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7.3.22

ARMADILHAS DO DESTINO - PARTE XXI

 



Às oito horas, Nuno tocava à campainha da casa de Luísa. A porta abriu-se, e a jovem saiu. Envergava um conjunto de calça e casaco em seda azul e umas sandálias de salto alto. Os cabelos não muito compridos caíam sobre os ombros e no rosto uma leve maquilhagem. Estava muito bonita.
- Continuas a ser pontual, - disse ao chegar junto dele.
- Há coisas que fazem parte de nós,- respondeu apertando a mão feminina entre as suas. E acrescentou de seguida. – Estás linda.
- Obrigado. Tu também não estás mal, - disse entrando no carro.
Nuno pôs o carro em marcha. Fez-se um silêncio estranho, pesado.
Ele mantinha-se atento à estrada, ela perdida nos seus pensamentos. Tanta coisa que gostaria de lhe perguntar. Tanta coisa que gostaria de lhe dizer. Precisava arranjar coragem. Não podia encarar o futuro sem esclarecer o passado.
-É estranho, que morando na mesma cidade e relativamente perto não nos tenhamos encontrado mais vezes. Regressaste há muito?
- Pouco mais de três meses. E provavelmente o único local que ambos frequentamos, é o supermercado. Não me encontrarás em locais noturnos, só saio à noite quando estou de serviço no hospital.
- Também não frequento esses locais.
- Não? Não deve ser por falta de convites, - disse mordaz
Ela lançou-lhe um rápido olhar e virou a cabeça para olhar a rua por onde circulavam
- Este jantar, é a minha primeira saída noturna,- se é que se pode chamar noturna, quando o sol ainda brilha radioso,- desde há catorze anos.
Ele estacionou o carro junto ao restaurante. Ela abriu a porta, e saiu sem lhe dar tempo a que ele tivesse qualquer ato de cavalheirismo.
Colocou-lhe o braço sobre os ombros e entraram. Deu o nome ao empregado que os recebeu e ele levou-os até uma mesa discreta, de onde retirou um retângulo onde se podia ler, “reservada”.
Sentaram-se e logo apareceu outro empregado que colocou algumas entradas sobre a mesa, e lhes entregou a ementa.
Escolheram caldeirada de marisco acompanhada por um rosé Quinta Romaneira, e só depois que o empregado se retirou, Nuno perguntou:
- Porquê, Luísa?
- Porquê, o quê, Nuno?
- Disseste que eras muito jovem, querias viver a vida e no entanto casaste poucos meses depois. O que é que ele tinha de especial para mudares de ideia?
- Queres mesmo saber? Não achas uma perda de tempo, passados todos estes anos?
- Sim e não respondendo às duas questões. 
Às vezes precisamos escarafunchar na ferida, para retirar tudo o que não a deixa cicatrizar.
- Era muito nova, ainda nem tinha feito dezoito anos. Meu pai obrigou-me a romper contigo, ameaçando mandar-me para casa dos meus avós numa aldeia esquecida no Minho. Ele tratou do meu casamento com o Álvaro, e eu não pude nem soube como impedi-lo
- E não te ocorreu seres sincera comigo? Tu que juravas amar-me, não confiaste em mim para me dizeres a verdade? Que grande amor era o teu – disse amargo.
- Esqueces que eu era quase uma menina – defendeu-se. E não teria sido diferente. Eu era menor, precisava da autorização dele para me casar. Ele tinha cancro, sabia que tinha pouco tempo de vida, e tinha medo de que fosses para África e me levasses contigo. Tinha medo que eu tivesse uma vida de privações por causa do teu idealismo. Por isso me casou com um homem mais velho que ele conhecia há muito tempo e julgava que me faria feliz.
-E fez?
- Não. - A resposta saiu seca e rápida como um tiro.
A chegada do empregado com o pedido, interrompeu a conversa


16.11.20

CILADAS DA VIDA - PARTE LIX



-Mas estas semanas alteraram tudo. O ter descoberto a verdade sobre a minha mãe, fez-me encarar as mulheres com outra confiança e pela primeira vez nos meus quase trinta e cinco anos, comecei a pensar que afinal o amor pode realmente existir, e não ser uma miragem, inventada por poetas e romancistas. 

Depois há as crianças, não uma, mas três. Demasiada carga para uma mãe solteira, e se não fora por mais nada, só por elas devíamos casar. Mas há mais. Desde que te conheci que admirei a tua coragem, a frontalidade com que abordaste o que aconteceu. 

E nestas semanas em que convivemos e conversámos diariamente, essa admiração deu lugar a um sentimento maior, que não te sei dizer se é amor, porque nunca convivi com ele e não sei bem o que é, o que sei, é que nada me faria mais feliz do que fazer parte da tua vida, - disse pegando-lhe na mão e apertando-a entre as suas.

Teresa escutara-o sem o interromper e continuou mais um longo minuto em silêncio, fazendo com que João se sentisse cada vez mais nervoso.

-Se bem entendo, acabas de me propor casamento, - disse por fim. Como sabes, essa é uma ideia que nunca me passou pela cabeça, pois tinha tão má ideia dos homens, como tu das mulheres. 

Também para mim, estas seis semanas alteraram muita coisa. Meu Deus, quando a médica me disse que em vez de um, eram três bebés, e que estava em risco de os perder, tive tanto medo. E quando me disse o que tinha de fazer fiquei apavorada. Como ia poder ficar os dias de cama, sem ninguém de família que me fizesse as coisas? 

