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31.1.18

A VIDA É...UM COMBOIO - PARTE XXIII







- Deves estar a perguntar-te porque te estou a contar tudo isto. Mas já vais entender a razão. Esta manhã, enquanto percorria a herdade com Alfredo, comecei a pensar que a vida é muito injusta, Ele, que eu considero como um irmão de criação, tem levado toda a vida a trabalhar no duro, e nada tem. Eu que nada fiz por isso, acabo de herdar uma enorme fortuna. E pensei que deve haver uma maneira de corrigir um pouco essa injustiça, doando metade da herdade ao Alfredo, legalmente, mas com a condição de que ele continue a gerir a minha parte, já que eu não poderei fazê-lo e não conheço mais ninguém em quem confie. Como advogada, podes dizer-me se posso fazê-lo?
- Claro que  podes. Mas, cumpre-me alertar-te que te vais desfazer de uma parte considerável do teu património. És solteiro, mas um dia podes casar, ter filhos. O que vais doar, seria também deles.
- Não será o dinheiro, aquilo que os meus filhos, se os tiver, mais precisarão de mim. O que eles mais vão precisar, será do amor que lhes der, da companhia que lhes fizer nos momentos em que dela necessitem, dos exemplos e da preparação que lhes der para a vida. Falas com o teu colega, e marcam uma reunião para tratarmos do assunto? Gostava de tratar de todos os documentos, de modo a dar-lhe esse presente no dia dois de Maio, que é a data do seu quadragémimo aniversário.
- Na segunda-feira falo com o Carlos e digo-lhe da tua urgência. Estamos quase no final de Abril, essas coisas são demoradas, talvez não seja possível, para essa data. Depois telefonamos-te.
- Ok. Agora talvez seja horas de regressarmos. Não que a tua companhia não me seja muito agradável, mas há mais de dez minutos que o Martim se sentou naquele tronco, o que quer dizer que já deve estar cansado de brincar com o cão.
-Vamos, Martim? - Perguntou Amélia ao chegar junto do filho.
O garoto levantou-se mas em vez de se pôr ao lado da mãe como seria natural, colocou-se ao lado de Paulo, os olhos ansiosos, perscrutando-lhe o rosto, numa pergunta muda. O homem agarrou a pequena mão e apertou-a suavemente.
-Tudo bem campeão, prepara-te para marcar muitos golos na festa.
- Hurra! Obrigado, mãe.
- Agradece ao Paulo. Foi dele a ideia, não foi?
-Ok. Obrigado aos dois. Anda, Rex, vamos contar à avó - disse desatando a correr em direção a casa.
- É tão fácil fazer uma criança feliz. Vês, é o que te quis dizer há pouco? Estas são as pequenas coisas que os fazem felizes. Vamos, acompanho-te a casa.


30.1.18

O AMOR É... UM COMBOIO - PARTE XXII




- Sabes, -disse Paulo tuteando-a pela primeira vez. Aprendi a pescar, e a nadar neste rio. Meus pais morreram quando eu era menino, o meu tio tomou conta de mim e trouxe-me para aquela margem do outro lado da ponte, onde tinha uma pequena quinta. O caseiro, tinha um filho quase da minha idade, e ele foi o meu companheiro de brincadeiras. Os seus pais, foram para mim como uns pais. O meu tio, nunca se preocupou muito comigo, a nível afetivo. Estava demasiado enfronhado nos negócios. É certo que nunca me faltou nada a nível material, mas eu teria preferido ter menos coisas, e contar mais com a sua companhia, o seu carinho. Sempre tive jeito para o desenho, gostava de pintar e sonhava estudar pintura, conhecer os grandes pintores desde os primórdios dos tempos até à atualidade, visitar museus, aprender tudo o que fosse possível aprender. Mas quando contei ao meu tio, ele zangou-se muito, disse que o que eu queria era um futuro de fome e frustração. Os grandes pintores quase todos morreram na miséria, os quadros só passavam a ser valiosos, depois que o pintor morria. Eu ia para a universidade sim, mas teria que escolher entre economia, ou gestão e contabilidade. Acabei por escolher o segundo, e fiz o curso por orgulho, para lhe mostrar que era inteligente o suficiente para tirar qualquer curso, apesar de não gostar dele.  Quando terminei o curso, ele deu-me a pequena herança que meus pais me deixaram ao morrer. Uma das minhas paixões de criança eram as motos. Comprei uma, e parti para Paris. O dinheiro acabou rapidamente, mas eu tinha muita coisa para aprender, e não queria pedir nada ao meu tio. Trabalhei na construção civil, em bares, fui até empregado numa agência funerária. Tinha alugado um pequeno estúdio, e todos os centavos que me sobravam, gastava-os em telas e tintas. De vez em quando vendia alguns quadros na rua, e fui-me equilibrando. Quando entendi que tinha aprendido tudo o que me interessara  aprender, parti para outras paragens. Percorri quase toda a Europa, nos últimos dez anos. Sem qualquer contacto com o meu tio, não fazia a mínima ideia de como era rico. A pequena quinta da minha infância, cresceu desmesuradamente. Atravessas aquela ponte e tudo o que a tua vista alcança é meu. Segundo parece, à medida que os vizinhos iam morrendo, o meu tio ia comprando aos herdeiros as suas quintas e anexando-as. Tem uma grande extensão de pomares, terras de cultivo e até uma zona de pastoreio.
Caminhavam lado a lado. Paulo falava em voz baixa, sem se interromper, como se estivesse a seguir uma invisível linha de pensamento.  Amélia escutava-o sem interrupções convencida da necessidade que ele tinha de desabafar.
Quando Casimiro, o caseiro morreu, Alfredo, o filho, ficou no seu lugar. Ele não estudou. Aqui os filhos aprendem as profissões com os pais, não estudam mais do que o estritamente necessário. Os seus braços fazem falta no campo. Refiro-me claro aos filhos dos trabalhadores como é o caso. Alfredo casou-se há anos e tem três filhos. Gere a propriedade, e é ele quem contrata os trabalhadores que precisa. A mãe e a esposa, tratam da casa, e dos animais domésticos.



Por AQUI  continuamos em Alcobaça. E depois da sala dos Reis , temos a sala dos Capitulos.

