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28.9.18

ENTRE O AMOR E A CARREIRA - PARTE XIV



Deixou-se cair na cadeira, e ocultou o rosto nas mãos. As palavras de Clara foram como um punhal que se lhe cravara no peito. Doera-lhe. É claro que ele amava os filhos. Não em demasia, ninguém ama demais, simplesmente porque não existe medida para o amor. Ou se existia, ele desconhecia. Mas que importava isso? Ele nunca soubera muito de amor, o que sabia, era que daria a sua vida por qualquer um deles, se necessário. Apesar disso, tinha a noção, de que só o seu amor não lhes bastaria. Ele sabia que decisão tomar, para salvar a vida dos seus homens, em caso de perigo eminente, mas não sabia como cuidar de uma criança no dia-a-dia. Ele seria capaz de prestar os primeiros socorros a um dos seus homens que fosse ferido, mas ficava sem ação, quando um dos seus filhos caía e se feria.  No quartel, diziam que ele era um homem frio, a quem nada nem ninguém fazia perder o controlo. Não era verdade. Quantas vezes, apertou os punhos, e cerrou os dentes para não gritar, o que lhe ia na alma?
Aprendera de menino a amordaçar a dor, cada vez que a madrasta mandava para o lixo um brinquedo, só porque reparara que ele gostava muito dele, cada vez que o pai se ausentava do país, e ela o atormentava. Ele aprendera a odiar, numa idade em que as crianças não devem conhecer outro sentimento, que não o amor. A ida para casa da avó materna, fora um alívio, mas também nela não encontrou o amor que o fizesse esquecer o que ficava para trás. A avó perdera o marido e a filha, no curto espaço de um ano, e desde aí fechara-se no seu mundo de sofrimento, recordações e saudade, alheando-se de tudo o que se passava à sua volta. Ricardo crescera assim num mundo inóspito, onde o único oásis era Antónia, a empregada da avó. Ela fora o único ser, que gostara verdadeiramente dele. Ela e o Farrusco, um S. Bernardo escanzelado, que aparecera um dia na quinta e que por lá ficara. Mais tarde, quando ingressara no Colégio Militar, regressara à casa paterna, mas Ricardo nunca tivera coragem de contar ao pai, o que a sua mulher lhe fazia, quando ele não estava por perto. Nem mesmo depois da morte dela, quando ele já tinha vinte anos. Para quê atormentar mais o pai, se o mal já estava feito e era irremediável?
Tendo compreendido o ciúme doentio da madrasta, Ricardo afastara-se gradualmente do pai. Deixou de procurar a sua companhia quando ambos estavam em casa, e procurou estar nela o menos tempo possível. Quando Irene morreu, ele e o pai eram pouco mais que dois conhecidos de ocasião. Talvez por isso, o pai não lhe tivesse contado, quando descobriu que era portador de um cancro no Pâncreas. E como ele se sentia melhor no quartel que em casa, só se apercebeu quando era demasiado tarde. O pai já tinha morrido há onze anos e ele ainda se culpava, por não ter estado presente quando o pai mais precisara dele.
Clara tinha razão. Ele tinha que repensar toda a sua vida. Afinal, acabara por fazer o mesmo que o seu pai. Pusera a vida e o futuro dos seus filhos nas mãos de uma desconhecida, querendo que ela os tratasse e cuidasse como filhos. E se ela fizesse com eles o que Irene, fizera com ele? É certo que o relatório do investigador, dizia que era pessoa estimada por todos e que cuidara do irmão como todo o desvelo, e fora isso que o levara a contratá-la. Mas o irmão era do seu sangue, os seus filhos não lhe eram nada.
Não, Clara não era como Irene. Se o fosse não lhe tinha dito tudo o que lhe dissera minutos antes. Ou diria? Ricardo nunca se sentira tão inseguro.
Sossegou-se ao pensar que Antónia lhe diria se alguma coisa corresse mal. Ela estava com ele, desde que a avó morrera e Ricardo herdara aquela quinta. Na altura, Alfredo o marido dela, trabalhava numa herdade vizinha, e a pequena quinta estava abandonada. Ricardo mandara construir uma casa mais pequena, um pouco afastada da principal, contratara Alfredo como caseiro, e os dois ficaram a viver ali.
Antónia tivera um filho que morreu de meningite com dois anos de idade. Depois disso, ou por impossibilidade, ou por vontade própria, não voltara a ser mãe. Mas o seu instinto maternal era muito forte. Fora o mais parecido com uma mãe que ele tivera.
Ela adorava os seus filhos e tinha a certeza de que lhe diria imediatamente se notasse algum comportamento impróprio de Clara.
Essa certeza, fazia com que partisse mais descansado. Antónia, era a única mulher no mundo em quem ele confiava.


