No umbral estava um homem mais ou menos da sua estatura, de
pele clara, cabelo castanho aloirado, e olhos cinzentos. Vestia umas calças de
ganga e um T-shirt imaculadamente branca.
Os dois cumprimentaram-se com um aperto de mão.
-Entra - disse Gonçalo afastando-se para deixar entrar o
amigo.
Fechou a porta ao
mesmo tempo que dizia:
-Vamos para a cozinha. Podemos conversar enquanto preparo
qualquer coisa para comer. Esqueci-me de jantar. Suponho que tu já jantaste.
- Claro. E tu deves estar pior do que eu pensava para te
esqueceres de jantar. Podes começar, que sou todo-ouvidos.
Gonçalo abriu o frigorífico, retirou uma embalagem de
queijo, outra de presunto que colocou em cima da mesa. De uma caixa sobre o
balcão retirou uma carcaça, abriu-a colocou-lhe dentro uma fatia de presunto e
outra de queijo e colocou o pão na tostadeira. Voltou a abrir o frigorífico e
tirou um refrigerante.
-Queres tomar alguma coisa? Uma cerveja, ou algo mais
forte? – perguntou ao amigo.
- Por agora não. Não me digas que isso vai ser o teu jantar?
-Mais logo, antes de me deitar, como mais qualquer coisa,
por agora isto chega, - disse sentando-se à mesa
Fernando não respondeu. Conhecia o amigo desde criança e
sabia que alguma coisa tinha acontecido. Alguma coisa que ele tardava a contar
o que demonstrava bem como estava perturbado. Paciente esperou que ele
desabafasse. Coisa que ele não fez até acabar de comer. Então levantou—se e
disse:
-Desculpa ter-te estragado a noite. Dá para perceber que
estou meio perdido. Anda vamos para a sala que já te conto tudo. Não queres
mesmo tomar nada? -perguntou quando entraram na sala.
A ver o aceno negativo do amigo, esperou que ele se
sentasse no sofá e sentou-se no cadeirão em frente. Então Gonçalo começou a
falar de todo o desassossego que tomara conta dele desde que duas semanas atrás
aquela desconhecida chocara com ele, até aos acontecimentos desse mesmo dia. Falava baixo, como se estivesse sozinho apenas
pensando em voz alta. Fernando não se atreveu a interrompê-lo.
Depois de alguns segundos em silêncio, perguntou:
- O que pensas
disto? O sério e responsável Gonçalo Bacelar, está ou não ficando louco?
- Dizes que a sua presença te perturba, mas, no entanto,
isso não te trouxe nenhuma memória dela? O seu rosto não te diz nada?
-Não. Todavia quando ela levantou os olhos para mim naquele
dia, foi como se o meu corpo, tivesse sido atravessado por uma descarga
elétrica. E hoje? Via-a aflita com a filha e não podia encará-la para que não
lesse no meu olhar o desejo que tinha de abraçá-la e consola-la.
-E ela? Parecia---te perturbada?
- Como não? Tu não estarias perturbado, se tivesses um
filho doente?
-De certo que sim, mas e no primeiro encontro? Disseste que
te pareceu ler surpresa e medo no seu olhar. Porque ela teria esses sentimentos se não te
conhecia de lado nenhum?