A Inês é uma grande amiga, mas além da gerência da pastelaria, tem marido e um filho pequeno que requer muita atenção. Mas então tu chegaste e num instante resolveste tudo. E quando acordei na madrugada daquela primeira noite, e te vi no sofá, a postos para me ajudar se fosse preciso, também a minha ideia sobre os homens, sofreu um choque.

Fez uma pequena pausa e continuou.

Estas semanas de convívio, os teus cuidados, as longas conversas que temos tido, as confidências, tudo contribuiu para me convencer de que estava enganada e não te podia julgar pelos trastes que foram meu avô, meu pai e o Alfredo. Esse convívio, também fez com que te ganhasse um certo carinho, mas temo que isso por si só, não seja suficiente para que duas pessoas possam ser felizes juntas uma vida inteira, com todas as adversidades que ela acarreta, muitas vezes.  

E o casamento, apenas por causa das crianças, não me convence. Se nós estivermos infelizes com a relação, eles vão dar-se conta disso e vão sofrer mais, do que se vivessem apenas com um dos dois.

 Por favor não me interrompas, - disse ao ver que ele se preparava para o fazer. – Ainda não acabei. Eu não seria capaz de aceitar um homem na minha cama, sem um sentimento forte por ele. De modo, que em vez de argumentares, cala-te e beija-me.

- Queres que te beije?  De verdade? – perguntou ele surpreso.

- Sim, homem, quero que me beijes, agora, de verdade com tudo o que sentires.

- Mas… porquê agora?

- Porque os dois vivemos quase toda a vida, desconfiando do sexo oposto, sem acreditar no amor, e sem permitir a ninguém que penetrasse nos nossos sentimentos mais íntimos. Sentir desejo é fácil, ambos somos jovens, saudáveis, e bastante apresentáveis. 

Mas isso sendo importante, também não é suficiente, se não houver algo mais. É fácil juntar dois corpos, mas sentir aquela intimidade de duas almas que se completam, é totalmente diferente. E se não o sentirmos num simples beijo como vamos conseguir um casamento feliz? A paixão morre quando acaba a novidade. Tem que existir algo mais, para que a intimidade, e o amor persistam.


 

19.6.20

ISABEL - PARTE XXVIII



foto do google

Isabel não saiu nesse fim de semana. Perdeu-se nas lides domésticas,  tentando esquecer o seu desassossego. E na semana seguinte tinha uma campanha para produzir e entregar o que tornou o trabalho tão intenso, que esqueceu por completo outros pensamentos que não os da campanha publicitária em curso. Foi uma semana de loucos, com o cliente a rejeitar as suas ideias iniciais, o que a fez temer não conseguir cumprir o prazo, mas felizmente conseguiu.
No início da semana seguinte quando Amélia e Luísa chegaram, já a encontraram à secretária embrenhada no trabalho. Ainda não ganhara coragem de contar à amiga, o que se tinha passado naquela Sexta-Feira quando se dirigia para os correios. Por sorte, nessa manhã, Hans telefonou-lhe da Alemanha. Tinha um novo trabalho para ela, desta vez uma coisa diferente e muito especial. Ele e Anne iam casar e queriam a sua presença na cerimónia,  como madrinha. Hans era um grande amigo. Fora ele que a recebera quando ela ganhara, quase em início de carreira, o concurso para novos talentos e fora ele quem já lhe arranjara alguns contratos vantajosos para a Alemanha. Vivia com Anne há alguns anos, mas agora queriam oficializar a relação.

-Não queremos que o Peter nasça antes do casamento.

Isabel ficou maravilhada. Então eles iam ser pais. Apesar de Hans ter feito o convite quase em cima da hora, (faltavam cinco dias para o casamento), aceitou sem hesitar.
 Desligou.
- O Hans vai casar e convidou-me para madrinha, disse com a alegria duma criança a quem prometem um brinquedo novo.
Embora não o conhecesse pessoalmente, Amélia, já tinha ouvido falar muito daquele alemão. Levantou-se e foi até à secretária de Isabel.
-Quer dizer que te vais ausentar de novo? E para quando é o casório?
- Sábado.
- Este sábado?- espantou-se Amélia. - Como é possível? Desculpa mas o teu amigo é doido.
Isabel riu.
- Luísa, liga para o aeroporto e vê se consegues marcar voo para amanhã à tarde ou para Quarta-feira. Amélia, preciso de ti, esta tarde para me ajudares na compra da “fatiota”
- Retiro o que disse. O teu amigo não é doido. Vocês são doidos!
Isabel não respondeu. Afinal aquele convite era como uma bênção divina. Seria maravilhoso rever os amigos e sobretudo sair à rua sem recear encontrar Luís.
Não sabia ao certo se temia o homem ou as emoções que ele lhe despertava. Mas sabia que temia encontrá-lo de novo.
Nessa mesma tarde depois de despachar as coisas mais urgentes saiu com Amélia para escolherem a "toilette" para a cerimónia. Escolheu um vestido longo em crepe cor de vinho,  que punha em destaque a beleza do seu colo, e ombros. Sapatos de salto alto em cetim bordado e uma pequena bolsa a condizer. A empregada da loja disse-lhe que não era necessário ser tudo a condizer, a moda actual permitia jogar com as cores, mas Isabel não estava muito convencida disso, e sentia-se mais confortável assim. Como o clima na Alemanha era diferente, comprou também um bolero em veludo, cor de marfim para o caso de precisar.
Ao vê-la, enquanto se mirava no espelho do gabinete de provas, para ver se o
agasalho ficava bem com o vestido, a amiga disse:
- Se o homem dos olhos cinzentos te visse assim, nunca mais te largava. E se ele for o padrinho?
Estremeceu
- Não sejas tonta Amélia.
- Eu? Já pensaste nas voltas que a vida dá e nas coisas estranhas que nos acontecem?
 -Não tenho pensado noutra coisa nos últimos tempos.
 Quando dois dias depois se despediam no aeroporto Amélia disse-lhe:
 - Um casamento é sempre uma óptima ocasião para se arranjar namorado. Oxalá o padrinho seja interessante.
 Não pode deixar de rir. E retorquiu:
 - Não estou à procura de namorado, muito menos vou lá com essa intenção. Vou porque adoro aqueles dois e estou muito feliz por eles.
 - Pois era bem melhor que estivesses feliz por ti,- resmungou Amélia.


