aceitou casar com ele. Júlio era pois o termo de comparação, e o que sentia agora, não se podia comparar, era algo avassalador. Um sentimento muito mais forte, um desejo dele que a assustava e envergonhava. Mas dar livre cursos aos seus sentimentos, sabendo que ele não a amava, era oferecer-se como voluntária para sofrer. Por isso chorava. Por ela e por ele.
Levantou-se para sair da biblioteca e então ele virou-se.
- Por favor não te vás embora. Precisamos ter uma conversa séria.
Ela voltou a sentar-se. Cruzou as mãos sobre o regaço e aguardou.
- Penso que já me conheces. Não sou homem de rodeios, nem de dizer aquilo que não sinto, só porque, como agora se diz é politicamente correto. Quando te propus casamento, foi como sabes para que tivesse alguém que tomasse conta dos meus filhos e os pudesse defender de qualquer perigo enquanto estava fora. Não pensava em ti como uma esposa mas como uma empregada, com quem tinha celebrado um contrato vantajoso, mais para mim do que para ti.
Porque eu poderia continuar com a minha vida como até aí, e tu ficavas com a tua vida em suspenso por quinze anos. Mas enfim se tu aceitavas, o problema era teu, para mim estava tudo bem.
Mas depois do casamento nada correu como eu esperava. Desde logo, porque tu não te limitaste ao teu papel de cuidar deles. Começaste a questionar o meu amor por eles, e obrigaste-me a encarar a minha vida por um prisma diferente. 
O que sabia de ti, pelo relatório do investigador, e o que observava diariamente, (o teu amor pelo teu irmão, tão grande que por ele nenhum sacrifício era impossível), a maneira afável como tratavas a Antónia, o carinho que demonstravas pelos meus filhos, a sensibilidade com que trataste da minha partida, não só aconselhando-me, como preparando aquele vídeo que foi o meu suporte, durante os últimos seis meses, cada vez que me sentia psicologicamente mais débil, fizeram com que ganhasses a minha admiração.
A pausa que se seguiu foi longa. Clara não se atreveu a dizer nada. Sentia que ele estava a seguir uma linha de pensamento, e esperou paciente.
- Pelo que te contei, do que foi a minha vida amorosa, deves saber que a minha opinião sobre as mulheres é péssima, e portanto um casamento no papel, não me afetava nada, antes pelo contrário servia-me de escudo contra possíveis tentações. Mas quando embarquei, tu já não estavas no mesmo patamar das outras mulheres. Já eras alguém especial, uma exceção para confirmar a regra.
E durante estes seis meses, as mensagens, que trocámos, fizeram-me repensar toda a minha vida e as minhas ambições para o futuro.
Desde logo, estou a pensar deixar a vida militar, e enveredar por um novo projeto profissional, que não me afaste de casa.
Se ficar em casa, estarei sempre ao lado dos meus filhos, e eles deixarão de precisar de ti para os amparar e proteger, porque eu estarei aqui para isso.
A jovem ficou lívida. Pensou que ele ia rescindir o contrato e sentiu um aperto no coração. Não pelo dinheiro. Estava no contrato que se ele o rompesse ela teria direito aos cem mil euros estabelecidos para o seu final. Porém naquele momento o dinheiro não lhe importava. Dinheiro nenhum do mundo pagava o amor que ela ganhara pelas crianças. E o delas por ela. Era cruel demais.
Mas então ele continuou, como se não se tivesse apercebido da emoção que as suas palavras tinham causado no espírito feminino.
- Mas eu nunca lhes poderei dar, aquilo que tu lhes deste. O amor de uma mãe. Então põe-se a questão da nossa vida pessoal. Tu és uma mulher muito bonita, que despertou a minha libido e o meu desejo. Pelo que ocorreu aqui há minutos, creio que também não te sou repulsivo. Estamos casados. Então porque não transformar aquele casamento de fachada, num casamento real?







