- Boa tarde, querida. Olha quem trouxe para almoçar
connosco.
- Espero que não te importes, - disse Amélia.
- De modo algum, fico feliz de que o Carlos tenha
conseguido arrancar-te à tua vida de reclusão. Vamos sentar-nos?
Escolheram uma mesa um pouco afastada e sentaram-se.
- E como vai o teu pequeno Príncipe? Não o vejo desde que
há dois anos esteve na festa da minha sobrinha-neta. Deve estar bem crescido, as
crianças agora parecem crescer mais depressa do que no nosso tempo.
- Está realmente crescidinho. É um bom menino, muito
inteligente, é o melhor aluno da turma e quase não abre os livros.
- Sabes, com a minha reforma, a Amélia vai finalmente ser
promovida. Vai ficar com a minha quota, e o meu lugar.
- Aleluia! Só por isso já valeu a pena pedires a reforma
antecipada.
-Penso que foi mesmo por isso, - disse Amélia. A ideia do
chefe devia ser preparar o Pedro para ocupar o lugar do teu marido. Com esta
antecipação ficou como o povo diz, no mato sem cachorro. Não pensas o mesmo,
Carlos?
- É claro que sim. Ele sempre pensou que ao deixar-te
para trás nas promoções, tu pedirias a demissão. Mas tu aguentaste firme, és
uma excelente profissional, bem melhor do que alguns que te ultrapassaram, e
ele não pôde despedir-te. Palavra que nunca entendi como um homem tão sensato e
liberal como era o seu pai, pode ter tido um filho com ideias tão retrógradas e discriminatórias.
Calaram-se com a aproximação do empregado. Fizeram os
pedidos e só depois que ele se afastou, Teresa perguntou:
- Nunca mais vais tirar essa aliança, Amélia? Desculpa a
pergunta, mas conheço-te há mais de dez anos. Deves lembrar-te que eu era a
secretária do senhor Sousa e que estava a teu lado quando soubeste da morte do
teu marido. Despedi-me e mudei de emprego quando o Carlos foi promovido, mas
ainda acompanhei a tua gravidez. Ambos temos um grande carinho por ti, e não
gostamos de ver que te fechaste para a vida e para o amor.
- Sei. Também gosto muito de vocês e espero que a
reforma do teu marido, não signifique um afastamento total. Tenho a certeza de que vou
precisar dos conselhos do Carlos. Quanto à aliança ela defende-me de alguns atrevidos.
O amor não se fez para mim, Teresa. Casei tão apaixonada que teria dado a minha
vida pelo meu marido. E o que é que ele me deu em troca? Traição. Nunca mais
quero passar por esse sofrimento.
- Credo, mulher, pareces uma velha a falar. Sabes o que a
minha avó costumava dizer? A nódoa de uma amora verde, com outra amora, se tira, que é
como quem diz, o sofrimento de um mau amor, com outro amor se esquece.
O empregado aproximou-se com os pratos, e o resto da
refeição decorreu de forma amena, como se os três desejassem pôr ponto final
nos assuntos pessoais.