                                             


15.7.19

UM PRESENTE INESPERADO - PARTE XLIX







Não se conteve ao ouvi-lo dizer pela segunda vez que a amava. Enlaçou-lhe o pescoço e procurou-lhe a boca para um beijo apaixonado. Porém quando as mãos dele desceram pelas suas costas numa carícia que parecia incendiá-la, afastou-se dizendo:
- Ainda não, se é para por a alma a nu, vamos despi-la os dois. Depois iniciaremos uma vida nova, sem mais dúvidas nem enganos.
Quando te conheci, eu era virgem de corpo e sentimentos. Tinha tido um namoro ainda muito jovem, se é que se pode chamar namoro, aqueles três meses em que me deixei acompanhar por um amigo que dizia amar-me e querer casar comigo. Na altura eu era muito nova, ainda nem tinha feito vinte anos. A minha mãe estava doente, tinha deixado de trabalhar, a minha irmã era uma criança, e eu tinha deixado os estudos e estava a trabalhar para aguentar a casa. Entre o trabalho, o cuidar da mãe doente e da Susana, não tinha tempo para passear, namorava um pouquinho à noite e sem qualquer intimidade. Três meses depois a minha mãe morreu, o meu namorado, queria casar rápido, mas queria que eu levasse a Susana para uma instituição. Dizia que eu não podia assumir a sua criação e educação, ele não ia casar comigo e assumir tal responsabilidade, nem gastar com ela, aquilo que seria dos nossos filhos.
Entre os dois, a escolha era óbvia. Nunca mais soube nada dele, até há cinco anos, quando o encontrei num supermercado, com a mulher grávida e duas crianças de tenra idade.
No dia do nosso casamento, ainda era virgem de corpo, mas já não de emoções, pois cada vez que me beijavas, deixavas-me em brasa, e fazias-me sentir e desejar coisas, que nunca tinha sentido. Nunca mais fui a mesma depois da noite de núpcias e não me refiro ao óbvio. Naquela noite antes de adormecer repeti a mim mesma, as promessas do casamento, certa de que te amava e te amaria sempre.
No início, fiquei deslumbrada com o sexo. Cada nova carícia me deixava mais louca, eu queria ficar o resto da vida nos teus braços. Depois percebi que isso acontecia porque só me demonstravas carinho na cama. No dia-a-dia, eras simpático, companheiro, querias sempre dar-me qualquer coisa, até quiseste dar-me um carro, sem perceberes que os bens materiais não me seduziam, que só queria o teu amor.  Mas não havia lugar para mim, na tua vida amorosa. Todo o teu amor era para a Matilde. Uma noite, depois de fazermos amor, tomei coragem e disse-te como estava feliz por ter acabado de fazer amor. Tu respondeste-me. “Amor? Fizemos sexo, Isabel. Não te iludas, nem confundas as coisas”
Na manhã seguinte fui à farmácia e comprei a pílula. Por muito que eu desejasse ter um filho, nunca o teria sabendo que ele não era fruto de amor dos dois. E a partir daí, contra o meu próprio desejo, sempre que podia fugia da nossa intimidade.
- Perdoa-me. Fui muito estúpido, confundi tudo. Esquece o que aconteceu, vamos começar de novo. Juro que não te vou dececionar.
Isabel olhou-o durante uns segundos e depois estendeu-lhe a mão direita
- Isabel Penha Sarmento.
Ele estendeu a sua e apertou-lha:
- Ricardo Souto Medina. Encantado em conhecê-la.



Pensei acabar a história aqui, deixando à imaginação de cada um o final, até porque a história já vai longa, mas depois pensei que se esta história tinha tido prólogo, também devia ter epílogo. E já que tiveram paciência até aqui...
 Mas não sei se vou publicá-lo se mantenho a história assim. 
DEIXO-VOS A DECISÃO. Querem um episódio mais ou fica assim?


