Seguidores

Mostrar mensagens com a etiqueta confiança. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta confiança. Mostrar todas as mensagens

13.7.20

CILADAS DA VIDA - PARTE V



Na manhã seguinte, acordou já o sol ia alto no horizonte. Depois do duche, Teresa fez o primeiro teste e o resultado foi positivo. 
Não saltou de alegria, nem correu a telefonar a Inês a dar a notícia. Ficou quieta sentindo o coração bater apressado no peito e um nó na garganta.
Depois de uns minutos, tentando acalmar-se, repetiu o teste e ao ver o resultado, caiu sobre a cama e chorou de alegria. Mais calma, lavou o rosto com água fria, vestiu-se e entrou no quarto que fora da avó, ajoelhou junto do velho oratório e agradeceu à Virgem. Só depois, telefonou a Inês, a sua irmã do coração para lhe dar a notícia.
Inicialmente a amiga, tentara demovê-la daquela ideia. Ela não compreendia porque uma mulher jovem e bonita, não se interessara por nenhum dos homens, que ela e o marido, lhe tinham apresentado. Um dia, com a franqueza que lhe era habitual, perguntara-lhe se  ela  se sentia atraída por mulheres. Teresa rira-se. “Nem por mulheres, nem por homens” respondera-lhe. 
E era verdade. Sentia-se bem sozinha, nunca sentira o desejo de partilhar a sua vida com outro adulto, mas queria muito ser mãe, e tencionava sê-lo em breve pois estava prestes a fazer trinta anos e não queria correr riscos desnecessários por causa da idade.
“E que pensas fazer? Adotar uma criança?” – perguntara Inês?
“Não. Quero ter um filho meu. quero sentir todas as emoções de uma gravidez e parto. Quero sentir a alegria de saber que o meu corpo não é estéril, que um pequeno ser se está desenvolvendo dentro dele. E amá-lo muito antes de poder tê-lo nos meus braços.
- E como pensas engravidar, se não queres saber dos homens? - perguntou Inês
-Recorri a um banco de esperma e estou a cumprir tudo o que me exigiram para a Inseminação”
“Mas isso é uma loucura”, - dissera a amiga
-Loucura ou não, estou decidida e o processo já está em marcha. E não tentes demover-me, porque não te darei ouvidos.
Inês não tentou demovê-la, mas os seus pais, sim. Todavia os seus argumentos esbateram-se contra a firme decisão dela e eles acabaram por aceitar.
- Estou muito feliz por ti, – dizia-lhe Inês ao telefone. Voltas hoje?
- Volto. Sabes que não gosto de me afastar muito tempo da pastelaria.  Apesar de saber que o teu pai cuida dela como se fosse sua, não gosto de abusar da sua confiança, nem das suas forças, começa de madrugada e fica o dia todo quando não estou. Porque queres saber?
-Podias vir cá jantar. Para comemorar.
- Não! Nada de comemorações.  Vou contar ao teu pai, mas vou pedir-lhe que não faça nenhum comentário. Não quero que além de vós, alguém mais saiba antes de terminar o primeiro trimestre.
-Ok. Mas posso contar ao Gustavo?
-Como se eu não soubesse que não tens segredos para ele. Bom, vou-me despachar que quero ir cedo. Telefono-te quando chegar. Até logo.
- Boa viagem. Tem cuidado contigo.
Teresa, preparou o pequeno almoço, comeu, e depois dedicou-se a arrumar a casa, pois pensava que tão cedo não voltaria à aldeia. Talvez depois do bebé nascer ou pelo batizado. Gostaria de batizar o filho na pequena igreja onde ela o fora. Embora tivesse a certeza que o facto de ir ser mãe solteira, ia originar um falatório que duraria meses.
Pelas onze e meia, fechou a porta, entregou uma chave à vizinha, com o mesmo pedido de sempre, entrou no carro e fez-se à estrada. Almoçaria pelo caminho.

