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28.10.20

CILADAS DA VIDA - PARTE LI

 



No seu escritório, João serviu-se de um uísque e com o copo na mão sentou-se, abriu a gaveta e retirou a foto da sua mãe com ele ao colo, e o envelope ainda fechado. Durante alguns segundos rodou-o entre os dedos. Depois decidido pegou num estilete, abriu-o  e leu.

 

“Meu querido e nunca esquecido filho.

Quando leres esta missiva, eu já terei partido para a minha última viagem.

Não sei o que tu saberás sobre mim, nem o que teu pai te terá dito, mas acredita que te amo muito, sempre te amei e que foi com o coração sangrando que te deixei, todavia não tinha forças para continuar a viver como vivia. Receava endoidecer, e não podia levar-te comigo, pois não tinha meios de poder satisfazer as tuas necessidades mais básicas. Não tinha dinheiro, nem emprego, nem família a quem recorrer pois talvez não saibas, mas nunca conheci meus pais, fui criada num orfanato. Quando três anos depois a minha vida estabilizou, procurei o teu pai, a fim de um entendimento que me permitisse partilhar a tua guarda, porém ele disse-me que ou voltava para ele ou nunca mais te via, e se insistisse na guarda partilhada, antes disso, ele te mandaria para um internato onde nunca te iria descobrir. Conhecia o teu pai, sei que era capaz de cumprir essa ameaça, e para que não o fizesse eu prometi-lhe que nunca mais te procuraria.  Todavia embora longe, através de uma amiga dos meus tempos do orfanato, fui sabendo notícias de ti e recebendo fotografias que me iam mostrando como crescias, e ias aos poucos caminhando para a idade adulta.

Não vou falar-te das minhas razões para fugir, não quero falar mal do teu pai, ele já terá prestado contas à justiça divina.

Talvez eu devesse ter-te procurado quando ele morreu, mas nessa altura tu já eras um homem de sucesso, não irias decerto acreditar no meu amor, pensarias que te procurava por saber que estavas bem na vida; e eu não ia conseguir viver com a tua rejeição.

Quero que saibas, que o ter-te abandonado, foi a maior dor que sofri em toda a vida, foi como se me amputasse a mim mesma.

Um dia conheci um bom homem, e com ele vivi cinco anos, que só não foram de felicidade absoluta, porque tu não estavas lá. Com ele tive o David, mas é bem verdade, que um filho não faz esquecer o outro.

Se estás a ler esta carta, significa que já conheceste o teu irmão. Gostaria que se dessem bem, ele também foi uma criança sofrida, não só porque o seu pai morreu quando tinha apenas dois anos, mas porque a mãe, sempre foi uma mulher triste, por carregar no peito, uma mágoa maior que ela.

 Não te peço perdão, peço-te que compreendas a mulher que te deu o ser e que acredites que a maior dor que me acompanhará até ao último suspiro é sem dúvida o não poder abraçar-te uma vez que seja.

Termino desejando que sejas muito feliz.

Olinda Braizinha.”

 

Leu e releu a carta várias vezes, as letras dançando nos olhos rasos de água. Sem vergonha, João chorou amargamente. Chorou a sua dor de criança solitária, criada sem amor, chorou a dor da sua mãe, separada do filho que amava, chorou pela maldade do pai, que lhe fez acreditar que a mãe era pouco menos que uma prostituta, sem sentimentos. Levantou-se foi ao bar e trouxe a garrafa de uísque para cima da mesa. Precisava beber. Beber até anestesiar o cérebro de modo que esquecesse tudo o que o seu pai fizera com a sua vida,  a da mulher e do filho. Porém quando ia levar o copo aos lábios, lembrou-se de Teresa e das crianças que ela esperava. Sacudiu a cabeça, para afastar os maus pensamentos, e foi guardar a garrafa no sítio. Depois lentamente as costas fletidas como quem carrega um pesado fardo, saiu e foi para o seu quarto onde se jogou em cima da cama sem sequer se despir.

