António levantou os olhos e olhou a sua secretária, tão
surpreso como se ela lhe anunciasse que o Papa o queria ver.
-Disse-lhe que estava muito ocupado?
-Disse. Mas ele diz que não se vai embora sem falar consigo.
-Está bem. Faça-o entrar e deixe-nos sós.
-Bom dia- saudou Jorge ao entrar no
gabinete.
- A que devo a honra da sua visita? – perguntou António sem se
levantar, nem corresponder ao cumprimento.
Jorge Maldonado avançou até parar em frente da
secretária, meteu a mão no bolso, retirou um papel, desdobrou-o e colocou-o bem
na frente do empresário.
-Vim devolver isto. Deve ter ido por engano, pois não me pertence.
-A Paula não lhe disse, que era uma indemnização pelos
danos causados?
- Claro que disse. Todavia o valor do resgate que pagaste
pela hipoteca cobre os prejuízos.
-A “Casa Nova” está sem fundo de maneio, para se reerguer.
E eu tinha prometido um empréstimo…
- A troco da minha filha casar contigo. Ela garantiu-me
que não o vai fazer. E ainda que assim fosse, quem empresta uma tal quantia,
sem documentos assinados, e garantia de reaver o empréstimo? Nem o mais
altruísta dos homens, quanto mais tu, que apenas desejas vingar-te pelo mal que
te fiz. Não, o que pretendias era humilhar-me, continuando assim a tua vingança.
Mas deixa que te diga uma coisa. Nada do que tu faças, me causará tanto dano,
quanto o remorso com que a minha consciência me tem atormentado ao longo destes
anos.
Sem se conter, António soltou uma gargalhada.
-Remorsos? Ora, não me faça perder tempo, que não tenho disposição
para anedotas. Para alguém ter remorsos precisa ter sentimentos e isso é coisa
que nunca teve. Lembra-se do modo como nos tratava a mim e aos meus colegas de
trabalho? Do abandono a que votava a sua filha? Alguma vez reparou na tristeza
dela? Na solidão que sentia? Meu Deus era uma menina triste, sofrida, porque sentia que o
pai não a amava. Mas o senhor não reparava em nada nem em ninguém. E o que fez
comigo não tem perdão. Não esperou que a polícia investigasse o roubo. Foi
logo acusando-me de ficar com o dinheiro, manchando a única coisa valiosa que
eu tinha. Um nome honrado. Por isso não me venha falar de remorsos. Leve o
maldito cheque, ou deixe-o ficar, mas desapareça. Não quero voltar a vê-lo.
Sem uma palavra, Jorge Maldonado, virou-lhe as costas, dirigiu-se à porta e abriu-a. Porém antes de sair, voltou-se e disse:
-Custa a crer que te tivesses apaixonado por aquela miúda triste e desengonçada.
Não lhe deu tempo para responder. Saiu e fechou a porta
deixando o empresário perplexo . “O homem é doido”, pensou. Só uma
mente doentia podia pensar que ele, com dezanove anos se tinha apaixonado por
uma menina de nove anos. Aquilo era mais uma ofensa à sua integridade moral. Ele,
simplesmente tinha pena da solidão da menina. Era por pena que às vezes sentia
vontade de lhe pegar ao colo e a acarinhar, tal como fazia com a sua irmã
quando a sentia triste. Apaixonado por ela. “O homem é doido”, - repetiu em
voz baixa. - Quem pensa ele que eu sou? Um tarado?
Apaixonado estava desde que há
cinco anos, a encontrara no banco, mas que importava isso, ela não acreditava
nele.
Irritado pegou no cheque que Jorge deixara sobre a mesa, e
rasgou-o em mil pedacinhos.Atenção ao capítulo 40 que saiu ontem à noite. E não esqueçam a informação que lá está.