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30.6.16

MANEL DA LENHA - PARTE XCVI


A mulher do Manuel, recuperou do acidente, mas durante um bom tempo fez fisioterapia para recuperar a relativa mobilidade que tinha antes. 
Passaram-se dois anos, estamos agora em 1995. Logo no mês de Janeiro, o país perde um grande vulto da nossa literatura com a morte de Miguel Torga. O génio que nos encantou com "os contos da Montanha" "Vindima" e "Os Bichos"e de tantas outras obras em prosa ou em verso, não mais voltaria a escrever.
Nessa época já o filho do Manuel, que continua a pensar que o pai leva uma vida de clausura por causa da mulher anda a pensar como fazer para proporcionar ao pai umas horas ou dias de alegria. Ele sabe que não pode arriscar de novo uma viagem com os pais numa carrinha. E depois de muito pensar resolve comprar uma auto caravana a fim de levar os pais a dar um passeio. Se bem o pensou melhor o fez. Depois de a comprar  alterou-a quase completamente. arrancou os sofás  na salinha que à noite se transformavam em cama, e colocou no local uma cama com colchão ortopédico, uma mesa de cabeceira, e uma porta para isolar o quarto e lhes dar privacidade. Desmanchou e ampliou a casa de banho para que a mãe se movimentasse sem problemas, dada a sua pouca mobilidade. Mas como fazer a mãe subir para o veiculo? Então fez uma placa elevatória, que descia até ao chão, colocava a mãe nela e fazia-a subir até à porta. 
Depois de todas estas alterações, já podia sair com os pais. A primeira viagem foi às Termas de S. Pedro do Sul, onde passaram uns dias, até seguirem para Carvalhais, a fim de assistirem às festas de Nossa Senhora das Chãs.
Desde que a mulher sofrera o AVC há quase 11 anos que o Manuel não ia à sua terra e estava radiante. A mulher pelo contrário, apesar de todo o conforto que o filho lhe dera, tentando aproximar o mais possível o espaço na caravana com com a casa deles, ela sentia que não era a mesma coisa, tinha um certo medo em se movimentar. E ia dizendo que para a próxima iam pai e filho sozinhos que ela ficava em casa. Sabendo que se ela não fosse o marido também não iria, ainda que a filha lhe dissesse que podia ir, que ela cuidaria da mãe.
Foram duas semanas que deram nova vida ao Manuel.
E nas eleições de 1 de Outubro António Guterres vence as eleições sucedendo no governo a Cavaco Silva.

29.6.16

MANEL DA LENHA - PARTE XCV




E chegámos ao ano de 1992, que começa como se devem lembrar com Portugal a assumir a presidência da União Europeia. Manuel era um homem do povo. E o povo, inocente e crédulo pensava que com esse facto a vida ia melhorar em Portugal. Tirando o facto de Portugal ter aderido nessa época ao Sistema Monetário Europeu, nada aconteceu de novo. E mesmo disso, o povo só soube a notícia, já que ainda iriam passar uns anos até que a diferença aparecesse nas suas carteiras.
Nesse mesmo ano, o Creoula sofreu mais algumas alterações na zona do meio do navio. Aproveitou-se uma das cobertas de 9 instruendos, para se criar um espaço que funciona como biblioteca e sala de aulas. Quando mais tarde ele teve aberto à visita da população, aproveitando um dia em que a mulher estava estava acompanhada pela empregada, Manuel foi ver o navio e claro veio espantado. Como estava diferente do navio que ele conheceu, e onde tanta vez fez pequenos trabalhos de reparação.
Desde que a mulher adoecera, e já ia fazer 8 anos, Manuel nunca mais saíra de casa, a não ser no dia em que a empregada lá estava. Nesses dias, se o filho tinha de se deslocar a algum lado, vinha buscar o pai e ele ia todo contente, por espairecer um pouco. Mas nunca mais fora à sua terra, ou às Termas em S. Pedro do Sul. Nesse Verão, o filho limpou os pavilhões do aviário e resolveu parar um mês, porque segundo ele, de vez em quando devia-se dar descanso aos mesmos, e ele há anos que não parava.  Como tinha uma carrinha, decidiu que ia levar os pais ao norte. Pediu à irmã, que estava de férias de os acompanhava, pois a mãe ia precisar da sua ajuda para a higiene, já que para onde iam não teria as condições que tinha em casa para se bastar sozinha. Porém, a caminho de Vila Franca, numa descida havia óleo derramado na estrada, o carro derrapou e apesar de todos os esforços do condutor,
o carro acabou por dar uma leve batida. Ninguém na carrinha sofreu nada a não ser a Gravelina, cujo corpo semi-paralisado escorregou, fazendo com que a perna esquerda, sem força, batesse no banco da frente, e partisse a perna. 
Chamada a ambulância trouxe-a para o hospital do Barreiro, acompanhada pela filha, enquanto o resto da família voltava para trás.
Dada a história de AVC da Gravelina, ela ficou no hospital todo o tempo de recuperação.
E em Outubro desse ano, chega a Portugal a TV privada, com a SiC de Francisco Balsemão, tendo como director de programas Emídio Rangel. 
Um mês depois, com poucos dias de Intervalo, Xanana Gusmão é preso em Dili, e a nossa moeda é desvalorizada 
em 5%.




À margem: 
Peço aos amigos, que me visitam, que se puderem (e quiserem claro) passem por AQUI. Muito Obrigada





28.6.16

PARABÉNS A VOCÊ...

Santo António já se acabou, o S. João também já lá vai. E o S. Pedro está-se a acabar. Mas para mim, hoje é dia de festa. O filhote faz 36 anos.  Na semana passada, a netinha, veio dizer como ela queria o bolo para o pai. Um pouco trabalhoso, na prática são dois bolos, de formato diferente. E aí eu disse-lhe; "vamos ver se a avó é capaz" 
Aí, esta manhã, mal se levantou, telefonou-me.  
-Avó, conseguiste fazer o bolo?
-Consegui  
-Eu sabia avó. Consegues sempre. És a maior.
Já lá vão umas horinhas e ainda estou a limpar a baba. Rsrsrs