 

 

26.3.20

DIVIDA DE JOGO - PARTE XVII






A casa estava em silêncio quando chegou. A porta do quarto dele estava aberta, e foi até lá. O quarto estava arrumado. Abriu o armário, e o que temia, concretizou-se. Estava vazio. Com as pernas a tremer e os olhos rasos de água, abriu a porta da casa de banho. A prateleira junto ao espelho estava limpa. Nem o copo com a pasta e a escova de dentes, nem a máquina de barbear, ou a sua água-de-colónia. Não havia rasto da estadia de André naquela casa. Só as lembranças na sua cabeça. Sem qualquer vontade de comer, dirigiu-se à cozinha.
Em cima da mesa, um envelope grande, e uma folha de papel manuscrita. Com as mãos a tremer pegou-lhe e leu.


“Mia Cara Eva”
Quando leres esta missiva, já estarei  a voar para Londres. Perdoa a minha cobardia, devia partir antes de nos amarmos. Mas... amo-te tanto que perdi o controlo.
Deixo-te com a tua casa. Sim, Eva, a casa nunca deixou de ser tua. No envelope, estão os documentos da doação, que te fiz, no mesmo momento em que o advogado me entregou a posse dela. Podes confirmar com ele.
 “Ti amo, amore mio” mas tenho que partir. Perdoa que não te possa dar explicações.
Levo comigo, a tua recordação, que guardo como o mais precioso dos tesouros. Deixo-te com uma súplica.
Não duvides nunca, do meu amor.
André

Deixou cair a missiva, escondendo o rosto entre as mãos e chorou desesperada. Não entendia. Se era verdade, que a amava, que podia haver de tão forte que o fizesse partir? Será que era casado? Teria uma família à sua espera? Ele dissera-lhe que não era casado. Mas se não era isso que poderia haver de tão forte que o obrigava a partir, sem uma explicação?
Abriu o envelope, e lá estavam os documentos da casa, e um documento de doação da mesma  para o seu nome. Verificou a data. Vinte e seis de Maio. Dez dias depois, da leitura do testamento. Então era verdade, o que lhe dissera. Ele não pretendia cobrar a dívida se o falecido não o tivesse feito em testamento.
Levantou-se. Estava na hora de regressar ao emprego, e não almoçara. Doía-lhe a cabeça, tinha os olhos vermelhos e inchados de tanto chorar.
Retirou uma garrafa de água do frigorífico e lavou repetidamente o rosto com a água gelada, para atenuar as marcas do seu desespero.
Pegou nas chaves e saiu.



E agora um teste, só para os novos leitores que não conhecem a história.  
Quem será afinal este André? E o que o fez partir se realmente ama  Eva?
Será que alguém tem ideia? 

4.10.19

VIDAS CRUZADAS - PARTE XXIII









Por volta das quatro,  dirigiu-se ao hotel
Ao chegar ao átrio do mesmo, verificou que o empregado já não era o mesmo que o atendera no final da manhã. 
- Boa tarde. Sou Pedro Medeiros. Já aqui estive de manhã para saber se a menina Rita Sequeira, tinha deixado alguma mensagem para mim. O seu colega disse-me que não tinha nada, mas para passar a esta hora, podia ser que o senhor tivesse.
- Boa tarde. Sim a menina Rita deixou-me um envelope para lhe entregar, caso o senhor viesse procurá-la. - E abrindo uma gaveta retirou um envelope que lhe estendeu. - Aqui está.
Com mão trémula recebeu o envelope, agradeceu ao empregado e dirigiu-se a passos largos para o automóvel.
Aí chegado hesitou. Abria ou não o envelope imediatamente? Seria uma despedida? Um contato? Só havia uma maneira de o descobrir. Com as mãos a tremer, abriu o envelope e retirou de dentro dele uma folha de papel perfumado. Cada vez mais ansioso percorreu-a com o olhar. Tinha pouca coisa escrita. Apenas uma morada em Castelo Branco e a assinatura da jovem. Mas para ele aquilo foi como a mais bela declaração de amor. 
Olhou a cabine telefone,pensando que devia telefonar à mãe, mas de pronto decidiu retomar a viagem. Ligaria à mãe quando chegasse a Castelo Branco. Afinal ela já sabia que tinha chegado bem a S. Pedro e só esperaria novo telefonema à noite. Pôs o motor a trabalhar e o carro arrancou em direção ao sul. O sol aquecia a natureza, e a felicidade inundava o seu coração.Tinha a certeza de que Rita ia perceber as suas razões, e não só lhe ia perdoar, como  ia aceitar ser a rainha da sua vida.