Esta história volta Segunda-feira. E ontem foi dia de novos exames médicos. Resultados só  a 7 de Outubro. Bom fim-de-semana

17 comentários:

chica disse...

Quantas dúvidas e questionamentos na cabeça desse homem...E no fundo ele tem algumas certezas! beijos, lindo fds! chica

noname disse...

Um dilema, por certo. Vamos ver o que vai dar.

Bom almoço, Elvira

Maria João Brito de Sousa disse...

Continuo a acompanhar o desenrolar da história, Elvira, e espero que os resultados dos seus exames auxiliares de diagnóstico sejam animadores.

Abraço e votos de um excelente fim-de-semana.

Teresa Isabel Silva disse...

Estou cada vez mais viciada na história.
Quanto aos exames médicos vamos aguardar por boas noticias!

Bjxxx
Ontem é só Memória | Facebook | Instagram

Cidália Ferreira disse...

Mais um episódio que adorei ler. Afinal, entende-se as atitudes - anteriores- de Ricardo! Acho que encontrou a Mulher certa para lhe ajudar nos seus traumas!! AMEI!

Beijo. Bom fim de semana!

OXALÁ ESTEJAM TODOS BEM!

Larissa Santos disse...

Esta Mulher vai vai surpreende-lo até ao fim:)) Fico esperando com ansiedade, kkk

Do nosso amigo, Gil António:- Hoje » És a minha luz do entardecer

Bjos
Votos de uma óptima Sexta-Feira

Os olhares da Gracinha! disse...

Precisa de encontrar a felicidade!!! Bj

A Nossa Travessa disse...

Minha querida Elvirinhamiga

Primeiro que tudo está a saúde. Oxalá os exames médicos tragam boas notícias. Estou como se diz no futebol a torcer por ti.

Estória como sempre exemplar. E como não nasci para ser Pitoniso :-) limito-me a dizer vamos ver o que isto vai dar...

Muitos qjs deste teu amigo e admirador
Henrique, o Leãozão


Já está publicado na Nossa Travessa mais um episódio da saga VIVER COM UM IRMÃO PORTADOR DA SÍNDROME DE DOWN que desta feita leva o título de O Super Frederico, Nele o nosso herói desdobra-se em actividades diversas face a mais uma situação muito difícil: a irmão dele Leonor caiu na teia demoníaca da droga, E ele, sozinho, vai resolvendo a par e passo os múltiplos problemas que tem pela frente!

Gaja Maria disse...

Está feito num oito :)
Abraço Elvira

Tintinaine disse...

Bom fim de semana, Elvira!
Segunda-feira cá estarei para saber como vai a história deste pai que não é pai e que também nunca foi filho. Pode ser que venha a dar um bom marido.

lis disse...

Muitos recordações que não deixam esse casal pensar em si mesmo.
Continuo gostando e aguardando a proxima semana.
Muito bem construido a historia ,Elvira.
Um abraço

Cantinho da Gaiata disse...

Vamos ver se ele abre os olhos para a vida é se dedica mais aos filhos.
BJ e bom fim de semana.

Anete disse...


Acompanhando e com expectativas no que vem pela frente...
Um relacionamento familiar com bastante conflito. Os dois com bagagens pesadas e sofridas.

Bom sábado! Meu carinho

lourdes disse...

Mais uma bela história que se adivinha de amor entre estes dois. Mas acho que ainda vai dar muita volta até eles se "encontrarem".
Bjs.

Sandra May disse...

Que bom que esta mulher, a Clara, "apareceu" na vida dele. Está causando uma revolução nos sentimentos dele e deve ser bom, ele está tendo uma nova chance de amar e ser amado.
Os dois passaram por muitas dificuldades e vão se completar, com certeza...ou não?
Torço para um final feliz e tô amando.
Quanto aos exames, que seja tudo de melhor.
Bom final de semana!

Ailime disse...

Boa noite Elvira,
Depois de alguns dias ausente, estive a pôr em dia a minha leitura desta bela história.
Já avançou bastante e vou continuar a seguir com muito interesse.
Beijinhos e bom domingo.
Ailime

Ailime disse...

Boa noite Elvira,
Depois de alguns dias ausente, estive a pôr em dia a minha leitura desta bela história.
Já avançou bastante e vou continuar a seguir com muito interesse.
Beijinhos e bom domingo.
Ailime