27.6.16

MANEL DA LENHA - PARTE XCIV



Os  anos seguintes não trouxeram nada de especial à vida do Manuel. A filha empregou-se numa fábrica de cerâmica, a mulher viu ser-lhe cortado o acesso aos tratamentos de reabilitação, pois por uma lei da ministra da saúde, Leonor Beleza, só teriam direito a tratamentos de fisioterapia pelo SNS, os doentes com esperanças de reabilitação total, e segundo o médico, a Gravelina, dificilmente melhoraria mais do que aquilo que tinha melhorado até à data. Daí que ela, movimentava todos os dias, a perna e o braço, nos aparelhos que o marido improvisara, e o resto dos dias passava sentada no sofá em frente da TV.  Como a parte cerebral não tinha sido afectada, dirigia a casa, dizendo ao marido, o que fazer para o almoço e jantar, o que era preciso comprar para casa etc. E assim se passou o último ano da década de 80, que Manuel guardaria na memória, como o ano em que Portugal foi campeão mundial de júniores em futebol, em  Riade em Março.  A  manifestação sindical da Polícia no Terreiro do Paço, em Abril, o Massacre de Tianan
men a 4 de Junho, a queda do avião na  Jamba, com o filho de Mário Soares, em Setembro, a queda do muro de Berlim em Novembro, e a vitória de Jorge Sampaio em Lisboa em Dezembro, foram factos que ele lembraria mais tarde. No ano que se seguiu a vida continuou a sua rotina, e desse ano, o Manuel lembraria, a libertação de Nelson Mandela em Fevereiro, o campeonato de futebol que o "seu" Porto ganhou, e a eleição de Lech Walesa a Presidente da Polónia em Dezembro. Manuel era um homem que gostava muito de ler. Comprava todos os dias o jornal que lia praticamente de ponta a ponta. Por esses dias, eles falavam do passado de trabalhador de Lech Walesa e Manuel admirava-o muito.
O ano de 1991, começa com a campanha eleitoral para as eleições presidenciais, que reelegem Mário Soares. Na casa do Manuel, tudo está na mesma. A mulher levanta-se, faz a sua higiene, toma o pequeno almoço, que ele lhe preparou entretanto, faz os exercícios e vai para a sala assistir pela TV à sua missa.  A doença exacerbou a sua religiosidade. Assim assiste à missa aos domingos e grava essa missa que depois vê durante toda a semana. Enquanto isso, o Manel vai à praça, quando é preciso, e prepara o almoço para os dois. Depois do almoço, ambos se deitam um bocado, depois a Gravelina, faz mais uma hora de exercício, lancha e entretém-se com as telenovelas do dia anterior, (que deixara  a gravar, pois se deita muito cedo), até ao jantar. O Manuel lê o jornal, prepara o jantar, e vê um pouco de TV no quarto. E assim a vida do casal entrou numa rotina diária, que só é quebrada nos dias em que a mulher vem fazer as limpezas, ou quando os filhos os visitam. 

26.6.16

A LINHA QUE DEUS FEZ



Os amigos que me acompanham desde há anos sabem que o Sexta "é o meu blog" o que quer dizer que  não faço publicações de outras pessoas Excepção feita quando homenageio algum grande escritor/a, que sempre publico algo dele/a. Para além disso, apenas abri duas excepções para dois comentários que me foram deixados e que realmente mereciam destaque. Esta explicação, serve para introduzir este vídeo, que não se enquadra em nenhum dos dois itens anteriores, mas que entendi dar-vos a conhecer. 
Há dias encontrei num blog de um amigo, uma melodia de rara beleza. Aqua Luminae. E uma chamada de atenção para o autor C. N. Gil, que além de músico, tem uma excelente voz como podem ouvir através deste vídeo, é escritor, e dono do blogue  OQMDNT
Fui até ao You Tube e ouvi várias das suas músicas. E sinceramente pensei que seria egoísta se não partilhasse convosco. Assim se gostarem como eu  (e penso que vão gostar)  e quiserem mais, é só seguirem os links.
Para todos um bom Domingo

25.6.16

PORQUE HOJE É SÁBADO...




                                                OS AMANTES

Quando eles nasceram
uma rosa floriu
o mar serenou
suas mães sorriram.

Quando se encontraram
o sol brilhou
a vida encheu-se de cor
o amor nasceu.

Quando se amaram
o mundo parou
os pássaros cantaram
os jardins floridos
encheram-se
de alegres crianças.

Depois velhinhos
mas nos corações
sempre o mesmo amor
que o tempo não apagou
como incêndio
em dia de vento.

O rosto enrugado
as mãos deformadas
os olhos cansados
procuram-se
minuto a minuto
com o mesmo carinho.

Morreram um dia
e naquela hora
uma nuvem chorou.

Na aldeia esquecida
os sinos dobraram.

24.6.16

ESTAMOS EM JUNHO



Estamos em Junho, o mês dos dias enormes, do começo do Verão, dos Santos Populares. A partir de agora também o mês que pode dar uma grande volta à Europa, e colocá-la no seu verdadeiro rumo de união, e igualdade e fraternidade  entre os mais ricos e os mais pobres, ou deixá-la como está e esperar quanto tempo leva até à saída do próximo, numa debandada geral, até ao fim. Mas isso é outra conversa, e nem eu tenho competência para falar sobre isso. 
Assim sendo, vamos lá falar do S. João que hoje se comemora um pouco por todo o país, com maior intensidade no Porto e em Braga, que o têm por padroeiro.
 A verdade é que os maiores festejos - excepto os religiosos - ocorrem na véspera do dia do Santo. Há uns sessenta anos atrás, não existia TV, embora ela chegasse a Portugal, no ano seguinte, mais de dez anos depois ainda a grande maioria da população portuguesa, não tinha a caixinha mágica, que iria alterar costumes e tradições. Nas noites quentes de Verão, o povo sentava-se à porta de casa, olhando as estrelas, sonhando com um futuro melhor para os catraios que brincavam na rua, saltando ao eixo, jogando à macaca, ou correndo atrás de uma bola feita de trapos, ou de bexiga de porco.
Pelos santos populares, na seca da Azinheira, o pessoal residente, juntava-se no início da rua das "casas novas". Era assim que nós chamávamos ao grupo de casas que existiam na seca e onde habitavam os empregados de escritório, os encarregados, os electricistas e os ferreiros. Nós vivíamos a uns quinhentos metros, num barracão de madeira isolado, mas um dos electricistas era irmão do meu pai, e tinha dois filhos um pouco mais velhos que eu,
daí que no Verão, quando o pai não aproveitava a noite para cavar ou regar o quintal, íamos para as "casas novas" brincar com os primos e as outras crianças aí residentes, enquanto os pais se entretinham em conversas sobre a vida e os seus problemas. 
No S. João, o meu pai fazia todos os anos um enorme balão de papel colorido.  
Lembro-me que levavam umas tochas feitas com desperdícios, embebidas em petróleo, que enquanto ardiam mantinham os balões no ar. Quando se apagavam o balão começava a perder o ar quente que o mantinha lá em cima e acabava por cair atraído pela gravidade.
 Os mais velhos faziam uma fogueira no meio da rua, e sentados junto aos muros  do, quintal da casa mais próxima, contavam histórias, enquanto davam um olhinho pelos mais novos. As crianças corriam atrás dos grandes besouros que sempre apareciam nesta altura do ano. Faziam rodas à volta da fogueira e quando ela ficava mais fraca, obtinham permissão dos pais para a saltar. Conviviam. 
Todos se conheciam, todos se ajudavam. No dia seguinte cumprimentavam-se, comentavam a noite anterior, e acabavam com um "Para  a semana lá estamos". .Eu tenho saudades desse tempo. Hoje as pessoas juntam-se ás centenas, ás vezes milhares, todas no mesmo espaço, brincam saltam, mas não se conhecem, e quando a festa acaba, são de novo desconhecidas. Estão juntas e simultaneamente estão sozinhas. Não há convívio. É como se as pessoas se tivessem transformados em ilhas. Podem estar longe ou mesmo ao lado, mas não se tocam. Vivem em prédios de vários andares e não conhecem às vezes nem o vizinho do lado. É urgente que a humanidade pense em ser ponte.  Em união.
Bom S. João, e bom fim de semana.

