Seguidores

14.9.18

HISTÓRIAS DE ANTIGAMENTE - A QUASE EXTINÇÃO DO BACALHAU

No início falei da pesca à linha. Mas porque esta pesca era muito dura, e arriscada, os pescadores sempre sonharam com uma maneira mais fácil de pescar o bacalhau. Daí que na primeira década do séc. XX apareceram os primeiros barcos arrastões de origem francesa. A Parceria Geral de Pescarias, sempre na vanguarda, manda construir um navio a vapor, arrastão, tentando assim competir com os já citados arrastões franceses e quem sabe se resultasse deixar de lado a pesca à linha. ( Recorde-se que a Parceria Geral de Pescarias tinha na altura quatro veleiros, o Argus, o Creoula, actual navio escola da Marinha de Guerra, o Hortense e o Gazela Primeiro, actual museu marítimo em Filadélfia.)
Partiu pois o Elite para a pesca nesse longínquo ano de 1909, mas a verdade é que se a sua prestação não foi famosa nesse ano, no seguinte foi ainda pior. A máquina apesar de demasiado grande, não tinha força suficiente para puxar as redes. Mas parece que o facto de os pescadores não estarem habituados a esse tipo de pesca, e o enorme consumo de carvão, também contribuíram em muito para o insucesso do arrastão Elite.

Por certo já todos ouviram falar do navio NRP AUGUSTO DE CASTILHO, heroicamente afundado, em 14 de Outubro de 1918 após luta desigual com o submarino U-139 da Imperial Marinha Alemã, a fim de dar fuga ao paquete S. MIGUEL em rota do Funchal para Ponta Delgada, transportando 206 passageiros. Agora o que talvez não saibam é que este navio era o mesmo arrastão Elite reconvertido e ao serviço da Marinha de Guerra.
Eis um pequeno excerto da história que poderão ler na integra AQUI

"No combate que se seguiu e que incrivelmente se prolongou por mais de duas horas, perdeu a vida o Comandante Carvalho Araújo e mais seis elementos da sua guarnição de 42 homens. A desproporção de forças era tão grande que o resultado do combate estava traçado desde o início bastando atentar-se no potencial ofensivo de cada um dos contendores.  À data o patrulha Português já se encontrava artilhado com duas peças Hotchkiss, uma com o calibre de 65 mm em caça e outra de 47 mm em retirada, ao passo que o submarino U-139 dispunha de duas peças de artilharia de 150 mm e seis tubos lança-torpedos."

Voltando à Pesca do Bacalhau, a partir de 1942 os armadores viraram-se em força para a compra de navios arrastões. Mas foi a chegada do “Fairtry” um enorme navio de bandeira inglesa, que marcou o início do fim para a pesca do bacalhau do Atlântico, e na verdade para muitas das fainas no mundo. 

                                          Foto da net

Este era, o primeiro arrastão fábrica congelador, uma embarcação de vários milhões de dólares, equipada com todas as inovações do pós-guerra. Debaixo do convés havia uma fábrica de processamento com máquinas automáticas de filetes, refeições de peixe e um enorme conjunto de armazéns frigoríficos. Podia pescar sem parar 7 dias por semana, semanas sem fim, içando redes durante terríveis temporais de Inverno que facilmente deitariam abaixo a Estátua da Liberdade. Com radar, sonar, detectores de peixe, podia detectar e capturar cardumes inteiros de peixe com uma eficácia assustadora. Depois deste, outros vieram e cada vez maiores. A par destes navios fábrica, continuavam a ir à Pesca os veleiros de pesca à linha.
O Bacalhau começou a ser pescado cada vez mais cedo. Um Bacalhau precisa de cerca de seis anos para atingir a sua maturidade sexual e se poder reproduzir. De cada 20 bacalhaus bebés só um conseguiria sobreviver até essa idade.
A partir de 1968 aconteceu que os grandes navios apesar de toda a sua capacidade em detectar o peixe, não encontravam os grandes cardumes a que estavam habituados. Também não era para menos por essa altura existiam mais de 700 destes grandes navios fábricas, sendo que só a União Soviética possuía 400.
Por outro lado em Portugal cuja pesca continuava a ser feita à linha, os pescadores começaram a recusar embarcar, os salários eram de miséria, os riscos muito grandes, e por outro lado começava a vaga da emigração portuguesa, que apresentava menos riscos e dava mais dinheiro.
Daí até à última partida destes veleiros mediaram apenas 3 anos.

Mais tarde, em 1975 a Islândia decide alargar a sua ZEE (zona económica exclusiva) para 200 milhas, à volta da ilha, proibindo assim a pesca dentro dessa zona. Isto deu origem à “ guerra do bacalhau” com os navios patrulha islandeses a tentarem expulsar os barcos pesqueiros e a marinha inglesa a proteger estes.
Apesar de ambos os países pertencerem à NATO, esta manteve-se neutral e foi a diplomacia que acabou por resolver o assunto, e conduziu a um acordo entre as partes.
Em 1977 o Canadá resolveu seguir o exemplo da Islândia, alargou os seus limites para as 200 milhas, mas não teve a visão suficiente para diminuir ou cessar a pesca do bacalhau pelos seus arrastões. Chegou ao limite em 1992 quando fechou os bancos à pesca, encerrando fábricas e mandando para o desemprego mais de 2000 pessoas. Porém pode ter sido tarde de mais e nunca mais se conseguir recuperar o stock de bacalhau, porque os arrastões não destruíram apenas os cardumes de bacalhau, mas também terão alterado todo o ecossistema que ele precisava para a sua sobrevivência.