21.8.18

FOLHA EM BRANCO - PARTE XXIII






Mal saíram dali, Miguel levou a jovem directamente para a clínica.
O médico já não estava, mas a empregada ao ouvir o relato do que tinha acontecido, disse;
- O que relata, são sintomas de um ataque de pânico. Vou ligar ao Doutor, explicar a situação, e vamos ver se ele autoriza a marcação para amanhã, uma vez que já tem a agenda preenchida.
 Fez a ligação e depois…
- O doutor disse para virem amanhã às duas. As consultas começam às três, ele vai atendê-los antes.
- Muitíssimo obrigado. Até amanhã.
O resto do dia foi tão sombrio, como noite sem lua. Miguel estava muito preocupado. Questionava-se, sobre como devia agir. Denunciar a situação da jovem à polícia e esperar que eles tomassem uma decisão, quanto ao destino dela? Era o mais razoável. Mas, como explicar a demora na denúncia do caso,  e os mais quinze dias que levavam juntos? E como arrancar do peito, aquele sentimento, mistura de carinho e pena que a jovem despertara nele? Desde que os pais tinham morrido, que vivia sozinho. Aventuras amorosas, tivera muitas. Fugazes, sem consequências. Gostava da sua vida de boémio, de partir para qualquer lado quando lhe apetecia, sem se preocupar com nada, nem ninguém. Tinha vários amigos, ali, na cidade, como tinha em Lisboa. Pintores, escritores, escultores. Gente ligada às artes como ele. Alguns tinham ao longo dos tempos, encontrado alguém com quem dividiam a vida e os sonhos. Ele não. Nunca sentira nada tão avassalador por alguém que o levasse a ponderar deixar o celibato. E aos quarenta e cinco anos,  já não acreditava  possível, que tal viesse a acontecer.
Quando viu a jovem tão nova, tão frágil, completamente perdida, sentiu que tinha que ajudá-la. Era como se o céu lhe enviasse uma filha. Claro que pôs a hipótese de que em algum local, alguém podia estar em sofrimento por causa do seu desaparecimento. Mas todos os dias comprava o jornal, ouvia as notícias na rádio e não havia nenhum apelo, nenhuma foto, nenhuma notícia na rádio, nada que se relacionasse com ela. Porém aquele episódio à tarde, deixou-o em sobressalto. E se ela sofria  de algum grave transtorno psiquiátrico? E se tinha fugido de alguma clínica do género? Atormentava-se sem saber  o que fazer e como  fazê-lo. Ir-se embora, deixando-a na casa, mesmo pagando todas as despesas, e contando com a ajuda de  Adélia, que entretanto  se fora também afeiçoando à jovem, não era viável.
Pedir ao médico que lhe aconselhasse uma boa clínica, para a internar, era o mais razoável, mas a ideia de a deixar num ambiente hostil, repugnava-lhe. Estava, como a avó Ermelinda costumava dizer, entre a Cruz e a Caldeirinha.







