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16.4.20

À MÉDIA LUZ - PARTE IV

Há seis meses que era a secretária de Gabriel Santana. Conhecia a fama de predador sexual, do patrão, muito antes de ir trabalhar para a empresa. Daí tivera a ideia de se apresentar o mais insignificante possível. Naqueles seis meses, já revistara aquelas gavetas dezenas de vezes, sem nunca ter encontrado nada que o pudesse incriminar. Sabia é claro, que qualquer prova estaria no cofre. Mas quem sabe, às vezes um esquecimento lhe deixasse ver qualquer coisa que a levasse a confirmar as suas suspeitas de que o empresário era um homem sem escrúpulos, capaz de tudo nos negócios, mesmo que isso não tivesse nada a ver com o desfalque pelo qual o pai fora preso.  Serviria pelo menos para dar força às suas suspeitas, e tentar por todos os meios apanhá-lo. Mas não. Tudo certo, tudo legal. E ela sentia-se impotente, e muito cansada. Não sabia por quanto tempo mais aguentaria aquela pressão. E o pior, hoje é sexta-feira, há uma festa na academia de dança para angariação de fundos, todos vão ter que estar presentes, e ela sente-se devastada. Amanhã será dia de visitar o pai, e é sempre muito doloroso, ver como ele se encontra. Olhou o relógio. O patrão não voltara até aquela hora, por certo já não voltaria, devia ter encontrado algum rabo de saia, com que se entreteve.  Não interessa, está na hora de saída, precisa ir.
Às vinte e duas horas tem que estar na academia,  e antes precisa tomar um banho relaxante e descansar um pouco.
Acabava de abrir a porta para sair, quando Gabriel chegou:
- Onde pensa que vai? Venha ao meu gabinete!
Ficou furiosa.
- O meu horário de trabalho terminou há cinco minutos.
-Mas, preciso de si agora. Pegue o bloco e acompanhe-me.
Era arrogante e prepotente. Ela sentiu que o sangue lhe subia ao rosto.
-Desculpe senhor, mas terá que ficar para segunda-feira. Hoje não me posso atrasar.
Fitou-a furioso.
- Para quê tanta pressa? Decerto não tem nenhum encontro amoroso, - disse olhando-a depreciativo.
- O que faço nas minhas horas livres, só a mim me diz respeito. Boa-tarde.
Virou-lhe as costas.
- Se sair agora considere-se despedida! – disse-lhe quando ela já atravessava a porta.
Voltou-se e pela primeira vez desde há seis meses, fitou-o bem nos olhos.
- Não creio que a lei me obrigue a trabalhar depois da hora de expediente, senhor. Mas podemos sempre recorrer ao tribunal de trabalho.
E saiu deixando-o perplexo e furioso.


10.2.20

OS SONHOS DE GIL GASPAR - PARTE XXXVII




Na manhã seguinte, pouco passava das nove horas, quando Alcides chegou a casa do Gil, onde Laura já o aguardava, pronta para irem à esquadra participar o desaparecimento do irmão.
Depois de o fazer, e tendo o advogado posto a hipótese de rapto,  foi-lhes notificado que se iria iniciar uma investigação, e o agente levou-os para outro gabinete, onde durante quase uma hora, um investigador fez com que respondessem  a inúmeras perguntas sobre os hábitos do desaparecido, seus negócios, familiares e amigos. Ao saber que o desaparecido tinha contratado segurança pessoal para acompanhar a filha e a ama, o investigador quis saber se essa decisão tinha sido tomada por terem havido ameaças de rapto, se o desaparecido tinha inimigos, e o advogado teve que informar que essa segurança se devia ao temor que Gil tinha, de que o violento ex-marido de Inês , tentasse alguma retaliação sobre a ama ou a bebé, e então foi-lhes pedido o nome completo do homem, bem como da ama.
Quando terminaram foi-lhes dito que deveriam manter-se contactáveis e disponíveis para quaisquer esclarecimentos adicionais que os investigadores achassem necessários. E que por sua vez, eles deveriam informar imediatamente, se houvesse algum contacto, ou se viessem a lembrar-se de algum facto que pudesse ter relevância para a investigação. O investigador informou-os também de que deveriam manter o desaparecimento em segredo, pois se realmente tivesse havido um rapto, e os raptores soubessem que a polícia já estava a investigar, podiam ficar nervosos e quem iria sofrer as consequências seria o próprio Gil.
- Resta-me ainda informá-los, - acrescentou por fim o agente - que todos os anos temos vários adultos, que por qualquer razão desaparecem, e quando os encontramos pedem-nos para informar que estão bem, mas não querem que se saibam onde estão.
-Tenho a certeza de que não é o caso do meu irmão – afirmou Laura convicta, - ele é muito apegado à filha bebé, que está prestes a fazer um ano, e mesmo quando em negócios viaja para o estrangeiro, está sempre a telefonar para casa e a fazer chamadas de vídeo para a ver.
Saíram do posto da polícia, não sem antes Laura ter assinado a participação, perto das onze horas.
Como tinham combinado na véspera, Alcides dirigiu-se em seguida ao banco, e Laura foi para a Fundação onde já a aguardavam alguns
doentes.
Durante duas horas dedicou-se inteiramente às consultas, quase tudo estados gripais, e felizmente nenhum muito grave. Como era quarta feira, era dia de dentista, de tarde o consultório estaria ocupado pelo seu colega Eduardo Mendes, pelo que depois do almoço, não voltaria à Fundação.
Pegou no telemóvel e telefonou ao irmão
- Estou, Marco?
- Sim. Há novidades?
- Não. Vocês almoçam no restaurante do costume?
- Sim, claro.
- Pede mesa para quatro. Precisamos falar. Estamos aí em dez minutos.



