No seu escritório, João serviu-se de um uísque e com o copo
na mão sentou-se, abriu a gaveta e retirou a foto da sua mãe com ele ao colo, e
o envelope ainda fechado. Durante alguns segundos rodou-o entre os dedos. Depois
decidido pegou num estilete, abriu-o e leu.
“Meu querido e nunca esquecido filho.
Quando leres esta missiva, eu já terei partido para a minha
última viagem.
Não sei o que tu saberás sobre mim, nem o que teu pai te
terá dito, mas acredita que te amo muito, sempre te amei e que foi com o
coração sangrando que te deixei, todavia não tinha forças para continuar a
viver como vivia. Receava endoidecer, e não podia levar-te comigo, pois não tinha
meios de poder satisfazer as tuas necessidades mais básicas. Não tinha
dinheiro, nem emprego, nem família a quem recorrer pois talvez não saibas, mas
nunca conheci meus pais, fui criada num orfanato. Quando três anos depois a
minha vida estabilizou, procurei o teu pai, a fim de um entendimento que me
permitisse partilhar a tua guarda, porém ele disse-me que ou voltava para ele
ou nunca mais te via, e se insistisse na guarda partilhada, antes disso, ele te
mandaria para um internato onde nunca te iria descobrir. Conhecia o teu pai,
sei que era capaz de cumprir essa ameaça, e para que não o fizesse eu
prometi-lhe que nunca mais te procuraria.
Todavia embora longe, através de uma amiga dos meus tempos do orfanato,
fui sabendo notícias de ti e recebendo fotografias que me iam mostrando como
crescias, e ias aos poucos caminhando para a idade adulta.
Não vou falar-te das minhas razões para fugir, não quero falar
mal do teu pai, ele já terá prestado contas à justiça divina.
Talvez eu devesse ter-te procurado quando ele morreu, mas nessa
altura tu já eras um homem de sucesso, não irias decerto acreditar no meu amor,
pensarias que te procurava por saber que estavas bem na vida; e eu não ia
conseguir viver com a tua rejeição.
Quero que saibas, que o ter-te abandonado, foi a maior dor
que sofri em toda a vida, foi como se me amputasse a mim mesma.
Um dia conheci um bom homem, e com ele vivi cinco anos, que
só não foram de felicidade absoluta, porque tu não estavas lá. Com ele tive o
David, mas é bem verdade, que um filho não faz esquecer o outro.
Se estás a ler esta carta, significa que já conheceste o
teu irmão. Gostaria que se dessem bem, ele também foi uma criança sofrida, não
só porque o seu pai morreu quando tinha apenas dois anos, mas porque a mãe,
sempre foi uma mulher triste, por carregar no peito, uma mágoa maior que ela.
Não te peço perdão,
peço-te que compreendas a mulher que te deu o ser e que acredites que a maior
dor que me acompanhará até ao último suspiro é sem dúvida o não poder
abraçar-te uma vez que seja.
Termino desejando que sejas muito feliz.
Olinda Braizinha.”
Leu e releu a carta várias vezes, as letras dançando nos
olhos rasos de água. Sem vergonha, João chorou amargamente. Chorou a sua dor de
criança solitária, criada sem amor, chorou a dor da sua mãe, separada do filho
que amava, chorou pela maldade do pai, que lhe fez acreditar que a mãe era
pouco menos que uma prostituta, sem sentimentos. Levantou-se foi ao bar e
trouxe a garrafa de uísque para cima da mesa. Precisava beber. Beber até anestesiar
o cérebro de modo que esquecesse tudo o que o seu pai fizera com a sua vida, a da mulher e do filho. Porém quando ia levar o copo aos lábios, lembrou-se de
Teresa e das crianças que ela esperava. Sacudiu a cabeça, para afastar os maus
pensamentos, e foi guardar a garrafa no sítio. Depois lentamente as costas fletidas
como quem carrega um pesado fardo, saiu e foi para o seu quarto onde se jogou
em cima da cama sem sequer se despir.
