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31.7.20

CILADAS DA VIDA - PARTE XIII




-E em mim, tens confiança? – perguntou Inês.
- Que pergunta é essa? Sabes que confio em ti como em mim mesma. Estás interessada no lugar? Não querias ter um segundo filho em breve?
- Decidimos que só tentaremos uma nova gravidez dentro de dois anos. E estou farta de estar em casa. Podia por o Martim na creche e ocupar o lugar. Daqui por dois anos, o teu bebé, estará com mais de um ano e poderás voltar a assumir a gerência.
- Por mim encantada, mas o Gustavo estará de acordo?
- Tenho a certeza que sim. Já tinha comentado com ele sobre a hipótese meter o Martim na creche e procurar uma agência de trabalho. Não se trata de necessidade, monetária.  Nem sequer estou a pensar numa carreira laboral pelo menos, até ter um segundo filho com uns dois anos. Mas estou há três anos em casa. Como uma máquina sempre a repetir as mesmas tarefas, sem ver nem falar com ninguém a não ser o marido e filho. Um leva grande parte do dia a dormir, o outro está todo o dia fora.
- Então se os dois estão de acordo, o lugar é teu podes começar quando quiseres. Penso que precisarás de algum tempo para procurar uma creche, mas eu preciso que ocupes o lugar o mais breve possível.
-Não te preocupes, já fiz essa pesquisa, e até já fiz a inscrição. Vai começar no princípio do mês, faltam dez dias, mas até lá posso deixá-lo com a minha mãe. Ela vai adorar. Posso começar amanhã mesmo, se tu puderes ir lá amanhã, para me pores a par de tudo.
- Sendo assim, tenho esse problema resolvido. Amanhã faremos o contrato.
Nesse momento, o choro de Martim invadiu a sala através do intercomunicador e Inês pôs-se em pé e dirigiu-se ao quarto do filho seguida pela amiga. No resto da manhã entretida com o bebé, quase que Teresa esqueceu, o grave problema que a afligia. Se Gustavo se admirou de a ver em sua casa quando chegou para almoçar, depois do desejo que a amiga manifestara no dia anterior para voltar à pastelaria, não o manifestou. Cumprimentou-a, beijou a esposa, que acabara de dar a papa ao filho e fez uma festa ao menino, que reagiu mostrando um sorriso de apenas quatro dentes.
- Deixa-o comigo. Eu adormeço-o, - disse Teresa tirando o bebé dos braços da mãe e dirigindo-se com ele para o quarto. Pretendia com isso dar tempo à amiga para contar ao marido, não só que se passava com ela, mas também a sua proposta de emprego.
Cansado das brincadeiras anteriores ao almoço, Martim não levou muito tempo a adormecer. A jovem saiu do quarto fechando a porta com cuidado, e dirigiu-se à cozinha, onde encontrou os amigos à sua espera para darem início ao almoço.
-A Inês já me contou o que se passa contigo, vamos almoçar e no fim analisaremos o caso. Entretanto também me disse que a contrataste como gerente da pastelaria. Tens a certeza que é uma boa ideia?
- Bom, eu não sei como vai ser a minha gravidez. Pode ser calma e não me dar muitos problemas, mas se for semelhante à dela, vão haver muitos dias em que mal me vou aguentar de pé. Por outro lado, com todo este problema, não sei se teria cabeça para tratar de negócios. Sei que a Inês não tem experiência, mal deixou a Universidade, começou a tratar do casamento, e engravidou poucos meses depois, mas é inteligente, de confiança e está lá o pai. Quando fiquei com o negócio eu sabia tanto do assunto como uma criança. Foi o Mário quem me ensinou, e tem sido o meu braço direito ao longo destes anos. Ele ajudará a filha.  A não ser, que não estejas de acordo, não quero de modo algum, criar problemas na vossa relação.
- Bom, é verdade que já tínhamos inscrito o Martim numa creche e que ela pretendia trabalhar uns dois anos antes de termos outro filho. É a sua vontade e eu nunca me oporia aos seus desejos, se isso a faz feliz. A felicidade dela é a minha felicidade.



30.7.20

INFORMANDO OS LEITORES



Amigos, como leram postei hoje como pensamento do dia um texto encontrado na Internet como sendo de Fernando Pessoa.
Acontece que fui induzida em erro e acabei envolvendo-vos nesse erro. 
O texto não foi escrito pelo Fernando Pessoa. Trata-se de um texto Apócrifo como me informou o amigo Jorge P. Guedes.

Eis a sua informação


"Trata-se de um texto apócrifo, Pessoa nunca escreveu isto, nem nenhum dos seus heterónimos. Tal com aquele poema das pedras no caminho, que lhe é atribuído. Há vários apócrifos de Pessoa na net. Isto que lhe é atribuído faz parte de um texto que foi colado a um poema seu e que deixo aqui. TÍTULO : Como é por dentro outra pessoa
Como é por dentro outra pessoa
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Com que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.
Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição de qualquer semelhança
No fundo.
1934
Poesias Inéditas (1930-1935). Fernando Pessoa. (Nota prévia de Jorge Nemésio.) Lisboa: Ática, 1955 (imp. 1990). - 159."

Mais, o Jorge fez o favor de dar o endereço de dois sites, um dos arquivos de Pessoa e o outro de denúncia de falsos textos do autor.