22.11.19

OS SONHOS DO GIL GASPAR - PARTE XVII




-O menino que tem cinco anos estava visivelmente assustado.
-Meu Deus! E o menino ficou lá?
-Segundo a psicóloga, o menino foi entregue a uma família de acolhimento, porque ela tinha medo que ele o descobrisse e lhe fizesse mal para a tingir, porque ele não queria o divórcio.
- Porque não me contaste?
- Porque naquela altura tinhas preocupações mais que suficientes, com o nascimento da Mariana, o funeral da Sara, o teu sogro e cunhados, e as visitas ao hospital. Mas agora que falamos nisso, penso que podias trazer o filho dela para aqui. Esta casa é tão grande que decerto nem ias dar pelo miúdo. A mãe ficaria mais descansada, e sem preocupações o que era uma mais valia para a Mariana. O que dizes?
- Apesar de a levar todos os dias ao hospital, não troquei com ela mais do que meia dúzia de palavras, e sempre sobre o estado da minha filha. Tu é que a contrataste, fala com ela e diz-lhe que se quiser pode trazer o filho para viver aqui. Pode ser que assim se estabeleça um vínculo de amizade entre ela e as demais empregadas. Não me agrada o ambiente entre elas. Outra coisa, desde quando o meu advogado é para ti “o Alcides”? Que se passa com vocês?
Sem responder, a jovem levantou-se e foi até à janela. Pouco passava das quatro, mas dia escurecia rapidamente. Pensou que era normal, afinal faltavam duas semanas para o Natal. Voltou para junto da secretária e sentou-se. Só então respondeu ao irmão.
- Nada mais do que uma boa amizade. Quando, ou se, chegar a ser algo mais, podes ter a certeza que te direi, embora me considere suficientemente adulta para não ter de te dar conta dos meus atos.
- Sabes que só quero que sejas feliz.
- Eu sei, mano - disse Laura abraçando-o. - Sabe Deus como eu também quero a tua felicidade. Mas tenho fé que ainda vais arranjar alguém, que te faça feliz. Quem sabe a Luna? Ou ela é casada?
- Agora és tu que queres governar a minha vida? A Luna é uma boa amiga, uma espetacular mulher de negócios, a melhor agente literária que conheço, mas é também uma mulher muito independente, e eu seria completamente insensato e muito infeliz se me apaixonasse por ela.
Por outro lado, a minha experiência matrimonial não me deixou muita vontade de reincidir. Neste momento o que me preocupa, é a minha filha, os meus projetos, e a tua situação. Já pensaste no sítio onde queres montar a clínica?
- Não. Na verdade, já tenho uma proposta para um hospital particular. Depois o Alcides contou-me o teu projeto de Fundação, e se se concretizar pretendo trabalhar nele.
-Como assim?
- Vai ter um posto médico, não vai?
-Claro. Mas tinha pensado em algo básico, com uma enfermeira, para fazer alguns pensos, dar injeções e sobretudo ensinar às pessoas certos hábitos de higiene, distribuísse escovas e pasta de dentes, e preservativos.