22 comentários:
Agora, sim, vai conseguir '" fazer as pazes" com o passado, apesar do sofrimento que irá sentir por nunca ter tentado procurar a mãe. Acho que isso vai pesar-lhe . Mas tem o irmão e tem a Teresa e irá recuperar a paz interior. Beijinhos, Elvira! Fica bem, com SAÚDE para todos.
Emília
Ele carrega um pesadíssimo fardo.
E isso nunca é bom.
Abraço
A passar por cá para continuar a acompanhar a história!
Isabel Sá
Brilhos da Moda
Pelo menos, dessa ele já está livre. Agora as outras preocupações tomarão conta do seu tempo e o assunto ficará arquivado no escaninho das memórias, de onde só sairá em momentos raros e sem provocar qualquer dor.
Sentimentos fortes da mãe ao escrever tal carta e dele ao só agora ler... Muito lindo capítulo! beijos, chica
Bom dia
Um capitulo esperado , é certo que dos mais tristes , mas que infelizmente faz parte da vida e do destino de cada um ao qual não podemos fugir.
JR
Bom dia Elvira,
Um momento muito difícil para João ao ler a carta de sua mãe.
Gostei muito da intensidade que colocou em cada palavra para descrever as emoções sentidas por João.
Beijinhos e ótimo dia.
Ailime
Estou a gostar e continuo a acompanhar.
Não há dúvida alguma de que a Elvira sabe tocar as cordas sensíveis do coração de quem é mãe.... bem como de quantos a lêem.
Parabéns!
Um abraço emocionado.
A vida na maior parte do tempo é bruxa má, porém vão aparecendo uns intervalitos onde aparece a fada sininho :-)
Bom dia, Elvira
Muita saúde e uma beijoca virtual
Não vai ser fácil, para o João, gerir em simultâneo tantas e tão fortes emoções...
Forte abraço, Elvira!
Ui... Mas que fado- Esperamos agora que haja "paz"
--
Lembraste do meu primeiro sorriso?
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Beijo, e um excelente dia...
Emocionante até às lágrimas. Parabéns, Elvira, por tão grande inspiração.
Beijinhos.
Elvira
este conto está mesmo muito bem escrito, sempre com novidades e sempre em sintonia.
gosto deste enredo.
beijinhos
:)
Até que enfim João resolveu abrir o envelope e ler a carta de sua mãe. Mãe é sempre mãe. Mesmo que tivesse sido prostituta, não deixou de ser mãe!
Com saúde, tenha uma boa tarde amiga Elvira. Um abraço.
Certo que a melhor forma de diminuir a dor não seria embriagar-se e ele pensou na Teresa isso prova o quão importante ela é ,nesse momento.
E a carta da mãe vai ajudar a seguir em frente .
Gostei Elvira _ meu abraço e fica bem ,com saúde e inspiração.
Espero que seja desta que as coisas se resolvam...
Bjxxx
Ontem é só Memória | Facebook | Instagram | Youtube
Emília, mas que grande grande capítulo!
Me emocionei de verdade.
Beijo.
Quem sabe após a leitura da carta da mãe, acabe com o mau juízo que fazia das mulheres, e se decida quanto ao amor que sente por Teresa. Aguardemos.
Abraços,
Furtado
A mim, confesso, também me deixou os olhos cheios d´água.
Bom fim-de-semana.
Perdoar o passado para ser feliz no presente e desta vez, com razões para numa acrescentar, não um mas dois familiares, o irmão numa idade não assim tão distante da sua e a memória da mãe, com todo o valor que lhe acresce...
Bonito, emotivo história extraordinária
Meu Deus quanto sofrimentos a mãe e ele passaram, devido o pai mau caráter e sem um mínimo de sentimentos e respeito pelo outro.
Abraços fraternos!
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