Seguidores

Mostrar mensagens com a etiqueta escândalo. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta escândalo. Mostrar todas as mensagens

10.8.20

CILADAS DA VIDA - PARTE XVII


Tentando aparentar uma calma que não tinha, João voltou para o seu lugar e sentou-se.
- Muito bem, Teresa. Suponho que não tenha inconveniente em que nos tratemos pelo nome. Vamos resolver o assunto com calma entre os dois, pelo menos durante a gravidez, de modo algum, quero ser o motivo, de um possível aborto. Deseja tomar alguma coisa?
- Uma água por favor.
Ele carregou no intercomunicador e disse:
- Olga, por favor, traz-me um café. E um copo de água para a dona Teresa!
Enquanto aguardavam pelas bebidas, ficaram em silêncio, observando-se mutuamente. Era como se cada um estudasse o outro, na tentativa de descobrir se eram ou não confiáveis.
Pouco depois, Olga entrou trazendo um tabuleiro com as bebidas que poisou sobre a secretária.
- Mais alguma coisa? – perguntou Olga ao poisar sobre a secretária o tabuleiro com as bebidas.
-Localiza o Afonso e diz-lhe que abandone a missão, e regresse à empresa.
-Sem nenhuma explicação? – perguntou.
-Mais tarde, falo com ele.
Quando a porta se fechou atrás da assistente, João  disse:
- Como deve calcular, quando o Centro Clínico entrou em contato comigo, fiquei revoltado, aquela era a minha única hipótese de ser pai, de ter um herdeiro, que desse sentido ao trabalho, de toda uma vida, de sentir o que é ter nos braços um pequeno ser, a quem amar, proteger e educar. Quero esse filho. Pelo que me disse há pouco, você deseja-o de igual modo, pelo que não vou correr o risco de a ofender, oferecendo-lhe dinheiro para que mo entregue quando nascer. De modo que temos um problema para resolver. O que pensa fazer?
- Como bem disse, é um problema que temos de resolver, mas de momento a única coisa que quero é paz. Quase mal acabei de saber, que o filho que tanto desejara, estava a caminho; e sem ter sequer tempo para festejar, dizem-me que houve um erro, que o pai dessa criança está disposto a tudo para ma tirar, que por causa disso posso ver-me envolvida numa longa batalha judicial, que a imprensa vai levar meses a alimentar-se do escândalo, vai esmiuçar a minha vida até ao meu nascimento, quiçá para além disso. Não preciso do seu dinheiro, tenho mais do que suficiente para criar e educar sem esforço, um ou dois filhos, porém podia precisar muito, trabalhar sem descanso, dia e noite até à exaustão, que não aceitaria nunca dinheiro, para ceder os meus direitos de mãe.
Fez uma ligeira pausa, como que tentando reorganizar os seus pensamentos, enquanto o empresário a olhava admirado com a paixão que ela punha nas palavras, e mentalmente se interrogava, se ela usaria a mesma paixão na intimidade da sua cama. Passou a mão pela testa, tentando afastar tão inoportunos pensamentos, enquanto Teresa alheia aos seus pensamentos, continuava:
- Não sei se sabe, mas a maior parte dos abortos espontâneos acontecem nos primeiros três meses de gravidez, razão porque nós, mulheres, não gostamos de falar do nosso estado, antes de decorrido esse tempo. Compreendo o seu desespero, e em consciência sei que não lhe posso negar o direito de ver, e conviver com a criança, tal como os casais que se separam não o podem fazer. Seria uma crueldade, e eu não sou cruel.