1.8.18

FOLHA EM BRANCO - PARTE III



Miguel aproximou-se. Colocou-lhe um dedo debaixo do queixo, obrigando-a a olhá-lo.
O desespero que viu no seu olhar, foi tão grande que ele sentiu uma vontade imperiosa de cuidar e proteger a jovem. Era um sentimento estranho e avassalador.  
“Deve ser, assim que um pai se sente, perante o sofrimento da sua filha” - pensou enquanto a olhava. 
- Não se preocupe, - disse tentando incutir nela uma tranquilidade que ele mesmo não sentia. Logo ou amanhã lembrará.Venha comigo. A minha casa não é lá grande coisa, mas nela encontrará abrigo até que se lembre de quem é e onde mora. Aqui sozinha não está bem. Este local é muito belo, mas às vezes é traiçoeiro, - disse enquanto dava voltas à cabeça, indeciso, sem saber se devia ou não contar à jovem, que meia hora antes, ele a salvara de se esborrachar no fundo da falésia.
Por fim decidiu que era melhor, seria nada dizer. Colocou a maleta sob o braço esquerdo, pegou o cavalete com a mão esquerda e estendeu a mão direita à jovem.
- Venha.
Como um autómato a jovem deu-lhe a mãe e começaram a caminhar em direção à estrada, onde Miguel tinha o seu veículo.
Aí chegado, abriu a porta do velho “carocha” e fez entrar a jovem. Depois guardou o material de pintura e sem uma palavra, sentou-se ao volante e arrancou em direcção à sua casa nos arredores da cidade.
Era uma habitação antiga, à qual se tinha acesso por dois altos degraus em pedra, ladeados por um pequeno corrimão de ferro, que já fora verde, mas que agora apresentava largos pedaços ferrugentos.
- A casa é muito antiga. Era de minha avó, foi aqui que nasceu meu pai. Este corrimão, foi posto aqui,quase no fim da vida da avó Ermelinda, para a ajudar na subida, - disse Miguel enquanto galgava os dois degraus com facilidade. Venha, não tenha medo- disse abrindo a pesada porta de madeira
A jovem seguiu-o e encontrou-se num pequeno patamar donde partiam três degraus de pedra que davam acesso à sala. Embora a casa fosse um rés-do-chão, no exterior, no interior estava quase ao nível do primeiro andar.
Subidos os três degraus, encontraram-se numa sala, com uma grade de ferro, à volta do fosso da escada.



13.6.18

CASAMENTO DE CONVENIÊNCIA - PARTE XXX






- Perdoa-me, - disse apertando-a nos braços, perdoa-me por não ter reconhecido o sentimento que me despertaste, perdoa a minha incredulidade no amor, a minha cegueira. Dá-me uma oportunidade e juro-te que faço de ti a mulher mais feliz do Universo. Vamos começar de novo, como se tivéssemos casado hoje.
- Receio que isso não seja possível.
Pedro sentiu que lhe faltava o ar. Como se lhe tivessem dado um murro no estômago. Não queria, nem podia perdê-la. Procurou a sua boca e beijou-a com desespero, tentando passar-lhe todo o amor que sentia.
- Por favor, Joana, não deixes que tudo acabe assim, precisamente agora que descobrimos o amor que nos une.
- Não sejas tonto. Ninguém falou em acabar, só disse que não será possível começar de novo, como se o casamento tivesse sido hoje, porque já existe alguém entre nós.
E perante o seu ar assombrado, pegou-lhe na mão e colocou-a sobre o seu ventre, olhando-o com um sorriso radioso:
-Aqui.
Pedro, o duro e implacável homem de negócios, sentiu que as lágrimas lhe corriam pela face, como quando era um menino solitário. A emoção era tão grande que não conseguia falar. Puxou suavemente a cabeça feminina para o seu peito, de modo a que ela ouvisse o bater acelerado do seu coração e entendesse a sua emoção.

 E ela entendeu.