"Amiga, o que lhe aconteceu não é culpa sua. Há inúmeros textos apócrifos que, despudoradamente, são inseridos na net e que levam muitas pessoas ao engano. Para consultar os textos pessoanos use este site: https://arquivopessoa.net/
Há, igualmente, uma página no Facebook bastante fiável onde são apresentados os mais diversos textos atribuídos a Pessoa de que nem ele nem nenhum dos seus heterónimos são autores. Deixei numa mensagem ao autor da página mais este exemplo de texto apócrifo que, inadvertidamente, usou. O endereço é:


Posto isto peço-vos desculpa.  Continuo  a pensar que o pensamento tem uma mensagem que merece ser lida e entendida, mas não sei que é o seu autor/a

PENSAMENTO DO DIA



Feliz Quinta Feira

29.7.20

CILADAS DA VIDA - PARTE XII





- O empresário João Teixeira!
- O Ronaldo da informática? Meu Deus, Teresa! E agora? O que vais fazer?
- Não sei. Desde logo pedir conselho ao teu marido, saber que tipo de proteção posso esperar da justiça. Depois por certo entrar em contacto com o homem. Não vou ficar à espera de ver o que faz. Não consigo viver com esta espada pendendo sobre a minha cabeça.
- Mas não pode tirar-te a criança. Se ela tem o seu material genético, também tem o teu. Foi o teu óvulo que foi fecundado e é no teu útero que se está a desenvolver. É tão filho dele como teu. Mesmo um juiz terá isso em conta.
-Não sei, se é assim tão simples. Estou aterrorizada. Imagina que o homem ficou estéril após a tal doença? Não vai querer ficar sem a única hipótese de ser pai. Qualquer juiz vai ter isso em conta. E provavelmente atribuir-lhe a guarda do bebé! Afinal eles não decidem isso quando um casal com filhos se divorcia? Eles não entregam a criança à guarda daquele que tem mais hipótese de dar uma melhor vida à criança? Imagina no meu caso.
-Mas tu tens uma excelente situação financeira, podes dar uma boa vida a duas ou três crianças.
-Uma gota de água comparada com a dele, segundo me disseram. E depois um juiz pode sempre alegar que eu posso ter outros filhos enquanto a ele lhe roubaram a única hipótese de ser pai. Não sei que faça, este filho foi tão desejado que não quero sequer pensar na hipótese de perdê-lo, mas não podemos parti-lo ao meio como na sentença de Salomão.
- Mas um juiz também pode decidir que fiquem com a guarda partilhada da criança.
- Já pensei nisso. Iria ter que conviver com uma pessoa, que até agora nunca vi, que não sei como vai influenciar a educação do bebé, nem se a criança mais tarde, quando tiver discernimento, para compreender a história do seu nascimento, não vai optar por ficar com o pai. Não é de modo algum a vida que sonhei para nós dois, mas dadas as circunstâncias poderá ser a melhor decisão.  
- Não podes angustiar-te assim. Pensa no bebé! Uma grávida precisa estar calma. Se por causa da tua ansiedade abortares, não resolves o problema e vais ficar toda a viva a culpares-te por isso. Vou fazer-te um chá de valeriana, a ver se te acalmas.
Levantou-se e Teresa fez o mesmo seguindo-a para a cozinha.   
- Queres que telefone ao Gustavo e pergunte se te pode receber? – perguntou Inês enquanto punha a água ao lume para o chá. - Mas porque não ficas para almoçar connosco e falas com ele, depois do almoço? Estás demasiado nervosa agora, para conduzir. E depois o Martim está quase a acordar, vai ficar muito feliz se vir a madrinha.
- Eu fico. Preciso saber o que a lei diz nestes casos, para tomar uma decisão. Vou telefonar ao teu pai e pedir-lhe se ele pode continuar à frente da pastelaria. Com toda esta confusão não sei, quando poderei voltar a assumir a gerência. Achas que o teu pai estaria interessado em deixar o forno e assumir o lugar? É claro que teria de contratar outro pasteleiro, mas preferia isso do que contratar um gerente. Tenho total confiança no teu pai e era menos uma preocupação.


28.7.20

PENSAMENTO DO DIA



Faça o que for necessário para ser feliz.
Mas não se esqueça de que a felicidade é um sentimento simples, você pode encontrá-la e deixá-la ir
embora, por não perceber sua simplicidade.