Fim


Elvira Carvalho


                                          
Bom gente ontem estive no Hospital de Santa Maria desde as duas e meia até aos vinte para as seis. 
As notícias não foram lá grande coisa. Foi-me dito que tão breve haja uma córnea, farei o transplante e também que embora seja uma cirurgia combinada, ou seja tirar pontos, silicone, redução de um edema ocular e transplante de córnea, não me será posta a lente nesse dia por uma questão de prevenção de possibilidade de rejeição. O professor disse-me que prefere que eu faça a recuperação total do transplante e só depois fazer uma pequena cirurgia para por a lente.  Postas as coisas neste pé, não será tão cedo que eu estarei livre disto. E já faz hoje 8 meses. 

13.9.19

VIDAS CRUZADAS - PARTE V


No dia seguinte fez os exames que o médico lhe prescrevera. E ficou aguardando que passassem os dez dias para saber o que na verdade se passava consigo. Quando o dia chegou, passou no laboratório de manhã a apanhar o envelope com os resultados,  antes de ir para o emprego e à tarde quando saiu, foi ao consultório levá-lo ao médico. Desta vez, talvez porque já fosse tarde, a sala de espera estava vazia. Apenas a assistente do médico se encontrava na sua secretária folheando uma revista esperando por certo, que o médico desse o dia por terminado ou quem sabe esperasse ainda por algum retardatário . 
- Boa tarde. O senhor doutor está? Tenho aqui o resultado das análises que ele me pediu.
- Boa tarde, – respondeu a assistente. - Espere um pouco. Vou ver se o doutor o pode atender agora.

Afastou-se e entrou no consultório depois de ter batido suavemente à porta. Segundos depois saía.
Pode entrar, - disse afastando-se para o deixar passar e fechando a porta nas suas costas.  
 Já na sala, Pedro cumprimentou o médico e estendeu-lhe o envelope. Como da primeira vez, olhou à sua volta com desconfiança enquanto o médico abria o envelope e se embrenhava no resultado das análises.
Pensou que a sua desconfiança se devia ao facto, de em criança, ter caído e ficado com um enorme corte, num joelho, que teve que ser cosido. Porém desta vez, ao olhar o médico, foi invadido por um receio maior. Teve a certeza que qualquer coisa de muito grave se passava consigo. Foi algo que leu, no olhar receoso que o médico lhe lançou.
- Então Doutor, o que dizem as minhas análises?
 – Bem, tem que fazer repouso absoluto. Vou receitar-lhe umas injeções e umas cápsulas. E também...
 – Doutor, – interrompeu Pedro, certo de que o facto de o médico não responder à sua pergunta, configurava um caso muito grave. – Não sei o que vi nos seus olhos, mas tenho a certeza de que não é nada bom. Não será com repouso que resolvo o meu problema, e o Doutor sabe-o. Quero saber a verdade. Tenho direito a isso. Vivo com a minha mãe, que já ultrapassou os setenta anos e para quem sou tudo o que tem na vida. E é por ela, que preciso saber a verdade.
- Meu jovem, pede-me a verdade e esta por vezes é muito cruel. Quisera dizer-lhe que está enganado, que nada do que pensa é verdade, mas infelizmente só posso dizer-lhe que às vezes os milagres acontecem.