***************************************************************************

Três anos mais tarde…
Joana estava sentada num cadeirão, enquanto o filho brincava na carpete. Naqueles três anos muita coisa acontecera. A mãe e a tia continuavam a viver no andar de baixo, embora ultimamente passassem a maior parte do dia,  com ela, ali na sua sala, competindo entre si, para a apaparicar.
Pedro era um marido apaixonado, que cumprira a sua promessa, pois ela, Joana Teixeira Mesquita, afirmaria sem reservas que era a mulher mais feliz do Universo. Convencera-a a encerrar a sua firma, quando soube que estava grávida, coisa que na verdade ela já pensava fazer, depois do parto, pois apesar de gostar muito do que fazia, sentia que cuidar dos filhos era mais importante, naquela fase crucial na vida de qualquer criança. Talvez um dia voltasse à atividade quando os filhos crescessem. Por agora dedicava-se a aplicar o seu saber e a sua criatividade para a família. De vez em quando o marido ficava tão entusiasmado com alguma das suas criações que a incentivava, a escrevê-la. Fora assim que nascera o seu primeiro livro, a que dera o nome do restaurante onde tinham casado. Poesia dos Sabores.
Ouviu a porta a abrir-se e sorriu, com amor, enquanto André se levantava e corria para lá.
 Assim que Pedro entrou em casa com o filho mais velho, que apanhou na escola, ao sair do escritório, um menino de pouco mais de dois anos, cabelo castanho como o da mãe, e olhos verdes como os seus, veio ao seu encontro. Ele inclinou-se, pegou-lhe ao colo e beijou-o. Seguiu depois para a sala, rindo das festas que o filho lhe fazia.  
Foi encontrar a esposa, tricotando uma minúscula camisola cor-de-rosa. Sem largar o menino, beijou-a, aguardou que o filho mais velho, fizesse o mesmo e depois disse-lhe:
- Pedro, leva o teu irmão para o quarto, e vão brincar um pouco, enquanto falo com a vossa mãe. Já lá  vou buscá-lo para que possas fazer os trabalhos de casa.
Esperou as crianças saírem da sala, pegou nas mãos da esposa e ajudou-a a erguer-se. Acariciou-lhe o ventre volumoso, e perguntou:
- Já te disse hoje, que te amo?
Ela riu feliz.
-Desde que chegaste ainda não.
- Amo-te. Amo-te tanto que as horas que passo no escritório parecem-me  dias.
-É bom saber que me amas, apesar deste corpo disforme.
-É o corpo mas lindo que já vi, - disse com fervor, - e ajoelhando-se depositou um beijo na sua barriga dizendo. Este é para ti, Catarina. O pai ama-te muito e está ansioso por te conhecer.
Ergueu-se, abraçou-a e beijou-a apaixonado. Quando a soltou, disse:
-Volto já. Vou buscar o André, para que o Pedro possa fazer os trabalhos escolares. antes do jantar.
Saiu deixando-a só. Ela sentou-se. Levou a mão ao pescoço, e apertou o pequeno rubi em forma de coração, que recebera três anos atrás e do qual nunca se separava.  
E um radiante sorriso de felicidade iluminou-lhe o rosto.




