Na semana passada, a professora de escrita criativa mandou-nos escrever um conto policial, obedecendo a estes tópicos. Tinha que ser uma mulher que matava o marido empurrando-o de umas rochas quando ele tirava uma fotografia, e a máquina tinha que se disparar no momento da queda.
Eu nunca experimentei o policial. Escrevi este conto. Aguardo a vossa opinião
Eu nunca experimentei o policial. Escrevi este conto. Aguardo a vossa opinião
Fisgas do Ermelo
Já não eram um casal jovem, mas estavam ainda longe da velhice. Ele alto e magro, de rosto fechado e pouco dado a conversas. Pendia-lhe do pescoço, presa por uma alça negra, uma máquina fotográfica que a miúdo usava, e parecia ser a única coisa que lhe dava prazer, enfastiado que estava com a tagarelice da mulher Estavam de férias em Vila Real e encontravam-se a visitar o parque do Alvão. Por vaidade, ou talvez não, frequentemente ela pedia ao marido que a fotografasse. Coisa que ele fazia sem qualquer esgar de alegria, como quem cumpre uma tarefa. Se entre eles algum dia houve amor, há longo tempo tinha desaparecido. Viviam juntos, por quê? – Ele já se tinha interrogado mais do que uma vez. Hábito, falta de vontade de encarar um divórcio, medo da solidão. Agora ela tinha inventado aquela viagem de férias, em vez de como era habitual nos outros anos irem para o Algarve. E o que mais o aborrecia, eram as demonstrações de carinho em público, que não tinham correspondência em privado, e que só tinham surgido depois que se hospedaram no hotel.
. Ela, quase tão alta como ele, elegante e sorridente. Era por natureza, alegre, e extrovertida.
Caminhava alegre, surpreendendo-se com a
paisagem agreste do parque seguindo o trilho das fisgas do Ermelo, local de altas escarpas que ela vira na
pesquisa que fizera na Internet. Na cabeça o plano que delineara, desde que vira
a notícia de uma turista que ali morrera por acidente enquanto tirava umas
fotografias, três meses atrás.
O amor pelo marido,
morrera há muito tempo. Há mais de dois anos que ela tinha outro amor, no
coração, com o qual queria viver, sem peias nem esconderijos. Mas para isso ela
precisava livrar-se do marido, já que era dele todo o dinheiro, e em caso de
divórcio, não acreditava que ele lhe desse algo mais do que aquilo que tinham
desde que se casaram. O resto era dele, estava no contrato nupcial. O dia
anunciava-se de grande canícula, um daqueles dias que os transmontanos chamam
de inferno, pois àquela hora, pouco passava das nove da manhã, já estava bem
quente.
Finalmente chegaram às escarpas, de onde se via um panorama
magnífico. Os dois, quase na berma da escarpa, olham o vale lá no fundo e o belo
horizonte. O marido tira várias fotos. E quando se preparava para sair do
local, eis que a mulher se coloca bem na frente dele pedindo que lhe tirasse um
retrato. O marido argumenta, que está demasiado perto, não fica nada de jeito,
e aí ela pede para ele recuar um passo. Ele recua, ela avança e a situação
mantém-se já que a distância é a mesma. Depois de ter recuado por três vezes, e
de ela ter avançado outras tantas, ele não pode recuar mais, pois sabe que está
na beira do abismo, e pode cair a qualquer momento. Inesperadamente a mulher
estica o braço com violência e empurra o homem que se desequilibra mergulhando
no abismo, ao mesmo tempo que a máquina se dispara.
A tremer, a mulher aproxima-se da beira das escarpas. O
corpo do marido repousa lá no fundo, entre enormes pedaços de rocha. Mas a
malfadada máquina ficou ali. Caída numa saliência da escarpa, uns três metros
mais abaixo. Ela pensa que a máquina fotografou o crime. Se alguém a encontra,
e será fácil a polícia encontra-la quando investigar a morte do marido, ela
está perdida. O plano tão bem delineado, será facilmente descoberto através da maldita fotografia. Só havia uma solução. Difícil sim, mas não impossível. Então toma uma decisão. Devagar, com imenso cuidado, começa a
descer a escarpa, o medo apertando-lhe o peito, o coração batendo desenfreado.
Está quase a apanhar a máquina. Um pequeno esforço mais e pode regressar pelo
mesmo caminho e livrar-se daquela prova que a incriminará. Mas eis que no
momento em que apanha a máquina, a pedra sobre a qual apoia o pé direito resvala, fazendo com que perca o equilíbrio, e ela vai estatelar-se lá em baixo bem ao lado do marido.
Horas mais tarde, um turista dá o alarme, polícia e
bombeiros chegam ao local. O casal está morto. A mulher segura ainda a máquina
fotográfica. Na tentativa de descobrir o que se passou, a polícia visiona as fotografias.
Pensa que deviam ser um casal muito apaixonado, dada a quantidade de fotos feitas pelo marido, em
que aparece a mulher, sempre sorridente e feliz.
Por fim a última fotografia que regista apenas, um pedaço de céu azul.
Por fim a última fotografia que regista apenas, um pedaço de céu azul.
Fim
Maria Elvira Carvalho