                          

29.1.20

OS SONHOS DE GIL GASPAR - PARTE XXXII




Meia hora depois, voltou ao quarto. O homem dormia embora se movesse agitado. Luísa voltou para a cozinha, a cabeça mergulhada num oceano de interrogações. Porque mostrara ele uma tão grande aversão pelo hospital? Teria algum trauma de infância? E quem seria?  Ele dizia que não se lembrava de nada. Mas seria verdade? Ou esconderia a sua identidade por motivos que só Deus saberia? E o que fazia, perdido numa noite de tão grande tempestade? Ter-se-ia evadido de alguma cadeia? "Que estupidez, mulher. Os prisioneiros não têm fatos daqueles nem camisas de seda", - murmurou. 
Mas porque não tinha com ele quaisquer documentos? Teria tido algum acidente? Mas se assim fosse não ficaria na estrada à espera de socorro? A sua casa não ficava propriamente perto da autoestrada, e a estrada que dava acesso até à sua porta, estava assinalada como troço sem saída. O melhor mesmo era telefonar ao doutor Fonseca, e se o médico entendesse que devia ir para o hospital chamava a ambulância e pronto. Por muito que o homem não quisesse ir, ela não ia arriscar. Vamos que ele lhe morria em casa? Ia ver-se metida numa série de problemas.
Pegou no telemóvel e procurou nos seus contactos o nome do clínico. Foi atendida pela sua assistente
-O doutor Fonseca está com uma doente, e não gosta de ser interrompido. Pode deixar-me o seu contacto que o doutor liga-lhe depois.
Luísa deu-lho. Ela conhecia o médico, quase desde que tinha ido viver para aquela casa. Um dia, estava a pintar junto ao rio, quando a dona Aurora, esposa do médico, a encontrara numa das caminhadas que fazia diariamente por ali. Era uma senhora muito simpática. Parara a ver a evolução da tela que  pintava e depois elogiara o seu traço, as cores, enfim, o seu trabalho. A partir dali encontraram-se muitas vezes e Aurora sempre parava junto dela para dois dedos de conversa. Até que um dia a convidou para lanchar em sua casa, e Luísa que não conhecia ninguém na zona, aceitou agradecida. 
Trocaram confidências. Aurora sentia-se muito só. Ser mulher de um médico, fora de uma cidade grande, ou mesmo de uma vila importante, não era fácil. Fonseca era o único médico num raio de vários quilómetros para norte, e para sul até Penacova. A qualquer hora do dia ou da noite era chamado e há anos que não tinham férias.  “Como Deus não quis que tivesse filhos, só posso esperar que o meu António, se resolva a reformar-se, para não ter que viver os meus últimos dias tão só como sempre vivi” confessara-lhe uma vez. Um dia apresentara-lhe o marido. Era um homem de média estatura, meio careca, de sorriso fácil e ar bonacheirão que inspirava simpatia e confiança. Tinha a certeza que o médico lhe ligaria, logo que possível e isso deixou-a um pouco mais tranquila.
Meia hora mais tarde o médico retornou a chamada.
-Bom dia, Luísa. Aconteceu alguma coisa? Viu a minha mulher?
- Bom dia doutor. Não vi a sua esposa. Deveria tê-la visto?
-Esta manhã ela estava muito preocupada consigo por causa da tempestade, e disse-me que se o tempo melhorasse, ia até aí ver se estava bem.
- Não veio, e nem é aconselhável que venha com este tempo. Já lhe telefono, para que fique descansada. Doutor tenho aqui um doente a arder em febre. Seria possível o doutor vir examiná-lo.
-Claro que sim. Tenho ainda um paciente para consulta, mas logo que termine vou para aí.
Muito obrigado, doutor. Então até logo.




No  ultimo capítulo vocês perguntavam porque o Gil não queria ir para o hospital se não se lembrava de quem é.
Talvez que no seu subconsciente as memórias das cirurgias que sofreu em tempos, ou do tempo em que a sua esposa morta, esteve ligada às máquinas para salvar a vida da filha que tinha no ventre, se imponham apesar de conscientemente não ter recordações. A mente humana é muito complexa.





5.11.19

UMA HISTÓRIA PARA REFLETIR



No Domingo, o Padre da minha paróquia na homilia contou uma história de que muito gostei. Cheguei a casa e escrevi-a
como ele a contou. Como não sabia se a autoria da história, era dele ou de outra pessoa, procurei na Internet e com poucas alterações encontrei-a em vários sites, sempre como sendo de autor desconhecido.  Aqui a deixo tal como ele a contou.