8.11.19

OS SONHOS DE GIL GASPAR - PARTE XI






Quanto à doação, hoje mesmo tratarei de tudo e logo que tenha a documentação pronta, aviso-o para as assinaturas.
- Muito bem. Não sei se poderá continuar a tomar conta de todos os assuntos desta firma, já que gostaria de poder continuar consigo para tratar de todos os meus assuntos. Se não o conseguir fazer, gostaria que designasse um dos seus associados, para que possa tratar dos assuntos do Marco. Ele já se vai desenvencilhando muito bem, mas o doutor sabe como o mundo dos negócios é traiçoeiro.
- Bom, para já eu trato de tudo relativamente à doação e ao término da sociedade. Depois se realmente quiser iniciar o processo da Fundação, como me disse há dias, entregarei os negócios do seu irmão ao Hugo Figueiredo. É um advogado muito competente e um homem em quem confio plenamente.
- Então faça isso. Eu quero avançar com o projeto o mais tardar no início do ano, e vou precisar de toda a sua ajuda. Já tenho em vista um imóvel para o funcionamento da Fundação, gostaria que fosse até lá e visse se há possibilidade de compra. É um imóvel quase novo, ainda não fez cinco anos, vazio porque a multinacional que o ocupava transferiu-se para a Estónia, e está situado muito perto do bairro onde eu nasci. Tem espaço suficiente para um refeitório, que alimentaria os mais carentes, uma sala de exposições, uma sala de espetáculos, onde poderíamos ensinar música e dança aos alunos que tendo aptidões para essas artes, não conseguem nas outras disciplinas, média para entrarem no conservatório. E além dos escritórios, ainda gostaria de ter um posto médico para pequenos tratamentos, e onde se ensinassem hábitos de higiene; e uma creche, para que as mães possam ir trabalhar sem problemas. Já lá estive, sei que pode ser tudo aquilo que sonhei, mas não consegui entrar em contato com o proprietário do imóvel.
- Dê-me a morada e ainda hoje tentarei descobrir o proprietário. Cumpre-me avisá-lo que um imóvel com essa capacidade pode ser um bom rombo na sua fortuna. Já pensou na hipótese de aluguer?
- Não se preocupe. Estou a par de quanto me poderá custar.  Também tenho aqui a proposta de um contrato que gostaria que analisasse. Um prestigiado produtor americano, quer comprar os direitos do meu primeiro livro para o levar ao cinema.  A proposta parece-me muito boa, e a minha agente aconselhou-me a aceitar. Porém antes de o fazer, gostaria que a analisasse.
- Os meus parabéns. O livro é realmente muito bom. Pode ser igualmente um bom filme. Irei analisar a proposta com todo o cuidado – disse pegando no envelope que Gil lhe estendia.
-Então doutor, por hoje é tudo, espero que dê um andamento rápido a estes assuntos, pois estou desejoso de avançar.
O advogado pôs-se de pé e estendeu-lhe a mão para a despedida dizendo:
- Fique descansado. Tudo sairá com a brevidade possível. Espero e desejo que tudo corra bem com o nascimento do bebé, e que a polícia consiga capturar os assassinos de sua esposa.
Gil levantou-se, apertou-lhe a mão e acompanhou-o à porta. Quando ficou só, olhou para o relógio. Já passava do meio-dia. Tinha o tempo exato para almoçar e se dirigir ao hospital, onde iria passar a tarde. Voltou à secretária, meteu o telemóvel e as chaves do carro, no bolso do casaco, e saiu para a loja.
-Queres ir almoçar comigo? – perguntou ao irmão que acabava de atender um cliente.
- Claro que sim. Deixa-me só avisar a Isabel - disse dirigindo-se ao pequeno gabinete da secretária.


