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17.7.20

CILADAS DA VIDA - PARTE VII





Quinze minutos mais tarde, Olga introduzia o advogado no gabinete e preparava-se para fechar a porta quando João disse:
- Entra e fecha a porta. Quero que oiças o que vou dizer ao Afonso.
- Queres que tome nota …
-Não, senta-te, - disse estendendo a mão ao advogado.
- Boa tarde. Como foi no tribunal?
- Como esperávamos. Condenado.
- Bom, não foi por isso que te chamei. Estás comigo praticamente há quase quinze anos, embora no começo, eu fosse apenas mais um cliente e trabalhasses por conta própria. Já vais perceber, - disse ao ver o advogado arquear uma sobrancelha.  
-Até chegarmos aqui, passamos por muita coisa, de que não vou falar porque decerto recordam bem. E recordarão com certeza, quando há onze anos me foi diagnosticado um cancro no testículo.
Os primeiros tratamentos não resultaram e o médico avisou-me que teria de partir para  outro muito mais agressivo. Disse-me que só não o tinha começado de início, porque  mais de 80% dos homens que o faziam ficavam estéreis. Ele tinha a certeza que com aquele tratamento, me curaria, todavia eu tinha que saber da sua agressividade, e que havia um alto risco de me tornar estéril, pelo que me aconselhou a procurar um centro de recolha e doação de esperma, e fazer uma colheita, para meu uso exclusivo no futuro. Deves recordar-te disso, Afonso, já que te pedi que elaborasses os documentos, que determinavam que aquela recolha não podia ser utilizada nem em doações, nem em experiências laboratoriais e que se destinava ao meu uso exclusivo. Esperava utilizá-lo quando me casasse. Bom, esta tarde, telefonaram-me do Centro Clínico onde reservei a colheita,  informando-me que houve um erro de registo, e que por lapso a minha recolha, foi considerada doação, e já utilizada. Como devem calcular fiquei furioso, tentei que me informassem do nome da recetora, mas afirmam que elas estão protegidas pelo segredo que a lei impõe e nada mais me podiam dizer.
- E tens absoluta necessidade dessa reserva para seres pai? Os testes que fizeste pós tratamento não te disseram que a tua fertilidade não foi afetada?  - perguntou Olga.
- Quando fiz os testes no fim do tratamento, o médico informou-me que não tinha ficado estéril, mas que a mobilidade dos espermatozoides tinha diminuído muito, o que podia tornar muito difícil uma gravidez. Entretanto passaram onze anos,  e, embora repita com frequência, exames de controle, por causa do cancro, testes de fertilidade não voltei a fazer e não sei se agora haverá alguma hipótese de fertilidade. Mas ainda que assim seja, não quero acordar todos os dias, a pensar que algures há um filho meu, que poderá estar em dificuldades e eu sem o poder ajudar.
-E o que vais fazer? – perguntou o advogado. - Podes processá-los, um erro desses é gravíssimo. Ganharás a causa, terás direito a uma indemnização e o centro será multado.
Mas isso não te dá de volta o teu material genético. Além disso será um escândalo, a imprensa vai esmiuçar o caso até à saciedade, a tua vida particular andará na praça pública. Não creio que isso seja bom para ti.
- Eu sei. E espero não ter de chegar a esse ponto, mas se necessário não hesitarei. Quero que vás até lá, e consigas informar-te de tudo, sobre essa mulher. Ameaça-os de uma ida para o tribunal, diz-lhes que estou disposto a lutar até conseguir fechar-lhes as portas, enfim tu és o advogado, sabes melhor que eu o que terás de fazer. Quero um documento escrito da informação que me deram por telefone. Delega no Paulo os assuntos que tenhas em mãos, e durante o tempo que estiveres a tratar deste assunto, qualquer coisa que precises, pede à Olga. Não quero que a tua assistente tenha conhecimento do caso. Pelo menos até ver se conseguimos resolver isto a bem, deve ficar entre nós os três.
- Sabes que existe uma lei que protege o anonimato de dadores e recetores ?
-Sei. Mas será que essa lei se aplica, quando o dador não o é? Estuda o caso, usa os métodos que achares convenientes, mas consegue o nome dessa mulher.
- E se o não conseguir? - perguntou o advogado
-Então partiremos para a denúncia, e para os tribunais e vou fazer tudo para lhes retirar a licença de exercício, e os obrigar a fechar as portas. Porém tenho esperança de que não chegaremos a isso. Há sempre alguma alma caridosa que a troco de uma boa maquia, se esquece dos seus princípios...
- E dá com a língua nos dentes como dizia a minha mãe, - completou Olga.