FIM



Elvira Carvalho

2.6.18

CASAMENTO DE CONVENIÊNCIA - PARTE XIV








O projeto não era mau, de todo, mas havia algumas coisas que não lhe agradavam e levou mais de uma hora, anotando alterações que julgava necessárias para que tudo ficasse como ele idealizava. Quando se deu por satisfeito, reenviou-o por email para o arquiteto e fechou o computador.
Passou a mão pela testa, pensativo. Relembrou a conversa tida com Joana Teixeira. Cada vez lhe agradava mais a jovem, a sua maneira franca de encarar a vida tão diferente da fútil Cristina Amaral, com quem rompera há quase uma semana. Rompimento que sinceramente pensou fosse mais difícil do que realmente foi. Provavelmente ela estaria tão farta das suas escusas em acompanhá-la de festa em festa, como ele estava da sua futilidade. Fisicamente, Cristina tinha uma figura bem mais exuberante que Joana, desde logo pela sua altura, pela elegância com que se vestia. Porém a ele, bastaram-lhe dois encontros com Joana para saber que era uma mulher inteligente, e de fibra. E isso agradava-lhe. O facto de não acreditar no amor, não invalidava o respeito, o companheirismo, a cumplicidade. E ele estava disposto a fazer com que aquele casamento desse certo, principalmente pelo menino que não tinha culpa do pai que o tinha gerado. Não lhe passava pela cabeça que a jovem, rejeitasse a sua oferta. Pensava conhecer bem as pessoas. E ainda que a jovem dissesse que nuca se ama demais, ele sabia que ela amava demasiado a mãe e o menino para não os por em primeiro lugar na balança. Sim ela aceitaria, ainda que com sacrifício da sua própria liberdade. Pelo menos nos dois anos que estariam no contrato pré-nupcial. Depois do casamento, cabia-lhe a ele fazer com que não se arrependesse. Para bem de todos. Abandonado pela mãe, aos cinco anos, Pedro não se lembrava de ter sentido a ternura de um afago feminino, a não ser da sua tia quando os visitava, o que acontecia muito raramente. O pai, um homem amargo, nunca lhe faltou com nada que se pudesse obter com dinheiro. Comprou-lhe roupas de marca, pagou-lhe os melhores colégios, e a Universidade. Mas nunca se sentou a conversar com o filho, nunca lhe perguntou o que sentia ou como sentia. Era como se a traição da mulher amada, lhe tivesse secado todo e qualquer sentimento, ou até o próprio coração.
Por isso quando o pai morreu, Pedro continuou o seu trabalho, acumulando riqueza, completamente entregue aos negócios.
Meses atrás, começara a pensar que era altura de arranjar uma companheira.  Alguém que aceitasse determinadas condições para se casar com ele. Não pensava em amor. Isso envolvia sentimentos, e mais cedo ou mais tarde ia fazê-lo sofrer. Ele nunca iria envolver o coração numa relação. Não queria passar pelo que o pai passou. Quando conheceu Cristina Barbosa, pensou que tinha encontrado o que desejava, mas logo se desiludiu. E precisamente quando sentia que talvez nunca fosse conseguir encontrar alguém capaz de se sujeitar ao que ele desejava, eis que o destino levara até ele, Joana Teixeira.
Fechou o computador, arrumou a mesa, e vestiu o casaco. O seu dia de trabalho tinha chegado ao fim.
.


28.10.17

A RODA DO DESTINO - PARTE XLIV