Martha Medeiros

27.7.20

CILADAS DA VIDA - PARTE XI




Teresa saiu do médico com as pernas a tremer e sentindo-se agoniada.
Não que o resultado dos exames fosse diferente do que esperava. Estava realmente grávida e estava tudo bem com ela, e salvo qualquer imprevisto, que pode sempre surgir durante uma gravidez, tudo iria correr bem, não fora o facto de ter sido informada, que o pessoal do Centro Clínico de Procriação Medicamente Assistida, tinha cometido um erro grave, e ela estar a conceber um filho, cujo pai não era dador. Para piorar a situação, o homem tinha feito a recolha para seu uso exclusivo no futuro, e ao ter sido informado do engano, queria saber quem era a recetora, nem que fosse através dos tribunais, e uma vez aí, nunca se sabia o que podia acontecer.
E agora? O que ia fazer? Podia fingir que não sabia de nada, mas segundo o médico, o homem era poderoso, e estava disposto a tudo. A direção do Centro, receava que o escândalo de semelhante erro, os levasse à descredibilização total e por consequência à falência e ao encerramento. Apesar de lhe garantirem que não iam revelar a sua identidade, ela não acreditou. Quando vissem que o homem não cedia e iria mesmo para os tribunais, iriam entrar em acordo e denunciá-la-iam para se salvarem. E o que aconteceria depois, com ela e o bebé?
Quando se sentiu mais calma, pegou no telemóvel e marcou um número.
-Inês, estás em casa? – perguntou assim que a amiga atendeu.
- Estou. Estás bem? O que aconteceu? – perguntou Inês que estranhou a voz da sua interlocutora.
- Não dá para falar pelo telefone. Posso ir agora aí?
- Claro, mulher. Isso nem se pergunta.
- Até já.
Desligou, pôs o carro a trabalhar e um quarto de hora depois tocava a campainha da casa da amiga. Esta abriu a porta e assustou-se. A Teresa que tinha na sua frente, pálida e de olhos vermelhos pelo choro, em nada se parecia com a aquela, que nas vésperas estivera em sua casa, radiante de felicidade. Pensou imediatamente que o exame médico afinal provara que a amiga não estava grávida. Já tinha ouvido falar de mulheres que desejavam tanto um filho, que acabavam tendo sintomas de gravidez sem que estivessem grávidas.  Mas Teresa não manifestara qualquer sintoma que ela soubesse. E fizera dois testes que deram resultado positivo. Poderiam os testes dar um resultado errado? O melhor era não se por a adivinhar e saber o que se passava na realidade.
- O Martin está a dormir? – perguntou Teresa, depois de cumprimentar a amiga.
- Está. Mas entra, vamos para a sala e conta-me o que te aflige. Talvez te possa ajudar.
Teresa encaminhou-se para a sala, e a dona da casa seguiu-a depois de fechar a porta. Já sentadas, a jovem disse:
- Como sabes tinha consulta marcada para hoje no Centro de PMA, com  o médico, que efetuou o processo. Assim que cheguei e antes de entrar no consultório foi-me feito um exame ao sangue, que penso seja o normal nestes casos. Esperei um pouco pela entrada no consultório, o médico fez-me algumas perguntas entre as quais se eu já tinha feito o teste de gravidez e depois a assistente preparou-me e ele foi examinar-me. Confirmou a gravidez, e voltou para a secretária e enquanto eu me vestia, ouvi-o falar ao telefone. Mal eu voltei para a cadeira a porta abriu-se e entrou outro homem que me foi apresentado como sendo o diretor do Centro Clínico.
-Sim, mas até agora não vi razão para teres ficado assim. Não podes abreviar?
- O diretor disse-me que tinha havido um erro grave, falou uma série de coisas a que nem prestei atenção, tão nervosa fiquei, só entendi que eu ia gerar um filho de alguém, que não tinha feito doação, mas sim reserva para o futuro, por se encontrar doente, e ir ficar estéril. Entendes?
-Sim, mas o que tens a ver com isso, o erro não foi teu.
- E achas que isso interessa ao homem? Não. Ele quer saber tudo sobre mim. O seu advogado já ameaçou o Centro de que se não souber quem está a gerar o seu bebé, vai para os tribunais a imprensa etc. Em resumo pode criar um tal escândalo que poderá não só fechar o centro por falta de credibilidade, como tornar a minha vida num inferno. E o pior é que os médicos dizem que o homem é tão poderoso que não terá qualquer problema em fazê-lo.
-Mas quem é esse homem?

26.7.20

HUMOR AOS DOMINGOS E PARABÉNS AOS AVÓS.




Um menino acaricia a enorme barriga da mãe grávida e pergunta:
-Porque tens a barriga tão grande?
-Porque tenho aqui um bebé que o teu pai me deu. 
O menino assustado corre para junto do pai.
- Papá, papá, não dês mais bebés à mamã, que ela come-os!


                                                             *************

Um dia um professor reparou que cada vez que ele dava matéria nova, uma miúda cuspia na mão e batia com ela na testa. O professor incomodado perguntou:
-Porque fazes isso?
E a miúda responde prontamente:
-É que uma vez ia a passar pelo quarto da minha irmã,  e ouvi ela dizer para o namorado. "Cospe na cabeça. que entra melhor." 



                                                            ***************

Um homem encontra um amigo na rua e depois dos cumprimentos habituais pergunta:
-Também sabias que a minha mulher me era infiel?
-Juro-te que não, pá - responde o amigo.
O homem suspira fundo e diz:
-Que alívio! E eu a pensar que tinha sido o último a saber...



                                                            *************

E porque hoje é o dia dos avós, desejo-vos um dia muito feliz se possível com os vossos netos. Nós vamos passar o dia a casa do filho com as nossas princesas.  Um pouco diferente do habitual já que durante a semana são elas que passam o dia connosco enquanto os pais trabalham, e habitualmente ao fim de semana, ficamos sozinhos.
E aqui estão as minhas Princesas




E com um comentário de Aluap, chegámos aos 48.000 Obrigado a todos vós que por aqui passam e vão comentando. Bem-Hajam