17.7.20

CILADAS DA VIDA - PARTE VII





Quinze minutos mais tarde, Olga introduzia o advogado no gabinete e preparava-se para fechar a porta quando João disse:
- Entra e fecha a porta. Quero que oiças o que vou dizer ao Afonso.
- Queres que tome nota …
-Não, senta-te, - disse estendendo a mão ao advogado.
- Boa tarde. Como foi no tribunal?
- Como esperávamos. Condenado.
- Bom, não foi por isso que te chamei. Estás comigo praticamente há quase quinze anos, embora no começo, eu fosse apenas mais um cliente e trabalhasses por conta própria. Já vais perceber, - disse ao ver o advogado arquear uma sobrancelha.  
-Até chegarmos aqui, passamos por muita coisa, de que não vou falar porque decerto recordam bem. E recordarão com certeza, quando há onze anos me foi diagnosticado um cancro no testículo.
Os primeiros tratamentos não resultaram e o médico avisou-me que teria de partir para  outro muito mais agressivo. Disse-me que só não o tinha começado de início, porque  mais de 80% dos homens que o faziam ficavam estéreis. Ele tinha a certeza que com aquele tratamento, me curaria, todavia eu tinha que saber da sua agressividade, e que havia um alto risco de me tornar estéril, pelo que me aconselhou a procurar um centro de recolha e doação de esperma, e fazer uma colheita, para meu uso exclusivo no futuro. Deves recordar-te disso, Afonso, já que te pedi que elaborasses os documentos, que determinavam que aquela recolha não podia ser utilizada nem em doações, nem em experiências laboratoriais e que se destinava ao meu uso exclusivo. Esperava utilizá-lo quando me casasse. Bom, esta tarde, telefonaram-me do Centro Clínico onde reservei a colheita,  informando-me que houve um erro de registo, e que por lapso a minha recolha, foi considerada doação, e já utilizada. Como devem calcular fiquei furioso, tentei que me informassem do nome da recetora, mas afirmam que elas estão protegidas pelo segredo que a lei impõe e nada mais me podiam dizer.
- E tens absoluta necessidade dessa reserva para seres pai? Os testes que fizeste pós tratamento não te disseram que a tua fertilidade não foi afetada?  - perguntou Olga.
- Quando fiz os testes no fim do tratamento, o médico informou-me que não tinha ficado estéril, mas que a mobilidade dos espermatozoides tinha diminuído muito, o que podia tornar muito difícil uma gravidez. Entretanto passaram onze anos,  e, embora repita com frequência, exames de controle, por causa do cancro, testes de fertilidade não voltei a fazer e não sei se agora haverá alguma hipótese de fertilidade. Mas ainda que assim seja, não quero acordar todos os dias, a pensar que algures há um filho meu, que poderá estar em dificuldades e eu sem o poder ajudar.
-E o que vais fazer? – perguntou o advogado. - Podes processá-los, um erro desses é gravíssimo. Ganharás a causa, terás direito a uma indemnização e o centro será multado.
Mas isso não te dá de volta o teu material genético. Além disso será um escândalo, a imprensa vai esmiuçar o caso até à saciedade, a tua vida particular andará na praça pública. Não creio que isso seja bom para ti.
- Eu sei. E espero não ter de chegar a esse ponto, mas se necessário não hesitarei. Quero que vás até lá, e consigas informar-te de tudo, sobre essa mulher. Ameaça-os de uma ida para o tribunal, diz-lhes que estou disposto a lutar até conseguir fechar-lhes as portas, enfim tu és o advogado, sabes melhor que eu o que terás de fazer. Quero um documento escrito da informação que me deram por telefone. Delega no Paulo os assuntos que tenhas em mãos, e durante o tempo que estiveres a tratar deste assunto, qualquer coisa que precises, pede à Olga. Não quero que a tua assistente tenha conhecimento do caso. Pelo menos até ver se conseguimos resolver isto a bem, deve ficar entre nós os três.
- Sabes que existe uma lei que protege o anonimato de dadores e recetores ?
-Sei. Mas será que essa lei se aplica, quando o dador não o é? Estuda o caso, usa os métodos que achares convenientes, mas consegue o nome dessa mulher.
- E se o não conseguir? - perguntou o advogado
-Então partiremos para a denúncia, e para os tribunais e vou fazer tudo para lhes retirar a licença de exercício, e os obrigar a fechar as portas. Porém tenho esperança de que não chegaremos a isso. Há sempre alguma alma caridosa que a troco de uma boa maquia, se esquece dos seus princípios...
- E dá com a língua nos dentes como dizia a minha mãe, - completou Olga.