23.6.16

MANEL DA LENHA - PARTE XCIII


                                                      Foto do jornal Público

Aflitos  sem saber mais onde procurar, dirigiram-se à polícia.
O agente que os atendeu perguntou se ele não teria ido para a praia. Estávamos em Maio, e o dia tinha estado muito quente. Os pais não acreditavam. O garoto nunca fora a lado nenhum sozinho. A mãe, levava-o à escola, e ia buscá-lo. O agente tomou nota do caso, depois de perguntar os sítios que a criança costumava frequentar. Iam tomar providências. Mandaram os pais para casa, o garoto podia ter chegado entretanto.  O casal dirigiu-se a casa, e no caminho encontraram um grupo de gaiatos, mais velhos do que o seu filho, que vinham da praia. E entre eles, lá vinha o Pedro. Os outros miúdos mais velhos, eram da 4ª Classe, saíram mais cedo e desafiaram o Pedro para ir com eles para a praia. E aproveitando uma distracção da contínua, que acorrera a levantar do chão, uma chorosa criança  mais pequena, o Pedro saiu e foi para a praia com eles. 
Escusado será dizer que esteve de castigo mais de uma semana. Pais, avô e padrinhos nunca mais iriam esquecer a aflição daquela tarde.  
Por esses dias, aparece nas bancas um novo semanário. O Independente com direcção de Miguel Esteves Cardoso e Paulo Portas.
A 25 de Agosto, nova tragédia atinge o País, desta vez no coração de Lisboa. O fogo devora o Chiado, em labaredas tão grandes que são visíveis na outra margem do Tejo.  Prédios e lojas, tudo fica reduzido a cinzas. Dois mortos e mais de quarenta feridos, além de vários prédios históricos destruídos, é o rescaldo do incêndio, que os lisboetas jamais esquecerão.
A reabilitação da zona, levaria cerca de 10 anos, mas as centenas de pessoas que perderam os seus empregos, e viram as suas vidas caírem no desespero, nunca foram ressarcidas.
Em Setembro começam os jogos olímpicos de Seul, que os portugueses seguiram na esperança de que a Rosa Mota trouxesse a medalha de ouro para Portugal. E ela não nos desiludiu. 
No dia em que Portugal comemora a implantação da República, um plebiscito no Chile, derrota Pinochet, e é o princípio do fim do ditador.
E a 14 desse mesmo mês, PS e PSD chegam a acordo para a revisão da Constituição.
Pouco antes do Natal, a família dispensa a empregada, que acompanhara a Gravelina nos últimos anos. Ela já faz a sua higiene sozinha, veste-se e calça-se. O marido faz as refeições, e para  a limpeza da casa, tem a mulher a dias que vem dois dias por semana. E se for necessário alguma coisa, os filhos dão uma ajuda. A despesa é muito grande, as reformas curtas, e se bem que é o filho quem paga o ordenado da empregada, eles não querem continuar a sobrecarregá-lo com esse encargo.  


22.6.16

MANEL DA LENHA - PARTE XCII


                                        O Pedro, numa foto da época


Nesse ano de 1988, A Gravelina começou a fazer os tratamentos numa clínica no Alto Seixalinho.  Fazia séries de 20 tratamentos, seguidas de 15 dias de descanso. Vinha uma ambulância buscá-la para os tratamentos às duas horas, e trazia-a de volta no fim por volta das cinco. Ela ia recuperando a confiança, já movia bem a perna esquerda. Bom, mover bem é exagero, pois a perna arrastava um bocado, e não conseguia calçar um sapato normal, pois o pé entortava e ela não conseguia andar, problema que se resolveu com o uso de umas pantufas-bota, em tecido, que se adaptavam ao pé quando ele entortava, e não lhe criavam maior desequilíbrio.
 Passados os tempos mais difíceis, o Manuel sentia-se agora mais confiante para ir com o filho sempre que este o ia buscar a casa, já que tendo um aviário se deslocava muitas vezes para entrega de encomendas, ou para ir buscar rações para as aves.
Em Maio desse ano, toda a família apanhou um grande susto com o neto do Manel.
O miúdo frequentava a escola primária , estava na 2ª classe, ia fazer 8 anos em Junho. A mãe levava-o todos os dias ao portão da escola de manhã e ia buscá-lo à tarde. Naquele dia porém o gaiato não saiu com os coleguinhas. Preocupada a mãe perguntou por ele, mas os miúdos disseram-lhe que a professora saíra mais cedo para ir ao médico, eles tinham sido distribuídos por outras salas, não tinham visto mais o Pedro. Em desespero a auxiliar, (naquele tempo chamava-se contínua,) procurou por todas as salas, mas ninguém tinha visto o gaiato. Até que uma das professoras, disse que uma turma da 4ª classe tinha saído uma hora antes. Seria o caso de o miúdo sair nessa altura? Mas como foi possível se a continua sempre estava ao portão, e jurava que apenas tinham saído os mais velhos que já era habitual irem sozinhos para casa? Desesperada, a filha foi a casa, perguntou aos vizinhos se tinham visto a criança, passou pelo café dos padrinhos do filho, onde ele gostava de estar, mas eles também não o tinham visto. Imaginando que poderia ter ido para casa dos avós, foi a casa da mãe, ver se o filho tinha ido para lá, já que ele e o avô se entretinham muito com várias brincadeiras. Mas ninguém o tinha visto.  Era como se a criança se tivesse evaporado.
Nessa altura, chegou o genro do Manuel, depois de mais um dia de trabalho e não encontrando nem a mulher nem o filho em casa, pensou que estavam na casa do sogro, e dirigiu-se para lá.
Encontrou a família numa aflição, exceptuando a Gravelina, a quem tiveram o cuidado de esconder o que se passava.
Entretanto, tinha chegado a hora da empregada se ir embora, pelo que o Manuel ficou com a mulher, enquanto a filha e o genro, batiam toda a localidade, chegando até ao Hospital do Barreiro, à procura do filho. 

