Depois do almoço, Martim foi para o quarto fazer os TPC. Amélia arrumou a cozinha e depois avó e neta sentaram-se na sala. A jovem estava nervosa, com a ideia de voltar a ver Paulo. Há tantos anos que não tinha nenhuma espécie de convivência com o sexo oposto, a não ser claro as relações estritamente profissionais, que se sentia sem jeito. Depois, Paulo era um homem bonito, com uma figura tão marcadamente masculina, que ela sentia-se insignificante.
Com os óculos na ponta do nariz, e o tricô no regaço, a
avó observava-a disfarçadamente. Ela nunca compreendeu, o isolamento a que a
neta voluntariamente se submetera depois da morte de Afonso. Uma rapariga na
plenitude da vida, jovem e bonita, com uma boa profissão, renunciar ao amor,
era na sua opinião contra natura. E já se tinham passado quase doze anos, depois
que ficara viúva.
- Que se passa, Amélia? Estás nervosa?
- Porque havia de estar?
- Não sei, diz-me tu. Já te levantaste e sentaste uma
meia dúzia de vezes. Abriste o livro e voltaste a fechá-lo. Ligaste e
desligaste a televisão, E não páras de rodar essa maldita aliança. Porque não
aproveitas o passeio e a jogas ao rio?
- Tu, a Teresa, e o Carlos. Porque é que de repente, toda
a gente quer que eu tire a aliança?
- Porque gostamos de ti, e vemos os anos a passar e tu a
deixares que a vida passe por ti sem a aproveitares. O Martim já vai fazer dez
anos. Daqui a pouco é um homem, cria asas e faz o seu próprio ninho. E o que te
resta depois? Os netos? Nem isso é certo, ele pode ir viver para longe. Pensa
nisso, filha. E se esse rapaz se interessar por ti, dá uma nova oportunidade à
tua vida.
Amélia não teve oportunidade de responder, porque o filho
apareceu na sala com os TPC, para a mãe ver, se estava tudo bem.
Verificou os trabalhos do filho, e devolveu-lhos. Depois
lancharam e por fim saíram para o passeio em direção ao local onde Martim
combinara encontrar-se com Paulo.
Ele já se encontrava sentado no mesmo sítio, onde
estivera pela manhã. Vestia umas calças de ganga, já bastante gastas pelo uso,
e uma camisa preta, cujas mangas se mostravam arregaçadas até ao cotovelo.
Calçava ténis e na mão tinha um livro. As aventuras de tom Sawyer, de Mark
Twain.
- Boa tarde, - saudou Amélia, estendendo-lhe a mão
- Boa tarde, - respondeu ele sem deixar de a fitar,
enquanto retribuía o cumprimento. Foi uma surpresa encontrar aqui o nosso
campeão, esta manhã.
Amélia sentiu que todo o sangue lhe subia ao rosto e
amaldiçoou-se por isso. É que a palavra “nosso”, que ele pronunciara com tanta
naturalidade, de repente teve para ela um cunho de intimidade tal que despertou
a sua imaginação.
- Há anos que passamos aqui quase todos os fins-de-semana,
e as férias. O Martim gosta desta liberdade de espaço, adora andar por aí com o
Rex, e fazemos companhia à avó, que está muito sozinha e já é bastante idosa.