1.3.18

CARLOTA - FINAL








O problema é que António queria casar, e Carlota não o podia fazer, pois já era casada.
 E em Portugal naquela época, não havia divórcio. Porém quando um homem e uma mulher se amam de verdade, não há obstáculo, intransponível.
Depois de algumas saídas, em que ambos falaram das suas vidas, das más experiências, da dor porque cada um passou, e dos sonhos que ainda queriam viver, Carlota, pensou, que devia aproveitar a oportunidade que a vida lhe dava, e ser feliz. E decidiu ir viver com António. Foi um escândalo, pois naquela época dizia-se que viver amancebado, não era para os animais, não para os cristãos. Além das discussões com a irmã e o cunhado, choveram cartas do resto da família, dizendo a Carlota para ter juízo, era um escândalo, e um pecado. Afinal ela era casada, e tinha jurado fidelidade ao marido. Ela não se importou. Tinha-lhe sido fiel, durante anos, sem nem sequer saber por onde ele andava, e apesar de todo o sofrimento que ele lhe infligira, durante o pouco tempo de vida em comum. Pela primeira vez na vida estava apaixonada. Sentia que todo o seu corpo vibrava, quando António a beijava, sentia desejo das suas carícias, queria sentir-se amada. Embora aparentasse pouco mais de trinta, ela ia fazer em breve quarenta anos. Sabia o que sentia, e o que queria. E o que ela queria era ser feliz. Preocupava-se com a opinião do filho, e por isso apressara-se a mandar-lhe uma carta, dando conhecimento das suas intenções e pedindo a sua aprovação. Na volta, o filho escrevera, "seu coração seu mestre, minha mãe. Faça o que ele lhe ditar". E foi o que ela fez. Arrendaram uma casa nos Olivais e juntaram os trapinhos no início de Abril do ano da graça de mil novecentos e setenta e quatro.
Apesar dos seus sentimentos, e do desejo que a invadia, cada vez que António a beijava, Carlota temia a intimidade da primeira noite, não só pela violação que sofrera, mas também por que a vida amorosa com o marido, fora sempre uma penosa obrigação. Sabendo o que ela sofrera anteriormente, e homem experiente, António, pôs em prática todo o seu conhecimento do que deve ser uma noite de amor, fazendo com que Carlota, fosse relaxando, substituindo o medo, pelo desejo, até acordar a mulher adormecida que havia dentro dela, e fazer com que se entregasse por completo.
Nunca, nem nos seus sonhos mais loucos, ela pensara que se podia sentir e viver a intimidade daquela maneira.
Dias depois,o calendário assinalava o vinte e cinco de Abril, o país acordava com a revolução,  que mudaria o destino do povo português.
E com ela, não foi só o medo que se perdeu, nem a guerra que acabou. Com a revolução vieram novas ideias, as mentalidades como que se abriram. O povo começou a achar normal, situações, que até aí foram censuradas. A mulher ganhou uma nova dignidade, deixou de ser considerada uma propriedade do marido.
Carlota era agora uma mulher feliz. Deixara de trabalhar. António, gostava que ela se dedicasse apenas à casa, ele tinha um pé-de-meia, amealhado nos anos de emigração, alugara uma oficina e trabalhava por conta própria. Era um bom mecânico, não lhe faltava trabalho.
Entretanto Carlota soubera que havia campanhas de alfabetização, e resolveu aprender a ler. O filho voltou da Guiné, conheceu o companheiro da mãe, que o tratou com cordialidade, e lhe disse que haveria sempre  naquela casa,  um quarto e um lugar na mesa para ele. Mais, se quisesse aprender o ofício, haveria lugar para ele na oficina. João agradeceu, dizendo que tencionava seguir a carreira militar, e despediu-se pensando que a mãe tivera muita sorte em encontrar um homem bom como António.
Depois, novos políticos, novas leis, o divórcio chegou a Portugal, e Carlota pode enfim pôr um ponto final no seu casamento, e casar com António, embora só no registo. Mas no íntimo ela estava em paz, Acreditava que se Deus pusera o marido no seu caminho, queria que ela fosse feliz. E ela era-o. O resto não lhe interessava.



Fim


Elvira Carvalho



Nota: Amanhã vou sair. Num passeio de estudo que mostrarei como sempre no blogue de imagens. Por isso o final do conto entra hoje. Espero que gostem. 



6.6.16

MANEL DA LENHA - PARTE LXXXIII



Nesse ano o país está a braços com uma grave crise financeira. Diz-se que há mais de cem mil trabalhadores com salários em atraso. 
A filha mais velha do Manuel, para ajudar a economia doméstica, tomava conta de bebés desde há três anos. Uma menina e um menino, que iam crescendo com o agora seu filho. Cuidar de crianças era algo de que gostava, ajudava na economia, e acreditava que era também melhor para o seu bebé, crescer com outras crianças.
Em Junho desse ano, alguns acontecimentos agitaram o país. A prisão de Otelo Saraiva de Carvalho, que o povo se habituara a ver como um herói, e foi-o sem dúvida na revolução de Abril, mas que posteriormente se envolveu num movimento denominado FP25, que  comete várias atrocidades, entre elas o rebentamento de uma bomba em Évora que mata uma idosa e um bebé. É também em Junho que se dá o rebentamento do escândalo D. Branca.
"A banqueira do povo", D. Branca, ou melhor, Maria Branca dos Santos, era uma mulher que oferecia juros  bem mais altos que na banca o que levou a que milhares de portugueses, recorrerem a ela para depositar as suas poupanças. De tal modo que impossibilitada de tratar de tudo sozinha se foi rodeando de colaboradores, que a foram roubando, e um esquema que já de si, não tinha "pernas para andar" muito tempo, acabou rebentando num enorme escândalo financeiro, a que o cunhado mais novo do Manuel escapou, porque três meses antes tinha levantado as suas poupanças, que anteriormente lá aplicara para comprar a casa onde morava, já que o senhorio lhe tinha feito essa proposta.
Nesse mesmo mês, com os jogos olímpicos a decorrerem em Los Angeles, e o Europeu de Futebol a disputar-se em França, Portugal foi impedido de chegar à final com um golo de Platini, nos instantes finais dum prolongamento, a que Portugal obrigara a França, com um empate as dois golos, ficando-se assim pelo terceiro lugar.
E na véspera de S. Pedro, nos Jogos Olímpicos, Carlos Lopes ganha a medalha de ouro na maratona de Los Angeles, e Rosa Mota consegue a medalha de bronze
Um mês de referência para o desporto nacional que no mês anterior tinha visto desaparecer a maior das suas referências em ciclismo. Joaquim Agostinho.
Já aqui foi dito que Manuel era um apaixonado por futebol, pelo "seu" Porto e por Portugal. Mas não só. De uma forma geral, ele não perdia um espectáculo desportivo que fosse transmitido na TV. Daí que esse foi um mês de grandes alegrias para ele. E no mês seguinte passa a ser mais um reformado. Tem 67 anos, e parte com a mulher, para as Termas de S. Pedro do Sul, onde ela vai fazer tratamentos.