21.6.16

MANEL DA LENHA - PARTE XCI






No final de Setembro, o neto do Manuel entra na escola oficial, e a  19 de Outubro, num desastre de avião, morre Samora Machel. o presidente de Moçambique. No resto do ano não aconteceu nada que tivesse muita importância para o Manuel, cuja mulher continuava a fazer fisioterapia diária, mas que aparentemente não adiantava muito.  E chegou de novo o Natal, a festa em família teve também a presença dos compadres, sogros da segunda filha, mas a Gravelina continuou a comer na sala com o marido e a não ir à mesa.
E o ano chegou ao fim e como sempre outro lhe sucedeu, sem que a Gravelina mostrasse melhoras que se vissem.A 23 de Fevereiro de 1987, morre um grande cantor, da música de intervenção, Zeca Afonso,  de quem o Manuel era um admirador. No início de Abril a Assembleia da República, aprova uma moção de censura ao governo de Cavaco Silva, e no dia 28 do mesmo mês, Mário Soares, dissolve a Assembleia e marca eleições antecipadas.
Quase um mês depois, a 27 de Maio o Futebol Clube do Porto, sagrou-se Campeão Europeu de Futebol, em Viena. Uma grande alegria para o Manuel, cuja vida nos últimos tempos, não tinha razões para alegrias. 
No dia 1 de Junho desse mesmo ano, o Creoula era oficialmente entregue ao Ministério de Defesa Nacional, mediante despacho, adquirindo o estatuto  de Unidade Auxiliar da Marinha. O antigo porão,fora redimensionado,  dando origem à zona que se estende da casa das máquinas, à coberta de praças, foram instalados camarotes e câmara dos sargentos, a enfermaria foi alargada, criou-se um refeitório, ampliaram-se as instalações sanitárias, mudara-se o lastro da embarcação.
Recebia a classificação de "navio de treino de mar", que ainda mantém, iniciando assim uma nova etapa da sua história pessoal de navegação à vela. 
Em Julho as eleições legislativas dão um vitória estrondosa ao PSD que viria a formar governo em Agosto, com maioria absoluta e Cavaco Silva como primeiro ministro.
Em Outubro, a Gravelina, dá os primeiros passos. Apoiada na terapeuta, vai do quarto à sala. A terapeuta manda comprar uma bengala com base em tripé a fim de que apoiando-se nela possa recomeçar a andar. O filho vai comprar a bengala, e nos próximos dias a terapeuta, dedica-se a que a Gravelina, aprenda a controlar o esforço sobre a bengala e ganhe confiança. 
A casa onde viviam, abria directa para uma sala quadrada, onde existiam seis portas, dando cada uma para uma divisão da casa, a saber, de um lado, a cozinha, dois quartos de dormir,  e uma casa de banho.  Na outra parede em frente, a sala de estar e a casa de jantar.  O quarto onde o casal dormia, era o que ficava ao lado da casa de banho. A Gravelina aprendeu a seguir "colada" à parede, do quarto à sala, de modo que o braço direito, que levava a bengala, (o esquerdo continuava morto) fosse sempre encostado à parede. Na volta para o quarto ia pela parede do outro lado para que sentisse igualmente o braço junto à parede. Assim ela sentia-se mais confiante. De outro modo o medo era maior que ela e não dava um passo. 
A 8 de  Dezembro, quando em Portugal se comemora o dia da Padroeira, os E.U. e a U:R:S:S. assinam em Washington, o primeiro tratado de desarmamento da história, eliminando os misseis de alcance intermédio estacionados na Europa, os famosos SS20 e os Pershing II
E antes do ano acabar, a terapeuta que tinha acompanhado a Gravelina, dá por findos os seus tratamentos ao domicílio, devendo a doente a partir daí dirigir-se à clínica para continuar os tratamentos. 
Acabara de fazer 3 anos que os médicos a tinham mandado para casa, para morrer junto dos seus, pois a sua vida estava por horas.

20.6.16

MANEL DA LENHA - PARTE XC


                                                 A Selecção da Argentina em 1986


No final desse mês de Fevereiro de 1986, o mundo seria surpreendido com o assassinato de Olof Palme, primeiro ministro seco, um homem conhecido pela sua forte oposição ao Apartheid e Guerra do Vietname.
A casa do Manuel continua a ser visitada todos os dias por uma esforçada terapeuta alemã, que jura há-de pôr a Gravelina a andar, se ela deixar de dizer, "não sou capaz". A filha e o filho que residem perto, vão vê-la todos os dias, ajudam no que é preciso, a outra filha vem todos os fins de semana. Todos se preocupam e tentam não só ajudar o pai, como fazer com que a mãe, reaja. Ela rebate-os com o que o médico lhe disse que tem parte do cérebro morto, não é capaz. Por seu lado a terapeuta, responde-lhe que o ser humano só utiliza 10% do cérebro, e que se ela tiver força de vontade, há-de activar outra zona que compense aquela, dá-lhe exemplos de pessoas que com grande determinação fazem uma vida quase normal em piores condições que ela. Adianta alguma coisa? Não.
A 20 de Abril Manuel faz 68 anos, e faz uma festa de aniversário onde junta filhos e netos, bem como os cunhados mais novos e famílias. Uma casa cheia de gente, que o ama, o respeita e lhe dá força moral para a vida que tem em casa, com a mulher inválida.
Seis dias depois, um novo acontecimento abalou o mundo. O desastre na Central Nuclear de Tchernobyl. O desastre que ficaria na história como o acidente nuclear de Chernobil, foi o pior da história nuclear, não só pelas mortes que causou, mas principalmente pelas que causará ao longo dos anos, pois a explosão causou uma nuvem radioactiva que se espalhou não só pela União Soviética, como pela Europa Ocidental, e deu maior evidência aos  protestos dos activistas contra a politica de centrais nucleares.
No final de Maio inicia-se no México, o Mundial de Futebol. Manuel era um apaixonado pelo futebol, e nesta fase da sua vida, em que quase não saía de casa, o campeonato mundial, era a hipótese de ver bons jogos, ver grandes jogadores estrangeiros, que apenas conhecia dos jornais desportivos.  Depois era a primeira vez que Portugal se apurava para esta competição depois do  memorável mundial de 66.
A Colômbia foi o pais escolhido para o Mundial, mas devido aos problemas económicos do país, o seu presidente, não quis ou não pôde aceitar as exigências da FIFA. E comunicou que o seu país abria mão do torneio. Depois de uma consulta aos E.U. Canadá,  México, Brasil e Perú, a escolha recaiu no México, que tendo realizado um mundial 16 anos antes, tinha já todas as condições para o novo Mundial.
O Mundial do México em 86, ficou-nos na memória, por duas razões. Uma, que nos diz directamente respeito, " o caso Saltilho".
O caso Saltilho, foi a rebelião dos nossos atletas contra as condições precárias a que a nossa federação os sujeitou, começando logo na longa viagem, a que foram obrigados com escala na Alemanha e nos E.U. em vez de terem seguido directo para o México.
Depois , a má escolha do hotel, o campo de treinos, situado numa encosta, em que os jogadores treinavam numa espécie de carrossel, ora para cima, ora para baixo, a nula autoridade do vice-presidente  da federação, e a ausência do presidente que preferiu ficar hospedado na cidade do México em vez de ficar com a selecção em Saltilho, o mau ambiente familiar, com os familiares a darem conta de que por cá se dizia que eles estavam mais interessados em aventuras amorosas do que nos jogos, tudo contribuiu para a rebelião dos atletas.
E a Argentina, sagrou-se campeã mundial. Na memória de todos, ficou, não só a excelente forma e exibição de Maradona, mas especialmente o famoso golo "com a mão de Deus"  



18.6.16

PORQUE HOJE É SÁBADO...

Porque hoje é sábado, e principalmente porque faz 6 anos que José Saramago nos deixou, aqui vos deixo a minha homenagem ao autor que é o nosso único Nobel em Literatura.
Um dos muitos poemas que escreveu, e que se encontram dispersos por três volumes.