24.7.20

CILADAS DA VIDA - PARTE X



Teresa chegou a casa pouco passava das três, da tarde. Poisou a pequena mala em cima da cama e levantou a persiana, passando depois às outras divisões e fez o mesmo, exceto na sala onde naquele momento o sol incidia com toda a sua luz e calor. Voltou ao quarto, esvaziou a mala e guardou-a em cima do roupeiro. Depois pegou na roupa suja, levou-a para a cozinha, meteu-a na máquina, adicionou o detergente, escolheu o programa e ligou-a. Passou a mão pela testa transpirada e suspirou. Precisava com urgência de um duche, estava demasiado calor.
Pensou que o melhor era tomar banho e depois descansar um pouco sobre a cama. Quem sabe fazer uma pequena sesta. Com a ansiedade, quase não dormira na noite anterior e depois o calor e a viagem tinham acabado com a sua resistência. Mais tarde, iria ao supermercado e como era domingo, dia de encerramento da pastelaria, talvez desse um salto a casa de Inês, para matar saudades de Martim, o pequeno filho da amiga, seu afilhado.
Pousou o telemóvel na mesa de cabeceira e foi para a casa de banho onde tomou um duche refrescante. Enquanto se dedicava a secar os longos cabelos, pensou que talvez fosse uma boa ideia procurar um salão de cabeleireiro e dar-lhe um bom corte. Afinal de contas, para quê manter um cabelo que lhe chegava à cintura se na pastelaria andava sempre com ele preso dentro da touca, e em casa o prendia numa trança ou num coque no alto da cabeça? Com essa ideia na cabeça foi até ao quarto e entendeu-se sobre a colcha.
Pouco depois, o cansaço, o calor, ou as duas coisas, venceram-na e adormeceu.
Acordou duas horas mais tarde. Vestiu-se foi à dispensa buscar um saco para as compras, retirou da porta do frigorífico a lista de faltas, pegou na carteira e nas chaves e saiu.
No supermercado, perdeu quase uma hora na secção de bebé, vendo e tocando nas roupinhas, sem no entanto, se atrever a comprar nada, pois tinha bem presente aquilo que na aldeia se dizia. “Dá azar começar a fazer compras antes dos três meses de gravidez”. Mas não resistiu a comprar uma moto de plástico azul para o afilhado. O menino tinha treze meses começara a andar há um mês, talvez já se equilibrasse na moto. Se não os pais guardavam-na por mais uns meses.
Contente, com a imaginada alegria do menino, pôs a caixa com  o brinquedo, no carrinho das compras e suspirando foi enfim comprar as coisas que segundo a lista lhe faziam falta.
Mais tarde, em casa de Inês, e depois de ter colocado o afilhado em cima da moto, segurando-o, pois, os pezitos ainda não chegavam aos pedais, e na tentativa de lhe chegar, o bebé não se equilibrava, Gustavo pegou no filho ao colo e disse:
- Vou mudar a fralda do Martim. Enquanto isso porque não ofereces um café à Teresa?
Mal virou costas, Inês pegou no braço da amiga e “arrastou-a” para a cozinha.
- Então como te sentes?
- Bem. Se não fossem os resultados dos testes diria que estou na mesma.
-E quando vais ao médico?
-Tenho consulta marcada para amanhã. Provavelmente vai fazer-me outros exames.
- Tens noção que a tua vida vai mudar muito, não tens? Não vais poder levantar-te às quatro da manhã, para estares na pastelaria às cinco.
-Tenho intenção de continuar a fazê-lo pelo menos enquanto a barriga não se torne demasiado pesada. Gravidez não é doença.
- Diz isso ao teu organismo, quando os enjoos te deixarem de rastos, ou quando o sono não te deixe abrir os olhos.
- Não pode ser tão mau assim! Ou ninguém engravidaria.
- Pois, eu também pensava como tu.  Mais, julgava que as pessoas diziam isso para nos assustar. Mas passei por isso tudo. Os enjoos, o sono, os pés inchados, as dores nos rins, o cansaço. E mais dezasseis horas de contracções, até ao momento em que o Martim nasceu.
- Caramba Inês, não há dúvida que sabes como animar uma pessoa.