19.12.18

ROUBO NA NOITE DE NATAL






— Não tens coragem, não tens coragem…
— Claro que tenho! — atalha Max incisivamente.
O que tinha de especial? Se a velha senhora era realmente quase surda, como diziam os colegas, então não iria conseguir ouvi-lo tirar o anjo do parapeito da janela que se encontrava meio aberta. Só tinha de esperar que um deles tocasse à campainha e a senhora fosse atender, e tinha tempo suficiente para actuar.
— Então vamos lá! — ordenou Rica, o líder do grupo.
Deslizou furtivamente ao longo da parede lateral da casa modesta até chegar à janela. Ali estava o anjo doirado com uma harpa na mão e a boca aberta, como se entoasse uma canção que só ele ouvia. Visto assim de perto, nem sequer era bonito: estava muito estalado e o dourado apresentava-se tão gasto que em vários sítios tinha até caído.
Max ouviu a campainha da porta tocar. Não sabia que história Rica inventara, nem de quanto tempo dispunha. Por isso, ao ouvir a voz da senhora a falar com o colega, agarrou o anjo pela janela meio aberta. Mas enganara-se nos cálculos: nem com as pontas dos dedos conseguia tocar-lhe.
Retirou o braço rapidamente e observou a janela basculante. Claro! Podia enfiar o braço e tentar abrir a outra metade! O puxador girou sem problemas. Empurrou a parte atrás da qual, felizmente, não havia flores nem bibelôs, agarrou no anjo e deitou ainda um olhar rápido à sala antes de fechar a janela e correr para a rua.
Enquanto guardava o pálido anjo no bolso do anoraque, veio-lhe à mente a imagem da pequena e torta arvorezinha de Natal em plástico poisada em cima da mesa. Para além daquela feia árvore e do anjo que ele agora levava no bolso, não havia na sala nenhuma outra decoração natalícia. E estava-se já a vinte e três de Dezembro! No bolso, o anjo tornou-se tão pesado que Max pensou não conseguir dar nem mais um passo.
Chegou finalmente junto de Rica e dos outros rapazes que, indolentemente encostados à vedação da casa vizinha, o olhavam com um ar provocador.
— Então, trouxeste o anjo? — perguntou Rica, fazendo um aceno de cabeça apreciador quando Max retirou o anjo do bolso do casaco.
— Ei, fixe, tiraste mesmo!
— E o que há de fixe nisso? — ouviu-se Max a si próprio responder em voz baixa mas firme. Tornou a guardar o anjo antes de lançar a Rica um olhar desafiador.
— Roubar velhinhas qualquer um consegue! Mas se vocês fossem mesmo corajosos…
— Mas nós não temos medo! — retorquiu Rica furioso. — Não temos medo de nada! O que queres dizer com isso?
♦♦♦♦
O pai de Rica ainda se admirou por o filho querer um pinheiro pequenino do seu viveiro, mas pensou que a arvorezinha devia ser para alguma namorada secreta e não pensou mais no assunto. De igual modo os pais de Max não acharam esquisito ele ter ido à cave buscar o suporte velho da árvore de Natal e algumas decorações que não eram usadas há anos e levado tudo para o quarto. Da mesma forma, os pais dos outros rapazes do bando de Rica não faziam ideia para que quereriam os filhos maçãs e nozes, estrelas de palha e fitas de Natal já velhas. Pelo menos, pensavam todos eles, os filhos pareciam ter finalmente passado a portar-se bem. O Natal estava próximo… Não faziam ideia que os rapazes iriam sair furtivamente de suas casas, iriam gatinhar pelas janelas do sótão, trepariam às escondidas as cercas dos jardins vizinhos até se encontrarem na mesma casa onde tinham estado pela manhã.
— Bolas, a janela já não está aberta! — sussurrou Rica.
— Eu acho que só deixei a outra parte da janela encostada — respondeu Max após um segundo de susto.
De facto, a metade da direita podia ser facilmente empurrada. Todos descalçaram os sapatos para não deixarem nenhuns vestígios que os denunciassem e saltaram silenciosamente para dentro da sala. A árvore de Natal e o suporte foram passados pela janela. Não foi preciso muito até a arvorezinha estar relativamente direita. Em seguida, esvaziaram os bolsos, enfeitaram a árvore com as estrelas de palha do ano anterior e as guirlandas que tinham sobrado, deixando as maçãs, as nozes e as tangerinas na taça da fruta. Um deles tinha até trazido para a ponta da árvore uma estrela doirada ligeiramente estragada.
Quando terminaram, observaram o resultado à luz pálida da lua e dos candeeiros de rua.
— Fixe! — exclamou Rica. E os outros rapazes concordaram com um aceno de cabeça. Aquilo era realmente algo de especial, muito mais excitante e melhor do que as aventuras habituais.
Saíram da sala pela janela, tão silenciosos como tinham entrado, e calçaram de novo os sapatos. Max colocou o anjo de volta no parapeito da janela antes de fechá-la. Prendera um bilhetinho atrás da harpa: “Desculpa ter desaparecido por umas horas. Tinha ainda algumas coisas urgentes para resolver. Feliz Natal!”
Andrea Tillmanns
Ursula Richter; Barbara Mürmann (org.)
Weihnachtsgeschichten am Kamin.23
Reinbek bei Hamburg, Rowohlt Taschenbuch Verlag, 2008
(Traduçao e adaptação)


Gente, peço desculpa pela ausência. A minha recuperação não está a ser nada fácil. Além de ainda estar a ver muito embaciado, de vez em quando tenho dores horríveis no olho que me deixam de rastos.
É como se tivesse um grão de areia dentro do olho que arranha como ponta de faca. Isto não acontece sempre mas quando acontece é insuportável, as lágrimas correm, o olho fica vermelho e até o outro fica meio inchado do choro. Estive assim ontem desde as sete horas até às onze da manhã. Estive para ligar ao médico mas pensei que provavelmente ele ia querer ver-me e estava mau tempo para ir para Lisboa. E tenho consulta amanhã dia 20. 



