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5.9.18

FOLHA EM BRANCO - PARTE XLIV




O sol brilhava, naquele dia de Natal, embora estivesse bastante frio.
No seu quarto, Mariana acabara de se arranjar, disfarçando com o corrector os círculos arroxeados que lhe circundavam os olhos e davam conta da noite mal dormida. Escolheu  umas calças de fazenda preta, e uma camisola de gola alta da mesma cor. Completava a indumentária com umas botas também  pretas. O cabelo estava de novo entrançado. Parecia mais alta, mais estilizada a figura.
E Miguel? Por onde andaria? - Interrogava-se.
Quando meia hora antes se levantara, ele já não estava em casa.
“Volto logo” era tudo o que estava escrito no bilhete preso na porta do frigorífico.
Arrumou o quarto, apanhou do chão o belo vestido preto, que levou para o cesto da roupa suja, e dirigiu-se à sala, onde deu início à tarefa de arrumação da mesma, pois se encontrava com loiças, frutos e restos de velas, testemunho da noite anterior.
Pouco depois ele chegou.
- Bom dia. Vim buscar-te, para almoçar.
Assim, tranquilamente, como se não tivesse acontecido nada na noite anterior. Sentiu-se frustrada, enraivecida, com vontade de o arranhar. Mas era preciso que ele não percebesse.
-Bom dia Miguel. Faz muito frio lá fora?- Perguntou aparentando uma naturalidade que não sentia.
- Bastante. É melhor ires bem agasalhada.
- Está bem. Não me demoro.
Entrou no quarto, deixando o homem perplexo. Estava tão diferente da mulher apaixonada da noite anterior. Decerto nem se lembrava do que tinha dito horas antes ali mesmo. O que provava, que ele estava certo. Tinha que sufocar aquela lembrança e fazer por esquecer.
- Estou pronta. Podemos ir.
Tinha vestido um grosso casaco de fazenda e na cabeça, um gorro de lã, dava maior graciosidade ao seu rosto.
Já na rua, seguiram em direção ao carro.
- Pensei que almoçávamos aqui mesmo no bairro.
- Neste dia há poucos restaurantes a funcionar. Vamos almoçar a Cascais, já fiz a reserva há mais de quinze dias. Depois damos uma volta até Sintra. Toda aquela zona é muito bonita e o sol convida.
Não respondeu.
- Não dizes nada? Não te agrada?
- Sim claro, - respondeu sem entusiasmo.  
O silêncio instalou-se entre eles, acompanhando-os  na viagem o resto do trajecto.


Informando os amigos. 
Hoje fui buscar os resultados dos últimos exames médicos. A consulta está marcada para dia 11.
Também retomei os tratamentos de fisioterapia, e tive a neta comigo. O que me deixou sem tempo para a blogosfera.
Retomarei as visitas normais amanhã.

4.7.17

ROSA - PARTE V


Dois dias depois, Rosa estava na cidade grande. Quase sem dinheiro, o ourives dissera que os brincos não valiam grande coisa, e pagou por eles tão pouco que quase nada sobrara depois de comprar o bilhete para a capital.
A cidade era enorme e ela não sabia para onde ir nem o que fazer. Caminhou por uma rua, tão grande que era maior que a sua aldeia, batendo a todas as portas, pedindo trabalho. Mas as pessoas olhavam-na de alto a baixo como se ela não regulasse bem da cabeça e fechavam-lhe a porta na cara. Algumas até lhe acicatavam os cães. Realmente o seu aspeto não era muito agradável. A saia castanha de casimira até ao tornozelo estava bastante amassada da longa viagem de comboio, a blusa de pano-cru, com uma gola redonda, em cuja orla a avó fizera um enfeite, estava enxovalhada, as tamancas de madeira e couro e a cesta de vime escuro, onde transportava algumas peças de roupa, completavam a sua indumentária.
Faminta e cansada, sentou-se num banco de um jardim sem saber o que fazer ou para onde ir.
Pouco depois, uma mulher de meia-idade sentou-se a seu lado no banco e meteu conversa com ela. Perguntou-lhe o nome, a idade, se estava sozinha em Lisboa, se não tinha família.
Desorientada e carente, Rosa contou de onde viera, falou da morte da avó, única parente que tivera até aí, do seu desejo de arranjar trabalho, afinal a cidade era tão grande, tinha tanta casa, mal haveria de ser, que ninguém precisasse de uma criada. E ela sabia fazer tudo menos comida, que nunca cozinhara e só sabia fazer chá.
Depois de a ouvir, a mulher disse que tinha trabalho para ela. Era só acompanhá-la até à sua casa.
Rosa sentiu que lhe nascia uma alma nova, quase teve vontade de abraçar a mulher.
Quando lá chegaram, esta levou-a para um quarto como Rosa nunca tinha visto. Era espaçoso, tinha uma grande cama de casal, coberta por uma colcha adamascada em tons de vinho, reposteiros do mesmo tecido, duas mesas-de-cabeceiras e um armário com as portas em espelho de alto-a-baixo. Ao lado uma porta. A mulher abriu a porta e Rosa viu um quarto de banho parecido com aquele que tinha visto na casa grande lá da aldeia. A mulher disse-lhe para se lavar e vestir as roupas que estavam no armário. Deviam ser mais ou menos do seu tamanho.
- As tuas não servem. Não se usam na cidade nem fazem jus à tua beleza. Daqui por meia hora, venho buscar-te para o jantar.



Continua

Nota:  Parece que esta história tem escandalizado alguns leitores. Pois, ela não é uma história delicodoce  como algumas que escrevo e tanto vos agradam. É uma história de vida, de uma mulher do povo, entre os anos trinta e setenta do século passado. E antes que me perguntem, se a história é verídica, digo-vos que não, mas que há nela muita veracidade. As pessoas da minha geração sabem de muitas, Rosas, Marias, Joaquinas, etc que existiram neste país. É também um pouco da história deste país, noutros tempos, que eram bem mais difíceis do que os actuais.