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29.4.16
MANEL DA LENHA - PARTE LXII
No final de Agosto chegaram os novos carros, uma estrutura de madeira, sobre quatro rodas, com um cabo na frente. Por baixo desse cabo que servia para duas pessoas o puxarem ao longo das mesas, fosse a estender ou a apanhar o bacalhau, havia uma peça de engate que permitia que engatassem uns nos outros e no tractor. Assim podiam ser transportados vários ao mesmo tempo.
Em Setembro ainda antes do regresso dos navios, e enquanto por cá, as Forças Armadas, andam muito activas, e cada vez mais decididas a acabar com a guerra colonial, no Chile, um golpe militar, chefiado por Augusto Pinochet, derruba o governo democrata de Salvador Allende, implantando um regime ditatorial que se irá manter longos anos.
Foi com um sentimento misto de consternação e revolta que os portugueses tiveram conhecimento do golpe. Em Portugal, havia uma grande admiração por Allende, e muitos o viam como um exemplo para Portugal, apesar de não se atreverem a dizê-lo por medo da PIDE.
Em Novembro já com a Seca a funcionar, este ano com cerca de metade dos trabalhadores, o ti Abel trás uma carta da filha informando que demorou mais tempo a escrever, porque esteve internada, fez uma cirurgia à barriga para retirar um tumor, mas que não ficassem preocupados, era benigno. Está a recuperar bem e em breve vai regressar ao trabalho. A mãe, lembrando-se do que sofreu quando foi operada, ficou numa aflição.
Enquanto isso, o mundo estremece com a primeira crise do petróleo, nos E.U. o caso Watergate, está ao rubro, e em Portugal nova remodelação ministerial, coloca Baltazar Rebelo de Sousa (o pai do actual PR) como ministro do ultramar.
Dias depois, os militares reunidos em S. Pedro do Estoril, falam pela primeira vez no derrube militar do regime. E em Dezembro, surge o MOFA Movimento de Oficiais das Forças Armadas, mais tarde apenas MFA, o Movimento liderado pelos Capitães de Abril.
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28.4.16
MANEL DA LENHA - PARTE LXI
Por esses dias chega carta da filha, que entretanto já chegara a Luanda. Diz que a cidade é muito grande, muito bonita, e que está a viver na Samba, numa casa pequena, com um quintal onde tem um mamoeiro. Ele não faz ideia do que é um mamoeiro. Diz também que já fez amizade com a vizinha, que está grávida, e que tem um filho pequeno que passa grande parte do tempo em sua casa. Nada que lhe admire. A filha é doida por crianças, e ele está admirado de que ainda não lhe tenham dado um neto.
Com as notícias da filha, ficam mais sossegados, e a Gravelina pára de chorar.
O Verão desse ano foi mais agitado que nunca. No inicio de Julho chegam à Seca as duas máquinas de lavar bacalhau. Eram as modernizações de que se falava desde o início do ano. Também em Julho, Marcelo Caetano, recém chegado de Londres, anuncia que vai por um travão ao processo de liberalização, acabando com alguns sonhos que a Primavera Marcelista, fizera nascer.
Em Agosto, a filha informa que mudou de casa e de bairro. Vive agora num 4º andar, no Bairro de S. Paulo, mesmo em frente da Missão com o mesmo nome. Também diz que já está a trabalhar, na secretaria do Colégio Cristo-Rei, dos Irmãos Maristas. Descreve a cidade com tanto entusiasmo que o Manuel quase a vê, apesar da filha ainda só ter mandado duas fotos. Diz que vai ser madrinha do bebé que a ex-vizinha teve, mas não fala de filhos, e Manuel começa a estranhar, essa omissão, de alguém que gosta tanto de crianças. Afinal já estão casados há quatro anos. Na última carta, a mulher perguntou quando é que ia ser avó, mas na resposta só o silêncio.
Enquanto isso, a outra filha anunciou que tinha começado a namorar. O rapaz, até já tinha ido lá a casa falar com ele. Era natural de Lisboa, tinha regressado no início do ano de Timor, onde estivera em comissão militar, e trabalhava numa empresa, na mesma rua onde a filha trabalhava em Lisboa.
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27.4.16
E HOJE EU FAÇO ANOS
Era uma vez, uma mulher, quase a entrar na meia-idade, que tinha um sonho. Ter um blogue. Tinha ouvido dizer que havia muita gente que os tinha, E ERA TUDO MUITO BOM.
DE PROPÓSITO, o filho que havia pouco tempo casara, deixara-lhe em casa o velho computador, em que ela jamais mexera. DIVAGANDO,NÃO É BEM A PALAVRA CERTA, mas foi assim que tudo começou. Ela gostava de escrever EM PROSA E EM VERSO. Por isso, aproveitou a visita de AMIGOS DE PORTUGAL, teve uma CONVERSA AVINAGRADA, que A MAGIA DA INÊS adocicou, e com ARTE E EMOÇÕES, o SEXTA-FEIRA, ou seja, EU, nasci. Não NASCI NO ALENTEJO, nem
fui A CASA DA MARIQUINHAS, e durante o primeiro ano, falei DE TUDO UM POUCO, em DEVANEIOS DO ORIENTE, entre ÁGUAS DO SUL, e JARDIM DE ABROLHOS, numa pasmaceira
de MADRUGADAS, e noites onde APENAS A LUA, brilhava, porque a mulher que me fizera nascer,
pensava que era só ter um blogue e nas ASAS DOS VERSOS, toda a blogosfera vinha a correr SEGUINDO AS MINHAS PEGADAS.
Também o que se podia esperar, de uma quase idosa, quase
analfabeta, AVE SEM ASAS, que até aí nunca mexera num computador, e que me
escolheu o nome, em homenagem a uma personagem literária? Seria mais bonito,
ter um nome brilhante como RECANTO AO SOL, ou DO LADO DO SOL. Ou então escolher
um assim mais romântico, como A LUA E EU. Também não me importava nada de ter
um nome perfumado como ROSEIRA BRANCA, ou PERFUME DE JACARANDÁ. Mas não. Tinha
que ser logo SEXTA-FEIRA. Eu que até nasci ao Domingo. Adiante. Dizia eu que
durante o primeiro ano, em ESCRITA DESAJEITADA, ora ESCRITO A QUENTE, ora
ESCRITA NO VENTO, em FRAGMENTOS POÉTICOS, ou em LITERATURA E COMPANHIA, andei por
aqui, numa agonia solitária.