4.7.19

UM PRESENTE INESPERADO - PARTE XL




- Bom-dia. O que aconteceu, para me pedires que viesse aqui hoje, que não me pudesses dizer ontem, na festa dos dois anos da Matilde? - perguntou Artur ao entrar no escritório do amigo.
- Bom-dia. Senta-te. O que tenho para te dizer requer privacidade, coisa que ontem não tínhamos.
- Que se passa? Os negócios vão mal?
- Não. Felizmente por esse lado não há que temer. Notaste algo diferente na Isabel?
- Eu? Não! Mas agora que falas nisso, há dias a Natália, comentou que estava preocupada com ela.
- Preocupada como? - perguntou inclinando-se para a frente e apoiando os braços na secretária. – Que disse exatamente a tua mulher?
-Disse que a Isabel estava diferente e que não era para melhor.
-Então, ela também notou.
- Homem desembucha! O que se passa afinal?
-Isso queria eu saber. Quando casámos, ela era sincera, espontânea, bastava um olhar para nos entendermos. Era como um livro aberto para mim. Depois quase impercetivelmente o livro foi-se fechando. Hoje está completamente fechado e eu não sei como abri-lo. O nosso casamento  ainda não tem seis meses, mas tu sabes que não foi um casamento como os outros.
- Porque não te sentas e conversas com ela? Pode ser preocupação com alguma coisa no trabalho, receio do desemprego, por acaso, o tempo do contrato está a acabar?
- Tenho a certeza que não é nada disso, ela não esconderia isso de mim. Ainda faltam quatro meses para a outra empregada voltar, e além disso sempre lhe disse que se quisesse dedicar-se à casa e à família podia fazê-lo. A nossa situação financeira é ótima. Não, o assunto é mais grave.
- O que temes afinal?- perguntou o amigo
- Um pedido de divórcio. Ela sempre me disse que acreditava no amor, e eu temo que se tenha apaixonado por algum colega no escritório, e esteja a pensar na separação.
- Ela não faria isso. Adora a Matilde, e tu como pai, irias querer ficar com ela.
- Esqueces que pela adoção, ela deixou de ser tia, para ser sua mãe? Em caso de divórcio temos os mesmos direitos. Mas ainda que assim não fosse, eu nunca as separaria. Se isso acontecer, teremos a guarda partilhada. O problema é comigo.
- Como assim? Não entendo. Fizeste alguma asneira? Traíste-a?
- Estás doido? Como podes pensar em semelhante insanidade?
- “O problema é comigo”! O que querias que pensasse?
- Eu não saberia viver sem ela, - confessou em voz baixa.
- Queres dizer que a amas? Mas não eras tu que não acreditavas no amor?
Que dizias que o casamento ia ser uma espécie de contrato?
- Por favor! Preciso de ajuda, não de troça.
- Muito bem. Vamos lá então analisar a questão. Quando e como começaste a notar essa diferença? 
- Foi mais ou menos a seguir ao teu casamento.
- Em Março, portanto. Estamos na segunda quinzena de Junho. E em todo este tempo não a questionaste?
- Algumas vezes, mas ela diz sempre que está tudo bem.
- E não está mesmo? Será que não andas à procura de piolho em cabeça de careca?
- Tenho a certeza. As nossas conversas, já não têm a naturalidade de outrora.