                                                 *************************



Um velho professor foi de férias aos Açores.  Um dia, passeava por um belo jardim, quando um homem jovem aproximou-se dele, cumprimentou-o e perguntou:
- O senhor lembra-se de mim?
O velhote olhou, mas não reconheceu o outro homem.
-Fui seu aluno na primária, lá no continente - diz o homem.  -Também sou professor.
- Olha que bom, - responde o velhote. - E de algum modo eu contribui para que escolhesse essa profissão?
O homem mais jovem pegou-lhe no braço, e disse:
- Venha daí, vamos sentar-nos.
Sentaram-se num banco e o mais novo falou:
-Quando eu andava na segunda classe, um dia um colega chegou à escola com um relógio novo. Era um relógio muito bonito, e eu nem relógio tinha, a minha família era muito pobre, o dinheiro mal chegava para comer. Não sei o que me deu, mas na hora do recreio fui ao vestiário e surripiei o relógio do bolso do casaco do meu colega.
A seguir entrámos na aula e o outro miúdo queixou-se do roubo. O senhor disse que ninguém saía da aula antes do relógio aparecer, e pediu que quem o tirou, o devolvesse. Fiquei apavorado, pensando na vergonha que meus pais iam sentir, na confiança dos colegas que ia perder e não tive coragem de entregar o relógio. Então o senhor mandou que todos nos levantássemos, fizéssemos uma fila indiana e fechássemos os olhos. O senhor ia meter a mão nos bolsos de cada um a fim de encontrar o relógio, mas ninguém podia abrir os olhos sob pena de ser castigado. Fiquei na fila a tremer esperando o momento em que encontrasse o relógio e me denunciasse. Mas o senhor pegou o relógio e continuou até ao fim da fila, e só então disse que podíamos abrir os olhos, já tinha o relógio. Entregou-o ao dono, mas não disse a ninguém quem o tinha. Naquele momento senti que tinha renascido. Eu tinha-me tornado um ladrão, tinha perdido a minha dignidade, e de repente o senhor devolveu a minha dignidade. A sua atitude era uma lição para mim, e naquele mesmo momento jurei a mim mesmo, que ia ser professor. Queria ser como o senhor. 
Calou-se emocionado e por fim perguntou:
-Porque o Senhor nunca me disse nada, nem mesmo quando estávamos sós?
- Meu jovem, - respondeu o velhote com um sorriso. - Até hoje, nunca soube quem tinha tirado o relógio. É que não foram só vocês que ficaram de olhos fechados. Antes de começar a meter as mãos nos vossos bolsos, também eu fechei os meus.




6.8.19

LONGA TRAVESSIA - PARTE XVII




Os dias que se seguiram foram de trabalho intenso. Mário recebeu os relatórios que tinha pedido, analisou-os, aprovou algumas ideias, riscou outras por lhe parecerem não compensar o investimento, e contratou novos empregados, porque verificou que havia alguns que chegariam à idade da reforma no início do ano seguinte e queria que nessa altura os novos empregados já estivessem integrados no esquema de trabalho da empresa. Comprou e mandou instalar duas máquinas novas. Contatou e recuperou dois antigos clientes. Durante aqueles dias, foi várias vezes ao gabinete de Teresa, para acompanhar o processo de admissão dos novos empregados, ou para pedir a opinião dela, noutros assuntos no âmbito da sua gestão. 
Entrava, perguntava o que queria, e saía sem demora. Não voltara a falar de assuntos pessoais, nem de saídas noturnas. Parecia outra pessoa, e Teresa, não pode deixar de admirar a tenacidade, e a crença que o  impulsionavam. 
Mário, todos os dias estava em contacto com os seus homens de confiança, o secretário, e o advogado, que tinham ido para Inglaterra reunir com os seus gerentes, e verificar o bom andamento das suas empresas, pois desistira de viajar enquanto não pusesse a “Tudilar” no rumo certo.
Naquele dia, pouco passava das dez, quando ele chegou ao gabinete. Como sempre impecavelmente barbeado e bem vestido.
- Olá – disse ao entrar.
Assim, como se fosse um amigo, um colega. Começara a tratá-la assim há quase uma semana. Sempre que estavam sozinhos. A princípio ela refilou. Quis impor distâncias. Ele não ligou e acabou por vencê-la pela persistência.
- Olá- respondeu enfrentando o seu olhar
Aos poucos tinha aprendido a dominar as suas emoções. Sentia-se agora  mais segura de si, menos temerosa.
-Já me podes dizer qual dos trabalhadores da secção B pode vir a ser um bom chefe, uma vez que o atual atinge a idade de reforma em breve?
- Estou indecisa entre dois. Creio que qualquer deles possui qualidades e capacidades para o lugar. Queres que os convoque e falas com os dois?
- Pode ser para esta tarde?
- Não. Vou sair ao meio dia. Tenho um compromisso para a tarde.
- Mais importante que o trabalho?
- Muito mais.
Dissera-o com raiva, como se quisesse fazer-lhe pagar por tê-la afastado de si no passado. Ele percebeu-o e engoliu a agressividade com que lhe ia responder.
- Está bem. 
De súbito curvou-se, estendeu a mão, agarrou a delicada mão feminina, e sem deixar de a olhar beijou-lhe os dedos um a um.
Depois soltou-a, e dirigiu-se para a porta.
- Pensa em mim – disse antes de fechar a porta atrás de si.
Pela primeira vez em muitos anos, Mário estava feliz. Tinha percebido que apesar de tudo, continuava a reinar no coração feminino.  E isso soava-lhe a glória, ainda que pela frente tivesse um dura luta, para se redimir pelo passado.