E porque hoje é Sexta-Feira 13 quem quiser conhecer uma história verdadeira é só carregar no link 

24.4.19

UM HOMEM DIVIDIDO - PARTE XXXI




Levantou-se como se desse a visita por terminada. Não parecia o empresário brincalhão que conheceu no primeiro dia, tão-pouco o homem com que lidou no seu escritório, quando duvidou da sua palavra. Muito menos o homem seguro de si, envolvente e sedutor, que conheceu em Sintra. Nem sequer aquele, que ultimamente lhe ligava todas as noites, para lhe perguntar se estava bem, como fora o seu dia, ou como iam os trabalhos de preparação da festa. Parecia mais velho, acabrunhado. Como se algo muito doloroso o tivesse envelhecido de repente. Paula sentiu um aperto no peito. Obedecendo a um impulso perguntou:
- Já jantaste? Não tenho grande coisa para te oferecer, mas se gostares de “pizza” tenho uma na cozinha que podemos partilhar.
Ele estendeu a mão, e segurou-lhe o queixo olhando-a intensamente.
- Sabes que o que desejo partilhar contigo não é uma pizza. De qualquer modo agradeço a tua oferta, mas hoje preciso estar sozinho, fazer uma séria reflexão do que tem sido a minha vida, contabilizar o deve e o haver entre o que me deu e o que me tirou. Amanhã é um dia especial, pretendo tomar algumas decisões importantes para o futuro e quero estar de alma lavada. 
Largou-a e encaminhou-se para a porta.
- Então encontra-mo-nos em Sintra antes da festa, - disse abrindo-lhe a porta.
Ele parou como se fosse dizer alguma coisa, depois colocou-lhe as mãos nos ombros e atraiu-a a si, abraçando-a. Não a beijou. Apenas a abraçou com força, como se necessitasse do calor do seu corpo para viver. Paula não se atreveu a falar. Limitou-se a ficar quieta, sentindo o seu coração bater acelerado. Depois ele largou-a e saiu sem uma palavra. Paula fechou a porta e foi sentar-se à mesa da cozinha com as pernas a tremer. Acabava de reconhecer que se apaixonara pelo empresário. Descobrira-o durante o tempo que durou aquele abraço. Santo Deus, como desejara que ele a beijasse.
“Raio de sorte”,- murmurou entre dentes. “Era só o que me faltava. Depois de um homem mentiroso e traidor, tinha que me apaixonar por outro rancoroso e vingativo. Decididamente, tenho um coração sem juízo”
Afastou a caixa da “pizza”. Tinha perdido o apetite. De súbito lembrou-se do envelope. Foi até à sala e abriu-o. Verificou o conteúdo. Estava tal como naquele dia em que fora aos escritórios, confrontá-lo. A única diferença era um cheque de cem mil euros.Voltou a guardar os documentos no envelope e foi guardá-lo na mala. Foi à cozinha, encheu um copo de leite, e bebeu-o. Apagou a luz e foi para o quarto. Tinha que estar na casa do pai antes do progenitor sair de casa. Depois ia para Sintra, e o dia ia ser muito longo. Despiu-se, enfiou o pijama, foi à casa de banho, escovou o cabelo, lavou os dentes e foi-se deitar.
Uma hora depois continuava às voltas na cama, presa numa inquietação que não a deixava dormir. Temia o dia que se avizinhava. Como ia ela encarar o empresário sem deixar transparecer os sentimentos que acabara de descobrir? Felizmente, depois daquele evento, provavelmente não o veria com frequência, e talvez conseguisse esquecer aquele sentimento, antes que ele criasse profundas raízes no seu coração. O novo dia já adentrava pela madrugada quando extenuada acabou por adormecer.


Como é que ele sabia a morada dela? - pergunta a Susana. Foi dito por duas vezes em episódios diferentes que ele investigou a vida dela.


Porque amanhã é o 25 de Abril, esta história continuará dia 26. Será de novo interrompida a 27 para continuar dia 30. 28 é domingo e 29 o Sexta é aniversariante.