22.7.20

CILADAS DA VIDA - PARTE IX






Afastou a cadeira e pôs-se de pé. Era um homem alto, de corpo atlético. Moreno, e o cabelo que usava com um curto muito curto, era escuro, já grisalho nas têmporas, apesar de ainda faltarem três meses, para fazer trinta e cinco anos; os olhos cinzentos, um tanto oblíquos, que davam ao seu rosto um ligeiro ar oriental, contrastavam fortemente com o rosto moreno e o cabelo escuro. Testa alta, nariz retilíneo, queixo quadrado e boca grande de lábios cheios, que raramente se abriam num sorriso. Os quase um metro e noventa, de altura, os ombros largos, a cintura estreita, as pernas longas e poderosas, davam-lhe uma imagem  de força que intimidava os seus opositores.
Desde muito novo teve que aprender a sobreviver sozinho.  Ainda não tinha três meses, quando a mãe fugiu de casa, com um artista de um circo que acampara num local próximo. Fora deixado para trás como algo sem préstimo, e isso desde muito cedo o marcou. O pai era um homem calado, de carater seco, de quem nunca ouviu uma palavra carinhosa. Às vezes ele pensava que o pai o culpava pela traição da mãe.
Era verdade que nunca lhe faltara com a parte material, que qualquer criança precisa para crescer. Roupa, comida, assistência médica, livros, uma bicicleta, bolas, computador etc. Tudo ele teve. Tudo menos o essencial, o afeto necessário para um crescimento sem traumas. João acreditava que o pai não gostava dele, e depois que ouviu várias vezes a frase “és igualzinho à tua mãe” pensou que o pai o odiava porque ele lhe lembrava a traição da mulher que amara. Teria uns treze anos, quando decidiu que também ele não gostava do pai, e nunca na vida seguiria a vida do progenitor, apesar de nas férias, o pai sempre arranjar maneira de o levar para a sua oficina de automóveis e tentar que ele aprendesse o ofício de mecânico.
Os computadores, sim, fascinavam-no. Todo o dinheiro que conseguia poupar da mesada que o pai lhe dava, empregava-o em livros sobre o funcionamento dos mesmos. Por causa dos computadores, muitos sermões paternos, teve que aturar, mas aos dezasseis anos era um expert em programação e aos dezassete iniciava o seu primeiro jogo de computador.
Quando via o pai mais zangado, refugiava-se em casa da dona Hortense, mãe de Olga, a sua assistente. Eram vizinhos, e a senhora tomara conta dele, até aos quatro anos, altura em que o progenitor decidira que estava na hora de  entrar para o infantário. E já crescido, cada vez que lhe batia à porta, dona Hortense, tinha sempre um pedaço de bolo e um afago com que tentava acalmar a sua solidão e fome de amor.  Por outro lado, Olga, doze anos mais velha, sempre se mostrara muito protetora, era como uma irmã mais velha, ajudava-o nos problemas escolares, aconselhava-o e incentivava-o, a prosseguir nos seus sonhos, de um dia ser alguém importante no mundo informático. Podia dizer-se que João tinha encontrado em Olga e sua mãe, a estabilidade familiar que nem pai nem mãe lhe deram. 
Depois que a sua vida se tornou um sucesso, comprou uma casa e mudou-se. Não suportava mais viver com o pai. De vez em quando, Olga lembrava-lhe apesar de todas as mágoas que tinha, o progenitor era a sua única família, devia ir vê-lo e tentar um entendimento entre eles, todavia ele nunca o fez, até saber que se encontrava muito doente e fora internado no hospital. Foi vê-lo, falou com o médico, soube que o pai tinha um cancro no pâncreas e que se encontrava em estado terminal. E ele, que já tinha passado por uma fase semelhante, embora com desfecho positivo, entendeu o sofrimento físico e moral do progenitor, e pela primeira vez sentiu que talvez devesse ter tentado entender o pai, em vez de o ter abandonado. Todavia se era tarde demais para voltar atrás, não o era para lhe dar, o apoio e carinho que nunca lhe dera desde que se conhecia,  e tornar mais doces os últimos dias da sua vida. Era hora de apagar mágoas, e lhe mostrar com a sua presença constante e o seu apoio, que o passado fora relevado.
Na véspera da sua morte, talvez sentindo que o fim estava próximo, o pai tivera uma conversa franca com ele.Falara-lhe do imenso amor que dedicara à esposa, e de como,  depois que ela o abandonara, ele se sentira morto por dentro, e, incapaz de albergar outros sentimentos, que não a raiva e o desespero. Talvez por isso, - disse - não tivesse sabido ser um bom pai, preencher as tuas necessidades de afeto,  pelo que te peço perdão. 
Emocionado, ele abraçara o pai, acabando os dois a  chorar abraçados até que uma enfermeira  entrou e o expulsou do quarto. Foi o único e último abraço. Na manhã seguinte o hospital informou-o de que o pai partira durante a madrugada.


20.7.20

CILADAS DA VIDA - PARTE VIII




- Muito bem. Esta tarde, organizarei com o Paulo o trabalho, e amanhã de manhã, começarei com o teu caso. Preciso de uma cópia do tal documento que elaboramos aquando da recolha. Outra coisa, como é que está o caso do estagiário que precisamos?
-Estou a tratar disso. Os Recursos Humanos selecionaram três perfis. Já os analisei e qualquer dele parece-me interessante. Vamos fazer um estágio com os três, e vamos ver se correspondem às nossas exigências, e qual deles se adapta melhor ao vosso trabalho. Sendo certo que precisamos apenas de um, se os outros dois forem bons, podemos recomendá-los a algum dos nossos clientes. Tudo depende das provas dadas durante o estágio.
- Muito bem. Passo por aqui ao fim do dia para apanhar o documento. Agora se me dás licença regresso ao trabalho.
-Vai-me pondo ao corrente das tuas diligências sobre o caso.
- Fica descansado. Até logo.
O advogado levantou-se e saiu. Olga preparava-se para sair quando o empresário disse:
-Espera, Olga ainda preciso de ti.
Levantou-se, foi até ao cofre que abriu e retirou um envelope castanho. Fechou o cofre, voltou para a secretária e estendeu a Olga o envelope.
- Tira uma cópia desse documento, para dares ao Afonso quando ele vier à tarde. E volta a trazer-me o original.
Ela saiu e minutos depois estava de volta com o envelope.
-Pronto. Precisas mais alguma coisa?
-Avisa o Nicolau que passarei mais tarde. para ver se resolvemos de vez, o final do jogo.
-Mas, não tinham já finalizado?
- Um jogo, que é uma sequela de outro, que foi um êxito mundial, tem que ser qualquer coisa de excecional, para que suplante o primeiro, sob pena de se tornar um fracasso. O final não me agradava, resolvi fazer uma alteração. Dei ontem o esquema dos códigos ao Nicolau, mas parece que ele não está a conseguir aquilo que quero. Faz-me falta o Carlos. Por falar, nele, quando estará de volta?
- Para a semana. Termina esta sexta feira, o tempo que a lei lhe permite para estar com a família após o nascimento do filho. Porquê?
- Ele está mais sintonizado com as minhas ideias. E o trabalho avança mais depressa e melhor do que com o Nicolau. E não nos pudemos atrasar com o lançamento. Já está tudo programado, vai ser lançado em simultâneo em vários países. A propósito, como está a preparação da festa de lançamento aqui?
- Tudo em marcha, não te preocupes com isso.
- Muito bem. A partir deste momento não me passes nenhuma chamada. Qualquer coisa que tu mesma não consigas resolver, diz que telefonem mais tarde, que eu saí. Preciso de um tempo para assimilar as consequências desta situação.
-Muito bem, ligou o engenheiro Rui, diz que precisa que vás lá à secção de hardware, tem uma coisa para te mostrar. Pareceu-me muito entusiasmado, mas não me quis dizer o que tinha acontecido. Vais fazê-lo hoje?
- Não. Diz-lhe que estou muito ocupado, mas que amanhã vou lá logo de manhã. Ele estava a tentar conseguir fazer um microprocessador com o dobro da potência, e metade do  custo. Esse  entusiasmo provavelmente  quer dizer que o conseguiu.
- Bom, antes de saíres avisa-me: 
-Queres jantar comigo hoje? Preciso de companhia - disse ele
- Mas não vais jantar com a Glória? Queres que lhe ligue?
-Não. Terminei a relação. Dei-me conta de que os meus sentimentos pouco lhe importavam. O que lhe interessava era a minha conta bancária.
- Sendo assim fizeste bem. Conta comigo para o jantar. E para alguma confidência que queiras desabafar.
- Obrigado. És uma mulher excecional. Não percebo porque nunca te casaste. Os homens deste país devem estar cegos.
- Bom se não precisas de mais nada, deixo-te só, tenho muito trabalho à espera.
E Olga saiu fechando a porta, e deixando o empresário a sós com as suas recordações.