29.1.18

O AMOR É... UM COMBOIO - PARTE XXI


- As voltas que a vida dá. Quem me diria quando os encontrei na estrada que eramos quase vizinhos. Trouxe um livro para o Martim Não sei se ele gosta de ler, ou se já o leu, mas é um livro que me apaixonou quando tinha mais ou menos a idade dele.
- Muito obrigada. Ele chegou a casa a dizer que o Paulo se tinha oferecido para o acompanhar no torneio de futebol da escola.
- Terei muito gosto, nisso, se claro tiver a sua aprovação.
Como se tivessem combinado, Martim e o seu amiguinho de quatro patas, encetaram uma corrida pelo campo, perto das margens do rio. E os dois jovens seguiram-nos passeando e conversando.
- Faria mesmo isso pelo Martim?
- Claro que sim. Não sou político, não faço promessas só para ficar bem na fotografia, ou ganhar votos. Notei que estava triste e perguntei-lhe a razão. Gostei do seu filho, logo que o vi. Há qualquer coisa nele que me faz recordar de mim mesmo, em miúdo. Perguntei-lhe porque o pai não o acompanhava, e ele disse-me que o pai tinha morrido. É verdade?
-  O Martim sabe que sou viúva. 
Ele parou. Pegou na mão de Amélia e disse fitando-a:
- Viúva? Mas… e esta aliança? Pensei que era casada.
Amélia retirou a mão, e tentando disfarçar, gritou para o filho que não queria que se afastasse tanto.
-Ah! Percebo, -disse ele sorrindo. É o escudo que defende a Princesa do ataque dos dragões. Porquê, Amélia?
- Não percebo.
-É claro que percebe. Trás essa aliança para afastar possíveis pretendentes. Eu mesmo, nunca os teria deixado ir, sem conseguir  um contacto que me permitisse voltar a vê-la, se não fosse essa aliança. Porque deve ter percebido que simpatizei consigo desde que a vi. Felizmente para os dois, o destino parece querer juntar-nos. Primeiro, descubro que é a minha advogada, e agora que somos vizinhos.
- Com a morte do meu marido, descobri a sua traição. Foi um sofrimento muito grande, perdi a fé nos homens, e jurei a mim mesma, que nunca mais ia ser traída. Por isso tenho usado isto, sim, como um escudo.
Calou-se surpreendida com o que tinha acabado de confessar. Ela nunca reconhecera aquela verdade, nem para si própria.
- Mostre que é uma mulher de coragem, e faça um favor a si mesma. Tire essa aliança e jogue-a no rio.
- Engraçado, há duas horas atrás, a minha avó disse-me o mesmo.
- A sua avó acaba de ganhar a minha estima, - disse ele sorrindo
Pensativa Amélia rodou a aliança no dedo por alguns segundos. Depois decidida, tirou-a e lançou-a para a parte mais profunda do rio..

  

A VIDA É... UM COMBOIO - PARTE XX


Depois do almoço, Martim foi para o quarto fazer os TPC. Amélia arrumou a cozinha e depois avó e neta sentaram-se na sala. A jovem estava nervosa, com a ideia de voltar a ver Paulo. Há tantos anos que não tinha nenhuma espécie de convivência com o sexo oposto, a não ser claro as relações estritamente profissionais, que se sentia sem jeito. Depois, Paulo era um homem bonito, com uma figura tão marcadamente masculina, que ela sentia-se insignificante.
Com os óculos na ponta do nariz, e o tricô no regaço, a avó observava-a disfarçadamente. Ela nunca compreendeu, o isolamento a que a neta voluntariamente se submetera depois da morte de Afonso. Uma rapariga na plenitude da vida, jovem e bonita, com uma boa profissão, renunciar ao amor, era na sua opinião contra natura. E já se tinham passado quase doze anos, depois que ficara viúva.
- Que se passa, Amélia? Estás nervosa?
- Porque havia de estar?
- Não sei, diz-me tu. Já te levantaste e sentaste uma meia dúzia de vezes. Abriste o livro e voltaste a fechá-lo. Ligaste e desligaste a televisão, E não páras de rodar essa maldita aliança. Porque não aproveitas o passeio e a jogas ao rio?
- Tu, a Teresa, e o Carlos. Porque é que de repente, toda a gente quer que eu tire a aliança?
- Porque gostamos de ti, e vemos os anos a passar e tu a deixares que a vida passe por ti sem a aproveitares. O Martim já vai fazer dez anos. Daqui a pouco é um homem, cria asas e faz o seu próprio ninho. E o que te resta depois? Os netos? Nem isso é certo, ele pode ir viver para longe. Pensa nisso, filha. E se esse rapaz se interessar por ti, dá uma nova oportunidade à tua vida.
Amélia não teve oportunidade de responder, porque o filho apareceu na sala com os TPC, para a mãe ver, se estava tudo bem.
Verificou os trabalhos do filho, e devolveu-lhos. Depois lancharam e por fim saíram para o passeio em direção ao local onde Martim combinara encontrar-se com Paulo.
Ele já se encontrava sentado no mesmo sítio, onde estivera pela manhã. Vestia umas calças de ganga, já bastante gastas pelo uso, e uma camisa preta, cujas mangas se mostravam arregaçadas até ao cotovelo. Calçava ténis e na mão tinha um livro. As aventuras de tom Sawyer, de Mark Twain.
- Boa tarde, - saudou Amélia, estendendo-lhe a mão
- Boa tarde, - respondeu ele sem deixar de a fitar, enquanto retribuía o cumprimento. Foi uma surpresa encontrar aqui o nosso campeão, esta manhã.
Amélia sentiu que todo o sangue lhe subia ao rosto e amaldiçoou-se por isso. É que a palavra “nosso”, que ele pronunciara com tanta naturalidade, de repente teve para ela um cunho de intimidade tal que despertou a sua imaginação.
- Há anos que passamos aqui quase todos os fins-de-semana, e as férias. O Martim gosta desta liberdade de espaço, adora andar por aí com o Rex, e fazemos companhia à avó, que está muito sozinha e já é bastante idosa.