Salvador desligou o telemóvel e ficou pensativo. Apesar do que dissera na véspera, à jovem, ele sabia que estava apaixonado por Anete. Não sabia, quando nem como aconteceu, mas de uma coisa tem certeza. O sentimento que tem por ela, é muito mais forte e avassalador do que aquele que sentiu por Ana Clara. A confusão com que se debateu, quando percebeu que o seu coração se estava a prender à jovem, desaparecera há muito. Ele percebera isso no domingo anterior em Coimbra, quando passara o dia com as gémeas. Naquele dia, descobriu, que apesar de aparentemente serem iguais, era Anete quem ele identificava consigo, não Ana Clara. E não, não era porque a cunhada, pela sua posição na família era fruto proibido. Nada disso. Habituado a analisar a expressão corporal e facial das pessoas, encontrava agora muitas diferenças entre as duas. Talvez por causa da profissão que tinha, a voz da cunhada, era segura, quiçá até houvesse nela uma ligeira nota de autoritarismo. A de Anete, não era tão segura, mas em contrapartida era mais serena e mais doce. A cunhada olhava-o de frente, segura de si, de igual para igual. O olhar da irmã, mesmo quando queria aparentar à-vontade, não conseguia ocultar uma certa timidez, e não raras vezes desviava o olhar ruborizada.
A expressão corporal também era bem diferente nas duas. A da cunhada era segura, exuberante, de mulher que sabia bem o desejo que podia provocar, e sabia lidar com isso, com a mesma firmeza com que lidava com a rebeldia dos seus alunos. Anete, era tímida, insegura, e tão ingénua como uma adolescente. Se não conhecesse a sua história, se não soubesse que fora casada durante anos, acreditaria que nunca  tinha dormido com um homem. Eram tão diferentes, que podiam vesti-las e maquilhá-las de igual modo, que ele não hesitaria em identificar cada uma.
Apesar do excesso de trabalho, não lhe permitir estar mais vezes com Anete, não passou um só dia que não pensasse nela, que não tivesse vontade de estar com ela. Sabia que ele também lhe interessava. Percebeu o interesse dela. Mas também percebeu que a jovem se recusava a dar-lhe guarida e tentava a todo o custo ignorá-lo. Daí que ele decidira avançar. Talvez que ela conhecendo os seus sentimentos, pusesse de lado os receios, e deixasse o seu amor florir. Erradamente, a jovem sentia-se inferior, por não ter estudos universitários. Deixara-o bem expresso na conversa do dia anterior. E isso era algo a que ele não ligava. Se ela quisesse ir para a universidade, ele dar-lhe-ia todo o apoio, mas teria de ser porque ela o desejava, para sua realização pessoal. Nunca para estar à altura dele, ou de outrem.  Salvador sempre pensou que o que eleva as pessoas, são a retidão de carácter, e os sentimentos. E isso, ela tinha de sobra.
Pegou no telemóvel e marcou um número. Ao quinto toque, atenderam.
- Estou…
-Luís? Sou o Salvador. Tens uns minutos para me ouvires?
-Sim, claro. Aconteceu alguma coisa?
- Bom, aconteceu que estou apaixonado pela tua irmã. Amo-a e vou fazer tudo para a conquistar. E depois da promessa que te fiz em Coimbra, senti que te devia esta informação. Espero que não faças nada para me atrapalhar, ou impedir de vir a entrar para a vossa família.
- Caramba, Salvador. Tu sabes como deixar um homem espantado. Tens a certeza dos teus sentimentos? Conhecem-se há tão pouco tempo.
- Certeza absoluta, Luís. Tenho trinta e três anos, não se trata da ilusão de um adolescente. E tu sabes tão bem como eu, que às vezes bastam alguns minutos para mudar por completo a nossa vida.
-Ela já passou por uma má experiência, e o nosso desejo é que não sofra.
- Pela minha parte, posso garantir-te que farei tudo para que seja feliz. A sua felicidade será também a minha.
- Sendo assim, que posso eu fazer?
- Podes desejar-me sorte.
- Claro. Toda a sorte do mundo para os dois. 