"Os Poemas Possíveis"  "Provavelmente Alegria" e " O ano de 1993"

Não me Peçam Razões...

Não me peçam razões, que não as tenho, 
Ou darei quantas queiram: bem sabemos 
Que razões são palavras, todas nascem 
Da mansa hipocrisia que aprendemos. 

Não me peçam razões por que se entenda 
A força de maré que me enche o peito, 
Este estar mal no mundo e nesta lei: 
Não fiz a lei e o mundo não aceito. 

Não me peçam razões, ou que as desculpe, 
Deste modo de amar e destruir: 
Quando a noite é de mais é que amanhece 
A cor de primavera que há-de vir. 

José Saramago, in "Os Poemas Possíveis"

16.6.16

MANEL DA LENHA - PARTE LXXXIX


                                            Um dos cartazes eleitorais de 1986

Desta vez a recidiva foi mais leve, a Gravelina não chegou a ficar em coma. É medicada, e fica em observação durante 72 horas, findas as quais lhe dão alta. Segundo os médicos terá sido mais a aflição e a emoção do que via na TV, do desastre, que a fez piorar e não propriamente uma recidiva do AVC. É-lhe mudado o anticoagulante e corrigida a medicação e é dada à filha a recomendação de que ela não deve ver certos programas, que a emocionem, ou a enervem. 
Dado o carácter forte dela, e a sua teimosia, será difícil evitá-lo, mas a família tem que tentar.
Em Outubro há eleições que o PSD ganha com maioria relativa, dando origem ao X governo constitucional, liderado por Cavaco Silva, que toma posse a 6 de Novembro. E nas autárquicas de Dezembro, o PSD reforça a sua liderança do país, agora também a nível local, nas autárquicas.
No Natal, o Manuel juntou na sua ceia, não só filhos e netos, como  a cunhada. Nesta altura a Gravelina, já consegue controlar o corpo e manter-se sentada. Também já consegue comer pela sua própria mão, mas não vai à mesa. Não controla ainda o maxilar, por vezes deixa cair a comida na roupa e tem vergonha de comer junto da família. Não há quem a demova. Ela come na sala, num carrinho mesa que o filho lhe fez, para ela comer mais confortável sentada na cama ou no sofá. Para lhe fazer companhia, o marido decide comer com ela na sala.
Dias depois, no início de 86, Portugal e Espanha entram para a Comunidade Europeia. 
Quase no final do mês houve eleições Presidenciais, que pela primeira vez na história recente da democracia, obrigaram a uma segunda  volta. Excluídos Salgado Zenha, e Maria de Lurdes Pintassilgo, o embate final é entre Mário Soares e Freitas do Amaral. 
A segunda volta, será marcada para 16 de Fevereiro,  e Freitas do Amaral leva uma grande vantagem sobre Mário Soares que nas sondagens não ultrapassa os 8% das intenções de voto.  Porém durante a campanha, Mário Soares é agredido na Marinha Grande, e isso criou uma tal indignação ao país que mudou o rumo da história.
Em casa do Manuel, a mulher começa a controlar a urina e pode assim largar as fraldas. Porém ela ainda não consegue andar, é na cadeira de rodas que vai para a sala, ou para a casa de banho, e não o consegue fazer sozinha. A filha compra um bacio alto, mas ela não tem estabilidade para o usar e o mais certo será cair.  Engenhoso como sempre foi, Manuel pega numa cadeira de madeira antiga, pesada e estável, arranca-lhe o assento, colocando-lhe no lugar, uma tampa de de assento sanitário, ficando a parte de baixo, tipo caixa, onde encaixou o bacio. Com esta cadeira ao lado da cama, a Gravelina podia largar as fraldas, o que era muito bom não só para a pele, como para o orçamento da casa, já que as fraldas representavam um gasto considerável. 
Para que ela não corresse o risco de cair, o filho fez uma barra de ferro que colocou ao pé da cama, a fim de que com o braço direito ela compensasse nesse apoio a força e o movimento que não tinha na perna esquerda.

15.6.16

MANUEL DA LENHA - PARTE LXXXVIII

                              Alcafache. Carruagem em chamas após o embate. Foto do Google

Depois foi a vez de fazer um outro aparelho para movimentar as pernas. A técnica disse-lhe que haviam esses aparelhos à venda, nas casas de produtos ortopédicos. Ele foi para comprar, mas como eram mais  caros, do que ele podia gastar, e a reforma da mulher mal chegava para a medicação, veio para casa e construiu um aparelho parecido com o que tinha visto à venda, só que de madeira.  com uns velhos pedais de bicicleta,  e no pedal esquerdo colocou umas correias que prendiam com fivela,  como se fora uma sandália, de modo a que o pé paralisado da mulher, se segurasse.
A 11 de Setembro, desse ano acontece em Portugal o maior desastre ferroviário de sempre. O desastre ocorreu em  Alcafache,  Mangualde, entre um comboio de serviço internacional que saíra do Porto com destino à França, maioritariamente composto por emigrantes, que terminadas as férias regressavam à França, e um outro comboio regional que se dirigia a Coimbra. Alcafache, era um apeadeiro, entre Nelas e Mangualde, zona onde havia apenas uma linha. O serviço regional, chegou à estação de Mangualde, e em vez de aguardar aí pelo serviço internacional seguiu viagem. O comboio internacional estava com um ligeiro atraso. Talvez que o maquinista tivesse pensado que o atraso era maior e lhe daria tempo de chegar a Nelas onde aguardaria pela passagem do internacional. A verdade nunca se saberá.  O certo é que os dois comboios chocaram,  e de seguida incendiaram-se. Apesar do pronto socorro, pensa-se que terão morrido no acidente, cerca de 150 pessoas, embora as circunstâncias do mesmo, e a falta de controlo sobre o número de passageiros em ambos os serviços, impeçam uma contagem exacta do número de vitimas mortais. Os números oficiais, dizem que morreram no acidente 49 pessoas, das quais apenas se conseguiram identificar 14. Mais 64 foram oficialmente dados por desaparecidos. Na casa do Manuel, como em tantas outras no país, seguia-se a tragédia pela TV. Ele tinha acabado de dar a comida à mulher e preparava-se para jantar, quando ela se começou a sentir mal. A empregada já tinha saído, e aflito telefonou à filha, que lhe disse para chamar a ambulância, a fim de não perderem tempo, que ela ia já para lá. Como morava a poucos metros de distância, em menos de cinco minutos a filha estava junto da mãe, e não lhe foi difícil verificar que ela estava com nova recidiva do anterior AVC. Era a segunda vez que acontecia, e ela sabia que sempre que acontecia a recuperação da mãe, tinha que voltar ao inicio.