19.7.20

HUMOR AO DOMINGO




Um homem, era tão ciumento, tão ciumento, que durante o dia ligava várias vezes à esposa para saber se ela estava em casa.
-Querida, onde você está ?
-Em casa meu amor!
-Certeza?
-Sim.
-Então liga o liquidificador.
- RRRRRRRRRRRRRRRRR!

Mais tarde...
-Querida, onde você está ?
-Em casa meu amor!
-Certeza?
-Sim.
-Então liga o liquidificador.
- RRRRRRRRRRRRRRRRR!

E dia após dia a história se repetia
Até que um dia chegou mais cedo a casa, e encontrou o filho sozinho.
- Meu filho, onde está a sua mãe?
-Não sei papá. Ela meteu o liquidificador na mala e saiu!


                                                            *************


Algumas mulheres resolveram fazer um congresso a fim de descobrirem quais eram mais inteligentes. As morenas, as ruivas ou as loiras.
Uma morena sobe ao palco e diz:
-Nós, morenas, fomos as primeiras mulheres a fabricar um computador.
Todas as morenas aplaudem de pé.
De seguida uma ruiva vai ao palco e diz:
-Nós, ruivas, fomos as primeiras mulheres a irem à lua.
A minoria ruiva presente na sala aplaudiu de pé.
Então foi a vez da loira subir ao palco.
- Nós, as loiras, ainda não fizemos grande coisa, mas já está pronto o projeto para sermos as primeiras mulheres a irmos até ao sol.
As não loiras, caem na gargalhada, e uma morena grita:
-Se vocês forem até ao sol vão morrer esturricadas.
Zangada a loira aproxima-se mais do microfone e se explica
-Alôoouuu! É claro que nós vamos de noi-teeee!



                              **************


Três amigos passeavam numa praia quando encontram uma lâmpada um pouco suja de lama.
Tentando limpá-la esfregam-a e ficam surpreendidos quando um génio sai lá de dentro e lhes diz.
- Eu sou um génio preso na lâmpada há muitos anos. Por me terem libertado posso conceder um desejo a cada um, mas apenas um, por isso pensem bem o que desejam obter.
Os três pensam e o primeiro diz:
-Eu quero ser imensamente rico!
-Muito bem, - diz o génio. Vá ao seu banco, peça o seu saldo e verá que o seu desejo se cumpriu
O segundo pede.
-Eu quero ser tão bonito, como o mais belo galã de cinema!
O génio responde.
Muito bem, vá para casa se olhe no espelho e verá que o seu desejo se cumpriu.
E o terceiro diz:
- Eu quero ser a criatura mais inteligente ao cimo da terra!
Então o génio olha para ele e pergunta:
-E não se importa de menstruar todos os meses?



                                                     ***************

Uma mulher chega a casa e encontra o marido na sala com um mata moscas na mão.
-Querido, o que está fazendo? - pergunta
- Não está vendo? Estou a matar moscas.
-E quantas já matou?
-Cinco! Três machos e duas fêmeas.
- E como é que você sabe quais são os machos e as fêmeas?
-É que três estavam na garrafa de cerveja e duas no telefone.



                                    **************



Um menino pergunta ao pai:
-Papá o que a mãe tem debaixo da saia?
O pai responde:
-O paraíso!
-E o que o Papá tem dentro das calças?- pergunta o filho
E o pai responde alegre:
-Eu, tenho a chave do paraíso.
E então o menino avisa:
Troca de chave papá, olha que o vizinho tem uma cópia!


                                        **************** 


Vocês sabem como se acaba com uma zaragata entre mulheres?
Bate-se as palmas e diz-se:
Muito bem vamos lá a saber das vossas razões. Quero ouvir uma de cada vez e vamos começar pela mais gorda!...         


