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14.9.20

CILADAS DA VIDA - PARTE XXXII


Mais tarde, Teresa recordaria aquela primeira saída com o empresário como um dia especial. O almoço decorrera em harmonia, como se efetivamente fossem velhos amigos. João falou do seu trabalho, dentro da firma que ele mesmo criara, do jogo que lançara na véspera, de como se sentia feliz e divertido enquanto criador de jogos, que iriam divertir muita gente em todo o mundo.

Teresa disse que era mais ou menos a mesma sensação que ela sentia, quando conseguiam um novo creme ou uma nova massa.

- És pasteleira? Foi o que cursaste?

- Não. Cheguei ao último ano de Economia.  Fui até há pouco tempo a gerente. Tenho um pasteleiro, um homem fantástico, que me ensinou muitos dos segredos de pastelaria e com quem gosto de experimentar novas criações. Mário é um homem incrível, sem ele não teria conseguido o sucesso que consegui. Foi ele que ao levar-me até ao seio da sua família, evitou a minha solidão, quando a minha tia-avó Julieta morreu.

João, remexeu-se na cadeira. Quem raio era aquele Mário, de quem ela falava com tanto entusiasmo. Sentiu-se incomodado. Ele não podia estar com ciúmes do pasteleiro, ou podia? Alheia aos pensamentos do empresário, Teresa continuou:

-Fui até há pouco tempo a gerente. Agora estou afastada. Contratei a filha do Mário como gerente. É minha amiga, tenho plena confiança nela, e sei que o pai a ajudará nalgum problema que possa surgir como me ajudou a mim, tantas vezes. Há cinco anos que trabalho de segunda a sábado mais de doze horas por dia. Resolvi fazer uma pausa durante um ano ou dois. Graças a Deus o negócio vai muito bem, posso dar-me a esse luxo.

Tinham acabado a refeição, e Teresa sentia-se feliz porque não se sentira enjoada, nem com vómitos como ao pequeno almoço.

O empregado retirou o serviço deixando a carta das sobremesas e eles escolheram “Ananás dos Açores confitado”

Depois do café que apenas João tomou, ele pediu e  pagou a conta. Saíram do restaurante e caminharam lado a lado, em direção ao Mercedes que os esperava no parque. Apesar do empresário não lhe ter tocado, Teresa estava por demais consciente do homem que seguia a seu lado. Já no automóvel, ele disse:

-Gostava de te mostrar a minha empresa. É sábado, não haverá ninguém lá senão o porteiro e os seguranças. Queres ir, ou sentes-te muito cansada?

-Estou um pouco cansada sim, mas o pior é o sono. Estou tão sonolenta que sou capaz de me deixar dormir no carro.

- Se assim é, faz a vontade ao corpo. Eu vou devagar, e quando chegarmos já estarás mais desperta.

Pôs o carro a trabalhar e fez a manobra para seguir em direção a Sintra. A volta era maior, mas se ela adormecesse dava-lhe um pouco mais de tempo para descansar. Sentia-se bem junto dela, não queria ir já levá-la a casa. Era a primeira vez que se sentia tão bem junto de uma mulher que não era sua amante.  Bom, também se sentia bem quando saía com Olga. Mas Olga não contava. Era como uma irmã mais velha. Naquele momento ouviu uma respiração diferente e olhou a sua companheira. Teresa tinha adormecido.

Tinha no rosto uma expressão suave, nada semelhante à tensão que demonstrava na ida para o almoço. Parece que a sua estratégia para ganhar a confiança dela, estava a resultar.