14.8.18

FOLHA EM BRANCO - PARTE XVI





Não tiveram que esperar muito, para que a assistente do médico, chamasse por Miguel. Este deu a mão à jovem tentando incutir-lhe coragem. Ao vê-los entrar, o médico disse;
-Só o senhor por favor. A jovem, aguarda lá fora.
- Mas a consulta é para ela, doutor.
- Como assim? Aqui diz, Miguel Fernandes
-É que ela não sabe como se chama. E tinha de dar um nome, por isso dei o meu.
- Ela não sabe como se chama? E o senhor também não sabe o nome dela? - Estranhou o médico
- Não doutor. Nunca a tinha visto até ontem.
- Bem, - disse o médico recostando-se na cadeira, - o melhor é sentarem-se e contarem-me essa história.
Miguel contou como percebeu que a jovem se ia suicidar, como contra a sua vontade, a tinha salvado, o desmaio e depois a falta de memória da jovem quando acordou. 
-A falar verdade, - acrescentou, nem sequer sei se a perda de memória aconteceu naquela altura, ou se já existia antes.
O médico ouviu com atenção e depois pediu a Miguel para se retirar, e esperar na sala.
Depois que ele saiu, o médico fez algumas perguntas à jovem, nomeadamente se ela se lembrava da tentativa de suicídio, constatando que ela não sabia nada, a não ser o que Miguel contara. Depois, examinou-lhe os olhos, fez-lhe alguns testes simples, como seguir com o olhar um objecto ou responder a uma frase, com a primeira coisa que lhe viesse à cabeça, coisa que a jovem teve dificuldade em fazer, talvez porque se sentia perdida e cada vez mais nervosa. Por fim o médico deu-lhe uma folha em branco, pedindo-lhe que escrevesse nela o que lhe viesse à cabeça. A jovem olhou para o papel, pensou uns instantes e traçou uns riscos imprecisos que não significavam nada.
Então o médico pediu-lhe que chamasse Miguel.
Quando ele entrou, o médico disse:
-A jovem está com amnésia, que pode ser, ou não, temporária. Talvez, não saiba, mas a amnésia, pode ter origem emocional, ou física. Vamos supor que esta jovem sofreu um grande desgosto.  A perda de alguém querido, por exemplo,  é sempre um choque emocional muito grande, e isso pode ter-lhe provocado a amnésia. Mas também pode ter um problema físico. Um tumor, uma infecção no cérebro, certos tipos de doença bipolar, problemas da  glândula  hipófise, doenças crónico-degenerativas do sistema nervoso uma pancada na cabeça, enfim tanta coisa que pode provocar a amnésia. Ela tem-se queixado de dores de cabeça?
- Não doutor. Pelo menos ontem e hoje não.
- Bom, eu inclino-me mais para um distúrbio emocional. Mas não podemos descartar nenhuma das hipóteses. Para já, acho-a demasiado nervosa, e muito ansiosa.  Vou receitar-lhe o Lexotan.  Vai tomar meio comprimido à noite, durante cinco dias. A partir do sexto dia, passa a tomar um comprimido inteiro.  É  um ansiolítico, fraquinho,  só para ficar mais calma e menos ansiosa. É bom que não exceda a dose, para não corrermos o risco de provocar o efeito contrário. Entretanto vai fazer uma ressonância magnética do crânio, para detectarmos se existe alguma anomalia física. Só depois disso, podemos saber, que caminho trilhar.
 - E não se pode fazer mais nada?- Perguntou Miguel.
-Dê-lhe um bloco de desenho. E traga-me os seus desenhos quando voltar. Pode ser que deixem transparecer alguma coisa.
E voltem assim que tiverem a RM.
- Obrigado doutor.