17.7.20

CILADAS DA VIDA - PARTE VII





Quinze minutos mais tarde, Olga introduzia o advogado no gabinete e preparava-se para fechar a porta quando João disse:
- Entra e fecha a porta. Quero que oiças o que vou dizer ao Afonso.
- Queres que tome nota …
-Não, senta-te, - disse estendendo a mão ao advogado.
- Boa tarde. Como foi no tribunal?
- Como esperávamos. Condenado.
- Bom, não foi por isso que te chamei. Estás comigo praticamente há quase quinze anos, embora no começo, eu fosse apenas mais um cliente e trabalhasses por conta própria. Já vais perceber, - disse ao ver o advogado arquear uma sobrancelha.  
-Até chegarmos aqui, passamos por muita coisa, de que não vou falar porque decerto recordam bem. E recordarão com certeza, quando há onze anos me foi diagnosticado um cancro no testículo.
Os primeiros tratamentos não resultaram e o médico avisou-me que teria de partir para  outro muito mais agressivo. Disse-me que só não o tinha começado de início, porque  mais de 80% dos homens que o faziam ficavam estéreis. Ele tinha a certeza que com aquele tratamento, me curaria, todavia eu tinha que saber da sua agressividade, e que havia um alto risco de me tornar estéril, pelo que me aconselhou a procurar um centro de recolha e doação de esperma, e fazer uma colheita, para meu uso exclusivo no futuro. Deves recordar-te disso, Afonso, já que te pedi que elaborasses os documentos, que determinavam que aquela recolha não podia ser utilizada nem em doações, nem em experiências laboratoriais e que se destinava ao meu uso exclusivo. Esperava utilizá-lo quando me casasse. Bom, esta tarde, telefonaram-me do Centro Clínico onde reservei a colheita,  informando-me que houve um erro de registo, e que por lapso a minha recolha, foi considerada doação, e já utilizada. Como devem calcular fiquei furioso, tentei que me informassem do nome da recetora, mas afirmam que elas estão protegidas pelo segredo que a lei impõe e nada mais me podiam dizer.
- E tens absoluta necessidade dessa reserva para seres pai? Os testes que fizeste pós tratamento não te disseram que a tua fertilidade não foi afetada?  - perguntou Olga.
- Quando fiz os testes no fim do tratamento, o médico informou-me que não tinha ficado estéril, mas que a mobilidade dos espermatozoides tinha diminuído muito, o que podia tornar muito difícil uma gravidez. Entretanto passaram onze anos,  e, embora repita com frequência, exames de controle, por causa do cancro, testes de fertilidade não voltei a fazer e não sei se agora haverá alguma hipótese de fertilidade. Mas ainda que assim seja, não quero acordar todos os dias, a pensar que algures há um filho meu, que poderá estar em dificuldades e eu sem o poder ajudar.
-E o que vais fazer? – perguntou o advogado. - Podes processá-los, um erro desses é gravíssimo. Ganharás a causa, terás direito a uma indemnização e o centro será multado.
Mas isso não te dá de volta o teu material genético. Além disso será um escândalo, a imprensa vai esmiuçar o caso até à saciedade, a tua vida particular andará na praça pública. Não creio que isso seja bom para ti.
- Eu sei. E espero não ter de chegar a esse ponto, mas se necessário não hesitarei. Quero que vás até lá, e consigas informar-te de tudo, sobre essa mulher. Ameaça-os de uma ida para o tribunal, diz-lhes que estou disposto a lutar até conseguir fechar-lhes as portas, enfim tu és o advogado, sabes melhor que eu o que terás de fazer. Quero um documento escrito da informação que me deram por telefone. Delega no Paulo os assuntos que tenhas em mãos, e durante o tempo que estiveres a tratar deste assunto, qualquer coisa que precises, pede à Olga. Não quero que a tua assistente tenha conhecimento do caso. Pelo menos até ver se conseguimos resolver isto a bem, deve ficar entre nós os três.
- Sabes que existe uma lei que protege o anonimato de dadores e recetores ?
-Sei. Mas será que essa lei se aplica, quando o dador não o é? Estuda o caso, usa os métodos que achares convenientes, mas consegue o nome dessa mulher.
- E se o não conseguir? - perguntou o advogado
-Então partiremos para a denúncia, e para os tribunais e vou fazer tudo para lhes retirar a licença de exercício, e os obrigar a fechar as portas. Porém tenho esperança de que não chegaremos a isso. Há sempre alguma alma caridosa que a troco de uma boa maquia, se esquece dos seus princípios...
- E dá com a língua nos dentes como dizia a minha mãe, - completou Olga.