6.4.19

UM HOMEM DIVIDIDO - PARTE XVIII


- Não conheço a tua irmã, mas vou dar o meu melhor, para que seja uma festa memorável.
-Quer isso dizer que voltas a confiar em mim?
- Será difícil de entender, que embora pareça, que me conheces bem, eu não me lembro de ti? Meu pai disse-me que o tinhas arruinado, e que exigias casar comigo para o tirar do buraco onde tu mesmo o tinhas metido. Tu apareces na minha empresa, e dizes que só lhe fizeste semelhante proposta, porque sabias que eu não ia aceitar. O que me leva a pensar que era uma nova forma de te vingares dele, por algo que te fez e que não me contas. Dizes que porás de parte a vingança a troco da realização da festa da tua irmã. Confiante aceito fazer a festa, e três dias depois, executas a hipoteca. Parece um jogo do gato e do rato, sendo eu o rato. Estou muito cansada, tenho trabalhado, quase noite e dia. Põe-te no meu lugar e responde à tua própria pergunta.
- Não confias, mas sendo a profissional responsável que és, farás a melhor das festas que fizeste até hoje.
Abriu uma gaveta, retirou um envelope grande, e estendeu-lho:
- Vê o que há nesse envelope.
Ela retirou do envelope uma série de documentos e analisou-os. Tratava-se de toda a documentação da “Casa Nova”.
-São os documentos que meu pai te entregou?- Perguntou encarando-o.
- Como vês estão aí todos, inclusive o resgate da hipoteca do teu pai, ao Banco. Com ela na mão a empresa volta a ser do teu pai, pois possuí-la, prova que a dívida foi paga. Pois bem se me prometes que não lhos dás antes da festa da Gabi, são teus.
-Quer dizer que se eu te fizer essa promessa os posso levar?
-Exatamente isso.
-E quem te diz, que não vou sair por aquela porta, entregar os documentos ao meu pai e desistir de fazer a festa da tua irmã?
-Acredito na tua palavra. Sei que cumprirás o que me prometeres.
Ela voltou a guardar todos os documentos no envelope e estendeu-lho.
- Podes voltar a guardá-lo. Entendi a lição. Desculpa o destempero com que entrei aqui, e a minha dúvida. Não voltará a acontecer. Tenho que ir. Estou a acabar os pormenores de uma festa para depois de amanhã, no Estoril. No dia seguinte, entro em contacto contigo para que me digas onde se realizará a festa, já que no “email” que mandaste não especificaste o local, e só depois de o ver posso organizar tudo.
- Muito bem. Fico há espera. Enviei – te o número do meu telemóvel pessoal.  
Levantaram-se os dois ao mesmo tempo. Ela estendeu-lhe a mão, que ele apertou entre as suas, como se a acariciasse. Ela corou e apressou-se a retirar a mão. Voltou-lhe as costas, dirigindo-se à porta e saiu fechando-a suavemente atrás de si.
Pensativo António voltou a sentar-se. Cada dia gostava mais da jovem. Dava parte da sua fortuna, para que ela sentisse por ele, a mesma emoção que lhe despertava. Tinha elaborado aquela estratégia com a intenção de ganhar a sua confiança. Sabia que ela estava desiludida com os homens. Sabia que  fora traída. E isso devia ser um espinho cravado no seu peito. Para ganhar o seu amor tinha que ganhar primeiro a sua confiança.