Até que um dia, há sempre um dia na vida da gente em que
tudo muda. Um ANJO AZUL, AUSENTE DO CÉU, deve ter segredado à patroa, que era
necessário que procurasse outros blogues, e neles comentasse, para se dar a
conhecer. E foi o que fez, CROCHETEANDO... MOMENTOS , em POÇÕES DE ARTE, que inicialmente
não tiveram muita sorte. Pudera, quem ia querer visitar um blogue com nome de SEXTA-FEIRA?
Felizmente que a mulher é persistente, e mesmo já a ficar ÀS BOLINHAS AMARELAS , não desistiu. Depois de muito ANDARILHAR, chegou ao LARGO DA MEMÓRIA, donde avistou um RIO SEM MARGENS e O CASARIO DO GINJAL.
Foi um COMEÇAR DE NOVO, cheio de MAGIA, e LERIAS.
FUXICANDO COM AS LETRAS, e com a MANIA DAS FOTOS, cá me fui aguentando, com BRILHOS DA MODA,
ano após ano, vendo os amigos de outros tempos abandonarem este mundo virtual. Eu próprio receei ser abandonado entre 2009/2010, pois eram mais os dias em que não via a patroa, do que aqueles em que SÓ PRA DIZER, alguma coisa, aqui vinha de fugida. REFLEXOS, dos maus momentos que atravessava.
ano após ano, vendo os amigos de outros tempos abandonarem este mundo virtual. Eu próprio receei ser abandonado entre 2009/2010, pois eram mais os dias em que não via a patroa, do que aqueles em que SÓ PRA DIZER, alguma coisa, aqui vinha de fugida. REFLEXOS, dos maus momentos que atravessava.
Mas...EXISTE SEMPRE UM LUGAR, nas INTERIORIDADES, deste mundo
virtual, onde uma MARIA SEM LIMITES, convive com a MENINA MAROTA, e SÃO capazes
de mover CÉUS E PALAVRAS, em busca de uma LUA SINGULAR, que as leve a O CANTINHO DA JANITA, para uma festa SEM PÉS NEM CABEÇA.
Fugindo dos PICOS DE ROSEIRA BRAVA, alguns se foram e outros mudaram de nome, como o QUASE SEX_AGENÁRIO
mas eu contínuo firme e hirto (onde é que eu já ouvi isto?) mantendo o mesmo nome.
E depois de 9 anos de VIDA E PLENITUDE, AQUI SE GRITA, que já nem O BERÇO DO MUNDO, nem o AMANHECER TARDIAMENTE nem sequer o FLOR DE LIS, me parecem mais
bonitos do que o meu humilde SEXTA-FEIRA.
Assim sendo, resta-me agradecer a todos a vossa presença,
e chamar para a festa, uns quantos amigos que não entraram nesta história. Não que sejam menos importantes que estes, mas toda a história tem que ter quem a represente e quem a ela assista, não é mesmo?
Então vamos lá a festejar os meus 9 anos.
Então vamos lá a festejar os meus 9 anos.
25.4.16
25 DE ABRIL 42 ANOS DEPOIS...
Recém chegada do Parque da Cidade, onde assisti à inauguração deste painel de Azulejos, feito pelas crianças da pré e do 1º Ciclo e ao espectáculo do Jorge Palma, que marcaram o início das comemorações do aniversário do 25 de Abril.
Há 42 anos atrás, o 25 de Abril e a revolução dos cravos entrou na minha vida quando eu era uma jovem cheia de sonhos. Em África onde me encontrava a acompanhar o marido que era militar, eu sonhava com a Liberdade, com o fim da guerra, e sobretudo com uma vida melhor e mais igualitária para todos os portugueses. Nasci numa família muito pobre, numa barraca sem água e sem luz, não pude estudar, aos 11 anos fui trabalhar. Fazia recados, tocava o gado na nora da quinta do ti Pereira, e carregava com a ti "Jaquina" a mulher do caseiro, padiolas de estrume que chegavam em fragatas para adubar as terras. Mais tarde aos 14 anos fui trabalhar para a Seca do bacalhau. Como quase toda a gente que vive assim, o meu maior sonho na altura era viver numa casa de pedra, com água e luz. Quando casei concretizei enfim esse sonho, e vivi outros que nunca me atrevera a ter. Quando aconteceu o 25 de Abril pensei que a vida dos portugueses ia enfim tomar um novo rumo. Com a Liberdade, não íamos mais olhar o nosso vizinho com desconfiança cada vez que desabafávamos sobre as dificuldades da vida, já que até aí muitos iam presos um ou dois dias depois de certos desabafos. Pensei também que com o fim das guerras coloniais, a vida dos jovens portugueses ia melhorar muito. Iam deixar de ser obrigados a partir para a guerra, donde voltavam, os que voltavam, física e mentalmente estropiados. Íamos enfim ter um País mais justo, mais igualitário. Íamos dar aos nossos pais uma velhice digna e aos nossos filhos um futuro melhor do que o nosso. Passaram 42 anos, e os nossos filhos são obrigados a procurar em terras estranhas, o futuro que o país lhes nega. Ou então amordaçam os sonhos e a esperança e limitam-se a sobreviver. Os mais velhos que trabalharam duramente toda a sua vida, vivem no permanente dilema de escolher entre comer, ou pagar a medicação quase sempre necessária à medida que os anos aumentam, e a saúde escasseia. Porque as reformas de miséria que grande parte dos idosos recebe não chega aos 300 € mensais. Somos um País cada vez mais idoso, e as esperanças do 25 de Abril nos darem uma vida mais digna já se esfumaram há muito. Resta-nos a Liberdade, sem dúvida a maior conquista de Abril. E a vida sem Liberdade não faz sentido é verdade. Mas ...E a Liberdade sem pão, faz?
Perguntem aos idosos que trabalharam uma vida inteira e que morrem à mingua na solidão das suas casas, ou abandonados em lares, sem condições. Perguntem aos desempregados que não têm pão para os filhos famintos. A Liberdade é sim um bem muito importante, mas só por si não alimenta um povo. E já agora outra pergunta: Existe Liberdade sem independência? E nós somos independentes? Ou vivemos subjugados ao FMI? E à União Europeia? E à Alemanha? E aos mercados que nos vão apertando o garrote à volta do pescoço?
Temos é certo a liberdade de expressão. É muito bom. Só quem viveu o 24 de Abril sabe o seu real valor. Mas é muito pouco para quem tanto sonhou, e principalmente para aqueles que tanto lutaram, alguns sacrificando até a sua vida para que o 25 de Abril fosse uma realidade.
E o vermelho da festa
vai ficando descorado
Ausentes do país
os jovens emigrados
Ausentes dos velhos
os sonhos adiados
É o que eu penso. E se não estiverem de acordo relevem. Eu de
politica nem percebo nada.
