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3.8.20

CILADAS DA VIDA - PARTE XIV




Terminado o almoço, Gustavo e Teresa passaram ao escritório, onde a jovem pôs o advogado ao corrente de tudo o que lhe foi dito no Centro Clínico onde fizera a Inseminação terminando com as perguntas:
- Ele é mesmo tão poderoso como os médicos me fizeram crer? E se processar o Centro, eles vão revelar o meu nome?
- João Teixeira é um empresário muito importante. E é um homem duro que se fez a si próprio. Começou com a criação de um jogo que se tornou num enorme sucesso, não apenas em Portugal, mas a nível Mundial. Depois desse, outros vieram. Fundou a “TecnInformática”, e rodeou-se de excelentes colaboradores. E em pouco mais de uma década, transformou uma pequena empresa, na maior firma do ramo, na Península. A sua especialidade são os jogos de computador, mas os seus engenheiros produzem software, e hardware, fabricam computadores e telemóveis. E os seus produtos estão ao nível dos melhores do mundo. Isto diz-te quão poderoso ele é.
 Se afirmou que vai processar a Clínica, acredito que o faça. A  lei tem em relação à PMA, ainda muitas falhas, embora já tenha  sofrido quatro alterações, desde que foi promulgada em 2006,  os legisladores vão fazendo alterações à medida que vão surgindo novos problemas para resolver, embora sempre garantindo o anonimato  da identidade de dador e recetora. O problema que se apresenta no teu caso é que ele não é dador. Fez uma reserva para uso exclusivo, que foi utilizada em proveito de outrem. Tem todo o direito de processar o Centro Clínico, mas mesmo em tribunal, o Centro não poderá revelar a tua identidade, já que isso vai contra a lei. Todavia se esse processo chega a tribunal, também chega ao conhecimento da imprensa, que vai começar a esmiuçar e sabes como é, há sempre alguém que se deixa comprar...
- Meu Deus, mas isso vai por a minha vida na praça pública.
- Lamento, mais isso é mais que certo. Gostaria de te dizer para não te preocupares, mas tenho que te ser sincero.
- Outra coisa Gustavo, supõe que isso acontece, os tribunais levam tanto tempo para resolverem os casos, entretanto o bebé nasceu. E uma vez que ele tinha feito a reserva para seu uso exclusivo, o tribunal pode decidir que a criança não é meu filho?
- De modo algum. Isso só seria possível se por esterilidade tivesses recorrido a doação simultânea de material genético dos dois sexos, ovócitos e espermatozóides com fecundação in vitro. Aí, a criança teria o ADN dele e de uma desconhecida, e a lei consideraria o caso como uma gestação  de substituição; aquilo que o povo costuma chamar de barriga de aluguer, e a criança assim gerada, não seria considerada tua. Até porque a gestação de substituição no nosso país ainda só é permitida em casos muito especiais.
 Mas esse não é o teu caso, um exame de ADN pode provar que és a mãe da criança e em princípio os tribunais dão sempre prioridade às mães desde que elas tenham meios financeiros, para criarem a criança, e uma conduta irrepreensível.
-Sei, mas se esse homem é tão poderoso como dizes, pode muito bem comprar testemunhos falsos, que me apresentem perante um juiz como uma pessoa sem integridade moral?  
- Pode tentá-lo, apesar de hoje em dia, já não ser tão fácil assim, uma boa defesa pode apresentar provas em contrário, e desacreditar os falsos testemunhos. O problema é que ele sofreu uma doença grave que o deixou estéril, e esse filho é a única hipótese desse homem vir a experimentar as emoções da paternidade, e dar continuidade ao seu nome. Qualquer juiz vai ter isso em conta, especialmente se o juiz nomeado for homem; quase de certeza vai decretar uma guarda partilhada. E depois pensa nisto, o teu filho será o único herdeiro de tudo o que o homem tem.
-Sabes que isso não me interessa, tenho mais do que suficiente para lhe dar um bom futuro. O que me preocupa, é aquilo que alguns tablóides, que estão sempre à procura de escândalos podem fazer da minha vida.  Tanta gente no mundo que recorre à Procriação Medicamente Assistida,  sem problemas tinha que me acontecer uma coisa destas a mim. Sabes alguma coisa dele, como pessoa?
- Muito pouco. Além da parte profissional, apenas aquilo que a imprensa publica. Que é solteiro, e pouco dado a aparecer em eventos. Lamento Teresa, gostaria de te dizer que não te preocupasses, mas não posso de modo algum escamotear a verdade. E ela é de facto preocupante.  Como já te disse. a própria lei, ainda tem nestes casos muitas falhas. Como todas as situações novas, a que o progresso ou a ciência dão origem, as leis vão sendo criadas e vão sofrendo alterações à medida que os casos se apresentam, e  que eu saiba, um caso destes nunca aconteceu antes.
- De qualquer modo, obrigado. Foi bom falar contigo, fiquei elucidada e posso agir a partir daqui.
-E o que pensas fazer? Vais voltar para a aldeia?
-Talvez. Antes de decidir se vou ou fico, tenho de pensar no que me disseste e talvez tomar alguma providência. Agora vou-me embora, preciso pensar com calma. 