14.7.18

O DIREITO À VERDADE - XXVII




No domingo depois de almoço, Helena foi visitar a zona da Ribeira nas margens do rio Paiva. A jovem deixara-se envolver pela beleza da zona, quando recebeu uma chamada do seu presumível pai. 
Jorge queria saber como ela estava, pedia desculpa de não ir à cidade estar com ela, mas como lhe tinha dito, a esposa estava doente, e além disso o mês de Setembro já ia na segunda semana, estava-se a entrar na época das vindimas, e havia muito trabalho na quinta. Confirmava o exame de ADN para o dia seguinte, e informava que estaria no hotel às dez para irem ao laboratório.
A jovem ficou feliz com o telefonema. Jorge era um homem conhecido e estimado na terra, segunda as informações que obtivera na Vinícola e no café de Nelas. Fora carinhoso com ela, não duvidara nem por um momento do que lhe contou, e mostrava-se um homem interessado e carinhoso mesmo antes de terem efetuado o teste e ter a certeza se era ou não sua filha. Oxalá fosse, Gostava da ideia de saber, que podia contar com alguém que a amasse, e lhe oferecesse o ombro quando ela precisasse. Claro que ela tinha o tio Alberto, que sempre fora muito carinhoso com ela, e que tinha redobrado de atenções depois que o filho morrera. Coitado do tio, a vida, como as madrastas más da história, roubara-lhe tudo. Primeiro a esposa, quando ele mal completara quarenta e cinco anos, deixando-o com um filho prestes a entrar na adolescência, e recentemente esse mesmo filho. Ela sabia que podia contar com o tio. O envelope que lhe entregara na estação era prova disso. Mas um pai é sempre um pai, e ela que nunca experimentara esse sentimento, rogava a Deus que o exame fosse positivo.
Helena estava agora junto da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, e resolveu entrar. Não tinha recebido uma educação católica, apesar de ser batizada. Gostava de visitar Igrejas, como quem visita um museu. Para admirar a arquitetura, as pinturas, os retábulos, a riqueza interior. Porém naquele momento a necessidade que a fez entrar na Igreja era outra. Pela primeira vez sentia vontade de estar em comunhão com Deus, de conversar com ELE.
Antes de entrar viu a informação sobre o monumento. Datava do século XVIII, mas sofrera várias transformações a maior das quais no início do século vinte, quando construíram a escadaria que lhe dava aquele aspeto cénico.
Entrou. A Igreja de uma só nave tinha três belos retábulos. O principal, do altar, dedicado a Nª Sª da Conceição. Os outros dois mais pequenos, colocados, um de cada lado do espaço do altar, dedicados ao Sagrado Coração de Jesus, e a Santo António.
Na Igreja estava apenas uma mulher já idosa que ia desfiando as contas de um rosário.
A jovem ajoelhou, um pouco mais atrás e ficou em silêncio, observando o altar, talvez tentando entrar em contato com o divino, ou talvez buscando no seu íntimo as palavras, com que devia dirigir-se a Deus.



5.7.18

O DIREITO À VERDADE - XV





Helena que acabara de jantar, no hotel, regressou ao quarto, pensando no que lhe acontecera nessa tarde e em Cláudio. Interrogava-se se teria feito bem em aceitar o convite para almoçar com ele no dia seguinte. Afinal ela tinha feito aquela viagem com o firme propósito de conhecer o seu pai. Mesmo que por alguma razão não lhe dissesse quem era, queria saber como era o homem que lhe dera o ser. E nada nem ninguém deviam desviá-la desse objetivo. Nem mesmo aquele homem, interessante e másculo, com os olhos mais bonitos que ela já vira na vida. Retirou da mala um curto pijama de algodão e com ele na mão foi para a casa de banho. Despiu – se e meteu-se debaixo do chuveiro. Depois do banho secou cuidadosamente o corpo dolorido, e olhou-se ao espelho. Tinha uma grande mancha negra que ia na anca, até meio da coxa, e uma outra mais pequena junto ao joelho do lado esquerdo. E outra no ombro e no braço do mesmo lado. Enrolou o corpo na toalha e foi buscar o gel à mala que tinha deixado no quarto. Ao retirar o pacote da farmácia trouxe também o envelope que o tio lhe dera e de que nunca mais se lembrara, Deixou o envelope em cima da cama, e voltou à casa de banho, a fim de massajar a zona dorida com o gel.
Vestiu o pijama, secou e escovou os seus bonitos cabelos negros, escovou os dentes e regressou ao quarto. Em cima da cama, continuava o envelope. Decidida abriu-o. Dentro tinha um cartão multibanco, a nota de abertura de uma conta com cinco mil euros, em seu nome, e uma carta do tio. Desdobrou-a e leu.

Querida sobrinha:
Peço-te que aceites esta quantia como um presente, não meu, mas da tua tia, que tenho a certeza o faria, na presente situação, se estivesse entre nós. Não sei o tempo que levarás até encontrares o Jorge e o que acontecerá depois.  Que essa quantia sirva para te ajudar enquanto não decides a tua vida. Não te passe pela cabeça devolvê-lo sob pena de me ofenderes. Como sabes a minha irmã não teve filhos, e o meu… bom tu sabes. Hoje és a minha única família e amo-te muito
Teu tio
Alberto.