15.7.20

CILADAS DA VIDA - PARTE VI


Visivelmente irritado, João Teixeira, desligou a chamada. Levantou-se e foi até à janela, de onde observou a rua lá em baixo, onde as pessoas se cruzavam em passo acelerado, como formigas em carreiros diferentes.
Depois de uns momentos, voltou para a secretária. Alto, bem constituído, vestia um fato azul, cujo casaco repousava nas costas da cadeira, e camisa branca que acentuava a largura dos seus ombros. Sentou-se e passou os dedos pelos cabelos castanho-escuro, já salpicados por alguns fios brancos, afastando da testa uma madeixa rebelde. Parecia preocupado e irritado.
Carregou no botão que o ligava ao gabinete da sua assistente.
Quase no mesmo instante, ouviu-se uma batida na porta e uma mulher dos seus quarenta e cinco anos, de cabelo curto e fato creme, entrou no gabinete com um bloco.
- Ainda não acabei o relatório que me pediste, - disse.
-Não foi por isso que te chamei. Liga para o departamento jurídico, e pergunta se o Afonso Cardoso está, e se estiver diz-lhe que estou à sua espera no meu gabinete.
- E se não estiver, pode ser outro advogado?
-Não.
-Pareces irritado. Aconteceu alguma coisa?
- Desculpa, agora não dá para falar nisso. Mais tarde te conto!
- Muito bem, vou ver se encontro o advogado. Não era hoje que ele tinha uma audiência, por causa dos tipos que fizeram aquelas cópias piratas?
- Tens razão. Então é provável que ainda esteja no tribunal. Envia-lhe uma mensagem para o telemóvel, caso ainda não tenha regressado.
- Precisas de mais alguma coisa?
- De momento não, obrigado.
Olga era a sua assistente. Mas era muito mais do que uma secretária, era o seu braço direito como soe dizer-se.  Conheceu-a quando tinha dezoito anos e a cabeça tão cheia de projetos, quanto de sonhos. Era sua vizinha e contrariamente ao seu pai, que levava a vida a insistir com ele, para ir trabalhar na sua oficina de mecânica, e a queixar-se do “madraço” do filho, que estava sempre agarrado ao computador e não queria fazer nada, Olga incentivava-o a aperfeiçoar a sua ideia, e ajudou-o a registar o seu jogo e a  comercializá-lo através de uma reputada distribuidora.  João tinha fé no jogo, mas nem em sonhos, pensou que o seu sucesso fosse tão retumbante, nem que lhe desse tanto dinheiro.
Assim que começou com a empresa, na altura num barracão alugado, convidou Olga para sua secretária. Nessa época, ela estava a trabalhar numa empresa de venda a retalho, mas aceitou imediatamente a sua proposta. Isso, tinha sido há quase dezasseis anos, e desde essa época muita coisa tinha acontecido na sua vida.
Tinha criado um império,  geria um negócio que movimentava muitos milhões, e empregava quase meio milhar de trabalhadores entre engenheiros eletrotécnicos e de computadores, engenheiros de controle, analistas de sistema, especialistas em jogos digitais e toda uma vasta gama de outros técnicos, que produziam não só peças e programas, como computadores e telemóveis, numa empresa que era, no seu género, a maior da Península.
 Ouviu-se um toque na porta e de seguida Olga entrou.
- Aqui tens o relatório que pediste. Telefonou a Rita Sampaio, da Academia Moderna, diz que estão com problemas no programa que lhe instalámos. Não conseguem entrar no stock das sucursais de Almada e Setúbal.  Mandei o Aníbal Guerreiro para lá. E já falei com o Afonso. A audiência terminou há momentos, ele está a caminho.
-Fá-lo entrar assim que chegue.

13.7.20

CILADAS DA VIDA - PARTE V



Na manhã seguinte, acordou já o sol ia alto no horizonte. Depois do duche, Teresa fez o primeiro teste e o resultado foi positivo. 
Não saltou de alegria, nem correu a telefonar a Inês a dar a notícia. Ficou quieta sentindo o coração bater apressado no peito e um nó na garganta.
Depois de uns minutos, tentando acalmar-se, repetiu o teste e ao ver o resultado, caiu sobre a cama e chorou de alegria. Mais calma, lavou o rosto com água fria, vestiu-se e entrou no quarto que fora da avó, ajoelhou junto do velho oratório e agradeceu à Virgem. Só depois, telefonou a Inês, a sua irmã do coração para lhe dar a notícia.
Inicialmente a amiga, tentara demovê-la daquela ideia. Ela não compreendia porque uma mulher jovem e bonita, não se interessara por nenhum dos homens, que ela e o marido, lhe tinham apresentado. Um dia, com a franqueza que lhe era habitual, perguntara-lhe se  ela  se sentia atraída por mulheres. Teresa rira-se. “Nem por mulheres, nem por homens” respondera-lhe. 
E era verdade. Sentia-se bem sozinha, nunca sentira o desejo de partilhar a sua vida com outro adulto, mas queria muito ser mãe, e tencionava sê-lo em breve pois estava prestes a fazer trinta anos e não queria correr riscos desnecessários por causa da idade.
“E que pensas fazer? Adotar uma criança?” – perguntara Inês?
“Não. Quero ter um filho meu. quero sentir todas as emoções de uma gravidez e parto. Quero sentir a alegria de saber que o meu corpo não é estéril, que um pequeno ser se está desenvolvendo dentro dele. E amá-lo muito antes de poder tê-lo nos meus braços.
- E como pensas engravidar, se não queres saber dos homens? - perguntou Inês
-Recorri a um banco de esperma e estou a cumprir tudo o que me exigiram para a Inseminação”
“Mas isso é uma loucura”, - dissera a amiga
-Loucura ou não, estou decidida e o processo já está em marcha. E não tentes demover-me, porque não te darei ouvidos.
Inês não tentou demovê-la, mas os seus pais, sim. Todavia os seus argumentos esbateram-se contra a firme decisão dela e eles acabaram por aceitar.
- Estou muito feliz por ti, – dizia-lhe Inês ao telefone. Voltas hoje?
- Volto. Sabes que não gosto de me afastar muito tempo da pastelaria.  Apesar de saber que o teu pai cuida dela como se fosse sua, não gosto de abusar da sua confiança, nem das suas forças, começa de madrugada e fica o dia todo quando não estou. Porque queres saber?
-Podias vir cá jantar. Para comemorar.
- Não! Nada de comemorações.  Vou contar ao teu pai, mas vou pedir-lhe que não faça nenhum comentário. Não quero que além de vós, alguém mais saiba antes de terminar o primeiro trimestre.
-Ok. Mas posso contar ao Gustavo?
-Como se eu não soubesse que não tens segredos para ele. Bom, vou-me despachar que quero ir cedo. Telefono-te quando chegar. Até logo.
- Boa viagem. Tem cuidado contigo.
Teresa, preparou o pequeno almoço, comeu, e depois dedicou-se a arrumar a casa, pois pensava que tão cedo não voltaria à aldeia. Talvez depois do bebé nascer ou pelo batizado. Gostaria de batizar o filho na pequena igreja onde ela o fora. Embora tivesse a certeza que o facto de ir ser mãe solteira, ia originar um falatório que duraria meses.
Pelas onze e meia, fechou a porta, entregou uma chave à vizinha, com o mesmo pedido de sempre, entrou no carro e fez-se à estrada. Almoçaria pelo caminho.