27.7.20

CILADAS DA VIDA - PARTE XI




Teresa saiu do médico com as pernas a tremer e sentindo-se agoniada.
Não que o resultado dos exames fosse diferente do que esperava. Estava realmente grávida e estava tudo bem com ela, e salvo qualquer imprevisto, que pode sempre surgir durante uma gravidez, tudo iria correr bem, não fora o facto de ter sido informada, que o pessoal do Centro Clínico de Procriação Medicamente Assistida, tinha cometido um erro grave, e ela estar a conceber um filho, cujo pai não era dador. Para piorar a situação, o homem tinha feito a recolha para seu uso exclusivo no futuro, e ao ter sido informado do engano, queria saber quem era a recetora, nem que fosse através dos tribunais, e uma vez aí, nunca se sabia o que podia acontecer.
E agora? O que ia fazer? Podia fingir que não sabia de nada, mas segundo o médico, o homem era poderoso, e estava disposto a tudo. A direção do Centro, receava que o escândalo de semelhante erro, os levasse à descredibilização total e por consequência à falência e ao encerramento. Apesar de lhe garantirem que não iam revelar a sua identidade, ela não acreditou. Quando vissem que o homem não cedia e iria mesmo para os tribunais, iriam entrar em acordo e denunciá-la-iam para se salvarem. E o que aconteceria depois, com ela e o bebé?
Quando se sentiu mais calma, pegou no telemóvel e marcou um número.
-Inês, estás em casa? – perguntou assim que a amiga atendeu.
- Estou. Estás bem? O que aconteceu? – perguntou Inês que estranhou a voz da sua interlocutora.
- Não dá para falar pelo telefone. Posso ir agora aí?
- Claro, mulher. Isso nem se pergunta.
- Até já.
Desligou, pôs o carro a trabalhar e um quarto de hora depois tocava a campainha da casa da amiga. Esta abriu a porta e assustou-se. A Teresa que tinha na sua frente, pálida e de olhos vermelhos pelo choro, em nada se parecia com a aquela, que nas vésperas estivera em sua casa, radiante de felicidade. Pensou imediatamente que o exame médico afinal provara que a amiga não estava grávida. Já tinha ouvido falar de mulheres que desejavam tanto um filho, que acabavam tendo sintomas de gravidez sem que estivessem grávidas.  Mas Teresa não manifestara qualquer sintoma que ela soubesse. E fizera dois testes que deram resultado positivo. Poderiam os testes dar um resultado errado? O melhor era não se por a adivinhar e saber o que se passava na realidade.
- O Martin está a dormir? – perguntou Teresa, depois de cumprimentar a amiga.
- Está. Mas entra, vamos para a sala e conta-me o que te aflige. Talvez te possa ajudar.
Teresa encaminhou-se para a sala, e a dona da casa seguiu-a depois de fechar a porta. Já sentadas, a jovem disse:
- Como sabes tinha consulta marcada para hoje no Centro de PMA, com  o médico, que efetuou o processo. Assim que cheguei e antes de entrar no consultório foi-me feito um exame ao sangue, que penso seja o normal nestes casos. Esperei um pouco pela entrada no consultório, o médico fez-me algumas perguntas entre as quais se eu já tinha feito o teste de gravidez e depois a assistente preparou-me e ele foi examinar-me. Confirmou a gravidez, e voltou para a secretária e enquanto eu me vestia, ouvi-o falar ao telefone. Mal eu voltei para a cadeira a porta abriu-se e entrou outro homem que me foi apresentado como sendo o diretor do Centro Clínico.
-Sim, mas até agora não vi razão para teres ficado assim. Não podes abreviar?
- O diretor disse-me que tinha havido um erro grave, falou uma série de coisas a que nem prestei atenção, tão nervosa fiquei, só entendi que eu ia gerar um filho de alguém, que não tinha feito doação, mas sim reserva para o futuro, por se encontrar doente, e ir ficar estéril. Entendes?
-Sim, mas o que tens a ver com isso, o erro não foi teu.
- E achas que isso interessa ao homem? Não. Ele quer saber tudo sobre mim. O seu advogado já ameaçou o Centro de que se não souber quem está a gerar o seu bebé, vai para os tribunais a imprensa etc. Em resumo pode criar um tal escândalo que poderá não só fechar o centro por falta de credibilidade, como tornar a minha vida num inferno. E o pior é que os médicos dizem que o homem é tão poderoso que não terá qualquer problema em fazê-lo.
-Mas quem é esse homem?