Acabou de ler a carta com as lágrimas rolando silenciosas pelo rosto. Pegou no telemóvel e ligou ao tio.
- Tio, desculpa ligar só agora. Acabo de abrir o envelope, e nem sei que te dizer a não ser que também te amo muito e que não precisavas fazer isto, Eu disse-te que tinha algumas economias.
-Sim querida. Mas assim estou mais descansado e podes dispor de mais tempo para procurares o teu pai. E de Coimbra, estás a gostar?
-Ainda não vi muita coisa, mas sim estou a gostar. Estou no hotel, e vou deitar-me em seguida. Estou cansada.
-Fazes bem, os últimos tempos foram muito desgastantes. Vai dando notícias. 
-Fica descansado. Até amanhã. E mais uma vez muito obrigado.
-Até amanhã querida.


Informando os amigos.

Acabei de chegar do médico.
Segundo ele a minha coluna não está para brincadeiras. O problema não são as hérnias, mas o aperto que umas vértebras estão a fazer sobre os terminais nervosos. Proibição absoluta de esforços, tomar relaxantes, e fazer fisioterapia. Se isto não resultar ou se piorar tenho que equacionar a possibilidade de ter que ser operada. Exercícios só caminhadas, o sol na praia faz bem mas a água só se estiver com temperatura  "tipo caldo" 

20.6.18

O DIREITO À VERDADE - III





Emocionada retirou um envelope cheio de fotos suas. Cada uma recordava uma etapa da sua vida. Havia uma no berçário da maternidade, outra a andar num baloiço de bebé. Virou-a e viu que tinha no reverso a data. Era do seu primeiro aniversário. Pegou noutra e viu-se bem pequenina no meio de outras crianças a apagar duas velas pequeninas num bolo de aniversário. Havia muitas mais, o seu primeiro dia de aulas, a entrada para os escuteiros, com o fato de lobito, a sua primeira comunhão, os seus aniversários. A última fora tirada seis meses atrás.  A sua mãe tinha feito um registo fotográfico da sua vida, e ela nunca dera por isso.  Poisou-as a seu lado, pensando que tinha que comprar um álbum e organizá-las. Se algum dia viesse a ter filhos, seria interessante comparar as suas fotos com as várias etapas deles.
Em seguida, retirou da caixa, um envelope grande e lá dentro encontrou os documentos da casa, a escritura de compra, e o registo predial. Voltou a metê-los no envelope, e retirou da caixa um pequeno baú de madeira. Abriu-o e encontrou uma caixa de joalharia. Assombrada, porque nunca tinha visto a sua mãe com qualquer jóia, abriu-a e mais espantada ficou ao encontrar lá dentro um anel de noivado e uma aliança.
-De quem seriam? Da sua mãe não era com certeza, ela sempre lhe dissera que nunca se interessou suficientemente por ninguém para desejar casar. Seria dos seus avós? Rodou a aliança e viu que tinha uma inscrição no interior “Jorge 25 -5-1990”. Não podia ser dos seus avós. Mas então de quem podiam ser? E porque estariam na posse da sua mãe? Voltou a fechar o estojo e retirou do fundo da caixa um outro envelope. Abriu-o e tirou vários documentos. Uma certidão de nascimento em nome da sua mãe, Natália Trindade. Uma outra certidão de nascimento em nome de Jorge Noronha.
Cada vez mais intrigada procurou o seguinte. Uma certidão de casamento em nome da sua mãe e de Jorge Noronha. Procurou a data. A mesma que estava na aliança. Então a aliança e o anel de noivado eram da sua mãe? Mas se assim era, porque é que ela sempre lhe dissera que era solteira? O que a levara a mentir-lhe a vida inteira? E quem seria aquele homem com quem casara? E onde estaria? Procurou no fundo da caixa, mas não havia mais nada lá. Voltou a pegar no envelope e ao abri-lo para guardar os documentos verificou que havia ainda um outro documento lá dentro. Retirou-o e leu-o. Era o registo do processo de divórcio da sua mãe. A data do divórcio era de vinte e oito de Novembro de mil novecentos e noventa e um.
Ela nascera a vinte e dois de Maio de mil novecentos e noventa e dois. Fez rapidamente as contas. Cinco meses e vinte e quatro dias. Então aquele tal Jorge era o seu pai. Porque é que ela não tinha o seu nome? Tê-la-ia rejeitado? Seria por isso que a mãe se divorciara? Mas porque esconder-lhe os factos. Pior, porque lhe mentiu?
Tornou a guardar tudo na caixa. Estava arrasada. Desde que tinha memória a mãe sempre esteve a seu lado sozinha. Quando foi para a escola tentou saber porque não tinha pai como as outras meninas.
E a mãe disse-lhe que tinha ido a uma festa, bebera mais do que a conta e fizera amor com alguém. Um mês mais tarde soube que estava grávida, mas não se lembrava de nada e não sabia quem seria o seu pai. Porquê?