24 comentários:

Janita disse...

E nós, aqui a saber de tudo e sem nada podermos revelar!
E ainda diz a canção que quem faz um filho, fá-lo por gosto... :(

Isto é que foi uma cilada do destino!!

Tenha um boa noite. Elvira.

noname disse...

A primeira reviravolta da mestra, na história eheheheh

Beijinho, Elvira

Pedro Coimbra disse...

Pelo caminho que isto vai!!!
Bfds

Joaquim Rosario disse...

Bom dia
Acho que já começamos a entender o titulo da historia .

J R

Os olhares da Gracinha! disse...

Pois... decidir com inteligência é um belo passo!!!
Bom fim_de_semana

Jaime Portela disse...

Há erros que podem ter resultados interessantes... e parece que a feliz contemplada pode vir a ser a Teresa... Veremos o que a escritora nos reserva.
Uma boa história com uma narrativa ainda melhor. Estou a gostar.
Bom fim de semana, querida amiga Elvira.
Beijo.

Tintinaine disse...

Isto é que vai pr'aí uma açorda! A coisa promete!
Bom fim de semana e cuidado com a canícula! Bem me lembro dos tempos em que estava na Escola de Fuzileiros e tinha que andar a correr, com a arma ao ombro, por esses areais da margem direita do Coina, visto que os meus cursos me calharam sempre no verão. Felizmente no termo das provas havia o lodo para refrescar a cabeça.

Isa Sá disse...

A passar por cá para acompanhar a história!

Isabel Sá  
Brilhos da Moda

Maria João Brito de Sousa disse...

Que grande cilada a vida pregou a este homem, caramba!

Forte abraço, Elvira!

" R y k @ r d o " disse...

Dia:- Acompanhando serenamente
.
Abraço poético

chica disse...

Noooooooooossa! Que voltas que o destino deu! Adorando! bjs, chica

Edum@nes disse...

Ainda agora está no princípio. Sabe-se-lá que até ao fim ainda irá acontecer?

Bom fim de semana amiga Elvira. Um abraço.

isabel disse...

Minh aquerida Elvira
Realmente dá que pensar esta situação...será baseada em história veridica?
Um bom fim de semana

Beatriz Pin disse...

Un tema moito de actualidade. Gostei ler e gostaria seguir lendo! Boa finde!

Cidália Ferreira disse...

A vida e as suas ciladas!!!:))
~~
Rosas, espinhos, e missões

Beijo e um excelente fim de semana.

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

Seguindo e gostando de ler.
Aguardando o próximo post
bom fim de semana.
beijinhos
:)

AC disse...

A Elvira tem um tipo de escrita em que, por maior que seja o texto, não permite que o leitor se desligue antes de chegar ao fim. Isso é muito bom.

Abraço

Ailime disse...

Boa tarde Elvira,
A vida dá cada reviravolta!
Estou a adorar mais uma vez a sua maravilhosa criatividade.
Um beijinho e Parabéns.
Ailime

teresa dias disse...

"Ciladas da vida", nem mais!
As voltas que a história vai (certamente) dar...
Bjs

Manuel Veiga disse...

muito bem contado
uma escrita muito ágil

gostei muito, amiga

beijo

Alexandra disse...

Venho sempre enganada :)))

Ainda vai no inicio e já vai no bom caminho!

Abraço, Elvira.

aluap disse...

Este é um caso em que a ficção andará longe da realidade, acho eu!
Bom fim de semana.

Lúcia Silva Poetisa do Sertão disse...

Uauuuuuuuuuu que situação!!!! Ficando emocionante e surpreendente a história!
Beijos!

João Santana Pinto disse...

Há o primeiro grande momento. Ainda sem ligação à outra personagem principal.

Um tema importante e nem sempre compreendido. Vou continuar