28.1.18

A VIDA É... UM COMBOIO - PARTE XIX




- Mãe, mãe, - gritou Martim
- Que aconteceu? Que gritaria é essa? – Perguntou, Amélia, saindo da cozinha a limpar as mãos ao avental
- Sabes quem eu encontrei junto ao rio?
- Como hei-de saber se não estava lá?
- O Paulo, o motard.
Sobressaltou-se a jovem.
- Junto ao rio? Não é local para motos.
- Estava a cavalo. Diz que tem aqui uma quinta.
- Deve ser o sobrinho do falecido António, - interrompeu a avó Maria.
- A avó sabe quem é?
-Conheci-o quando era um garoto. Andava sempre por aí com Alfredo o filho do caseiro. Mas isso foi há muitos anos. O caseiro morreu há vários anos e o filho assumiu o lugar do pai. Era uma pequena quinta, mas de há uns anos a esta parte, o tio desatou a comprar os terrenos todos à volta. Até a mim me fez uma proposta, depois da morte do teu avô, mas eu não seria capaz de viver noutro sítio.
- Ah! Então são vizinhos?
Sim. Embora eu não o tenha visto ainda. Aliás o tio dizia que ele vivia no estrangeiro. Mas vocês conhecem-se?
- O Paulo ajudou-nos naquele dia em que se furou o pneu do carro. O curioso, é que é nosso cliente.
- Vosso cliente? – Admirou-se a idosa
- Sim. É a nossa firma de advogados que trata de todos os assuntos jurídicos da firma dele.
- Sabes, interrompeu o garoto, - estivemos a conversar, e ele disse que se tu deixares me acompanha no jogo da escola. Deixas não deixas, mãe?
- Sinceramente Martim, achas bem apresentares-te na escola com um quase desconhecido?
- Mas nós já o conhecemos. Até a avó sabe quem é. Por favor, mãe.
- Está bem. Mas primeiro quero falar com ele. Quando é que lhe vais dar a resposta.
- Combinámos encontrar-nos esta tarde, junto ao rio. Eu gosto dele, sabes? Ele até ficou preocupado por eu estar ali sozinho que podia ser perigoso. Tive que lhe mostrar como o Rex tomava conta de mim.
- Está bem. Vai lavar as mãos que vamos almoçar em seguida.
- Sabes se o rapaz é solteiro? – Perguntou a avó, assim que Martim desapareceu na casa de banho.
- Não me digas que já estás armada em casamenteira, avó.
- E então, não me vais dizer que era uma má opção. O tio era um homem muito rico e que se saiba, não tinha outro herdeiro. Acho que vou convidá-lo para almoçar connosco amanhã. Política de boa vizinhança.
- Nem sonhes, avó. Nem sonhes.



27.1.18

A VIDA É...UM COMBOIO - PARTE XVIII



 Durante boa parte da manhã, Paulo cavalgou pela herdade, ouvindo as explicações de Alfredo, sobre as últimas aquisições do tio, foi apresentado aos trabalhadores, que preparavam as terras para as próximas sementeiras do milho e da beterraba. Ajudou a reparar uma cerca danificada e por fim, volta das onze horas despediu-se e regressou a casa, seguindo o curso do rio Nabão, recordando os tempos em que nele tomou banho em criança ou pescou, na companhia de Alfredo, sempre sob a vigilância de Casimiro. Pensava no que tinha ouvido nessa manhã. Seria possível que o seu tio tivesse amado a sua mãe, de tal modo que tivesse renunciado a ter uma família, em prol do filho da mulher que amara? De súbito, Paulo avistou uma figura de criança, sentado numa pedra perto do rio. Entretinha-se a jogar pequenas pedras à água, e a olhar os círculos que elas formavam. A seu lado, um belo exemplar de pastor alemão.
Ainda um pouco distante, a figura pareceu-lhe familiar, e não vendo nenhum adulto por perto, decidiu aproximar-se.  Atento o cão, começou a ladrar, e a criança virou a cabeça para ele. Paulo parou o animal, e sem desmontar, disse:
- Ora, ora, se não é o meu amigo Martim! Posso aproximar-me ou o teu amiguinho não é de confiança?
O pequeno levantou-se e segurando o cão pela coleira, fez-lhe uma festa na cabeça, murmurando.
- Quieto, Rex. O Paulo é meu amigo.
Paulo desmontou, prendeu o cavalo a uma árvore e aproximando-se deixou-se cair junto do menino que tinha voltado a sentar-se.
- Que fazes por aqui, campeão? Os teus pais sabem que vieste para o pé do rio?
- A mãe sabe. Venho, desce pequeno. Não tem perigo, queres ver?
Levantou-se e caminhou em direção da margem do rio. Mal deu dois passos, o cão agarrou-lhe na perna das calças e começou a puxá-lo para trás.
- Estou a ver. Um guardião de peso. Mas, costumas vir para aqui?
- Sim. Desde que me lembro, venho muitas vezes, nos fins-de-semana, e férias, passar um tempo com a bisavó Maria.  Vive naquela casa além. E tu? Moras por aqui?
- Aqui e em Lisboa. Aqui tenho uma quinta, sabes. Mas tu pareces triste. Gostavas mais de estar na cidade?
- Não. Gosto de estar aqui. Estou triste, porque as aulas vão acabar, vai haver uma festa, com torneio de futebol entre pais e filhos, e eu não tenho com quem ir.
- Porquê? O teu pai, não pode ir?
- O meu pai morreu. A mãe diz que viajou, mas eu sei que morreu. Ela não me quer dizer para eu não ficar triste. Nunca o vi, sabes? E é triste, que nunca possa entrar nos jogos, por não ter pai.
Paulo sentiu a tristeza do garoto como se fosse sua. Depois de uns minutos em silêncio, perguntou:
- E não podes levar um amigo, um familiar?
- Sim, mas quem? O meu tio vai viajar para Cabo Verde.
- Acho que encontrei a solução. Se a tua mãe deixar, convidas-me e eu entro no jogo contigo.
- Farias isso por mim?
-Claro.
-Vou falar com a mãe. Mas como te encontro depois?
- Fala com a tua mãe, e dás-me a resposta aqui, logo à tarde. Está bem assim?
-Está, - disse o garoto, abraçando-se ao seu pescoço num impulso.