11.4.19

UM HOMEM DIVIDIDO - PARTE XXII





- Desculpa, estou preocupada. Não estou habituada a fazer este tipo de festas para pessoas que não conheço. Já imaginaste que apesar de todos os nossos esforços, a tua irmã pode não gostar da festa? Teria muito mais sentido eu planear tudo e dar-lhe a conhecer o projeto para que ela aprovasse ou fizesse as alterações que entendesse. Afinal a festa é dela.
- Não te preocupes. O meu cunhado está a par de tudo e ninguém a conhece melhor do que ele.Depois de amanhã, vamos a Faro em negócios e talvez demoremos um ou dois dias. Se conseguires fazer o projeto para amanhã, pudemos reunir-nos e ele te dirá se há algo que deves modificar. De resto, tenho a certeza que farás uma festa maravilhosa, que a vai deixar muito feliz. Confio plenamente em ti.
- És um ser muito estranho. Como podes confiar desse modo em mim se mal me conheces, e ao mesmo tempo odiares o meu pai ao ponto de o quereres arruinar? Não seria mais natural pensares que tomarei o partido do meu pai e te trairei na primeira oportunidade?
-És demasiado integra para traíres alguém, -disse poisando a sua mão no ombro feminino.
Tinham chegado à parte traseira da casa.  Havia um alpendre junto à residência, apoiado em pilares que se estendia junto ao muro do lado direito. Uma vasta área relvada, ao fundo da qual uma piscina, à qual se chegava por um carreiro de seixos. Tudo protegido de olhares estranhos pelo muro.
- O que achas?
-Fantástico. Podemos colocar as mesas junto à piscina, e montar uma tenda na parte de trás, com música ao vivo e uma pista de dança para quem quiser dançar. E ... esta porta dá para onde?
- Para a cozinha.
- Ótimo. Disseste que o “catering” vem de um dos teus restaurantes. Não precisaremos de mesas de apoio, tudo pode ficar na cozinha e ser transportado a partir de aí. Terás que trazer vários empregados. Que te parece?
- Muito bem. Consegues pôr tudo isso no papel para que o Eduardo veja antes de irmos para o Algarve?
-Farei o projeto esta noite, envio-to amanhã. Agora se me dás licença, vou fazer umas fotos daqui e da parte da frente onde decorrerá a cerimónia. Às três horas tenho entrevista marcada com o padre.
-Gostaria que passasses pelos nossos escritórios, amanhã de tarde. Conhecerias o Eduardo e seria mais fácil para ti, que ele te fizesse alguma sugestão se necessário. Além de que ele pode querer algumas dicas sobre o traje adequado à cerimónia. Poderias fazer isso?
- Posso. Se a minha ideia for aprovada, terei que voltar com uma amiga, Margarida Souto, decoradora de interiores e exteriores e alguns jardineiros para fazer toda a decoração necessária, aqui e lá à frente. Na maior parte das vezes eu mesma trato de tudo mas quando o tempo é curto como agora, recorro aos seus serviços.
- Muito bem. Então vamos entrar. O almoço deve estar quase pronto e gostaria de te mostrar a casa. Tirarás as fotos depois do almoço.

9.4.19

UM HOMEM DIVIDIDO - PARTE XX



-Sim…
- Tenho a dona Paula Maldonado ao telefone. Pode atender?
-Sim, claro. Passe-me a chamada por favor.
- Estou: Bom dia Paula. Porque não ligaste para o meu telemóvel?
- Não é uma chamada pessoal. Prefiro tratar os negócios pelo telefone. Preciso conhecer o local da festa, com urgência. O espaço temporal é demasiado curto e ainda não me disseste onde se vai realizar a festa.
- Falaste numa festa ao ar livre e eu gostei da ideia. Tenho uma casa em Sintra, numa pequena quinta. Só lá vou aos fins-de-semana, mas tem um bonito jardim, com um pequeno lago, penso que seria o ideal.
-Preciso vê-lo. Saber onde fica a igreja mais próxima, ir falar com o padre, uma infinidade de coisas.
-Eu mesmo gostaria de te levar lá, mas vou ter uma reunião dentro de meia hora com o meu sócio. Não podes deixar a visita para mais tarde?
- Prefiro ir já.
-Muito bem. Vou enviar-te a morada. E telefonar à governanta para que te mostre o jardim. Entretanto logo que termine a reunião vou lá ter. Almoçamos e depois podemos ir juntos falar com o padre. Além disso,- apressou-se a dizer, antes que ela recusasse. – Gostava de te mostrar a casa, e de ter uma ideia do que pensas fazer.
- Bom, manda então a morada. E vou falar com o padre, sozinha. Não quero correr o risco de encontrar alguém conhecido, e alimentar boatos em revistas cor-de-rosa. Vou desligar. Até logo!
António desligou a chamada, enviou a mensagem com a morada e ficou pensativo. A ele também não lhe agradavam os boatos, mas não desdenharia nada de sair nas revistas como noivo dela, se isso fosse verdade. Pelo contrário ia sentir-se muito feliz. Cada dia que passava, mais pensava nela. E não tinha nada a ver com a vingança que durante tantos anos alimentou contra o pai dela.
Na verdade sempre que pensava na jovem, conseguia imaginar muita coisa, mas nada que a ligasse ao pai e ao seu desejo de se vingar.  Desejo que aliás pôs de parte, por ela. Nunca em toda a sua vida sentiu algo parecido por outra mulher. Estaria apaixonado?
Foi interrompido nos seus pensamentos, por uma batida na porta, e logo Susana, a sua secretária entrou dizendo:
- Chegou o senhor Júlio Correia, e doutor Eduardo Soares.
- Faça-os entrar. E pode retirar-se. Se precisar de si, chamo.
Os dois homens entraram no escritório, e a secretária retirou-se fechando a porta atrás de si.
António levantou-se e os três homens, cumprimentaram-se de forma amistosa.
- Sentem-se. Querem tomar alguma coisa?- Perguntou António.
- Não, - disse o seu sócio. – Deves lembrar-te que nunca bebo de manhã.
-Eu também não, acabei de beber um café, -disse Eduardo, antecipando-se à pergunta do cunhado.
- Então vamos lá trabalhar. Já marcaram a escritura em Faro?
- Está agendada para depois de amanhã às quinze. Vais connosco não é verdade?- Perguntou Júlio.
- Bom, não era necessário, mas o Eduardo diz que fazes questão na minha presença.
- Sinto-me mais confiante assim. Somos amigos, mas também somos sócios, e lembras-te de quando tinhas o boletim premiado? No mesmo dia quiseste que fossemos a um advogado para firmar uma sociedade. Quando te disse  que não era necessário, porque confiava em ti, disseste. “Amigos, amigos, negócios à parte.” Hoje digo-te o mesmo.
-Não é a mesma coisa, além de que o Eduardo estará lá com o doutor Alcides, teu advogado, e podes ter a certeza que eles terão muita atenção a todos os pormenores da compra. Irei convosco se fazes questão, mas esse negócio tal como os outros relacionados com os automóveis, terá que ser dirigido por ti, eu já tenho imenso trabalho com os restaurantes e a Imobiliária.
-Então está combinado. Vamos depois de amanhã às nove horas.Outra coisa. Sabes que vou casar no final do próximo mês? - Perguntou Júlio.
- Penso que já tinha ouvido alguma coisa sobre o assunto. Os meus parabéns.
- Obrigado. Eu ficaria muito feliz se aceitasses ser o meu padrinho.
Aceitas?
- E eu sinto-me honrado com o convite. Claro que aceito, - disse levantando-se e abraçando o amigo. – Depois conversamos sobre isso. Agora tenho que sair, tenho um compromisso em Sintra.