27.10.17

A RODA DO DESTINO - PARTE XLII


- E porque não o fizeste?
- Não se pode amar por dois. O sentimento não era recíproco, ela só via em mim um amigo. Casou com outro e é feliz.
 - E já a esqueceste?
- Sim, embora até há pouco tempo, pensasse que não.
Tinha-se instalado um clima de intimidade entre eles. Os olhos de Salvador, não se afastavam dela, e nervosa, Anete resolveu mudar de assunto.
- E já te decidiste, sobre a proposta de sociedade?
“Está nervosa. Tenho a certeza que não é esta a pergunta que queria fazer. Está com medo, do que pode descobrir.”
- Ainda faltam três dias para o final do mês. – Respondeu. Mas confesso-te que vou arriscar. Penso que vai ser melhor para o meu futuro. Ando assoberbado de trabalho não tenho tempo para nada. Tenho trinta e três anos. Supõe, que estou apaixonado. Como podia pedir a essa mulher para partilhar a minha vida, se a passo quase exclusivamente no escritório, no tribunal, ou viajando?
Olhou o relógio. Onze horas? Como é que o tempo tinha passado tão depressa? Eram horas de partir. Mas não o podia fazer, sem revelar o que lhe ia no peito.  Pôs-se de pé.
- Gosto desta sala, adorei o jantar, e esta partilha de perguntas e respostas, que nos revelaram um ao outro. Não sou homem de floreados, sou um homem de justiça, habituado a pôr o preto no branco. Por isso vou-te ser muito sincero, Anete. Gosto muito de ti, desse teu jeito tímido que te leva a fugir do meu olhar. Gosto da tua simpatia, do teu humor. Fico encantado com esse teu rubor. Não é fácil, hoje em dia, encontrar uma mulher com a tua idade, capaz de se ruborizar. Ainda não estou seguro de como catalogar estes sentimentos. Noutra situação eu diria que te amo. Mas dadas as circunstâncias de sermos quase família, tenho medo de estar a confundir sentimentos de amizade, e ambos já sofremos demais com confusões sentimentais, para querer repetir a dose. Como é óbvio, não sei se a minha pessoa te pode interessar o suficiente, para pores a hipótese de uma partilha de futuro comigo. Eu gostaria de tentar, e agora que já te abri o coração, a decisão é tua.
Nervosa, com o coração a bater desenfreadamente, Anete encarou-o.
- Não sei que te diga, Salvador. É muito arriscado o que propões. Para te ser sincera, eu também gosto da tua companhia. És um homem bonito, simpático, e gentil. Sabes na perfeição como fazer com que uma mulher se sinta especial, na tua companhia. Apaixonar-me por ti, é a coisa mais fácil do mundo. Mas e se depois descobres que esse sentimento que dizes ter por mim, não passa de amizade. Como é que ficamos? Como tu disseste há pouco, não se pode amar por dois. Além disso, tenho a certeza, que entre as tuas amizades, há mulheres muito mais interessantes do que eu. Nem sequer tenho um curso universitário.
-Complexos, não. Por favor, não vás por aí, Anete  Nenhum curso te ensina a amar. Nenhum te  forma para a vida familiar. Eles só te formam para executares uma profissão e não é disso que estamos a falar. É o carácter, os sentimentos, a alma que te tornam, ou não, na mulher ideal. E isso, que nem mil cursos dão, tu tens de sobra. Bom, são horas de ir. Eu acredito que temos tudo para viver um grande amor. Precisamos arriscar. Pensa na minha proposta com carinho.
Encaminhou-se para a porta. Sentia uma vontade louca de a beijar. E não podia fazê-lo. Tinha visto no seu olhar, um brilho, misto de dúvida e alegria, que logo foi substituído pelo medo. Por qualquer razão, a jovem tinha medo dele. Alegrou-se ao pensar que talvez não fosse dele, mas dos sentimentos que ele lhe despertava. Tinha que ser cauteloso. Aquele era o tribunal da vida e ele tinha que ser melhor que nunca. Uma precipitação, um passo em falso, e seria irremediavelmente condenado.
Ao chegar à porta, despediu-se roçando as costas da mão, suavemente pelo rosto feminino e saiu fechando a porta atrás de si. Com as pernas a tremer, Anete encaminhou-se para o quarto.

9.6.17

JOGO PERIGOSO - PARTE XXIV





David desligou o telefone, e ficou por momentos a olhar para a procuração que tinha nas mãos. Não entendia o que se passava com Daniela. O que é que ela queria com aquilo? Fazer um teste à sua honestidade? Não. Era demasiado inteligente para uma atitude tão estúpida.
Parecia-lhe mais uma prova de confiança, quiçá até de amor. Mas não podia ser. Ele demonstrara-lhe à saciedade quanto a amava, e o que é que ela fizera? Dissera-lhe claramente que ele só fora um objeto para satisfazer a sua carência sexual.
Guardou a procuração no cofre. O que ela merecia, era que ele lhe roubasse a sua parte da fábrica. Mas isso estava fora de questão. Primeiro, porque ela se instalara de armas e bagagens no seu coração, e ele não sabia como ia libertar-se daquele sentimento, tão novo e tão intenso. Logo ele que nunca acreditara no amor, e se limitara a aceitar o que as mulheres lhe davam, sem pôr nisso o coração. Segundo, porque a jovem é irmã de Daniel, e embora ela não o soubesse, esse facto punha-a a salvo de qualquer má intenção da sua parte. Terceiro e não menos importante, tinha orgulho da sua honestidade. Conquistara muita coisa na vida, e ambicionava chegar mais longe e mais alto no mundo dos negócios, mas nunca o faria utilizando o seu opositor como escada. 
Quem dera ela ficasse por Moçambique o tempo suficiente para ele a esquecer! Sorriu amargo. Um sorriso que não lhe chegou aos olhos e que mais parecia um esgar.
“Teria que ficar lá o resto da vida”- pensou. É que tinha a certeza de que não conseguiria esquecer, a mulher maravilhosa que tivera nos braços, naquela noite.
Como é que ele, um homem experiente se tinha deixado enganar assim? Seria capaz de jurar, que o que os dois tinham vivido naquela noite, tinha sido muito mais que uma tórrida sessão de sexo. Que o que ambos viveram estavam muito para além de jogos e excitações. Fora-o da sua parte, e juraria que ela estivera sempre com ele, como se os dois fossem um só. E afinal fora tudo fingido. Passou a mão pela testa, como se, com esse simples gesto levasse alguma luz aos seus pensamentos. Sentia-se cansado. E vazio.
Fechou o computador, vestiu o casaco e saiu. 
-Madalena, vou até à fábrica de confecções. Em princípio já não volto hoje. Qualquer coisa que seja necessária ligue-me. Até amanhã.
-Até amanhã, senhor


