Deixou um quarto para a mãe e dividiu o outro com o
irmão que traumatizado com a morte do seu progenitor e o alheamento da mãe, não
fazia outra coisa que não fosse chorar. Essa fora a principal razão que a
levara a inscrever o irmão nos escuteiros da paróquia de São Pedro de
Alcântara. Após a mudança e despedida a última empregada, Clara pensou que
precisava de arranjar rapidamente trabalho, pois o dinheiro que sobrara, depois
de pagar aos credores, escoava-se rapidamente nas necessidades básicas do
dia-a-dia. Porém como fazê-lo se tinha de cuidar da casa, da mãe e do irmão, na época apenas com apenas com sete anos? Ainda restavam as jóias da mãe, mas de modo algum queria desfazer-se delas. Cada uma representava para a progenitora, um momento especial,
seria decerto um choque fatal desfazer-se delas.
Infelizmente seis meses depois de terem mudado para a
nova casa, a mãe morreu docemente enquanto dormia. Clara havia completado
dezoito anos dois dias antes. Foi como se a mãe tivesse esperado que ela
atingisse a maioridade para se reunir ao seu amado marido. Assim ela podia
assumir a educação do irmão. Se fosse menor, a Segurança Social tê-los-ia
separado, e provavelmente acabariam os dois nalguma instituição.
Com o pequeno Tiago na escola, podia enfim
arranjar um trabalho, que lhes permitisse viver. E foi o que fez. Arranjou
trabalho num café perto de casa. O salário não era muito grande, mas com o abono de família, e as
gratificações dos clientes, dava para irem vivendo. Com a vida mais
estabilizada, propôs-se terminar o décimo segundo ano à noite, coisa que levou
a cabo com a ajuda das vizinhas que lhe tomavam conta do irmão, nas horas em que ela estava na escola.
Mais tarde, fora a uma entrevista e conseguira entrar como
escrituraria numa empresa e o salário aumentou substancialmente. E assim foram
vivendo os dois, os anos passando, Tiago crescia, sem lhe dar problemas. Tinha dezasseis anos, e ia iniciar o penúltimo ano do Secundário. Quando terminasse essa fase, teria
que entrar no mercado de trabalho, já que de modo algum, Clara conseguiria
pagar-lhe a faculdade, a menos que vendesse as poucas jóias da mãe, que ainda lhe restavam,
coisa que ela não desejava fazer.Eram a única recordação que tinham dos pais, e uma defesa para a eventualidade de uma doença. E foi então que no refeitório da empresa uma colega
lhe chamou a atenção para um anúncio, no jornal, que na altura
considerou absurdo.
“Cavalheiro 35 anos, deseja conhecer senhora dos 30
aos 35 anos, que goste de crianças, meiga e competente, para possibilidade de
desempenhar o papel de mãe delas. Assunto sério. Resposta ao apartado 1100
Rossio”
Porém o resto do dia, o anúncio não lhe saiu do
pensamento. Ela gostava de crianças. Se o homem pagasse bem, e tendo em atenção
que provavelmente iria viver lá para casa, talvez conseguisse pagar a
Universidade ao irmão.
Assim, depois de uma noite em que quase não dormiu,
decidiu responder ao anúncio. Nunca lhe passou pela cabeça que se tratasse de
um casamento, pensou sim que se trataria de um emprego como ama.
Escreveu a seguinte missiva no trabalho durante a hora
de almoço.
Exmo. Senhor.
Talvez não devesse perder tempo a responder ao seu
anúncio, já que refere a idade entre 30 e 35 anos, e eu tenho
apenas 26. Mas como gosto imenso de crianças, e tenho experiência no
assunto já que há oito anos, venho criando sozinha, um irmão que tem atualmente
dezasseis anos, penso que talvez a questão da idade não tenha uma importância muito
grande, e eu possa ser escolhida para cuidar das suas crianças.
Estou na atualidade empregada na firma, Ramos & Ramos Lda em Alcântara, mas não teria problema em pedir a demissão.
Sem outro assunto, termino com os melhores
cumprimentos.
Atenciosamente
Clara Mendes de Sá.
P.S. Não envio referências, pois acredito que o senhor
não entregará os seus filhos ao cuidado de ninguém, sem antes fazer uma aturada
investigação sobre essa pessoa. Pelo menos, era o que eu faria, se fossem meus
filhos.