Para quem quiser continuar a ver o meu passeio por Alcobaça, pode fazê-lo AQUI



26.1.18

A VIDA É... UM COMBOIO - PARTE XVII



Paulo levantou-se cedo. Tomou um duche, e foi até à cozinha onde começou a preparar o pequeno-almoço. Tinha chegado na véspera já bem tarde, à quinta, onde em pequeno tanta vez brincara, nas longas férias da escola. De toda a sua infância, aqueles eram os únicos tempos de que sentia saudades. Dos passeios pela margem do rio, com Alfredo, o filho do caseiro. Pouco mais velho que Paulo, foi seu companheiro de brincadeiras e de pesca, quando  Casimiro, o pai, decidia ir com os dois à pesca no rio Nabão. Também se lembrava bem dos doces, que Augusta, a mulher do caseiro lhes fazia. Os anos passaram, eles cresceram, e enquanto Paulo ia para a Universidade, Alfredo, terminado o secundário, ficou a trabalhar na quinta com o pai. Um dia, num bailarico em Alvaiázere, conheceu uma moçoila da freguesia de Lagarteira, por quem se apaixonou. Mais tarde, quando o pai faleceu, Alfredo assumiu com naturalidade o lugar de caseiro. Paulo não ia à quinta desde que Alfredo casara há uns quinze anos atrás. Mas quando chegara na véspera, fora recebido com o mesmo carinho de sempre, especialmente pela velha Augusta, que se emocionou até às lágrimas ao abraçar o “seu menino”
- Bom dia, - saudou Alfredo ao entrar na cozinha, com a sua mulher. Não perdeste o hábito de te levantares cedo.
-Dormir num sítio com este é uma perda de tempo. Ainda há cavalos na quinta?
- Claro. O teu tio adorava-os e são ótimos para percorrer a herdade. Não sei se tens conhecimento, mas isto já não é uma simples quinta. O teu tio foi comprando terrenos, sempre que alguém queria vender e hoje é uma das maiores herdades da zona. Temos zonas de cultivo e de pastoreio. E um bom rebanho.
- Não sei para que queria tantas terras, tanta riqueza. Levou uma vida de escravo sempre a trabalhar, sempre a amealhar, nunca amou, nunca viveu verdadeiramente.
- Não sabemos se nunca amou. Se calhar tentou esquecer no trabalho um amor impossível.
- Que queres dizer com isso? Nunca lhe conheci nenhum interesse amoroso.
- Uma vez, meu pai disse que a mulher que ele amou mais do que a si próprio, tinha escolhido o irmão.
- A minha mãe? – Perguntou surpreendido.
- Não sei. Mas pode ter sido por isso que ele tenha tomado conta de ti e tenha lutado para fazer de ti um homem muito rico. Sabes que confessou à minha mãe, que o maior desgosto que tinha, era de morrer, sem te deixar casado e com filhos?
Tinham acabado a refeição.
- Selo dois cavalos e vens comigo? – Perguntou Alfredo no momento em que a sua mãe entrava na cozinha com os dois netos.
- São os teus filhos? – Perguntou Paulo, olhando para os dois rapazinhos.
- São. António tem onze anos, está no sexto ano, e Paulo com oito está no terceiro. Matilde, só tem três anos e ainda dorme até tarde.
- Parabéns. São muito bonitos. Vamos lá então ver como está a propriedade.



25.1.18

A VIDA É... UM COMBOIO - PARTE XVI




Pararam no caminho para jantar num restaurante à beira da estrada.
- Que se passa, mãe? Estás preocupada?- Perguntou Martim, enquanto saboreava o gelado que pedira como sobremesa.
- Aborrecida, filho. Falei hoje com o teu tio, e ele vai viajar para Cabo Verde, na próxima quinta-feira.
- Ó! Isso quer dizer que não tenho quem me acompanhe na festa.
- Eu estarei lá, filho. Estarei sempre a teu lado em todas as tuas festas.
-Eu sei, mãe. Mas não é a mesma coisa. Já te expliquei no outro dia. Quando eu era pequeno, disseste que o meu pai, estava em viagem, para que eu não ficasse triste, mas hoje eu sei que mentiste.
- Porque é que dizes isso?
- Porque eu sei que és viúva, e se o és, quer dizer que meu pai morreu. Nunca vou poder, jogar à bola com ele, nem passear, ou ir à praia. Tenho um amigo, o Hugo, que o pai morreu quando ele tinha dois anos. Mas agora vai ter um novo pai.
- Como assim?
- A mãe dele vai casar. Tu não podias casar outra vez?
- Não é tão simples assim, filho. Para se casar é preciso gostar muito de outra pessoa. E esperar que essa pessoa goste igualmente de nós.
Chamou o empregado, pediu a conta, pagou e levantou-se:
- Vamos, se nos atrasamos a avó fica em cuidado.
O resto da viagem decorreu em silêncio. De vez em quando, Amélia olhava o filho pelo espelho retrovisor, mas o gaiato mantinha-se sério, o rosto voltado para a paisagem, perdido sabe-se lá em que pensamentos.
Foram recebidos com alegres latidos, por Rex, mas nem o fiel amigo, conseguiu alegrar o menino, que depois de beijar a sua bisavó anunciou que estava cansado e ia dormir.
- O que tem ele, filha? – Perguntou a idosa à neta, logo que ficaram sós.
- Está triste. Na sexta-feira é a festa da escola, vai haver um jogo de futebol em que eles devem ir com o pai. Martim contava ir com o tio, mas o Ricardo vai de férias para Cabo Verde.
- Pois é filha, essas modernices de produção independente, são muito bonitas na teoria, mas as crianças crescem e sentem a falta de um pai. E tu melhor que ninguém devias ter pensado nisso. Não sentiste tu sempre a falta da tua mãe?
- É diferente avó. Eu não me tenho preocupado apenas com a parte material da sua educação. Eu dei-lhe todo o meu amor.
- Sim, filha sim. Mas o que ele quer na festa da escola, é mais do que o teu amor. É um pai.