14.6.16

MANEL DA LENHA - PARTE LXXXVII



Em Fevereiro de 85, a médica de família da Gravelina, depois de uma visita lá a casa, manda que ela faça fisioterapia. Consegue-se uma terapeuta para ir ao domicilio, e sob os seus tratamentos a Gravelina melhora tanto que surge a esperança de que consiga recuperar.
A filha vai todos os dias fazer a higiene da mãe, o marido prepara e dá-lhe o pequeno almoço. Mais tarde, a empregada, toma conta do resto. Ela cuida da doente, 
prepara as refeições, dá-lhe a medicação e faz alguns trabalhos domésticos, só o essencial, já que existe outra pessoa que vai duas vezes por semana para as limpezas.
Se a vida em casa do Manuel está de "pantanas," o país não está melhor. 
Nesse mês, de Fevereiro,  Mota Pinto demite-se do governo e da presidência do PSD.
Também nesse mês surge uma novidade, em termos de jogo. A Santa Casa da Misericórdia lança o Totoloto. O Manuel nunca foi muito de jogos, mas a novidade e o facto da mulher estar tão mal, e as despesas serem tantas, faz com que arrisque de vez em quando uma, ou no máximo duas apostas. Mas estava escrito que não enriqueceria com o jogo.
No final de Abril, a Gravelina tem uma recidiva. Regressa ao hospital, onde permanece mais dez dias. As melhoras que apresentara até aí desapareceram. Por esses dias morre inesperadamente em Coimbra Mota Pinto. O antigo PM, com apenas 48 anos, tinha regressado à Universidade, e à sua vida de professor. 
Nesse mês de Maio, no XII congresso do PSD , contrapondo a candidatura de João Salgueiro, aparece uma figura que todos os portugueses conhecem bem. Cavaco Silva.
Diria mais tarde que apenas tinha ido à Figueira, para fazer a rodagem do carro, mas o certo é que se opôs intransigentemente à candidatura de João Salgueiro, e recebeu o apoio de Marcelo Rebelo de Sousa, José Miguel Júdice, Pedro Santana Lopes, e Durão Barroso. E claro com tal apoio não lhe foi difícil vencer o seu opositor. Portugal teria vivido melhor sem Cavaco Silva? Não sabemos. Mas pior é quase impossível.
Cavaco apoia Diogo Freitas do Amaral à Presidência da República, e no dia seguinte, a antiga PM, Maria de Lurdes Pintassilgo, anuncia a sua candidatura ao mesmo cargo.
Simultaneamente é publicado em Lisboa e Pequim, o compromisso sobre o futuro de Macau.
Manuel, não tem filiação partidária. Mas gosta de ouvir todos os debates, e tira as suas próprias conclusões.Não gosta de Cavaco Silva. E quando este rompe a coligação governamental, por Soares não aceitar os pacotes laboral e agrícola, por ele apresentados, a sua aversão torna-se maior.
Enquanto Portugal assinava solenemente no Mosteiro dos Jerónimos o Tratado de Adesão de Portugal à CEE, Manuel em casa andava às voltas com uma espécie de aparelhos que a terapeuta da mulher lhe disse que fariam falta para a sua recuperação. Assim, na ombreira da porta do quarto, ele colocou uma roldana por onde passou uma corda, colocando no punho da ponta esquerda da corda, umas correias. Deste modo, todos os dias se colocava a Gravelina sentada numa cadeira, por baixo da roldana, prendia-se-lhe a mão esquerda com as correias à ponta da corda, ( recordemos que ela estava paralisada do lado esquerdo) e com a mão direita ela subia e descia a corda, obrigando o braço esquerdo a movimentar-se.


13.6.16

LISBOA A CIDADE ENCANTADA



Porque hoje é o dia dela, porque efectivamente é linda, e porque tenho amigos que nunca vieram a Portugal, eis aqui um pouquinho da grande cidade que é Lisboa.  Espero que gostem do passeio. Bom feriado para quem o tem, bom trabalho para quem não o tem.

12.6.16

UM DIA FANTÁSTICO.




Hoje não há poesia, não há contos. Mas há uma história verdadeira. Como muitos de vós sabeis, publiquei no início do ano um livro, imprimido em Espanha, com o empenho de um professor da Universidade de Valência, o Joaquin Duarte, e da sua turma de Cultura Portuguesa, que fizeram a tradução para castelhano.
Ora bem o Joaquin tem estado em Lisboa. Veio com a esposa e alguns dos seus alunos numa visita de estudo a Lisboa, Évora, Sintra e Mafra. Então, ontem bem cedo, fui ter com eles ao hotel e passámos o dia juntos. Nunca os tinha visto, mas fui recebida com imenso carinho, e fui tratada como uma amiga de longa data. Subimos o elevador de Santa Justa, visitámos o Convento do Carmo, passeámos pelo Chiado, Camões, S. Bento, passámos pela Assembleia da República, fomos à Casa Museu da Amália, Santos, e Museu da Arte Antiga. Pelo meio tivemos um agradabilíssimo almoço, e acabei por me despedir deles à porta do museu a fim de apanhar o 714 que me levou até à baixa, para apanhar o barco para o Barreiro, enquanto eles se dirigiam à Estrela para o termino das suas visitas desse dia.
Cheguei ao fim do dia, cansada, mas feliz.
Foi um dia fantástico.

10.6.16

10 DE JUNHO - DIA DE PORTUGAL




Porque acredito que um dia, Portugal há-de ser o país de todos os portugueses, o pai que a todos acolhe e protege. Porque como dizia o grande Alexandre Dumas, Portugal pode ser um pequeno país, mas tem um grande povo.
Para todos os que por aqui passarem, um excelente dia.

9.6.16

MANEL DA LENHA - PARTE LXXXVI



                                                    Creche - Foto do Google




Aquele Natal, foi o mais triste que aquela família algum dia viveu.
Os filhos do Manuel, bem como a cunhada,  revezavam-se nos cuidados com a doente. Mesmo a filha que vivia em Lisboa e trabalhava de segunda à Sexta, ia todos os fins de semana, para a casa paterna. 
A filha mais velha, que como sabemos tomava conta de crianças, vira-se obrigada a pedir ao pais das mesmas, para arranjarem outra ama, pois os pais precisavam dela e não podia continuar a cuidar das crianças, com a atenção que eles precisavam.
Agora o casal estava com outro problema. O filho, quando fora lá para casa, já encontrou os outros meninos que a mãe cuidava. Cresceu com eles, e um dia perguntou à mãe, porque é que os manos não dormiam lá em casa. A mãe lá lhe explicou que os outros meninos, não eram seus filhos, ela só cuidava deles para que os pais deles pudessem trabalhar, mas o menino não deve ter entendido o que a mãe lhe explicara.
Depois que os outros meninos deixaram de aparecer,  o menino começou a ter pesadelos. Acordava de noite a chorar, e quando os pais o iam acalmar, o menino agarrava-se ao pescoço da mãe, pedindo que não o mandasse embora, como fizera com os outros meninos. E por mais que os pais lhe dissessem, que os outros só tinham ido para junto dos pais deles, e que sendo ele seu filho, os pais nunca o abandonariam, a criança parecia não entender.
Os pais viram-se obrigados a recorrer à ajuda especializada de um psicólogo.
Entretanto as horas, ou no máximo alguns dias que o médico no hospital dera de vida à Gravelina foram-se alargando. Sob os cuidados da filha, e do marido, aos poucos ela ia recuperando forças. Mas a filha reconhecia que não conseguia dar ao filho a atenção que ele precisava, e assim procurou uma creche, pensando que a convivência com outras crianças seria melhor para ele. Mas contrariamente ao que esperava, isso agravou mais os pesadelos da criança.
Incapaz de cuidar da mãe e do filho com o tempo e atenção que ambos precisavam, tanto mais que a tia tinha regressado à sua casa, e o Manuel, por muito boa vontade que tivesse, não conseguia cuidar da esposa, reuniram-se os irmãos para decidirem como fazer. O irmão, decidiu que ele contrataria e pagaria a uma pessoa para cuidar da mãe. Apesar das irmãs se mostrarem dispostas a ajudar, ele disse que a despesa seria dele, já que era o único que não tinha família a seu cargo, pois continuava solteiro.  