26.6.18

O DIREITO À VERDADE - VIII





-Então, não sabes onde mora?
-Bom o Jorge é um dos viticultores da região demarcada do Dão. Tem uma quinta numa terra ali para os lados de Viseu. Porquê? Não estás a pensar procurá-lo pois não?
- Claro que estou. É meu pai, quero conhecê-lo.
-Tens noção que ele pode não acreditar em ti, e rejeitar-te? Estás quase a fazer vinte e três anos e ele nunca soube que tu existias. Por outro lado, quando o encontrei, estava acompanhado pelo enteado que ele criou como um filho. O menino que era quando ele casou, é hoje um homem de quase trinta anos.
- Não lhe vou bater à porta, e dizer, “Olá boa tarde, eu sou tua filha.” Mas vou tentar vê-lo, saber que tipo de pessoa é. Talvez nem lhe diga que sou sua filha, mas quero conhecê-lo. E se depois resolver que devo dizer-lhe, ele tem como tirar as dúvidas rapidamente. Hoje em dia com o exame de ADN, fica-se logo a saber a verdade. Preciso de arranjar trabalho. Pode ser que tenha mais facilidade lá que em Lisboa. Pelo menos por um tempo. Depois regresso.
-Vejo que estás decidida. Quando partes?
-Para a semana. Logo que tenha tratado de tudo por aqui. Depois ficas-me com a chave do correio e passas por cá, de vez em quando, por causa das faturas?
-Claro. E queres que as pague?
- Não. Mandas-me uma mensagem com os dados para pagar no multibanco.
- Bom, então penso que está tudo dito. Telefona-me antes de ires para que venha buscar as chaves.
Pôs-se de pé, e estendendo os braços acolheu neles a sobrinha. Deu-lhe um beijo na testa e afastando-a um pouco disse fitando-a:
-Cuida de ti, Lena. Lembra-te. Aconteça o que acontecer, estarei sempre aqui para ti.
-Obrigado, tio. Julgo que sabes que gosto muito de ti. Telefonar-te-ei para te contar o que acontecer.
Fechou a porta quando o tio saiu e regressou à sala Guardou cuidadosamente os documentos no envelope, e voltou a colocá-lo na caixa que levou para o seu quarto.
Sobre a cómoda, numa moldura, uma senhora ainda jovem e bonita, sorria-lhe. A jovem pegou na moldura e ficou olhando-a com tristeza durante alguns minutos. Na sua cabeça havia uma interrogação contínua desde que fizera aquela descoberta.
“Como é que foste capaz, de me fazer isto, mãe? Como foste capaz de me roubar o direito a ter um pai?”
Aproximou-se do espelho e olhou-se. Depois olhou o retrato. Não havia dúvida, as duas eram bastante parecidas. O mesmo rosto redondo, os mesmos olhos e cabelos negros.O formato do nariz. Porém ela era bastante mais alta do que a mãe, e o queixo e boca não tinham qualquer semelhança. A sua boca era maior, os lábios mais carnudos. Seriam esses os traços do seu pai? Recolocou a moldura sobre a cómoda.
A casa sem a presença da mãe, parecia-lhe enorme, fria e vazia. Abraçou-se a si mesma, na tentativa de minimizar a solidão e tristeza que sentia. Que não era só pela ausência física da mãe, mas pela mágoa que lhe causara descobrir, que a mulher que ela considerava cheia de garra, uma mãe coragem, a quem sempre adorou, era afinal uma santa com pés de barro, uma mulher capaz de por vingança, sonegar à própria filha o direito a conhecer o pai.


Amigos, entre hoje e amanhã, sairão três partes da história, ou seja mais duas para além desta. Dia 28 é um dia muito especial, é a festa de anos do filhote, dia 29 tenho cá a neta, e depois mete-se o fim de semana que desejo que gozem em paz, pelo que o capítulo XI só sairá segunda feira.

12.3.18

A TRAIÇÃO - PARTE XV


Desabafou com a irmã, o que não se tinha atrevido a contar à mãe. Laura recriminou-a por ter fugido daquela maneira. Segundo ela, deveria ter fingido que não sabia de nada e lutar com todas as suas armas para reconquistar o marido. Mas uma vez que decidiu abandonar a luta, devia pelo menos enfrentar João e confrontá-lo com a sua traição. Odete sabia que seria assim que a sua irmã faria, mas ela não tinha essa coragem. Estava demasiado ferida para confrontos. Ele que pedisse o divórcio e fosse viver a sua vida, ela trataria de lamber as suas feridas longe dele. Precisava arranjar trabalho com urgência, pois não levantara um cêntimo sequer da conta conjunta, e o dinheiro que tinha guardado ao longo daqueles três anos estava a acabar. Felizmente para ela, Denis, o cunhado da irmã, andava à procura de uma Educadora de Infância, para a sua creche, e como ela dominava o inglês, em breve estava empregada.
Em vão esperou que o advogasse lhe comunicasse o pedido de divórcio apresentado pelo marido, mas ele nunca o fez.  
Até que há quinze dias, tinha recebido um telefonema do pai. Em breve ia partir com uma carga para França, e a saúde precária da mulher, fazia-o recear deixá-la sozinha. Odete que estava prestes a iniciar as suas férias, pediu a antecipação e regressou. Com a situação atual, ela tinha que avisar de que não ia voltar. Felizmente tinha acabado o contrato, contava renová-lo depois das férias, avisando Denis, ele poderia com tempo arranjar uma substituta.
O que realmente a preocupava agora era a cirurgia a que a mãe, ia ser sujeita, e a vida que ela teria dali para a frente, na sua antiga casa. O peso das recordações ali vividas, a convivência com o marido, e as perseguições que decerto iria sofrer, por parte de Inês.
Cansada acabou por adormecer. Acordou às sete horas. Levantou-se e foi tomar banho. De passagem olhou-se no espelho. As olheiras profundas denunciavam a noite mal dormida e cheia de pesadelos que tivera. Teve a sensação de que tinha envelhecido uns bons anos.
Depois de se arranjar, dirigiu-se à cozinha, onde já encontrou a mãe a fazer as torradas para o pequeno-almoço.
Fê-la sentar enquanto dizia:
-Então mãe, a fome é tanta que não podia esperar por mim. O médico disse que não se pode cansar. Eu trato disto.
-Também não posso estar, todo o dia deitada, ou sentada, -retorquiu a mãe. Faz-me dores no corpo. E depois tenho muito tempo para estar deitada quando estiver no hospital. Chegaste a falar com o teu pai ontem? – Perguntou.
- Falei. Ele já estava quase a chegar à fronteira. Mais dois dias e está em casa.
- Ainda bem. Não gostaria de ir para o hospital sem o ver.