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23.4.16
MANEL DA LENHA - PARTE LX
Pessoal estendendo bacalhau com os carrinhos de mão. Em baixo os carros grande que vieram substituir os carrinhos de mão. Com os quais apenas 4 pessoas estendiam uma mesa inteira,
Eram transportados por tractor, até ao início das mesas, e só dentro do espaço delas, eram empurrados pelas pessoas que estendiam ou recolhiam o bacalhau. Cliquem nas fotos para ampliar
Poucos dias depois da partida do genro, rebentam três bombas em instalações militares em Lisboa.
O mundo está em ebulição. Por todo o lado há uma enorme sede de Paz, Democracia e Justiça.
E foi essa mesma sede, que no Chile, levou Salvador Allende ao poder, nesse mês de Março.
Manuel não acredita em nada que venha do governo. Ele continua a escutar outras notícias, mas cala-se. Já viu desaparecerem alguns conhecidos seus. Tem um filho, um genro, e um sobrinho militares. Tem receio que uma imprudência da sua parte, os possa afectar. E assim quando se sente mais revoltado, pega na enxada e vai para o terreno. E a cada cavadela, despeja a revolta que sente.
Depois, a mulher anda outra vez toda chorosa, com a partida da filha mais velha.
Na Seca a safra chega ao fim. Triste, o pessoal despede-se sem saber se regressará em Outubro. Fala-se que o patrão vai comprar duas modernas máquinas de lavar bacalhau. Diz-se que cada máquina terá duas mulheres, e que essas quatro mulheres lavarão em oito horas o mesmo bacalhau que cinquenta lavavam pelo processo tradicional nas tinas. Também se diz que ele vai comprar um pequeno tractor e carros grandes para serem atrelados ao tractor. Cada carro colherá uma mesa inteira de bacalhau. Tanto como dez mulheres com os pequenos carros de mão. Se for verdade, eles sabem que das actuais quatrocentas pessoas, nem metade serão chamadas à safra seguinte. É o progresso a impor-se.
Manuel não tem o seu emprego em risco. E a mulher também não, já que será, sempre precisa, uma porteira na Seca.
Mas custa-lhe pelos amigos. Ainda que o trabalho fosse mal pago, era uma forma de ganharem algum dinheiro em metade do ano, pois a maioria deles não têm nada de seu e nas aldeias onde vivem, o trabalho é praticamente nulo.
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22.4.16
MANEL DA LENHA - PARTE LIX
De notar que a data da Vigília está enganada. Ela ocorreu em 72 e terminou no 1º de Janeiro de 73
A passagem de ano na Seca, era sempre vivida sem festa. À meia noite, ouviam-se as buzinas dos barcos , e o pessoal residente vinha às janelas fazer barulho com as tampas dos tachos. Depois tudo regressava ao silêncio. Festas com bolos e espumante nem pensar, que o pessoal mal ganhava para o essencial. Nesta altura o Manuel já não vivia na seca como sabemos, mas a passagem de ano para ele não era festa que se festejasse. Ele gostava de brincar no Carnaval, adorava ter toda a família à mesa pelo Natal, tinha uma paixão especial pelo futebol, e agora que já tinha TV, via sempre que havia transmissão, gostava de ler, e de trabalhar no quintal. As outras comemorações não tinham para ele grande significado. Nessa passagem de ano, numa Vigília na Capela do Rato, os Católicos apoiam a justa luta dos povos nas Colónias e isso sai-lhes caro pois a polícia invade a Capela e detém os 70 participantes. Mais tarde, o padre Alberto Neto, é afastado do seu cargo, bem como todos os participantes que tinham cargos públicos.
A contestação é cada dia maior, e ainda nesse mês, por decreto lei é criada a categoria de vigilantes nas universidades. Os estudantes chamar-lhes-iam "os gorilas de Veiga Simão"
Dias depois, o líder do PAIGC, Amílcar Cabral é assassinado em Conakry, atraiçoado por dois membros do seu próprio partido.
Se o governo português pensava resolver o problema com a sua morte enganou-se, pois a luta intensificou-se, e a Guiné viria a proclamar a independência unilateral nesse mesmo ano.
Por essa altura, o genro do Manuel está de novo mobilizado para Angola. Partirá no início de Março. Desta vez ele quer deixar já a mulher com tudo tratado para que embarque logo que ele chegue a Luanda. Não poderá ir logo com ele, pois o barco leva apenas militares. Ela seguirá de avião.
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21.4.16
MANEL DA LENHA - PARTE LVIII
A filha do Manuel regressou de Moçambique a 28 de Dezembro. Veio de avião como tinha ido, o marido regressará em Janeiro, de barco com a companhia em que estava integrado e outras do exército e força aérea que terminam o tempo na mesma altura. Está mais moderna, parece outra pessoa. Fica em casa dos pais até ao regresso do marido, depois irão viver para Odivelas. Como o genro não sabe o tempo que demorará a ser de novo mobilizado, resolve que não vale a pena estar a montar casa e vão viver com a irmã dele.
A meados de Janeiro chegou o genro do Manuel e a filha acompanhou o marido, indo então viver para Odivelas. Pouco tempo depois a filha consegue emprego na secretaria da escola D. Fernando II em Sintra, e sempre que o marido não está de serviço ao fim de semana, vêm passar esses dois dias à casa paterna.
Em Fevereiro, Amílcar Cabral, discursa perante o Conselho de Segurança da ONU reunido em Adis Abeba.
A situação das Colónias agrava-se de mês para mês.
Por cá o governo tenta a todo o custo ocultar dos portugueses, o que se passa. Tenta-se afastar, as vozes discordantes com sucessivas remodelações do governo.
Em Julho, o Colégio Eleitoral, reelege Américo Tomás. E tudo parece estar bem, neste pequeno jardim à beira-mar plantado. Parece, mas na verdade por baixo desta calma aparente, o país está em pé de guerra com o regime, manifesta-se sempre que tem oportunidade, apesar das sucessivas prisões efectuadas pela PIDE (perdão DGS).
Só na Seca tudo continua igual. Os navios bacalhoeiros, com mais ou menos carga, chegam sempre na mesma época, e o trabalho processa-se da mesma maneira.
Nove dias antes do Natal, dá-se o massacre de Wiryamu, em Moçambique. Tropas portuguesas, dirigidas pelo sinistro chefe da DGS, Chico Kachavi atacam, três populações, incendeiam as palhotas e matam indiscriminadamente, homens, mulheres e crianças, algumas de colo, fuziladas juntamente com as suas mães.
Em Portugal a notícia é dada assim:
"As forças armadas portuguesas destruíram mais uma base terrorista em Moçambique."
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20.4.16
MANEL DA LENHA - PARTE LVII
Riquita, (Maria Celmira Bauleth ) com o traje dos mucubais.