Desejo a todos um bom fim de semana. E esta história volta Segunda.

8.6.16

MANEL DA LENHA - PARTE LXXXV




Actual Unidade de cuidados intensivos, era no final de 1984, o hospital da Misericórdia do Barreiro, onde a Gravelina esteve internada. O actual centro hospitalar Barreiro- Montijo, seria inaugurado no ano seguinte com o nome de Hospital Nossa Senhor do Rosário do Barreiro 



A filha foi buscar o aparelho e perguntou enquanto lho ajustava:
-Sente-se mal?
-Penso que estou a ter uma trombose, - respondeu ela.
A filha mediu-lhe a tensão arterial, 132-81 Normalíssima. Perguntou:
- Dói-lhe a cabeça, está com tonturas? 
-Não. 
A filha segurou-lhe as mãos, e pediu:
- Aperte as minhas mãos.
Ela apertou. A filha não sentiu nada de anormal, mas ela insistia que lhe estava a dar uma trombose. Voltou a medir-lhe a tensão que se mantinha normal. Pensou que talvez a mãe tivesse tido algum sonho e acordasse impressionada. 
-O Paizinho?
- Foi lá para o quintal, - respondeu a tia
- Não noto nada de anormal. A tia ajude-a a deitar-se. Não a quero fora da cama, o médico disse que ela tinha que estar deitada. Vou ao Barreiro comprar a mobília para o quarto do Pedro. Assim que chegar, volto cá. Ela tomou a medicação?
-Tomou. Tudo certinho, fui eu que lha dei. 
A filha deu um beijo na mãe e saiu. Arrepender-se-ia amargamente mais tarde. Mas como acreditar que uma pessoa vai ter um AVC, só porque ela o diz, quando ao mesmo tempo, não se nota nada de estranho e a pessoa em questão aparentemente está normal?
Quando duas horas mais tarde a filha regressou, encontrou à sua porta um vizinho da mãe que lhe disse para lá ir com urgência. A mãe tinha sofrido uma trombose, ele já fora ao quintal, chamar o Manuel, já telefonara para a ambulância que deveria estar a chegar, mas a mãe chamava pela filha.
Ela correu para casa da mãe, que nesse momento estava a ser metida na ambulância. 
Ainda consciente, a mãe disse-lhe:
-Ainda bem que vieste, filha. Eu não te disse que estava a ter uma trombose?
A filha acompanhou a mãe ao hospital. No trajecto a mãe acabou por ficar inconsciente. 
Observada, foi logo para os cuidados intensivos. A filha recebeu as roupas, e regressou a casa da mãe, onde encontrou o pai em pranto. O Manuel não se conformava. Dias e dias, chorou a companheira, não comia, dizia que se ela se fosse, ele iria com ela. Que sem ela a vida não tinha sentido, nem merecia o nome de vida. 
A Gravelina esteve um pouco mais de um mês em coma. Foram dias muito duros para todos. O Manuel continuava a não reagir. Só com muito esforço comia alguma coisa. Não ouvia rádio, não acendia a TV. Todos ficaram com a certeza que se a mulher partisse, ele segui-la-ia em breve.
Quando recuperou a consciência, a Gravelina parecia uma boneca desengonçada. Todo o lado esquerdo estava paralisado, a boca torta, não falava, o corpo sem força. Chorava o tempo inteiro, sem que a família soubesse se o fazia por ter dores, ou por se ver reduzida aquele estado.
Dois dias antes do Natal, o médico deu-lhe alta. 
À filha, que falou com ele, o médico disse que não acreditava que ela tivesse muito tempo de vida, mas dado que eles já não podiam fazer mais nada por ela, seria melhor que passasse os últimos dias rodeada pelo carinho da família.
Segundo os médicos, o que provocara o AVC à Gravelina, fora a sua teimosia em andar de pé. A explicação médica, foi de que tendo ela muitas varizes, e tendo a perna engessada, ela teria que ter repouso absoluto, deitada e com a perna ligeiramente mais alta a fim de que nunca inchasse e o gesso não comprimisse demasiado as varizes. Ao andar de pé, a pressão sobre s varizes foi tanta que um pequeno trombo se soltou e foi até ao cérebro, onde entrou numa pequena veia que obstruiu, fazendo com que a parte do cérebro irrigado por ela, morresse, deixando-a para sempre deficiente.






Se a Gravelina fosse viva, faria hoje 90 anos.


7.6.16

MANEL DA LENHA - PARTE LXXXIV


                  Navio-Motor "Neptuno" largando de Lisboa para uma nova campanha
                                                     foto Luís Miguel Correia





Como já se disse, a Seca da Azinheira tinha agora apenas um navio, o Neptuno que desde 1980, transformado em navio congelador, deixara de pescar nos mares do norte, mas para lá se dirigia, para carregar bacalhau já pescado. 
A Seca era naquele ano de 1984, uma sombra do que já fora. E era o primeiro ano que o Manuel lá não trabalhava depois de mais de meio século, naquele trabalho. Agora o trabalho já é feito apenas com o pessoal da seca e das povoações vizinhas. Já não vem pessoal do norte, as grandes maltas, com as suas camaratas e os enormes fogões a lenha estão fechadas, o próprio armazém da lenha está encerrado. Lá dentro, a sua bancada " a serra circular"  os machados, as marretas, o carro de mão e o espaço vazio, são testemunhos  mudos do duro trabalho ali realizado durante décadas. 
Manuel conseguiu com o gerente autorização para continuar a cultivar o seu quintal, enquanto tivesse forças para isso, e nele entretém a sua ociosidade, fazendo o que sempre fez. Cavando, semeando regando e colhendo, embora agora tenha reduzido o espaço outrora cultivado.
A ele não lhe preocupa nada que a D. Branca tenha sido presa nesse mês de Outubro.
Dinheiro de sobra para investir, ou pôr a render, foi coisa que nunca teve. Com ordenados pequenos e as sucessivas maleitas da esposa, não havia grandes sobras.
Novembro ia quase a meio, quando a Gravelina partiu uma perna. Levada para o hospital, foi-lhe colocado gesso, tendo-lhe o médico dito que não lhe era posto calcanhar na bota de gesso, porque ela teria que ficar na cama, o tempo todo da cicatrização, não podendo andar de pé. Sem mais explicações. A ela aquilo fez-lhe muita confusão, pois estava farta de ver gente a andar, com uma perna engessada, e considerava que uma perna partida, não era doença para ficar acamada. 
A irmã mais nova, a viver em Lisboa, logo que teve conhecimento do que aconteceu, apareceu lá em casa com uma mala, e a disposição de ficar a tratar dela e da casa até à sua recuperação, pois sabia que a filha mais velha da Gravelina, com 4 crianças em casa, todas pequenas, não podia tratar da mãe. E ela era sozinha, o filho já estava casado, não vivia com ela, e depois lembrava-se bem de que a irmã, praticamente fora uma segunda mãe, quando ela viera da terra, ainda criança.
Ainda assim, não conseguia manter a irmã na cama, como recomendação médica. Ela insistia, que a cama lhe fazia dores nas costas, e que uma perna partida não era doença.
Essa teimosia iria afectar a vida de toda a família, naquele fatídico sábado dia 17 de Novembro.
Pouco passava das dez, quando a filha mais velha do Manuel que se aprestava para sair, (tinham decidido comprar uma mobília nova para o quarto do menino), recebeu uma chamada da tia, pedindo-lhe que fosse lá a casa com urgência.
Lá chegada, encontrou a mãe sentada na cozinha e ralhou lembrando-lhe  a recomendação médica. 
Ela porém disse-lhe:
-Deixa-te de sermões e vê lá como está a minha tensão.  