Em 1999, a E.U. instaurou um plano de longo prazo para a recuperação da população do bacalhau na região do Báltico. E em 2003, foi proibida a pesca de bacalhau com redes de arrasto, redes de cerco dinamarquesas e similares, no mar Báltico, no período de Abril a Maio.



Segundo a Greenpeace neste momento existe apenas um stock “saudável” de bacalhau no Mar de Barents no Norte da Noruega e da Rússia.  Se as regras não forem infringidas  e as quotas ultrapassadas poderá manter-se assim . O problema continua a ser  com os arrastões fábricas. Porque as suas redes têm no fundo um cabo grosso que chega a pesar mais de 300 toneladas,  que serve para as manter bem no fundo mas que arrastam tudo no fundo, provocando no ecossistema feridas incicatrizáveis.
Resta a esperança de criação em cativeiro. Mas a produção de bacalhau em cativeiro, em gaiolas flutuantes, enfrenta um sério obstáculo. É que contrariamente ao salmão, o bacalhau apenas come organismos vivos, não aceita ração. E se este obstáculo for ultrapassado no futuro, alguém acredita que o bacalhau terá o mesmo gosto de agora?



Fontes
http://vilapraiadeancora.blogs.sapo.pt/91205.html
Marinha de Guerra Portuguesa
 http://www.greenpeace.org/

e o conhecimento  da autora, que tendo nascido e vivido toda a sua infância na Parceria Geral de Pescarias, ali trabalhou durante largos anos, já adulta.





Maria Elvira Carvalho

16 comentários:

António Querido disse...

Passando pelo "Sexta Feira" à quinta informo que sim, fui à quinta porque por milagre o PSA baixou e o meu Professor Belmiro decidiu esperar mais um mês para ver em que param as modas e desta já me livrei.

O meu abraço.

Manu disse...

Um precurso notável sobre a evolução da pesca do bacalhau.
Espero que com tanta evolução e novas tecnologias,ele continue a chegar à nossa mesa com o mesmo sabor de sempre.

Abraço Elvira

Cidália Ferreira disse...

Não imaginaria o trabalho árduo do bacalhau. Houve uma grande evolução!! :)

Beijo e uma excelente tarde!

Ailime disse...

Boa tarde Elvira,
Realmente impressionante a captura do bacalhau por esses navios que detetavam os cardumes. Não me admiro, que não tarda, o bacalhau fique em vias de extinção e bacalhau de viveiro não seria a mesma coisa.
Beijinhos
Ailime

chica disse...

Gostei de acompanhar toda essa saga de bacalhau! Tanto não se sabia!!!
Bjs tudo de bom,chica

Meu Velho Baú disse...

Obrigada pela partilha muito elucidativa
Bacalhau em cativeiro não......de certeza absoluta que não seria o mesmo bacalhau gostoso que comemos.
Beijinhos Bom fim de semana

Tintinaine disse...

Vou lembrar-me disto tudo, quando meter o garfo na próxima posta de bacalhau!

Teresa Isabel Silva disse...

Estou a adorar estas tuas partilhas, muito boas!

Bjxxx
Ontem é só Memória | Facebook | Instagram

Graça Sampaio disse...

Gostei de saber. Desconhecia grande parte da informação.

Obrigada, Elvira!

Beijinho.

Josélia Micael disse...

Gosto muito das suas histórias amiga!
Muito linda tudo que você escreve!
Obrigada pela partilha!
Beijo de paz e amor!

Sandra May disse...

Estou gostando de acompanhar as postagens sobre o bacalhau, Elvira. Fiquei um pouco chocada, aflita com a descrição dos arrastões que capturam cardumes inteiros. Se os peixes forem criados em cativeiro e se adaptarem à ração, provavelmente a carne não terá o mesmo sabor...mas a natureza é assim mesmo: predadora, e nós não somos diferentes das outras espécies.
Obrigada pela partilha.
Ótima sexta-feira e abraços!

Jaime Portela disse...

Muito interessante esta crónica sobre o bacalhau.
Nos anos 50, os Estaleiros de Viana construíram o navio hospital Gil Eanes (para apoio à pesca do bacalhau), que a cidade salvou da sucata e que há uns anos pode ser visitado.
Os Estaleiros de Viana formam fundados para construir navios bacalhoeiros arrastões (pela borda). E também construíram navios fábrica de arrasto pela popa, já nos anos 70, mas para a pesca de outro peixe que não o bacalhau. Como trabalhei lá, ainda participei na construção destes últimos, que tinham boas condições para os tripulantes. Os mais antigos (conheci-os porque eram lá reparados) tinham condições muito más.
Elvira, continuação de boa semana.
Beijo.

Pedro Coimbra disse...

Não sou realmente um grande amante de bacalhau.
Se faltasse não ia sentir muito, confesso.
Bfds

Os olhares da Gracinha! disse...

Uma história envolta em histórias que marcaram uma época que ficará para a história!!! Bj

Os olhares da Gracinha! disse...

Uma história envolta em histórias que marcaram uma época que ficará para a História!!! Bj

maria disse...

Uma verdadeira lição de história,e com uma descrição tão pormenorizada, que não é dificil imaginar o ambiente na Azinheira Velha. Não imaginava que a Seca do Bacalhau de que ainda hoje se ouve falar, tivesse tido a dimensão, a importância e o impacto que teve naquela época. Gostei muito!Parabéns e Obrigada!