Bom agora já  toda a gente sabe o que separou o casal. E pelos vossos comentários, verifico que as opiniões se dividem. Uns acreditam na traição do doutor, outros julgam que foi um estratagema de Inês para os separar. Quem será que tem razão?
Entretanto ultrapassámos os 31000 comentários. Bem Hajam.

5.3.18

A TRAIÇÃO .- PARTE V


Naquela tarde não acordou com o habitual beijo da esposa. Chamou-a mas ela não respondeu. Levantou-se e sentiu um arrepio. Parecia que tinha voltado uns anos atrás, quando a casa lhe parecia demasiado fria e a solidão era companhia diária. Olhou à sua volta e então viu a carta, na cómoda entre a jarra de flores e a moldura com a foto do seu casamento.
Sentou-se na cama, e leu.
“Desculpa João, mas não aguento mais. O nosso casamento foi um erro muito grande. Nenhum de nós é feliz. E se tu não tens coragem de mo dizer, e por isso te afogas no trabalho, eu não tenho receio de enfrentar a verdade, e não quero um amor de mentira. Acredito que mereço e tenho direito, a viver um amor de verdade, e assim, vou-me embora. No cofre estão as jóias que me deste, não quero nada teu, foi suficiente tudo o que vivi nestes três anos. Levo apenas algumas roupas. Quando quiseres o divórcio o teu advogado que entre em contacto com o meu. Neste momento não te deixo o nome porque ainda não falei com nenhum, mas dentro de dias, envio-te o nome e endereço de um.
Desejo que sejas tão feliz, como eu tenho a certeza que hei-de ser.
Odete.”
João ficara sem chão. Vestiu-se e foi a casa dos pais dela, pensando que a encontraria lá. O sogro estava em viagem de trabalho, e a sogra disse-lhe que não sabia de nada, a não ser que a filha passara por lá para se despedir dizendo que ia viajar, e ela  acreditou que iam os dois. Ficou claro para ele que a sogra estava a mentir, mas não tinha como obrigá-la a dizer a verdade.
Saiu dali e procurou-a por todos os hotéis da cidade, mas o seu nome não estava registado em nenhum deles.
Regressou a casa com a alma em pedaços, pensando como era possível um homem enganar-se tanto com uma mulher. Ele seria capaz de jurar que a mulher o amava. Mas se assim fosse, ela não  o teria abandonado. Devia ter conhecido algum tipo da idade dela, e decidira ir viver com ele. Provavelmente alguém colega de estudos. Só podia ser isso.
Três dias depois recebeu uma mensagem com o nome de um advogado. Esperançado em saber notícias da esposa, foi ao seu escritório. Mas o advogado negou-se a dar-lhe qualquer informação sobre o paradeiro da sua mulher.



3.11.16

ESTRANHO CONTRATO - PARTE XI


Agora ali estava ela, assustada com a rapidez com que tudo acontecera, mas decidida a cumprir a sua tarefa, tal como se propusera. Acabara de tomar banho e preparava-se para trocar de roupa. Antes porém dirigiu-se à porta e fechou-a à chave. O quarto partilhado com o homem, tinha-a deixado surpresa e inibida. Não estava no contrato. Tinham acordado que ficariam em quartos separados. Aceitara aquele estúpido contrato, como quem aceita uma missão. Pelos filhos, e também pelas meninas. Tinha imensa pena das crianças que ficam sem mãe. Iria tratar delas o melhor que sabia, para que não lhe sentissem a falta. Mas não se sentia capaz de partilhar a sua intimidade com um desconhecido.
Porque no fundo, era isso que Afonso era. Um desconhecido, com quem falara meia dúzia de vezes naqueles três meses que antecederam a cerimónia, com quem assinara um contrato de trabalho. Ou aquele casamento podia ser considerado outra coisa que não um contrato de trabalho? E ela não se sentia capaz de prescindir da sua privacidade, nem era mulher capaz de a partilhar com o patrão, ainda que esse patrão lhe tivesse posto uma aliança no dedo.
Porém Afonso tinha razão. Era capaz de se tornar esquisito para as crianças, que ficassem em quartos separados.  
Olhou à sua volta. O quarto era amplo. Tinha a porta por onde entrara, a porta que dava para a casa de banho e… outra porta?
Vestida, mas ainda descalça, foi até lá e experimentou rodar o puxador. A porta abriu-se e Francisca encontrou-se num quarto mais pequeno,  com um berço de verga, um sofá, uma prateleira com alguns livros, e junto à janela uma escrivaninha e uma cadeira 
“Deve ser o quarto, onde dormiam as meninas nos primeiros meses de vida, para estarem mais perto da mãe” – pensou.
E nesse mesmo momento pensou que aquilo era a solução para o seu problema. Ela poderia ficar naquele quarto. É certo que teriam de partilhar a casa de banho, que teria de passar pelo quarto principal para sair e entrar, já que não havia outra porta, mas ainda assim ficava mais resguardada dos olhares masculinos, era menos constrangedor,   
Agora, só precisava coragem para falar com Afonso






20.1.16

AMANHECER TARDIO - PARTE XXXIV



foto do google

Dias depois, Isabel tentava esquecer o seu desconcerto, embrenhando-se no trabalho. Ainda não ganhara coragem de contar à amiga, o que se tinha passado naquela Sexta-Feira. Por sorte, nessa manhã, Hans telefonou-lhe da Alemanha. Tinha um novo trabalho para ela, desta vez uma coisa diferente e muito especial. Ele e Anne iam casar e queriam a sua presença como madrinha. Hans era um grande amigo. Fora ele que a recebera quando ela ganhara, quase em início de carreira, o concurso para novos talentos e fora ele quem já lhe arranjara alguns contratos vantajosos para a Alemanha. Vivia com Anne há alguns anos, mas agora queriam oficializar a relação.