(o soutien não existe neste traje. As mulheres solteiras andam com os seios nus, as casadas amarram-nos com cordas. Compreende-se porém que neste desfile, e especialmente na época, o fato tivesse que ganhar este adereço)
Meses depois, Riquita que é de Moçâmedes, actual Namibe, desiste e voa para a sua terra. Ana Paula Almeida, Miss Moçambique, e segunda classificada, torna-se então a Miss Portugal.
Entretanto a safra terminou, os navios já estão nos bancos de pesca da Gronelândia, e na seca procede-se à manutenção dos armazéns, lavando e caiando. Roçando a erva debaixo das mesas onde se estende o bacalhau, preparando toda a seca para a próxima safra. Agora sem as maltas para abastecer, Manuel passa muito do seu horário de trabalho, nestas tarefas de manutenção. Depois em Agosto virão as camionetas carregadas de troncos de azinheira, que serão guardados no armazém para que ele os corte, e prepare de modo a alimentarem os grandes fogões durante a safra seguinte. O Manuel matou no ano anterior o último porco, desistiu dos coelhos, e só tem aves. Continua a semear os legumes, e frutas, e esse será o primeiro ano em que dará corpo a um sonho antigo. Fazer o seu próprio vinho.
Para isso utiliza o lagar do amigo e caseiro Bernardino, e guarda os barris que entretanto fora comprando na adega do mesmo.
E o tempo passa, com ele sempre ansioso pelas notícias da filha, que sempre diz que está bem, manda fotografias, pois diz estar empregada num estúdio fotográfico. Fala sempre de África e de Moçambique com grande paixão.
A guerra estava cada dia mais voraz, Portugal estava a ficar vazio de juventude. Os que não iam para a guerra, fugiam de salto para a França.
A manutenção da guerra torna-se uma despesa incomportável e o povo sofre cada dia mais na pele a carestia de vida. Talvez por isso, a conversa em família de
Marcelo Caetano, nesse mês de Outubro tem por tema o custo de vida.
Ainda nesse mês de Outubro, António o cunhado do Manuel regressa de Moçambique. Diz que a sobrinha está bem e vai regressar no final de Dezembro.
NOTA Se o Manuel fosse vivo, faria hoje 98 anos. Partiu em 2009.
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19.4.16
MANEL DA LENHA - PARTE LVI
As duas fotos que a filha do Manuel lhe enviou de Moçambique, para provar o casamento religioso realizado em Nampula. Na segunda foto é notória a diferença do vestido da noiva em relação ao casamento realizado no Barreiro
Em Janeiro de 71, chega uma carta da filha a viver em Nampula. Diz que esteve muito mal, por causa de uns camarões que comeu e os médicos dizem que é alérgica e não mais pode comer. Está bem, acabou de falar com o padre da Catedral de Nampula para casarem pela igreja, e que era necessário que eles agilizassem os documentos no registo do Barreiro a fim de que o casamento pudesse ser realizado em Abril nos anos do marido. O que ela não contou, foi que estando em coma no hospital, antes mesmo de recuperar a consciência, ouvia alguém ao lado que repetia insistente. "Chamem um padre que eu vou morrer" Aquilo foi-se-lhe entranhando na cabeça, e ao voltar a ficar consciente, a primeira coisa em que pensou, foi que não poderia levar a extrema-unção porque não era casada pela igreja. A educação ultra religiosa da família materna, fazia-se impor. Enquanto Manuel, tratava dos documentos que a filha lhe pedia, o filho que entretanto tinha ido às sortes e ficara apurado, ingressava na Marinha de Guerra Portuguesa. E os documentos ficaram prontos, mesmo a tempo para que o casamento se realizasse no dia 5 de Abril desse ano de 1971.
Enquanto isso, Marcelo Caetano continuava com as suas televisivas conversas em família, e anunciava reformas administrativas, constitucionais e de ensino.
Poucos dias depois do aniversário do Manuel, chegou carta da filha. Conta como foi a cerimónia do seu casamento, manda fotografias e dá notícias do tio que a visitara recentemente. Nesse mesmo dia será descoberto o desaparecido navio "Angoche". É encontrado deserto, com sinais evidentes de ter sofrido uma explosão, e vazio da sua preciosa carga, armas para os militares portugueses e combustível para a Força Aérea.
A Frelimo, logo apontada como responsável, fará o desmentido público.
Mas poucos dias depois, no Casino Estoril, Riquita, a Miss Angola, é eleita Miss Portugal. O facto serviu para abafar de certa forma o mistério do "Angoche".
18.4.16
MANEL DA LENHA - PARTE LV
Av. Pinheiro Chagas em Lourenço Marques, 1970
Foto Daqui
Foi uma noite de pesadelo, o Manuel e a mulher estavam apavorados com o que podia acontecer à filha, lá em cima no avião. Eles não sabiam que a filha estava já longe da tempestade e muito acima dela.
Só iriam ficar descansados quando recebessem notícias da filha. Que chegaram dias depois, num postal enviado do aeroporto de Luanda, onde o avião fez a primeira escala.
Mais tarde chegaria uma carta já de Lourenço Marques, que os deixaria mais sossegados. Ela diz que a cidade é grande, bonita, e que por lá tudo está calmo.
Em Junho, morrem Almada Negreiros e o barreirense e revolucionário Henrique Galvão. Este último no Brasil, onde se refugiara depois do assalto ao Santa Maria.
A 27 de Julho morre Salazar, e em Agosto a filha manda notícias a dizer que em breve, vão para Nampula. Em Outubro, António, um dos cunhados do Manuel, que vivera na sua casa até ao casamento, parte para Moçambique, não como militar mas como trabalhador da C.U.F. Vai para Nacala, onde a empresa tem uma filial.
De Nampula, as notícias da filha, não falam de guerra. Falam de seca e de escassez de alimentos. Manuel prepara uma encomenda que manda para Moçambique, mas leva tanto tempo a lá chegar que metade das coisas já chegam impróprias para consumo.
Quase no final do ano, a fiscalização vai à Seca e obriga a que os trabalhadores da mesma passem a estar registados na Caixa de Previdência. Até aí os descontos efectuados, eram para a Casa dos Pescadores, e os trabalhadores só tinham direito a um médico uma vez por semana, e a um enfermeiro diário no posto médico da seca. Este registo na Caixa da Previdência, dava-lhes direito a outra assistência.
Também fizeram exigências que melhoravam a vida dos trabalhadores, como o uso de luvas de borracha, para lidar com o bacalhau molhado, o que em dias de muito frio, fazia toda a diferença.
O Natal desse ano, decorreu com grande tristeza. Era a primeira vez que um dos filhos não estava à mesa, nessa noite.