6.6.16

MANEL DA LENHA - PARTE LXXXIII



Nesse ano o país está a braços com uma grave crise financeira. Diz-se que há mais de cem mil trabalhadores com salários em atraso. 
A filha mais velha do Manuel, para ajudar a economia doméstica, tomava conta de bebés desde há três anos. Uma menina e um menino, que iam crescendo com o agora seu filho. Cuidar de crianças era algo de que gostava, ajudava na economia, e acreditava que era também melhor para o seu bebé, crescer com outras crianças.
Em Junho desse ano, alguns acontecimentos agitaram o país. A prisão de Otelo Saraiva de Carvalho, que o povo se habituara a ver como um herói, e foi-o sem dúvida na revolução de Abril, mas que posteriormente se envolveu num movimento denominado FP25, que  comete várias atrocidades, entre elas o rebentamento de uma bomba em Évora que mata uma idosa e um bebé. É também em Junho que se dá o rebentamento do escândalo D. Branca.
"A banqueira do povo", D. Branca, ou melhor, Maria Branca dos Santos, era uma mulher que oferecia juros  bem mais altos que na banca o que levou a que milhares de portugueses, recorrerem a ela para depositar as suas poupanças. De tal modo que impossibilitada de tratar de tudo sozinha se foi rodeando de colaboradores, que a foram roubando, e um esquema que já de si, não tinha "pernas para andar" muito tempo, acabou rebentando num enorme escândalo financeiro, a que o cunhado mais novo do Manuel escapou, porque três meses antes tinha levantado as suas poupanças, que anteriormente lá aplicara para comprar a casa onde morava, já que o senhorio lhe tinha feito essa proposta.
Nesse mesmo mês, com os jogos olímpicos a decorrerem em Los Angeles, e o Europeu de Futebol a disputar-se em França, Portugal foi impedido de chegar à final com um golo de Platini, nos instantes finais dum prolongamento, a que Portugal obrigara a França, com um empate as dois golos, ficando-se assim pelo terceiro lugar.
E na véspera de S. Pedro, nos Jogos Olímpicos, Carlos Lopes ganha a medalha de ouro na maratona de Los Angeles, e Rosa Mota consegue a medalha de bronze
Um mês de referência para o desporto nacional que no mês anterior tinha visto desaparecer a maior das suas referências em ciclismo. Joaquim Agostinho.
Já aqui foi dito que Manuel era um apaixonado por futebol, pelo "seu" Porto e por Portugal. Mas não só. De uma forma geral, ele não perdia um espectáculo desportivo que fosse transmitido na TV. Daí que esse foi um mês de grandes alegrias para ele. E no mês seguinte passa a ser mais um reformado. Tem 67 anos, e parte com a mulher, para as Termas de S. Pedro do Sul, onde ela vai fazer tratamentos.

5.6.16

INTERVALO PARA QUEM SOFRE DE...

                                                  

                                             INSÓNIA

A noite vai alta.

No céu, sem nuvens, as estrelas observam curiosas. Num prédio igual a tantos outros, alguém abre lentamente uma janela. Angustiada a figura masculina,  interpõe-se por momentos, entre a luz da rua, e as sombras do quarto. Perpassam-lhe pela memória os acontecimentos daquele sábado. Como se estivesse no cinema, assiste ao filme da sua vida. Na verdade, ela, a Vida nunca fora fácil para ele. Tudo o que era e o que tinha arrancara dela à força.
O tempo passa, o filme chega ao fim. O sono não veio. Um carro passou rápido, quebrando por momentos o silêncio quase religioso em que a noite mergulhara. Abanando a cabeça, como quem sacode pensamentos dolorosos, o homem deu meia volta e afastou-se da janela. Um raio de luar, veio qual amante atrevido, pousar no corpo da mulher, que nua, na cama, dorme docemente...
Como atraído por um íman, o homem  olha-a. E sobressalta-se. Como se só naquele momento desse pela presença feminina. Ou talvez quem sabe, vê-la assim, nua, banhada pelos raios lunares, qual deusa adormecida, tivesse despertado o Amor, que as preocupações diárias, tinha sepultado no seu subconsciente. A paixão incendiou-lhe o peito, o desejo adormeceu-lhe as preocupações.
Naquele momento deixou de existir o mundo lá fora. Nada além daquele quarto, daquela mulher, e do amor que sentia por ela lhe importava. Ansioso, caminhou para a cama. As suas mãos, frenéticas perderam-se naquele corpo tão conhecido, reinventando carícias, ansiando perder-se nele.
A mulher acordou. Soltou um gemido, e enlaçou o corpo masculino. Não sabia que horas eram, mas que importava isso? O momento era aquele. E deixou-se submergir no mar de paixão, que a envolvia.
Pela janela, a lua enlaçou os dois amantes, como protegendo aquele Amor.



4.6.16

PORQUE HOJE É SÁBADO...




Rotina



Hoje
à mesma hora de sempre, acordei;
estendi o braço
olhei o relógio
e levantei-me.

Hoje
à mesma hora de sempre, fui ás compras,
percorri os mesmos sítios, vi as mesmas pessoas
repeti as mesmas palavras, os mesmos gestos
é à mesma hora de sempre estava de volta.

Hoje
à mesma hora de sempre, almocei,
vi o mesmo programa de TV,
enquanto metia a loiça na máquina,
e pensava nas mesmas coisas de sempre.

Hoje
à mesma hora de sempre chegaste
trocámos o inevitável beijo
e dissemos um ao outro as mesmas frases,
e depois... como sempre ficámos calados.

Hoje
à mesma hora de sempre, jantámos
e depois como sempre saíste
e eu fiquei à tua espera frente à Televisão,
mais confusa do que a Laura da novela

Hoje
à mesma hora de sempre, fizemos amor
ou executámos apenas um velho hábito?