15.1.17

UMA HISTÓRIA DE AMOR - PARTE XV


Em menos tempo do que se leva a escrevê-lo, Simão estava atrás dela, abraçando-a com firmeza. Intensificou-se o choro feminino, o frágil corpo sacudido pelos soluços.
Não chores Ana. Não suporto ver-te chorar, - murmurou atormentado.
Ela voltou-se. Continuava presa nos firmes braços dele. Ergueu o seu rosto choroso, e fitou-o. Ele não desviou o olhar. Durante alguns segundos, que aos dois pareceu uma eternidade, permaneceram assim, olho no olho, deixando que a alma aflorasse ao olhar e desvendasse  todos os seus segredos.
Com suavidade ela afastou-se. Voltou-lhe as costas murmurando.
-Não pode ser. É uma loucura.
- Eu sei, - respondeu ele, a voz rouca pela emoção. Percebes agora porque fui viver para Paris? Porque evito aproximar-me de ti?
Voltou-se. Olhou-o tentando mostrar uma serenidade que não sentia.
- Nunca me passaria pela cabeça. Não pode ser. Estás a confundir tudo e a deixar-me confusa. Somos irmãos. Os melhores irmãos do mundo, lembras-te? Tens que esquecer isso que pensas sentir. Temos que esquecer. Temos que esquecer,- repetiu
- Se repeti-lo vezes sem conta, servisse de alguma coisa, já o tinha esquecido há muito tempo, - disse ele com amargura.
Sentia-se indigno dela, dos pais, dos irmãos. Traíra a confiança de todos albergando aquele sentimento. Não lhe servia de consolo, saber que não estava a cometer um pecado, aquele sentimento não era incestuoso, eles não eram irmãos. Porque na verdade, não importava que o não fossem, se era assim que ela e toda a família o sentiam.
- Dadas as circunstâncias, peço-te que me perdoes a minha insistência. Desejo, que consigas esquecer, e perdoar-me. Não irei logo ao aeroporto. Despeço-me aqui.
Aproximou-se dele como fazia antigamente. Com a mesma confiança, de outrora, ofereceu-lhe o rosto para um breve beijo de despedida.
Como podia fazê-lo, com um homem que estava doido de amor por ela? Como podia ser tão ingénua para não pensar que ele seria incapaz de resistir, a provar as delícias da sua boca, agora que ela tinha descoberto o seu segredo?
Subitamente envolveu-a nos braços, e a sua boca aprisionou a  dela, num beijo intenso, onde deixava bem expresso o amor que lhe atormentava a alma.
Inicialmente recebeu-o surpresa, depois indignou-se.
Empurrou-o com força.
- Como pudeste fazer isto? É infame. Nunca te perdoarei.
E saiu a correr, fechando a porta atrás de si.