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9.6.21

COMEÇAR DE NOVO - PARTE XVII

 


No umbral estava um homem mais ou menos da sua estatura, de pele clara, cabelo castanho aloirado, e olhos cinzentos. Vestia umas calças de ganga e um T-shirt imaculadamente branca.

Os dois cumprimentaram-se com um aperto de mão.

-Entra - disse Gonçalo afastando-se para deixar entrar o amigo.

 Fechou a porta ao mesmo tempo que dizia:

-Vamos para a cozinha. Podemos conversar enquanto preparo qualquer coisa para comer. Esqueci-me de jantar. Suponho que tu já jantaste.

- Claro. E tu deves estar pior do que eu pensava para te esqueceres de jantar. Podes começar, que sou todo-ouvidos.

Gonçalo abriu o frigorífico, retirou uma embalagem de queijo, outra de presunto que colocou em cima da mesa. De uma caixa sobre o balcão retirou uma carcaça, abriu-a colocou-lhe dentro uma fatia de presunto e outra de queijo e colocou o pão na tostadeira. Voltou a abrir o frigorífico e tirou um refrigerante.

-Queres tomar alguma coisa? Uma cerveja, ou algo mais forte? – perguntou ao amigo.

- Por agora não. Não me digas que isso vai ser o teu jantar?

-Mais logo, antes de me deitar, como mais qualquer coisa, por agora isto chega, - disse sentando-se à mesa

Fernando não respondeu. Conhecia o amigo desde criança e sabia que alguma coisa tinha acontecido. Alguma coisa que ele tardava a contar o que demonstrava bem como estava perturbado. Paciente esperou que ele desabafasse. Coisa que ele não fez até acabar de comer. Então levantou—se e disse:

-Desculpa ter-te estragado a noite. Dá para perceber que estou meio perdido. Anda vamos para a sala que já te conto tudo. Não queres mesmo tomar nada? -perguntou quando entraram na sala.

A ver o aceno negativo do amigo, esperou que ele se sentasse no sofá e sentou-se no cadeirão em frente. Então Gonçalo começou a falar de todo o desassossego que tomara conta dele desde que duas semanas atrás aquela desconhecida chocara com ele, até aos acontecimentos desse mesmo dia.  Falava baixo, como se estivesse sozinho apenas pensando em voz alta. Fernando não se atreveu a interrompê-lo.

Depois de alguns segundos em silêncio, perguntou:

 - O que pensas disto? O sério e responsável Gonçalo Bacelar, está ou não ficando louco?

- Dizes que a sua presença te perturba, mas, no entanto, isso não te trouxe nenhuma memória dela? O seu rosto não te diz nada?

-Não. Todavia quando ela levantou os olhos para mim naquele dia, foi como se o meu corpo, tivesse sido atravessado por uma descarga elétrica. E hoje? Via-a aflita com a filha e não podia encará-la para que não lesse no meu olhar o desejo que tinha de abraçá-la e consola-la.

-E ela? Parecia---te perturbada?

- Como não? Tu não estarias perturbado, se tivesses um filho doente?

-De certo que sim, mas e no primeiro encontro? Disseste que te pareceu ler surpresa e medo no seu olhar.  Porque ela teria esses sentimentos se não te conhecia de lado nenhum?


19.6.20

ISABEL - PARTE XXVIII



foto do google

Isabel não saiu nesse fim de semana. Perdeu-se nas lides domésticas,  tentando esquecer o seu desassossego. E na semana seguinte tinha uma campanha para produzir e entregar o que tornou o trabalho tão intenso, que esqueceu por completo outros pensamentos que não os da campanha publicitária em curso. Foi uma semana de loucos, com o cliente a rejeitar as suas ideias iniciais, o que a fez temer não conseguir cumprir o prazo, mas felizmente conseguiu.
No início da semana seguinte quando Amélia e Luísa chegaram, já a encontraram à secretária embrenhada no trabalho. Ainda não ganhara coragem de contar à amiga, o que se tinha passado naquela Sexta-Feira quando se dirigia para os correios. Por sorte, nessa manhã, Hans telefonou-lhe da Alemanha. Tinha um novo trabalho para ela, desta vez uma coisa diferente e muito especial. Ele e Anne iam casar e queriam a sua presença na cerimónia,  como madrinha. Hans era um grande amigo. Fora ele que a recebera quando ela ganhara, quase em início de carreira, o concurso para novos talentos e fora ele quem já lhe arranjara alguns contratos vantajosos para a Alemanha. Vivia com Anne há alguns anos, mas agora queriam oficializar a relação.

-Não queremos que o Peter nasça antes do casamento.

Isabel ficou maravilhada. Então eles iam ser pais. Apesar de Hans ter feito o convite quase em cima da hora, (faltavam cinco dias para o casamento), aceitou sem hesitar.
 Desligou.
- O Hans vai casar e convidou-me para madrinha, disse com a alegria duma criança a quem prometem um brinquedo novo.
Embora não o conhecesse pessoalmente, Amélia, já tinha ouvido falar muito daquele alemão. Levantou-se e foi até à secretária de Isabel.
-Quer dizer que te vais ausentar de novo? E para quando é o casório?
- Sábado.
- Este sábado?- espantou-se Amélia. - Como é possível? Desculpa mas o teu amigo é doido.
Isabel riu.
- Luísa, liga para o aeroporto e vê se consegues marcar voo para amanhã à tarde ou para Quarta-feira. Amélia, preciso de ti, esta tarde para me ajudares na compra da “fatiota”
- Retiro o que disse. O teu amigo não é doido. Vocês são doidos!
Isabel não respondeu. Afinal aquele convite era como uma bênção divina. Seria maravilhoso rever os amigos e sobretudo sair à rua sem recear encontrar Luís.
Não sabia ao certo se temia o homem ou as emoções que ele lhe despertava. Mas sabia que temia encontrá-lo de novo.
Nessa mesma tarde depois de despachar as coisas mais urgentes saiu com Amélia para escolherem a "toilette" para a cerimónia. Escolheu um vestido longo em crepe cor de vinho,  que punha em destaque a beleza do seu colo, e ombros. Sapatos de salto alto em cetim bordado e uma pequena bolsa a condizer. A empregada da loja disse-lhe que não era necessário ser tudo a condizer, a moda actual permitia jogar com as cores, mas Isabel não estava muito convencida disso, e sentia-se mais confortável assim. Como o clima na Alemanha era diferente, comprou também um bolero em veludo, cor de marfim para o caso de precisar.
Ao vê-la, enquanto se mirava no espelho do gabinete de provas, para ver se o
agasalho ficava bem com o vestido, a amiga disse:
- Se o homem dos olhos cinzentos te visse assim, nunca mais te largava. E se ele for o padrinho?
Estremeceu
- Não sejas tonta Amélia.
- Eu? Já pensaste nas voltas que a vida dá e nas coisas estranhas que nos acontecem?
 -Não tenho pensado noutra coisa nos últimos tempos.
 Quando dois dias depois se despediam no aeroporto Amélia disse-lhe:
 - Um casamento é sempre uma óptima ocasião para se arranjar namorado. Oxalá o padrinho seja interessante.
 Não pode deixar de rir. E retorquiu:
 - Não estou à procura de namorado, muito menos vou lá com essa intenção. Vou porque adoro aqueles dois e estou muito feliz por eles.
 - Pois era bem melhor que estivesses feliz por ti,- resmungou Amélia.