23.3.19

UM HOMEM DIVIDIDO - PARTE VII







- Bom dia Paula.
- Bom dia Cidália. Tão cedo por aqui? Passa-se alguma coisa? Como está o meu irmãozinho?
- Deixei-o na escola agora. E aproveitei para vir falar contigo, calculei que a esta hora ainda não estivesses muito ocupada.
- Fizeste bem. Realmente nos últimos tempos, não tenho tido tempo para nada, tem sido umas festas atrás de outras. Mas não me devia queixar, enquanto estou a trabalhar não me lembro do desastre que é a minha vida pessoal.
- Ainda sofres, por causa do Adolfo?
- Que te parece? Foram quatro anos da minha vida, sonhando com uma vida em comum, fazendo projetos em vão. Mas não falemos de mim. Diz-me, que te trouxe cá?
- Sabes que os negócios do teu pai, não vão nada bem?
- Não. Que se passa? É grave?
-Está na falência. Má gestão talvez, mas também por causa do António Ferreira. Já ouviste falar nele? 
- Quem não ouviu falar nesse tubarão da restauração? Mas o que tem ele a ver com os maus negócios do meu pai.
- Parece que nem sempre foi um empresário rico. Há muitos anos foi empregado do teu pai. Houve um desentendimento entre eles, não me perguntes o quê que o Jorge, não me quis contar. E ele jurou que um dia se ia vingar. Não sei como conseguiu chegar a ter tanto poder económico, o teu pai garante que naquela época, não tinha onde cair morto. O certo é que a sua área de intervenção, não é apenas a cadeia de restaurantes, “Cozinha Portuguesa” mas também tem a maior imobiliária do país, a “Casa dos seus sonhos”. E tem roubado todos os negócios ao teu pai, que para lhe fazer frente, acabou hipotecando a empresa, a hipoteca está a vencer-se e ele não tem como resgatá-la. Resumindo, está completamente arruinado.
-Meu Deus. Porque é que não me contaste antes?
-Eu também não sabia. O teu pai andava preocupado e eu sabia que as coisas não iam bem, mas não imaginava quanto. Só agora me contou.
- E não se pode fazer nada?
- Não. Embora o Jorge ainda tenha esperanças de que possas salvá-lo.
- Eu? Empreguei o dinheiro da herança da minha mãe na empresa. Os negócios têm corrido bem e tenho algum dinheiro mas pouco, e não quero recorrer a empréstimos que hipotequem o meu futuro. Como é que eu posso ajudar?
- Conheces o António Ferreira?
- Não. Aliás, penso que o vi uma vez numa festa que fiz, mas de longe, e nem tenho a certeza se seria ele, embora me lembre de ouvir comentar o seu nome. Porquê?
- Porque ele deu oito dias ao teu pai para te convencer a casar com ele. Se isso acontecer, não só esquece a hipoteca que tem sobre a “Casa Nova” como lhe concede um empréstimo, para voltar aos negócios, e se compromete a deixá-lo em paz. Caso contrário, dentro de oito dias, executa a hipoteca e anexa a empresa à sua.
- O homem é doido. Como pode querer casar comigo se nem me conhece? E quem pensa ele que sou? Uma mercadoria que pode comprar? Como se eu fosse um saco de batatas para os seus restaurantes?
Pôs-se de pé. Estava furiosa. Percorreu o gabinete, de uma ponta à outra barafustando. Depois voltou-se para a madrasta.
-Foi o meu pai que te mandou cá? Para me convenceres?