Atenção, a quem quiser dar uma olhada pelo meu registo de passeio, pode fazê-lo AQUI

24.1.18

A VIDA É... UM COMBOIO - PARTE XV




O resto da semana, foi de trabalho intenso para Amélia, de tal modo que até se esqueceu de falar com o irmão sobre a festa do filho, coisa que ele acabara de lhe recordar, quando o fora buscar naquela Sexta-feira.
Mal chegou a casa, e enquanto o filho preparava as suas coisas para o fim-de-semana, em casa da avó Maria, pegou no telemóvel e telefonou ao irmão.
- Ora vejam se não é a minha irmãzinha querida. Como vais? E o meu sobrinho? Continua a ser o melhor aluno da turma?
- Viva Ricardo. Não são grandes as saudades da gente. Nunca apareces, não telefonas.
- Telefonaste para me recriminar?
- De modo algum. Telefonei para te pedir um favor especial. O Martim, vai ter para a semana, a festa de fim do período escolar. Vai haver um torneio de futebol entre pais e filhos, e ele pede-te que vás com ele, em vez do pai.
- Para a semana, em que dia?
- Sexta-Feira.
- Tenho imensa pena, mas não vou cá estar. No Domingo é o nosso aniversário de casamento, tirámos uns dias de férias e vamos para Cabo Verde. Assim como se fosse uma segunda lua-de-mel. Partimos quinta-feira no avião da noite.
- Meu Deus. O Martim vai ficar arrasado.
- Não podes pedir a um colega?
- Estás doido? O único que ele conhece, e que aceitaria é o Carlos, mas ele tem sessenta anos. Estás a vê-lo a jogar futebol na escola com os miúdos? Ia ser uma risada.
-Tenho muita pena, maninha, mas não posso fazer nada. Se me tivesses falado antes de comprar os bilhetes, teria marcado a viagem para o dia seguinte, mas assim…
- Ok. Não te preocupes. Se não voltarmos a falar, desejo-te uma feliz viagem, e uma ótima lua-de-mel. Dá um abraço à São.
- Obrigado. Beijos para os dois.
Desligou o telefone, e ficou pensativa. Quando pensou em ter um filho por inseminação, fê-lo para compensar a dor da traiçãodo marido, e da perda do seu próprio bebé. Agiu emocionalmente, não pensou que mais tarde poderia vir a arrepender-se daquela decisão. E agora… não é que estivesse arrependida de ter tido o filho. Ele era o grande amor da sua vida. Mas como podia ela compensar a sua dor, de não ter um pai a acompanhá-lo no crescimento.
- Estou pronto, mãe. Não vamos embora? Depois vamos chegar de noite e dizes sempre que não gostas de conduzir de noite.
- Vou já filho. Levas os livros para fazeres os trabalhos de casa?
- Claro, mãe. Não ia deixar para domingo, não sei a que horas chegamos.
- Então dá-me cinco minutos, para meter algumas coisas numa mala e vamos já.



Atenção, a quem quiser dar uma olhada pelo meu registo de ontem, pode fazê-lo AQUI

23.1.18

A VIDA É...UM COMBOIO - PARTE XIV




 - Bom dia, mãe! Falas com o tio hoje?
- Bom dia, filho. Porque havia de falar com o teu tio? Já não o vejo há semanas.
- A festa da final de período, na próxima semana. As provas com os pais. Se o tio fosse contigo, podia entrar comigo nas provas. Já que meu pai foi de viagem e nunca mais volta, o tio Ricardo podia fingir que era meu pai.
- E eu não posso entrar nessas provas?
- Ias jogar futebol com os pais dos meus colegas? Não mãe, as mães entram nas provas das meninas.
- Está bem. Vou falar com o teu tio. A festa é quando?
- No último dia de aulas, na Sexta-Feira da próxima semana.
- Tudo bem, vou pedir ao teu tio. Agora acaba de comer e vai escovar os dentes, estamos a ficar atrasados, a mãe não quer chegar atrasada, e tu decerto também não.
Meia hora depois, estavam a sair de casa. Amélia deixou Martim na escola e seguiu para o escritório, pensando que em breve teria que ter uma conversa séria com o filho, sobre a história do seu nascimento. Quando ele foi para o infantário e viu os pais dos outros meninos, começou a questioná-la se o pai tinha morrido. Seria fácil para ela dizer que Afonso, era o seu pai e sim tinha morrido, mas ela não quis mentir ao filho. Um dia mais tarde, quando adulto, ele podia querer saber quem era o seu pai, e então o tio podia dizer-lho. Ela não queria saber, mas o seu filho tinha direito a conhecer a sua história genética, e daí, ter-lhe dito que o seu pai tinha ido fazer uma grande viagem e ela não sabia quando ele voltaria. Agora com quase dez anos. Martim, já podia entender muitas coisas, e ela devia contar-lhe a maneira como tinha sido concebido, embora tivesse que omitir alguns factos, não fosse o garoto pressionar o tio para saber do pai, porque para isso ainda era muito cedo.
- Bom dia, Pedro. Como foi o dia ontem?
- Tudo bem. Elaborei a defesa daquele caso que me deste ontem. Não parece muito difícil, é um caso típico de violência psicológica, que o tipo exerce sobre a mulher e a filha.
- É Mas já viste quem é o advogado dele? Conhece-lo? Antes de elaborares a defesa ou acusação de alguém, tens que estudar o advogado do lado contrário. Tens que conhecer as suas manhas e truques, ou ele arruma-te em dois tempos. Vamos lá então…
 Duas horas mais tarde, deixou Pedro e dirigiu-se ao gabinete de Carlos.
- Bom dia, Carlos, desculpa não vir mais cedo, mas estive a trabalhar com o Pedro.
- Bom dia. Não te preocupes. Tenho estado a adiantar, aqui o processo do teu amigo.
- Não brinques, Carlos. Não passa de um conhecido que me prestou auxílio na estrada.
- Estava a brincar mulher, não te amofines. Vamos trabalhar?



Acabei de chegar. Vou jantar e já passo pelos vossos cantinhos.