-Não queremos que o Peter nasça antes do casamento.

Isabel ficou maravilhada. Então eles iam ser pais. Apesar de Hans ter feito o convite quase em cima da hora, faltavam cinco dias para o casamento, aceitou sem hesitar.
 Desligou.
- O Hans vai casar e convidou-me para madrinha, disse com a alegria duma criança a quem prometem um brinquedo novo.
Amélia, já tinha ouvido falar muito deste alemão. Levantou-se e foi até à secretária de Isabel.
-Quer dizer que te vais ausentar de novo? E para quando é o casório?
- Sábado.
- Este sábado?- Espantou-se Amélia. Como é possível? Desculpa mas o teu amigo é doido.
Isabel riu.
- Luísa, liga para o aeroporto e vê se consegues marcar voo para amanhã à tarde ou para Quarta. Amélia, preciso de ti, esta tarde para me ajudares na compra da “fatiota”
- Retiro o que disse. O teu amigo não é doido. Vocês são doidos.
Isabel não respondeu. Afinal aquele convite era como uma bênção divina. Seria maravilhoso rever os amigos e sobretudo sair à rua sem recear encontrar Luís.
Não sabia ao certo se temia o homem ou os sentimentos que ele lhe despertava. Mas sabia que temia encontrá-lo de novo.
Nessa mesma tarde depois de despachar as coisas mais urgentes saiu com Amélia para escolherem a "toilette" para a cerimónia. Escolheu um vestido longo em crepe cor de vinho,  que punha em destaque a beleza do seu colo, e ombros. Sapatos de salto alto em cetim bordado e uma pequena bolsa a condizer. A empregada da loja disse-lhe que não era necessário ser tudo a condizer, a moda actual permitia jogar com as cores, mas Isabel não estava muito convencida disso, e sentia-se mais confortável assim. Como o clima na Alemanha era diferente, comprou também um bolero em veludo, cor de marfim para o caso de precisar.
- Se o homem dos olhos cinzentos te visse assim, nunca mais te largava. E se ele for o padrinho?
Estremeceu
- Não sejas tonta Amélia.
- Eu? Já pensaste nas voltas que a vida dá e nas coisas estranhas que nos acontecem?
 -Não tenho pensado noutra coisa nos últimos tempos.
 Quando dois dias depois se despediam no aeroporto Amélia disse-lhe.
 - Um casamento é sempre uma óptima ocasião para se arranjar namorado. Oxalá o padrinho seja interessante.
 Não pode deixar de rir. E retorquiu:
 - Não estou à procura de namorado, muito menos vou lá com essa intenção. Vou porque adoro aqueles dois e estou muito feliz por eles.
 - Era bem melhor que estivesses feliz por ti,- resmungou Amélia.


                                             


7.4.14

MARIA - XII - FINALMENTE A PAZ



Finalmente a Paz.

- Você sabe o que fazer minha amiga. Depois de tudo o que passou, não pode tomar a decisão da sua vida por aconselhamento alheio. Tenho a certeza que já se decidiu, e se veio aqui, foi exactamente para se encontrar e ganhar coragem para pôr em prática essa decisão.
- É verdade. Decidi dar a mim mesmo uma nova oportunidade de ser feliz. Mas apesar disso de vez em quando sou assaltada por pensamentos e receios negativos. Será que vai dar certo? Às vezes, penso que devia ficar quieta no meu canto, e deixar a vida correr até ao fim. Outras penso que se a Vida me dá uma nova oportunidade tenho mais é que agarrá-la com ambas as mãos e fazer tudo para que dê certo.
Nesse momento meu marido entrou e as confidências acabaram. Maria ficou para jantar e quando se despediu disse que daria noticias.


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“Minha querida amiga.
Um ano se passou desde que estive em sua casa e deve pensar que desapareci de novo. Estou muito feliz. E como sabe, quando a felicidade entra as histórias acabam, como nos contos infantis. “Casaram e foram felizes para sempre” lembra? Pois é mais ou menos isso. Não casei com o Américo, talvez porque o medo não deixou, mas vivemos juntos e somos muitos felizes. É claro que gostaríamos de ser pais. Mas dados os antecedentes e a minha idade, resolvemos não arriscar. Pensamos fazer uma adopção, mas o psiquiatra disse que não ia dar certo pelos meus antecedentes de instabilidade psíquica. Apadrinhamos o bebé de uma vizinha com quem fiz amizade e que preenche um pouco do vazio que me ia na alma. Diogo, o meu afilhado é para mim o filho que não tive. Continuo com as consultas mas já quase não tomo medicamentos. Estou em paz comigo e com o mundo. Já consigo pensar na minha mãe sem sofrimento nem rancores. E até já fui ao cemitério levar flores e orações. Em breve faremos uma visita. Quero que conheçam o Américo. Um grande abraço de nós para vós.
Maria”

 Fim


Maria Elvira Carvalho



Agora a pergunta do costume.  Gostaram? Acharam a história credível?  Imaginaram a possibilidade de um final feliz, ou esperavam uma recaída da Maria?

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