12.6.18

CASAMENTO DE CONVENIÊNCIA - PARTE XXVIII


Ele engoliu em seco. Naquele preciso momento deu-se conta de que não queria aquele negócio. Queria a mulher que estava a seu lado, queria o seu amor. Ricardo tinha razão. Tinha que remediar o mal que tinha feito. Tinha que lhe abrir o coração e contar toda a verdade. Só então poderia aspirar ao amor da esposa.Ergueu a mão e acariciou suavemente o rosto feminino. Decidido retomou a palavra. - Penso que temos que ter uma conversa séria. Espero que tenhas paciência para me ouvir, porque mesmo correndo o risco de te perder, acho que chegou o momento de te abrir o coração,- disse ele abraçando o corpo feminino.
 Impressionada com o tom de seriedade que ele usou, Joana limpou as lágrimas no dorso da mão, e aninhou a cabeça no seu ombro, num gesto que ele interpretou como sendo de confiança.
- A minha infância não foi fácil. Cresci com o meu pai, um homem cheio de amargura, porque a mulher que ele amava, fugiu com outro homem, deixando-o para trás com o filho de ambos para criar. Meu pai deu-me tudo o que o dinheiro podia comprar, boas roupas, bons colégios um curso superior. Também me ensinou tudo o que sabia, só não me ensinou a amar porque o seu coração estava morto para o amor.
 Eu era muito pequeno, não tenho nenhuma memória da minha mãe. A única lembrança de um afago feminino, é da minha tia quando nos visitava. Cresci a pensar que as mulheres não prestavam e jurei a mim mesmo, que nunca ia sofrer por causa de nenhuma. Por isso quando o meu pai morreu, eu dediquei-me por completo aos negócios e a ser cada dia mais rico. Nunca levei as mulheres a sério, eram capazes de tudo por dinheiro, e eu tinha muito. De modo que sempre tive as que quis, quando quis. Sei que devo parecer-te muito cínico, mas eu prometi ser sincero e posso ser desagradável, desprezível até, mas não vou retocar o retrato mentindo. Há cerca de dois anos, comecei a pensar que me tinha matado a trabalhar e não tinha um herdeiro a quem deixar o fruto do meu trabalho. Pensei arranjar uma mulher que estivesse disposta a casar comigo, e dar-me um filho, a troco de uma vida de luxo. Conheci uma jovem cujos pais tinham mais pose que dinheiro e pensei que tinha encontrado a mulher ideal, mas ela era muito frívola, e a única coisa que lhe interessava era andar de festa em festa, exibindo-me como se eu fosse um troféu. Cansado, tinha decidido acabar com aquela espécie de relação, quando tu apareceste no escritório, com o nosso filho. Quando vi a foto da tua irmã com o namorado, descobri que o menino era filho do meu primo Paulo Amado, o único filho da minha tia Conceição. Desde pequeno,  quando queria fazer alguma coisa que sabia não ser correta, ele usava o meu nome. Não tens noção das vezes que paguei, por asneiras dele. Por favor, deixa-me continuar, - disse ao ver que ela se mexia inquieta.  
-Sim a tia São, é tão avó do Pedro como a tua mãe. Quando o descobri, pensei que tinha achado a solução para o meu problema. Casando contigo, e adotando o Pedro, eu teria um herdeiro do meu sangue. Por outro lado, tinha a certeza de que ele seria a salvação da minha tia que definhava dia a dia. O Paulo, nunca foi flor que se cheirasse, mas era o seu único filho e ela amava-o muito. 
- Então ela sabia que o menino era seu neto, quando vinha sempre visitá-lo?
-Sabia. E ambos esperávamos que tu a convidasses a vir viver com a tua mãe. O que tu fizeste sem que nenhum de nós tenha tentado influenciar-te.
-E porque tinhas tanta certeza de que o faria?
-Porque tens um coração do tamanho do mundo. E sabendo como a tua mãe sofre pela morte da tua irmã, ias apiedar-te da minha tia. A solução era boa para as duas, e tu além de teres bom coração, és uma mulher inteligente.