22.1.18

A VIDA É... UM COMBOIO - PARTE XIII






Encontrava-se sozinha na sala, indecisa, entre ler “Mar me quer” de Mia Couto, que Matilde lhe oferecera pelo Natal, e que ainda não tivera oportunidade de ler, ou procurar na televisão um filme. Martim já dormia, mas ela, inquieta, não tinha vontade de se deitar.
Relembrou tudo o que acontecera naquele dia, desde que o chefe a chamara de manhã, para lhe comunicar que ficaria no lugar de Carlos. Quando assumisse oficialmente, passaria a ser mais um membro da sociedade de advogados onde trabalhava há doze anos, sempre como simples advogada, porque pouco tempo depois de ter entrado como estagiária, o seu patrão e principal acionista da empresa, morrera subitamente, e o filho assumiu o lugar. Ele tinha sessenta por cento da sociedade, e cada um dos outros quatro advogados, mantinha uma quota de dez por cento, que lhe era oferecida, quando era promovido. Amélia era assim a única advogada não sócia, e aquela a quem os outros entregavam os casos que não lhes dava interesse nem lucro.
Por vezes interrogava-se, porque não saía, montava um pequeno escritório e trabalhava por conta própria.  Mas seria começar de novo, e a ela ia faltando a paciência, para tanta luta.
Desde menina, sempre soube que teria que lutar, para conseguir o que queria. Nunca teve ninguém que a amparasse e protegesse. A mãe morrera quando ela tinha três anos, e o pai, vivia demasiado atarefado em conseguir ganhar o suficiente para criar os dois filhos, para se preocupar com as carências afetivas que ela pudesse ter.
Ricardo o irmão, habituou-se a olhar apenas para si, e a viver o seu próprio abandono afetivo, da maneira que menos lhe doesse. Amélia, menina sensível, apenas se sentia feliz quando a avó Maria, visitava o filho e passava dois ou três dias com os netos. Mas as visitas eram sempre muito breves, havia muito trabalho na quinta, e o avô também não gostava de estar muitos dias sem a esposa por perto. No primeiro dia de aulas, Afonso, viu-a sozinha, e foi ter com ela. Deu-lhe a mão e levou-a a participar da brincadeira no recreio. Nesse dia, Afonso ganhou um amor incondicional da menina, que durou até depois da sua morte, quando descobriu a sua traição. Nunca namorou outro homem, nunca sequer trocou um beijo com outro rapaz que não fosse Afonso.
Por isso a traição do marido lhe doeu tanto. E daí o ter-se excluído de viver qualquer outro sonho de amor. Foi opção sua. Então porquê, agora aquele desassossego? Agora que finalmente ia fazer parte da sociedade, era para se sentir feliz, e não estava. Teriam os amigos, razão. Deveria ela dar uma nova oportunidade à sua vida amorosa?
Olhou o relógio. Meia-noite. Tinha passado o serão ensimesmada com os seus pensamentos, não acabara de ler o livro, nem vira o filme. Suspirando, levantou-se, foi à cozinha, aqueceu um copo de leite e bebeu.  Antes de entrar na casa de banho para lavar os dentes, foi ao quarto do filho, aconchegou-lhe a roupa e beijou-o murmurando:
- Dorme bem, meu amor!





Este é o post de amanhã. Porque amanhã não estarei em casa,vou andar por Alcobaça, na rota dos amores de Pedro e Inês.  Provavelmente só vos visitarei à noite se não chegar muito cansada.  

A VIDA É... UM COMBOIO - PARTE XII





- Não brinques com esse tipo de coisas, amigo.
- Penso que a Teresa tem razão. Devias dar sumiço nessa aliança. É verdade que o Afonso foi um crápula, mas tu melhor que ninguém sabes que é injusto julgar todos pela mesma bitola. Além de que onze anos, é tempo mais do que suficiente para esqueceres e virares a página. És uma mulher muito bela, és uma profissional competente, e uma mãe extremosa. Mas pergunto-me se isso é suficiente para uma mulher jovem e saudável como tu. Desculpa se me estou a meter onde não devo, mas tanto eu como a Teresa gostamos muito de ti. Deves lembrar-te como te apoiamos e defendemos no escritório, quando fizeste a inseminação menos de um ano depois de teres ficado viúva. Talvez porque a vida não quis dar-nos a alegria de sermos pais, e tu tens idade de poderes ser nossa filha, sentimo-nos um pouco como se realmente fossemos da família. Falamos muitas vezes de ti e pensamos que deves sentir falta do abraço de um homem. E depois há o Martim. Não achas que ele sente a falta de um pai? O teu irmão, sempre foi muito independente, nunca fez muita companhia ao menino, e depois que casou, então nem deve aparecer na vossa casa, para ver como estão. Segue o nosso conselho, Amélia. Deita fora essa aliança e dá uma nova oportunidade a ti mesma. Olha, a Teresa sempre diz, que a vida é como um comboio. Durante anos vai passando por ti, e nem lhe ligas. Mas na maioria das vezes quando te decidas a apanhá-lo, é tarde demais, já desativaram a linha.
- Vou pensar nisso, Carlos, mas não prometo nada. Está quase na hora de saída do Martim, se não precisas de mim, já nem entro. Por favor dizes ao Pedro que guarde tudo, e que amanhã de manhã eu vejo o que ele precisar?
- Vai descansada. O dia hoje foi complicado. Amanhã depois de verificares o trabalho dele, vai ter comigo. Temos muitas coisas para analisar. Dá um beijo ao Martim.
- Obrigado por tudo. A ti e à Teresa. Nós também gostamos muito de vocês.
Saiu do carro do amigo e colega e dirigiu-se ao outro lado do parque onde estacionara o seu veículo.
Não sabia o que se passava com ela, mas de há uns tempos a esta parte trazia um grande desassossego no corpo e na alma.
Pôs o carro a trabalhar, e arrancou em direção à escola do filho, enquanto recordava o que os amigos lhe tinham dito. Há onze anos que tinha ficado viúva e nunca mais tinha tido nenhuma relação. O trabalho e o amor do filho preenchiam por completo a sua vida. Então porque é que ultimamente se sentia tão desassossegada? Seria uma questão hormonal?
E tudo tinha piorado, desde que no fim-de-semana, tinha encontrado Paulo Guerra. Aquele homem perturbara-a. O seu olhar, poisava nela, de uma forma atrevida, como uma carícia. Ou então era a sua imaginação  que lhe pregava uma partida. E por ironia do destino, era ela quem ia cuidar dos interesses jurídicos dele.