18.7.18

O DIREITO À VERDADE - XXXV





De volta a Lisboa, Helena começou a procurar trabalho. Naquele tempo que estivera fora, gastara a maior parte das suas economias.
Certo que a generosidade, do tio, fazia com que tivesse como se bastar durante um tempo, já que não tinha que pagar a habitação, mas era urgente que arranjasse outra fonte de economia. Ela bem sabia que o dinheiro é como papel caído em dia de vendaval. Voa rápido. Enviou vários currículos, em resposta a anúncios que figuravam na Internet, inscreveu-se no centro de emprego da sua zona, colocou um anúncio no placar do supermercado. Sabia que é sempre difícil o primeiro emprego. Todos os empregadores pedem alguém com experiência. E isso é coisa, que quem quer entrar no mercado de trabalho pela primeira vez, não tem. Ainda assim não desanimou. Sabia alguma coisa de costura, que a mãe lhe tinha ensinado. Não muito, Mas subir bainhas ou fazer um aperto sabia, e também mudar um fecho. Às vezes, quando a mãe tinha mais trabalho ajudava-a. Fez saber às vizinhas que aceitaria trabalhos do género, quando precisassem. Sabia que o boca-a-boca entre vizinhos é o maior meio de espalhar uma notícia.
Assim cinco dias depois, recebeu os dois primeiros pares de calças para subir bainhas. Atrás desses trabalhos viriam outros, tinha a certeza. Entretanto a ansiedade pelo resultado do exame, ia crescendo dia a dia.  Desde que chegara a casa, Jorge telefonara-lhe várias vezes. Primeiro para saber se tinha chegado bem, depois zangado por ter recebido o cheque do hotel, e depois  simplesmente para saber como estava, se precisava de alguma coisa, enfim preocupações de pai. Em todas as chamadas ela lhe perguntava como estava a saúde da esposa e notava que nesse aspeto ele estava cada dia mais otimista. Na véspera contara-lhe que tinham começado as vindimas, falara-lhe do processo, do vinho que produziam, através da Vinícola da qual eram sócios. E daquele que eles fabricavam no seu lagar como produtores independentes, um vinho de reserva que maturava três anos em barris de carvalho antes de ser engarrafado. Ela não entendia nada de vinhos, habitualmente nem bebia, mas o entusiasmo de Jorge quase a contagiou. Demais, ao contar-lhe aquelas coisas, ele estava a fazê-la participar da sua vida, e isso emocionava-a.
O tio Alberto, também não se esquecia dela. Ou passava lá por casa e durante uma hora conversavam de tudo e de nada, ou lhe telefonava para saber como estava, e se precisava de alguma coisa. Naquela manhã, quando regressou do cemitério, onde visitara as campas da mãe e do primo, abriu a caixa do correio e entre folhetos publicitários, estava uma carta da Segurança Social. Pensou nalguma convocatória para entrevista de trabalho, mas dentro do envelope, havia um cheque. Tratava-se do subsídio de funeral, que o agente funerário lhe dissera que havia de receber e que com tudo o que acontecera na sua vida, após a morte da mãe, acabara esquecendo.
Foi uma boa surpresa, mas apesar disso, ela ficou triste. Já tinham passado  dez dias, depois de ter feito o teste de paternidade, e esperava ansiosa pela carta do laboratório, que não chegava.



6.6.16

MANEL DA LENHA - PARTE LXXXIII



Nesse ano o país está a braços com uma grave crise financeira. Diz-se que há mais de cem mil trabalhadores com salários em atraso. 
A filha mais velha do Manuel, para ajudar a economia doméstica, tomava conta de bebés desde há três anos. Uma menina e um menino, que iam crescendo com o agora seu filho. Cuidar de crianças era algo de que gostava, ajudava na economia, e acreditava que era também melhor para o seu bebé, crescer com outras crianças.
Em Junho desse ano, alguns acontecimentos agitaram o país. A prisão de Otelo Saraiva de Carvalho, que o povo se habituara a ver como um herói, e foi-o sem dúvida na revolução de Abril, mas que posteriormente se envolveu num movimento denominado FP25, que  comete várias atrocidades, entre elas o rebentamento de uma bomba em Évora que mata uma idosa e um bebé. É também em Junho que se dá o rebentamento do escândalo D. Branca.
"A banqueira do povo", D. Branca, ou melhor, Maria Branca dos Santos, era uma mulher que oferecia juros  bem mais altos que na banca o que levou a que milhares de portugueses, recorrerem a ela para depositar as suas poupanças. De tal modo que impossibilitada de tratar de tudo sozinha se foi rodeando de colaboradores, que a foram roubando, e um esquema que já de si, não tinha "pernas para andar" muito tempo, acabou rebentando num enorme escândalo financeiro, a que o cunhado mais novo do Manuel escapou, porque três meses antes tinha levantado as suas poupanças, que anteriormente lá aplicara para comprar a casa onde morava, já que o senhorio lhe tinha feito essa proposta.
Nesse mesmo mês, com os jogos olímpicos a decorrerem em Los Angeles, e o Europeu de Futebol a disputar-se em França, Portugal foi impedido de chegar à final com um golo de Platini, nos instantes finais dum prolongamento, a que Portugal obrigara a França, com um empate as dois golos, ficando-se assim pelo terceiro lugar.
E na véspera de S. Pedro, nos Jogos Olímpicos, Carlos Lopes ganha a medalha de ouro na maratona de Los Angeles, e Rosa Mota consegue a medalha de bronze
Um mês de referência para o desporto nacional que no mês anterior tinha visto desaparecer a maior das suas referências em ciclismo. Joaquim Agostinho.
Já aqui foi dito que Manuel era um apaixonado por futebol, pelo "seu" Porto e por Portugal. Mas não só. De uma forma geral, ele não perdia um espectáculo desportivo que fosse transmitido na TV. Daí que esse foi um mês de grandes alegrias para ele. E no mês seguinte passa a ser mais um reformado. Tem 67 anos, e parte com a mulher, para as Termas de S. Pedro do Sul, onde ela vai fazer tratamentos.