23.5.18

CASAMENTO DE CONVENIÊNCIA - PARTE II





Se Pedro era um homem bem-sucedido nos negócios, o mesmo não acontecia na vida privada, onde talvez por vontade própria era um lobo solitário. Jamais pensara em se casar, não tinha uma boa ideia das mulheres na generalidade, talvez porque a mãe trocara o marido e o filho pelo amor de outro homem, quando ele tinha apenas cinco anos e só voltara a saber dela, vinte e cinco anos mais tarde, quando lhe comunicaram a sua morte. Assim ele passava pela vida das mulheres, como o colibri pelas flores. Uns beijos, uns momentos de inebriante prazer, e levantava voo.
Cristina Amaral, era a exceção. A jovem pertencia a uma família tradicional, com mais nome que dinheiro, e durante um tempo no início da relação, ele pensou que talvez fosse a pessoa certa, para dar um novo rumo à sua vida. Não pensava no casamento como uma união de amor, mas sim de conveniência. Ele já tinha feito trinta e oito anos, e não tinha família. De que lhe valia ter criado um império, se não tivesse a quem o deixar? Estava na hora de casar, ter filhos.  Mas depressa se cansou da frivolidade da jovem, que estava mais interessada em desfilar com ele pelas festas, exibindo-o como um troféu, do que em prender-se num casamento. Na atualidade, Pedro procurava uma maneira de terminar a relação sem grandes problemas. Não suportava mais aquelas festas, onde o álcool corria desenfreado pelas gargantas, entorpecendo os sentidos e a razão. Nem as conversas sem nexo dos jovens amigos e companheiros de festas de Cristina.
Olhou o relógio. Dezasseis horas. O advogado devia estar a chegar.
Detestava que se atrasasse e parecia que ele fazia de propósito. Não fora Ricardo Araújo, um excelente advogado e um amigo desde o primeiro dia que assumiu os negócios e já o teria dispensado e contratado outro. Mas Ricardo era muito mais que um advogado. Era quase um irmão.
Ouviu-se uma pancada na porta. Pedro voltou-se a tempo de ver  assomar a cabeça da sua secretária que anunciava:
-O doutor Araújo.
- Boa tarde, – disse este entrando, enquanto Rita fechava a porta nas suas costas. - Desculpa o atraso, mas a culpa é do trânsito infernal, que atravanca esta cidade.
- Boa tarde, - respondeu Pedro aproximando-se de mão estendida. – Tens sempre a mesma desculpa. De vez em quando podias ser mais criativo.
- E que culpa tenho eu que ninguém resolva o problema do trânsito na cidade? Além disso, pagas-me para cuidar dos teus interesses. Se queres criatividade temos que rever o contrato, - disse rindo.
Ricardo Araújo, não era tão alto quanto o empresário, e apesar de não ter ainda quarenta anos estava já quase totalmente calvo. A sua pele tinha um tom claro, os olhos inteligentes e vivos, eram de um azul intenso, e tinha um sorriso fácil, que contrastava com o semblante sério do cliente e amigo.
- Decididamente não tens emenda. Não sei com a tua mulher te atura.
-Ela sabe que nem com uma candeia encontrava melhor. E a propósito, ela disse-me para te dizer que contamos contigo na nossa festa no sábado. 
- Que festa?- Perguntou surpreendido.
- Mau. Não me digas que não te falei, na festa do nosso aniversário de casamento.
-Que me lembre, não. 
- Então é no próximo sábado à noite. No hotel Tivoli. Nada de muita gente, apenas os melhores amigos. Suponho que vais com a Cristina, ou atualmente já é outra?
- É obrigatório ir acompanhado?
-Claro que não.
- Vou sozinho. Agora vamos trabalhar?