MANEL DA LENHA - PARTE LIV
Antiga estação fluvial do Barreiro, obra do arquitecto Conttinelli Telmo, inaugurada a 28 de Maio de 1932, poderia ser transformada num museu, dado o seu interesse cultural e histórico, mas apesar de estar classificada como Monumento de Interesse Público degrada-se dia a dia, sem que alguém de direito tome uma resolução que evite a sua ruína total.
No início de Janeiro, o genro do Manuel parte para Moçambique, com a promessa de que logo que possível a mulher irá juntar-se-lhe.
Poucos dias depois, Marcelo faz nova remodelação no governo, e entre os novos ministros está Baltazar Rebelo de Sousa, o pai daquele que será muitos anos mais tarde o Presidente da República de Portugal.
Na seca, o trabalho não teve nenhuma alteração, tudo continua na mesma, mas o Manuel com uma filha casada, os outros dois a trabalhar, e com salário da mulher todo o ano tem agora uma vida um pouco mais desafogada, pode enfim comprar alguns electrodomésticos essenciais, como o frigorífico e a máquina de lavar roupa, que vêm fazer companhia ao fogão a gás e ao esquentador, comprados logo quando a filha alugou a nova casa, e que lhes tem proporcionado uns belos banhos de banheira, bem diferentes dos banhos na celha, em que era preciso ferver um panelão de água.
Marcelo Caetano, acaba com o Estado Novo e institui o Estado Social, mas a prova de que tudo continua na mesma, são as prisões de Salgado Zenha, quando se preparava para debater na Faculdade de Direito de Lisboa, o Estado Colonial e Jaime Gama também preso na mesma data.
Por essa altura, já a filha mais velha andava a tratar da viagem para Moçambique. Eram precisas autorizações do ministério, papéis e mais papéis, e vacinas.
A Gravelina não se conforma, chora todos os dias. Ele também está preocupado, mas tenta animar a mulher. Inicialmente o genro ficará no Comando Naval em Lourenço Marques, e ele acredita que por muita guerra que por lá ande, na cidade a filha não correrá perigo.
No final de Abril, a safra está a terminar, e a filha já tem o bilhete de avião e a ordem de embarque. Com ela levará apenas uma pequena mala de roupa pessoal, o enxoval segue numa mala de porão por barco.
Parte dias depois. O Manuel vai com a família despedir-se da filha cujo avião parte à meia-noite. Dez minutos depois o tempo instável, transforma-se num violento temporal, de tal modo, que o último barco para o Barreiro, que o Manuel e a família deveriam apanhar, foi cancelado e tiveram que ficar na estação do Terreiro do Paço até ao primeiro barco da manhã, para regressarem.
No início de Janeiro, o genro do Manuel parte para Moçambique, com a promessa de que logo que possível a mulher irá juntar-se-lhe.
Poucos dias depois, Marcelo faz nova remodelação no governo, e entre os novos ministros está Baltazar Rebelo de Sousa, o pai daquele que será muitos anos mais tarde o Presidente da República de Portugal.
Na seca, o trabalho não teve nenhuma alteração, tudo continua na mesma, mas o Manuel com uma filha casada, os outros dois a trabalhar, e com salário da mulher todo o ano tem agora uma vida um pouco mais desafogada, pode enfim comprar alguns electrodomésticos essenciais, como o frigorífico e a máquina de lavar roupa, que vêm fazer companhia ao fogão a gás e ao esquentador, comprados logo quando a filha alugou a nova casa, e que lhes tem proporcionado uns belos banhos de banheira, bem diferentes dos banhos na celha, em que era preciso ferver um panelão de água.
Marcelo Caetano, acaba com o Estado Novo e institui o Estado Social, mas a prova de que tudo continua na mesma, são as prisões de Salgado Zenha, quando se preparava para debater na Faculdade de Direito de Lisboa, o Estado Colonial e Jaime Gama também preso na mesma data.
Por essa altura, já a filha mais velha andava a tratar da viagem para Moçambique. Eram precisas autorizações do ministério, papéis e mais papéis, e vacinas.
A Gravelina não se conforma, chora todos os dias. Ele também está preocupado, mas tenta animar a mulher. Inicialmente o genro ficará no Comando Naval em Lourenço Marques, e ele acredita que por muita guerra que por lá ande, na cidade a filha não correrá perigo.
No final de Abril, a safra está a terminar, e a filha já tem o bilhete de avião e a ordem de embarque. Com ela levará apenas uma pequena mala de roupa pessoal, o enxoval segue numa mala de porão por barco.
Parte dias depois. O Manuel vai com a família despedir-se da filha cujo avião parte à meia-noite. Dez minutos depois o tempo instável, transforma-se num violento temporal, de tal modo, que o último barco para o Barreiro, que o Manuel e a família deveriam apanhar, foi cancelado e tiveram que ficar na estação do Terreiro do Paço até ao primeiro barco da manhã, para regressarem.
17.4.16
MANEL DA LENHA - PARTE LIII
O genro do Manuel antes da partida para Moçambique
Por essa altura o filho já o filho está a trabalhar na CP, onde o trabalho não é tão pesado e ganha um pouco mais.
Começa uma época em que o Manuel apesar de
manter o quintal e ir semeando algumas coisas, não precisa já esforçar-se
tanto.
Em Setembro, o Salazar, instalado no Palácio
de S. Bento, dá uma entrevista, em que se julga ainda Presidente do Conselho, e
diz que Marcelo Caetano está a dar aulas na Faculdade de Direito de Lisboa.
Fica claro que o ditador está senil e não tem qualquer influência no País, mas
a máquina montada por ele ao longo dos anos está bem oleada e continua a
esmagar quem se lhe quer opor.
Aos poucos os navios vão regressando, o
pessoal do norte também, e Manuel vai como todos os anos, avisar as mulheres
que há muito fazem as safras, e que vivem nos arredores, desde a Telha, até
Alhos Vedros, passando por todas as localidades mais próximas.
Em Novembro, extingue-se oficialmente a PIDE,
e cria-se em sua substituição a DGS, Direcção Geral de Segurança. Mudou o nome, mas a política era a mesma, ou como diz o ditado, mudam as moscas...
Ainda nesse mês, Manuel sofre mais um
desgosto, com a morte do padrinho do filho. O compadre, era colega do seu
irmão, pois era igualmente electricista na seca. Era seu conhecido e amigo
desde que o Manuel viera trabalhar para a seca com 17 anos. Era um homem ainda
novo, parecia gozar de boa saúde, teve uma gripe forte, e morreu de um choque
anafilático que um dos medicamentos para a gripe, lhe provocou.