                                               

13.7.19

UM PRESENTE INESPERADO - PARTE XLVIII




Calou-se por uns segundos, como se passados todos aqueles anos, as recordações continuassem a ser muito dolorosas.
Ela sentiu vontade de se levantar, e de o abraçar fortemente, para mitigar aquela dor. Mas quando se aprestava para o fazer, ele retomou a palavra.
-Há coisas de que um homem não consegue falar, porque a dor lhe trespassa  o coração e a vergonha lhe rasga as entranhas.
Calou-se de novo por alguns segundos, passou a mão pelo cabelo e retomou a palavra.
 E então contou  como após o divórcio, se sentia motivo de troça de todo o bairro, de como isso destruíra a confiança em si próprio e nas mulheres, e dos cinco anos que passou em Luanda, trabalhando que nem um doido, tentando não só esquecer o passado, mas também juntar o máximo de dinheiro que lhe permitisse montar a sua empresa. 
Falou-lhe do seu primeiro carro que tinha de conduzir de dia, enquanto terminava o curso que abandonara quando casara. Falou dos pais, do irmão, da morte dos progenitores, enfim de tudo o que acontecera com ele até ao momento em que recebera no escritório a carta dela.
Mergulhado no mar tenebroso das lembranças, não deu pela aproximação da mulher, senão quando os braços dela o enlaçaram pelas costas e lhe disse:
- Perdoa, não queria fazer-te sofrer.
Voltou-se e segurando-lhe o rosto entre as mãos, disse:
- Não há nada para perdoar, Isabel. Tens razão, sempre a tiveste. Não podemos querer, que alguém retribua o nosso amor, se não deixamos que essa pessoa o descubra e nós próprios fazemos tudo para não acreditar nele .
- O que queres dizer com isso? - perguntou trémula.
-Vem, vamos sentar-nos e esclarecer tudo o que há para esclarecer de uma vez - disse pegando-lhe na mão e reconduzindo-a ao sofá.
Sentaram-se ambos lado a lado, mas não abraçados. Ricardo não queria perder a cabeça, antes de ter mostrado tudo o que lhe ia na alma, para que nunca mais houvesse uma dúvida a separá-los.
- Impus a mim mesmo duas regras de ouro. Nunca mais fazer sexo com ninguém sem proteção, e nunca mais entregar o coração a mulher alguma. Aproveitaria da vida as oportunidades que ela me desse e era tudo. Por isso eu nunca poderia ter-me envolvido com a Susana. Ela estava na idade em que eu fora enganado, e sei melhor que ninguém a marca que um desengano nessa idade pode deixar.
Quando fiz o teste do ADN, e descobri que a Matilde era minha sobrinha, decidi que ela tinha que ser minha. De um modo que não sei explicar, amei-a imediatamente. Era como se aquela outra criança que tanto amei e nem cheguei a conhecer, viesse agora para os meus braços. Porém eu não queria tirar-ta, e tu não te separarias dela. Estava num impasse quando o Artur me aconselhou a pedir-te em casamento. Hesitei. Tinha medo do que esse casamento me podia trazer. Tentei manter o coração à margem e guiar-me apenas pelo desejo que despertaste em mim. Mas ainda assim prometi a mim mesmo que tudo faria para que a nossa relação fosse agradável. Mas tu não ajudaste muito. Não aceitavas nada do que te oferecia, e aos poucos ias-te afastando de mim. Do modo que amavas a Matilde, sempre pensei que querias ter filhos e esperava que um dia me viesses dizer que estavas grávida.
 Eu não sabia que tomavas a pílula, e fazíamos amor praticamente todos os dias, mas nunca engravidaste. Comecei a pensar que era estéril, e mais dia, menos dia, ias descobri-lo. Cheguei a pensar que já o sabias e era por isso que ias perdendo a alegria e a naturalidade. E foi nessa altura que me dei conta de como te amava e de que ficaria destruído se te perdesse. 
  