21.1.18

A VIDA É...UM COMBOIO - PARTE XI




- Porque é que havia de ter? – Perguntou arqueando uma sobrancelha. Só não sei muito bem como funcionam as coisas entre esta empresa e a vossa firma. Recebi uma visita em Viena, de alguém que se apresentou como estando mandatado pela fossa firma, para me encontrar e entregar uma carta, na qual o senhor me informava da morte do meu tio, de que eu era o seu herdeiro, e devia apresentar-me na firma, onde numa reunião me seria lido o testamento, e me poriam a par de todas as questões jurídicas. Meus pais morreram muito jovens, e meu tio que assumiu a minha educação, fez-me cursar gestão e contabilidade, coisa para a qual na época não tinha nenhuma inclinação. Pelo que quando acabei o curso e ele me entregou o pouco que meus pais me tinham deixado, comprei uma moto e parti à aventura. Como tal deve compreender que não saiba como meu tio geria a empresa, que não tivesse nenhuma noção do que ela crescera, e que pensasse que meu tio tivesse aqui mesmo nos escritórios, os seus advogados, e não que a empresa estivesse a esse nível entregue a uma outra empresa.
- E o senhor tenciona fazer isso?- Perguntou Carlos
- O quê?
- Quebrar o contrato com a nossa firma, e trazer aqui para os seus escritórios, um ou mais advogados da sua confiança, - respondeu Amélia.
Paulo sorriu, e o seu rosto suavizou-se
- Volto a repetir-me. Porque havia de o fazer, se as coisas têm funcionado bem até agora? Limitei-me a expôr o meu desconhecimento de causa. Mas não tenha dúvida, de que o farei se dentro de meses ou anos, algo correr menos bem, convosco. Posso parecer indolente, desinteressado, mas sei bem cuidar, do que é meu.
Amélia baixou o olhar incomodada. Porque é que aquelas palavras a incomodavam? Não duvidava do seu profissionalismo nem da sua competência, não tinha que recear.
- Então, - disse Carlos abrindo a pasta- vamos lá à leitura oficial do testamento, e à assinatura dos documentos necessários, para que possa  tomar posse do que é seu.
Mais de uma hora depois, no regresso ao escritório, os dois advogados conversavam.
- Confesso que me enganei, quando pensei que o sobrinho do velho António, ia ser presa fácil, para a concorrência, - disse Carlos. O homem, tem fibra.
- Parece que sim.
-Sabes que por momentos pensei que ele ia dizer que não estava interessado em manter o contrato, e que preferia ter os seus advogados, perto dele, e trabalhando em exclusivo no seu escritório?
- Pensei o mesmo. Talvez reflexo de ter um chefe que não gosta de promover mulheres, penso sempre se o cliente não é capaz de confiar em mim, pelo facto de ser mulher. E quando anunciaste que seria eu a tratar dos problemas jurídicos da sua empresa, fiquei à espera que me descartasse.
- Que disparate, Amélia. És mais competente, e estás melhor preparada que os outros colegas masculinos que temos na firma. E este cliente correu mundo, logo não tem decerto preconceitos desses. Aliás, acho que ele gostou bastante da ideia de trabalhares para ele. Algumas vezes,  creio ter surpreendido, um certo brilhozinho nos olhos dele, quando te olhava.

20.1.18

A VIDA É ... UM COMBOIO - PARTE X





Eram duas e cinquenta de uma bela e primaveril tarde, de meados de Abril, quando Carlos e Amélia entraram no moderno edifício de escritórios, sede da empresa de camionagem, que representavam. Pelo caminho, Carlos falara da empresa para onde se dirigiam, informando-a que era a maior do país, e uma das grandes empresas do ramo, na Europa. Era segundo ele, o mais importante cliente da firma de advogados, que os empregava. Um cliente a tratar com muito cuidado, pois seria um rombo na economia da sociedade de advogados perdê-lo. O dono, um septuagenário, nunca se casara, e ao morrer fizera seu herdeiro universal, um sobrinho que ninguém conhecia, pois vivia no estrangeiro. Eles tiveram que recorrer a um dos melhores detetives para o encontrar. O investigador, localizou-o, num bar em Viena.
- Bêbado?
- Não, empregado. Pelo relatório do detetive, parece ser um espírito livre e aventureiro, que correu meio mundo, e que se não for bem assessorado, vai levar a firma à falência em três tempos, pois não deve estar minimamente preparado, para os abutres que vão tentar enganá-lo.
- Mas nós vamos fazê-lo. Afinal é para isso que nos paga, não é verdade?
- Tu vais fazê-lo, porque és muito competente e porque tens uma grande noção de lealdade. Eu estou fora da firma dentro de dois meses. Por isso quis que viesses hoje comigo. O cliente tem que saber com quem pode contar, desde o primeiro momento.
Tinham chegado. Fizeram-se anunciar à secretária, uma mulher a beirar os cinquenta anos, alta e magra, de óculos, cabelos escuros presos num coque e fato castanho, que os acompanhou ao gabinete onde o cliente os esperava, e depois de ter batido com os nós dos dedos, abriu a porta e lhes deu passagem.
- Boas tardes. Sejam bem-vindos, - disse o homem que estava sentado atrás da enorme secretária, pondo-se de pé, e encaminhando-se para eles.
- Boa tarde, - respondeu Carlos
Amélia ficou sem voz. Ali na sua frente, num impecável fato azul, estava Paulo, o “motard” que tanto a impressionara, dias atrás quando a ajudara a substituir o pneu.
- Mas que surpresa? Quando recebi a vossa carta,  a marcar esta reunião, não podia adivinhar que uma das minhas advogadas, fosse a Amélia, - disse estendendo-lhe a mão.
- Mas, já se conhecem? – Perguntou Carlos surpreendido.
- O senhor Paulo Guerra, ajudou-me há dias na estrada, trocando-me o pneu que estava furado, pelo sobressalente. Não fazia ideia de que pudesse ser o nosso cliente.
- É, a vida é cheia de surpresas,- disse estendendo a mão a Carlos. Mas por favor sentem-se. Então era na vossa firma, que o bom do meu tio confiava, para resolução dos seus problemas jurídicos?
- O seu tio trabalhou com a firma que representamos durante mais de vinte anos. Os últimos dez, assessorado por mim, e não tenho razões para crer que alguma vez tivesse razões de queixa. Como vou encerrar a minha vida profissional, dentro de dois meses, será a Amélia, a minha substituta, logo será a ela que caberá essa tarefa. Posso assegurar-lhe que é muito competente, e que confio nela como em mim mesmo. Tem algum problema com essa substituição?