Em Dezembro o genro, que é Fuzileiro, é mobilizado
para Moçambique. E se isso já não era bom, o facto de a filha dizer que vai com
ele, põe-no em sobressalto, e traz a mulher a chorar o dia inteiro.
O país, e o Manuel despediram-se de 1969, sem
pena.
No país, além do sismo em Fevereiro, lamentam-se
as mortes de António Sérgio, e José Régio.
Manuel, perdeu o irmão, o compadre, e quase perdia o sobrinho.
16.4.16
MANEL DA LENHA - PARTE LII
A filha mais velha do Manuel, à saída do Registo Civil
Manuel foi conversar com o gerente. Temia que
ele dissesse que a porteira tinha que viver na Seca por causa de alguma
emergência, mas ele disse-lhe que o emprego da mulher não corria risco. O que
eles faziam ou onde dormiam fora das horas de serviço não era da sua conta. Os
residentes na Seca se precisassem sair ou entrar fora dessas horas tinham
chave, e os não residentes não podiam entrar fora das horas de serviço. E foi
assim que no início de Abril começaram a habitar uma “casa de gente fina” como
ele dizia todo feliz.
Entretanto
a filha mais velha, tinha a papelada do casamento pronta, tinha alugado casa,
mandara fazer o vestido de casamento, ela mesma fizera os cortinados e andava
toda feliz. Mas… alegria de pobre nunca é completa. A meio de Abril, morre o
irmão João. Foi um golpe terrível para ele. Durante mais de um mês nem o rádio
que tanto gostava de ouvir, ligava.
Enquanto isso o país continua a sofrer com a
fome, a guerra, e a privação de liberdade para manifestar as suas ideias. A
remodelação ministerial do mês anterior, não produzira os resultados esperados
e a 17 de Abril, começa em Coimbra, a revolta estudantil, que se manterá activa
por vários meses. A 27 desse mês, Salazar faz oitenta anos e está claramente senil.
Transmitido pela TV, foi o momento em que Neil Amstrong, pôs o pé na lua, quase no final de Julho.
Transmitido pela TV, foi o momento em que Neil Amstrong, pôs o pé na lua, quase no final de Julho.
E no último dia de Julho, regressa do leste de Angola, o namorado da filha mais velha. Compram
os móveis e electrodomésticos, e ele vai viver para a casa que ela alugara, enquanto aguarda o
dia do casamento que se pretendia religioso. Porém na Igreja não há vaga, teria que ter sido marcado bem antes, coisa que a jovem não fizera, por desconhecimento, e assim o
casamento só poderia realizar-se três meses depois. Ansiosos, resolvem casar só
pelo registo.
Casam a 16 de Agosto, no registo civil do
Barreiro. A festa simples com a presença de familiares e duas ou três amigas da
filha realiza-se em casa. Foi uma festa estranha, pois para a mãe da noiva, e restante família materna, fortemente religiosa, o casamento civil não era considerado casamento. A mulher do Manuel e as irmãs fartaram-se de chorar, nunca ninguém na família tinha casado apenas no registo.
Assim, elas consideravam aquele casamento, uma vergonha e uma
imoralidade.
15.4.16
MANEL DA LENHA - PARTE LI
Albufeira no dia seguinte ao Sismo
Foto do Google
Porém quatro dias depois, um novo facto veio
abalar Portugal, no sentido literal da palavra, e fazer esquecer o "escândalo" da Desfolhada.
No dia 28 de Fevereiro às três horas e
quarenta e um minuto, foi registado em todo o Portugal continental um sismo de
intensidade 7,3 na escala de Richter. O sismo teve o seu epicentro ao largo da
costa, tendo sido registado com a magnitude de 7.9 Ms. Foi o maior sismo desde o terramoto de 1755.
Na casinha de madeira, debaixo do pinheiro,
os filhos do Manuel acordaram com um som aterrorizador. Era como um uivo rouco que parecia sair das entranhas da terra.
Se foi esse uivo, se o calor insuportável e sufocante, estranho numa madrugada de Inverno que os acordou, não se sabe. O certo é que acordaram, e se abraçaram assustados, antes mesmo de sentirem a casa, cama e tudo o resto, a
balançar como se fosse um berço. Não sei que sensações terão tido as pessoas
que viviam em casas normais de cimento, mas ali a casa de madeira, parecia que
dançava, ao som duma música estranha, e que a qualquer momento se ia desconjuntar. Algo verdadeiramente assustador, que eles nunca mais esquecerão.
Não mais dormiram no resto da noite, e assim,
ainda sentiram de novo o chão a tremer, com uma réplica, bastante forte, perto das cinco e meia, quando a mais
velha já se preparava para sair de casa em direcção ao trabalho. Mais tarde, a
outra filha, antes mesmo de seguir para o trabalho, disse aos pais que ia
começar a procurar uma casa de pedra para morar. Não queria continuar ali,
tinha muito medo.
Pelas sete horas, o Manuel ouviu nas notícias que o
sismo tinha feito muitos estragos em todo o país, com maior incidência em
Lisboa e Algarve. Noticiava-se até, que na zona de Alcantarilha, a aldeia de Fonte Louzeiros tinha desaparecido do mapa. Felizmente apesar de nem uma casa da aldeia ter ficado de pé, não houve vitimas mortais nessa localidade. Mais tarde os jornais e a rádio, davam conta de que o sismo provocou duas vitimas mortais, dezenas de feridos, e muitos estragos materiais. Nos dias que se seguiram, soube-se ter havido mais vítimas mortais cuja causa indirecta terá sido o
sismo.
Cumprindo a promessa que fez nesse dia, a
filha do Manuel, poucos dias depois, tinha alugado uma casa, mesmo ao lado da sociedade “Galitos”. Ela, que para a época ganhava bem, podia pagar a casa, mas queria a família junta, e o pai temia que o facto de saírem da seca
fizesse a mãe perder o emprego, ou ele ficar sem o quintal, onde continuava a semear legumes e frutos.