27.5.18

CASAMENTO DE CONVENIÊNCIA - PARTE VII



Quinze dias depois, Pedro acabara de chegar do Algarve, onde tinha formalizado a compra do Hotel Rio Azul em Albufeira. Não era uma grande unidade hoteleira, mas por algum lado se começa e de momento era o que estava disponível no mercado. cinquenta quartos, distribuídos por três pisos.
Tirou o casaco que pôs nas costas da cadeira, afrouxou o nó da gravata, tirou-a e meteu-a na gaveta, procurando ficar o mais confortável possível, para encarar um dia de trabalho intenso. Há três dias que estava fora, e no dia seguinte viajaria para o Porto para supervisionar as obras de ampliação do restaurante na cidade.  Em cima da secretária, tinha o envelope que no dia anterior Abílio Morais, o investigador a que sempre recorria, quando era necessário, entregara.
Abriu-o e leu atentamente todas as informações. Surpreendeu-se ao descobrir que a jovem Joana, tinha vinte e nove anos. Parecera-lhe muito mais nova e imaginou que fosse a irmã mais nova, de Catarina quando afinal era o contrário. Mas a sua surpresa foi muito maior ao descobrir que Joana tinha estudado restauração e hotelaria, e tinha formação em cozinha e pastelaria. Fora a responsável pela pastelaria, “Sonho de verão”,  no Príncipe Real, até há oito meses, altura em que teve de se despedir para cuidar da irmã  grávida e da mãe que na altura lutava contra um cancro na mama. Depois que a irmã morreu, dedicou-se ao fabrico de bolos e organização de festas de aniversário infantil. Criara uma firma na Internet e trabalhava por encomendas através dela. 
Segundo as informações recolhidas por Abílio, as duas irmãs eram muito unidas, e duas raparigas sossegadas. A mais nova apaixonara-se por um jovem bem-parecido e adiantara-se ao casamento. Quando o namorado soube que estava grávida, desapareceu e nunca mais souberam dele. A rapariga sofrera um grande desgosto, perdera a alegria e a vontade de viver, apesar de todos os esforços da irmã e da mãe, que sempre a apoiaram e animaram. Conseguira levar a gravidez até ao fim, mas dera o último suspiro, mal o filho nascera.
Pôs de lado o relatório e ficou pensativo. As informações coincidiam com o que Joana lhe havia contado naquele dia. Tinha que pensar no que ia fazer, mas ele queria aquele menino. Era da sua família, tinha direito a uma vida melhor do que aquela, que as duas mulheres lhe pudessem dar. Por outro lado, ele não tinha o direito de tirar-lhes a criança. Era tudo o que lhes restava, da filha e irmã que elas amaram. Ouviu-se um toque na porta e Rita entrou, trazendo alguns documentos para assinar.
- Aconteceu alguma coisa digna de registo enquanto estive fora? – Perguntou enquanto assinava o documento que tinha na sua frente.
- Nada a não ser os telefonemas da menina Cristina Barbosa, a perguntar se o senhor já tinha regressado. A propósito se ela telefonar hoje, o que faço?
- Passa-me a chamada. Faça com que este documento siga imediatamente para o seu destino. Depois localize o doutor Araújo e passe-me a chamada. É urgente.
- Mais alguma coisa doutor?
- De momento não, Rita.
A secretária pegou no documento e saiu, deixando-o entregue aos seus pensamentos.