     

19.1.18

A VIDA É... UM COMBOIO - PARTE IX







Carlos saudou a esposa com um beijo breve.
- Boa tarde, querida. Olha quem trouxe para almoçar connosco.
- Espero que não te importes, - disse Amélia.
- De modo algum, fico feliz de que o Carlos tenha conseguido arrancar-te à tua vida de reclusão. Vamos sentar-nos?
Escolheram uma mesa um pouco afastada e sentaram-se.
- E como vai o teu pequeno Príncipe? Não o vejo desde que há dois anos esteve na festa da minha sobrinha-neta. Deve estar bem crescido, as crianças agora parecem crescer mais depressa do que no nosso tempo.
- Está realmente crescidinho. É um bom menino, muito inteligente, é o melhor aluno da turma e quase não abre os livros.
- Sabes, com a minha reforma, a Amélia vai finalmente ser promovida. Vai ficar com a minha quota, e o meu lugar.
- Aleluia! Só por isso já valeu a pena pedires a reforma antecipada.
-Penso que foi mesmo por isso, - disse Amélia. A ideia do chefe devia ser preparar o Pedro para ocupar o lugar do teu marido. Com esta antecipação ficou como o povo diz, no mato sem cachorro. Não pensas o mesmo, Carlos?
- É claro que sim. Ele sempre pensou que ao deixar-te para trás nas promoções, tu pedirias a demissão. Mas tu aguentaste firme, és uma excelente profissional, bem melhor do que alguns que te ultrapassaram, e ele não pôde despedir-te. Palavra que nunca entendi como um homem tão sensato e liberal como era o seu pai, pode ter tido um filho com ideias tão retrógradas e discriminatórias.
Calaram-se com a aproximação do empregado. Fizeram os pedidos e só depois que ele se afastou, Teresa perguntou:
- Nunca mais vais tirar essa aliança, Amélia? Desculpa a pergunta, mas conheço-te há mais de dez anos. Deves lembrar-te que eu era a secretária do senhor Sousa e que estava a teu lado quando soubeste da morte do teu marido. Despedi-me e mudei de emprego quando o Carlos foi promovido, mas ainda acompanhei a tua gravidez. Ambos temos um grande carinho por ti, e não gostamos de ver que te fechaste para a vida e para o amor.
- Sei. Também gosto muito de vocês e espero que a reforma do teu marido, não signifique um afastamento total. Tenho a certeza de que vou precisar dos conselhos do Carlos. Quanto à aliança ela defende-me de alguns atrevidos. O amor não se fez para mim, Teresa. Casei tão apaixonada que teria dado a minha vida pelo meu marido. E o que é que ele me deu em troca? Traição. Nunca mais quero passar por esse sofrimento.
- Credo, mulher, pareces uma velha a falar. Sabes o que a minha avó costumava dizer? A nódoa de uma amora verde, com outra amora, se tira, que é como quem diz, o sofrimento de um mau amor, com outro amor se esquece.
O empregado aproximou-se com os pratos, e o resto da refeição decorreu de forma amena, como se os três desejassem pôr ponto final nos assuntos pessoais.


18.1.18

A VIDA É... UM COMBOIO - PARTE VIII






- Entra. Já ia ter contigo. Estava aqui a passar ao Pedro os casos mais urgentes.
Carlos, o homem que entrara no gabinete, vestia um impecável fato cinzento, que não escondia um ventre um pouco proeminente. Completamente calvo, tinha uns olhos vivos, e um ar bonacheirão,  que podia enganar qualquer opositor, até que se cruzasse profissionalmente com ele.
- Finalmente o chefe fez-te justiça.
Amélia sorriu.
-Ambos sabemos, que não foi um caso de justiça, mas um caso de não opção de escolha, - disse
-Tens razão se houvesse justiça nas decisões dele, há muito tinhas sido promovida. Bom, estás despachada até à hora do almoço? Preciso de ti esta tarde, já que às três vou reunir com um dos clientes mais importantes que assessoramos, e uma vez que me vais substituir seria bom que fossemos os dois. Se não vais almoçar a casa, podíamos almoçar juntos, isto é se não te importas de almoçar com a Teresa, já que como sabes, almoçamos sempre juntos.
- Por mim tudo bem. Claro que nos próximos dias vou ter que me dividir entre o teu gabinete e este, pois o Pedro vai precisar da minha experiência, em alguns casos mas estou convencida que vai dar tudo certo.
- Então passo por aqui há uma. Até logo. Parabéns Pedro. Espero que agarres o lugar.
- Obrigado- Vou esforçar-me por merecê-lo, - disse o jovem.
Carlos saiu e Pedro perguntou:
- Trabalhas aqui há muito?
- Entrei como estagiária há doze anos. Ainda cá estava o pai do chefe e foi ele que me admitiu. Tenho a certeza de que se não fosse assim, não teria entrado. O pai era uma excelente pessoa. O filho pensa que as mulheres, não têm a mesma capacidade laboral dos homens. Que o nosso lugar é a casa, onde passaríamos o tempo a cuidar dos filhos e a embonecarmo-nos para agradar aos homens.  Desde que o pai se retirou, mais nenhuma mulher foi admitida. Na promoção, já por duas vezes fui preterida por colegas com menos experiência. Tenho a certeza de que a reforma do Carlos o apanhou desprevenido. Todos pensávamos que ele ia continuar. Voltando ao trabalho, estuda este processo, em primeiro lugar, o julgamento é já dia  quinze. Depois fala comigo diz-me como pensas estruturar a defesa e eu ajudar-te-ei. Também estarei a teu lado no tribunal nas primeiras audiências.