14.4.16
MANEL DA LENHA - PARTE L
Foto do google
A casa do Pinheiro Manso, tinha agora luz eléctrica, pois o anterior morador fizera uma puxada dum poste eléctrico que passava ali ao lado, e isso deixava o Manuel e a mulher mais descansados com os filhos, do que se ainda
fosse como noutros tempos a candeeiros a petróleo ou a velas. Assim depois do
jantar, ele ou a mulher acompanhavam os filhos até à casa a uns cinquenta
metros da casa da porteira, e depois de verificarem que estava tudo bem,
dirigiam-se à casinha da porteira, onde pernoitavam. O barracão junto ao rio, ficou vazio, se exceptuarmos as ferramentas agrícolas que o Manuel necessitava para o quintal. Pois ele continuava a cavar,
semear e colher o quintal. Por medo de que sabendo que ali já não havia moradores, os gatunos fossem de noite assaltar as
capoeiras, mudaram-se os animais para umas capoeiras junto à nova casa, que
anteriormente tinham sido usadas pelo Bernardino, o caseiro, que residia mesmo
em frente da casa da porteira, e até o porquinho veio para um chiqueiro ao lado
do chiqueiro do caseiro. A filha mais velha continuava a trabalhar no
laboratório, mas vivia agora com os pais, pois o futuro sogro tinha voltado a
casar e os filhos não aceitaram uma tão rápida substituição da mãe. Assim o
rapaz, mandara à namorada algum dinheiro para que alugasse uma casa na zona, e
tratasse dos papéis para o casamento, que ele chegaria em finais de Julho,
teria dois meses de licença e queria passa-los já casado, e na sua casa pois
não queria ver o pai. Por isso, a rapariga vinha agora todos os dias para casa,
a fim de dar andamento às coisas para o casamento que se avizinhava.
No dia 24 de Fevereiro, foi o Festival da
Canção, que Simone de Oliveira haveria de vencer com a Desfolhada. Naquele tempo o Festival era muito publicitado, era mesmo considerado o evento do ano e toda a gente queria vê-lo. Os filhos do
Manuel foram com o pai, assistir ao festival na TV do "Galitos" na Telha.
Porém a letra da canção, do saudoso Ary dos Santos, desagradou a muita gente. Era uma letra mais que arrojada para a época. De tal
modo que no dia seguinte, não se comentavam fatos nem adereços, nem outros intervenientes, mas tão-somente
a letra da canção vencedora. Na época não era fácil aceitar que alguém cantasse
“Quem faz um filho, fá-lo por gosto”
13.4.16
MANEL DA LENHA - PARTE XLIX
Imagem actual do velhinho Galitos F. Clube
foto do google
No final de Outubro, o sobrinho é operado no
hospital Militar da Estrela. É-lhe retirada a bala, mas até voltar a andar, tem
pela frente muita fisioterapia. Felizmente está livre de perigo e de voltar
para a guerra. Mas o pior são os estragos psicológicos.
E assim se chega ao ano de 1969. Para o
Manuel este ano foi cheio de emoções.
Logo no dia 1 de Janeiro, considerado o dia
Mundial da Paz, um grupo de católicos, realiza uma velada da paz, na Igreja de
S. Domingos, em Lisboa, a que aderiram alguns sacerdotes da capital e vários leigos.
Pela primeira vez, ouve-se a Cantata da Paz, “vemos,
ouvimos e lemos, não podemos ignorar” Dizem que a Comunidade Cristã Portuguesa,
não pode celebrar um dia da paz, desconhecendo, camuflando ou silenciando a
guerra que grassa nos territórios africanos. Nesse mesmo dia são distribuídos nas
igrejas do Porto um documento de reflexão, com o título, “Porquê o Dia Mundial
da Paz”. Por todo o país, o povo fortemente religioso, é confrontado com a obrigação de uma tomada de posição.
Oito dias depois, a RTP transmite a primeira
conversa em família de Marcelo Caetano.
Na Seca só o Gerente tinha televisão, mas na
Telha, na zona hoje denominada Santo André, havia uma sociedade fundada há vários anos por pescadores, o "Galitos
Futebol Clube", que tinha um televisor no seu salão, onde em dias de festa, se
realizava um bailarico, geralmente abrilhantado por um anónimo tocador de
concertina.
Nessa noite, os homens da Seca vieram todos
ver e ouvir o novo Presidente.
Entretanto a barraca do Pinheiro Manso, onde
o Manuel vivera quando casara, e onde nascera a filha mais velha, fica vaga. O
gerente diz então ao Manuel, que se ele quiser, pode mudar as coisas para essa casa,
já que é bem próxima da casa da porteira, e levar para lá os filhos. Assim a
Gravelina escusa de andar acima e abaixo todos os dias.
Manuel pergunta se pode continuar a tratar do
quintal mudando de casa e o gerente diz-lhe que sim.
Mudam-se no final de Janeiro desse mesmo ano
de 69.
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12.4.16
MANEL DA LENHA -PARTE XLVIII
foto do google
Em Agosto toma posse o novo governo de
Salazar que haveria de ser o último do ditador, pois poucos dias depois cai de
uma cadeira, no forte de Santo António da Barra no Estoril e isso é o
início do fim de Salazar.
No princípio de Setembro, dá os primeiros
sinais de que mentalmente não está bem, e dias depois é operado de urgência ao cérebro.
As notícias dizem que tudo está bem mas a 16 desse mesmo mês, sofre uma trombose.
No dia seguinte há reunião de Conselho de
Estado, onde se discute a nomeação imediata de um novo Presidente do Conselho,
e Américo Thomaz inicia conversações que terminam com a nomeação de Marcelo
Caetano para o lugar.
Enchem-se de esperanças os corações dos trabalhadores. Confiam em que vai haver mudanças e a vida vai melhorar para o povo.
Enchem-se de esperanças os corações dos trabalhadores. Confiam em que vai haver mudanças e a vida vai melhorar para o povo.
Toma posse no dia 27 desse mesmo mês de
Setembro mas para quem esperava uma mudança de política, foi uma decepção. Marcelo
opta pela continuidade e apenas muda dois ou três ministros.
E chegou Outubro, voltaram os barcos
carregados de bacalhau, voltaram do norte os amigos do Manuel para a Safra.
Por essa altura, ele andava triste pois o seu
irmão João estava cada vez pior da asma que o acompanhara toda a vida. Como já
referi várias vezes, João fora sempre um apoio moral, e em alguns casos de
maior aflição, também material, para o Manuel. A irmã Laurinda a viver no Fogueteiro, raramente vinha à Seca, ver os irmãos, e Manuel, talvez pela
diferença de idades, ou por ser rapariga, nunca tivera uma grande ligação
afectiva à irmã.
Dias depois, o ti Abel trouxe uma má notícia
para o Manuel. Uma carta do cunhado, dizia-lhe que o filho, que tinha ido para a guerra em Angola, zona de Cabinda,
sofrera uma emboscada, tinha uma bala na coluna, estava no hospital de Luanda à
espera de ser evacuado para Lisboa, onde iria ser operado.
11.4.16
MANEL DA LENHA - PARTE XLVII
foto do google
Na Seca havia cada vez mais trabalhadores,
cujos filhos tinham sido levados para a guerra nas colónias. Todos os dias o
pessoal aguardava a chegada da carroça do ti Abel, que trazia as compras e o
correio do Barreiro, já que não havia outro posto de correio mais perto, nem o
carteiro ia fazer distribuição à Seca. Muitos nem sabiam ler e recorriam a
companheiros que sabiam, para lhes ler as notícias que os jovens conseguiam
passar nos aerogramas, e lhes escrever a resposta.