9.6.17

JOGO PERIGOSO - PARTE XXIV





David desligou o telefone, e ficou por momentos a olhar para a procuração que tinha nas mãos. Não entendia o que se passava com Daniela. O que é que ela queria com aquilo? Fazer um teste à sua honestidade? Não. Era demasiado inteligente para uma atitude tão estúpida.
Parecia-lhe mais uma prova de confiança, quiçá até de amor. Mas não podia ser. Ele demonstrara-lhe à saciedade quanto a amava, e o que é que ela fizera? Dissera-lhe claramente que ele só fora um objeto para satisfazer a sua carência sexual.
Guardou a procuração no cofre. O que ela merecia, era que ele lhe roubasse a sua parte da fábrica. Mas isso estava fora de questão. Primeiro, porque ela se instalara de armas e bagagens no seu coração, e ele não sabia como ia libertar-se daquele sentimento, tão novo e tão intenso. Logo ele que nunca acreditara no amor, e se limitara a aceitar o que as mulheres lhe davam, sem pôr nisso o coração. Segundo, porque a jovem é irmã de Daniel, e embora ela não o soubesse, esse facto punha-a a salvo de qualquer má intenção da sua parte. Terceiro e não menos importante, tinha orgulho da sua honestidade. Conquistara muita coisa na vida, e ambicionava chegar mais longe e mais alto no mundo dos negócios, mas nunca o faria utilizando o seu opositor como escada. 
Quem dera ela ficasse por Moçambique o tempo suficiente para ele a esquecer! Sorriu amargo. Um sorriso que não lhe chegou aos olhos e que mais parecia um esgar.
“Teria que ficar lá o resto da vida”- pensou. É que tinha a certeza de que não conseguiria esquecer, a mulher maravilhosa que tivera nos braços, naquela noite.
Como é que ele, um homem experiente se tinha deixado enganar assim? Seria capaz de jurar, que o que os dois tinham vivido naquela noite, tinha sido muito mais que uma tórrida sessão de sexo. Que o que ambos viveram estavam muito para além de jogos e excitações. Fora-o da sua parte, e juraria que ela estivera sempre com ele, como se os dois fossem um só. E afinal fora tudo fingido. Passou a mão pela testa, como se, com esse simples gesto levasse alguma luz aos seus pensamentos. Sentia-se cansado. E vazio.
Fechou o computador, vestiu o casaco e saiu. 
-Madalena, vou até à fábrica de confecções. Em princípio já não volto hoje. Qualquer coisa que seja necessária ligue-me. Até amanhã.
-Até amanhã, senhor


7.11.16

ESTRANHO CONTRATO - PARTE XVII

Não abriu a porta. Bateu com os nós dos dedos.
-Entre
Entrou e fechou a porta atrás de si, ficando na expectativa.
Afonso deu a volta à secretária e dirigiu-se para ela.
-Senta-te. – Disse indicando-lhe o sofá. Esperou que ela se sentasse e fez o mesmo. Continuou.
-Deves estar cansada, não é fácil cuidar de quatro crianças tão pequenas. Podias ter aceitado a ajuda da minha irmã.
-A Graça vai embora depois de amanhã. Tenho que me habituar. E depois tenho a ajuda de Simão, – respondeu.
-Reparei que ele não é como o irmão. Parece triste.
-Sempre foi uma criança mais comedida nos sentimentos. E soube há poucos dias, que o pai morreu. Tinha-lhes dito que andava em viagem, mas ele ouviu uma conversa da avó com uma vizinha e questionou-me.  Tive que lhe contar a verdade. É muito responsável e acredita que tem de cuidar de mim e do irmão.
- E eu? Sou um intruso que odeia?
-De modo algum. Mas não esperes que seja tão espontâneo como o irmão. Ele é cauteloso. Tem de sentir que o chão onde põe os pés, é firme. Mas se percebe que assim é e se entrega, é um menino amoroso.
- Bom, sendo assim espero ganhar a sua confiança em breve. A Ana e a Marta, aceitaram-te como se estivesses com elas desde que nasceram.
- É natural, eram tão pequenas quando a mãe morreu que nem devem recordar-se dela. O mesmo acontece com João que só conheceu o pai por fotografia. O Simão é mais velho, conheceu e lembra-se do pai.
Falavam nas crianças, chamando-as pelos nomes. Nem um nem outro se atreviam a dizer “nossos filhos” o que pressupunha uma intimidade que não havia entre eles, mas também não diziam, os teus filhos, os meus filhos, para que o outro não pensasse que não cumpriam a sua parte no acordo. Francisca quebrou o silêncio que se instalara.
- A Graça disse que me querias falar. Passa-se alguma coisa?
- Amanhã, é o dia dos meus ex-sogros virem passar o dia com as netas.
Propositadamente não lhes falei de ti nem das minhas intenções de voltar a casar.