Às vezes eles escreviam o que não deviam,
segundo a óptica do governo, e essas notícias nunca chegavam à família, que
andava numa aflição sem saber porque não escreviam os filhos, ou os maridos, pois havia entre os militares mobilizados muitos que já eram casados, e alguns até pais.
No início de Abril é assassinado outro dos
homens que Manuel muito admirava. Martin Luther King.
Revoltado dizia: “Este mundo está perdido.
Como é que alguém tem coragem de assassinar um homem tão bom, que só prega a não-violência?”
E a mulher respondia: “Não era melhor que
Cristo, e como sabes também O mataram “
Quase no final de Abril, com a safra
praticamente terminada, comemoram-se os quarenta anos de governo de Salazar,
com algumas inaugurações. No dia seguinte o ditador fará 79 anos, e como prenda
em Matosinhos cinco mil pescadores entram em greve.
Pouco depois, a safra termina, e os últimos
trabalhadores regressam às suas aldeias de origem onde esperarão ansiosos que
os barcos regressem em Outubro.
Nos primeiros dias de Junho, outro assassinato nos EUA, daria que falar no mundo inteiro. Comentava-se que uma maldição caíra sobre a família Kennedy, pois desta vez o assassinado fora Roberto, então Senador de Nova Iorque.
Nos primeiros dias de Junho, outro assassinato nos EUA, daria que falar no mundo inteiro. Comentava-se que uma maldição caíra sobre a família Kennedy, pois desta vez o assassinado fora Roberto, então Senador de Nova Iorque.
Em Julho um acontecimento caricato mas que
demonstra bem a mão de ferro do governo Salazarista. Uma greve da Carris, termina com um
agradecimento formal e público dos trabalhadores ao ditador, transmitido para
todo o país pela TV
MANEL DA LENHA.- PARTE XLVI
Esta era a casa da porteira, A janela é o quarto, a outra janelinha redonda é a casa de banho e a porta dá acesso à cozinha. Foto minha.
Nos dias que se seguiram os jornais contaram como puderam a tragédia. E digo que contaram como puderam porque as chuvas não explicam tanta morte, e tanta gente desalojada. Certo que a chuva foi muita, dizem que casos destes só acontecem uma vez a cada 500 anos. Mas a miséria em que vivia grande parte da população, muitos em barracas situadas perto de ribeiros, matou tanto ou mais que a chuva. Porém, isso os jornais não podiam noticiar, que a censura cortava tudo o que pudesse pôr em questão o governo .
No laboratório onde a filha trabalhava, tinha várias colegas de Odivelas, uma das zonas mais afectadas. Algumas perderam tudo o que tinham. Em todo o país, mobilizaram-se as pessoas na aquisição do mais essencial para socorro das vitimas que sobreviveram à catástrofe. Na Seca, juntaram-se cobertores, lençóis e outras roupas de agasalho que foram enviadas para lá. Apesar de serem pobres, todos contribuiriam com o que puderam.
No final do ano a porteira do portão principal da Seca, morreu. O Gerente da Seca, propôs que ao Manuel que a sua mulher, fosse a nova porteira. Isso queria dizer que a Gravelina passava a trabalhar o ano inteiro, não apenas durante os meses da safra. Por outro lado deixava de trabalhar na Seca, já que aquele portão tinha movimento o dia inteiro. Porém a casa da porteira, era muito pequena, tinha apenas um quarto, uma cozinha, e casa de banho, pequena, apenas com um lavatório, e uma sanita. Ainda assim melhor que no barracão, onde não havia nada, e Manuel tivera que fazer uma casinha de madeira ao largo da casa para os alívios fisiológicos.
Havia também um telefone, para comunicar com o escritório, sempre que alguém sem ser trabalhador queria entrar. Ora se por um lado a proposta era boa, por outro, o facto da casa ser tão pequena e ele ter três filhos tornava inviável a aceitação.
Então o Manuel propôs ao gerente, a possibilidade de continuar a viver no velho barracão, mesmo com a mulher porteira no outro portão.
Ele aceitou, e assim a Gravelina, ia logo de manhã para o outro portão, fazia lá o almoço e almoçavam lá, depois à noite, fechava o portão e ia dormir junto da família.
Por essa altura, Manuel sabe que um sobrinho da mulher
acaba de embarcar para Angola. Mais um para a maldita guerra.
9.4.16
MANEL DA LENHA - PARTE XLV
Foto do Google
Curado da perna, Manuel volta ao trabalho, mais ou menos na altura em que o namorado da filha foi mobilizado para Angola. Partiu em Julho a bordo do Vera Cruz. Com a partida do rapaz, a filha voltou a viver com os tios em Lisboa, pois lhe facilitava a vida em descanso e em economia. A outra filha continuava a trabalhar em Lisboa, tinha um afilhado de guerra, mas não queria saber de namoros , e o Manuel achava que ela é que tinha juízo, pois era ainda muito nova para arranjar preocupações. O filho continuava a trabalhar na serração, e o sobrinho alistara-se como voluntário na Marinha. António, o cunhado casou nesse Verão, e foi viver para a Baixa da Banheira, uma localidade próxima.
A mulher, está bem, e a vida melhorou substancialmente, mas o Manuel não pára. Continua a cavar, semear, sachar e regar a horta, (ele chamava-lhe quintal). Cai na cama morto de cansaço.
Em Outubro regressam os navios e a vida volta a fervilhar na Seca.
No último fim de semana de Novembro, uma noite de mau tempo, o Manuel ouve na rádio que chove torrencialmente em Lisboa. Inicialmente não se preocupou, caminhava-se para o Inverno era tempo de chuvas. Porém uma hora depois já as notícias eram preocupantes. Noticiavam-se grandes cheias.
Manuel tinha a filha em casa da cunhada, cujo marido era guarda florestal em Monsanto, e viviam ali perto do estádio do Casa Pia, numa casa ao lado da fábrica de gelados Rajá.
Ali a zona não é baixa, em relação à Buraca e Benfica, mas a água que vinha de Montes Claros podia fazer estragos na casa dos cunhados. Ainda assim quando desligou o rádio e adormeceu não lhe passava pela cabeça a tragédia que se abateu sobre Lisboa e arredores, durante a noite e madrugada.
No dia seguinte a rádio e os jornais noticiavam já dezenas de mortos, numero que se foi elevando ao longo do dia até chegar às duas centenas.
Felizmente a cunhada telefonou logo de manhã para o escritório da Seca, assegurando que estavam todos bem.
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