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31.8.19

A HISTÓRIA DE UM PAR DE BOTAS...DA TROPA VI



                                               foto minha.

Em 1962 Manuel continuava a viver no velho barracão de madeira, assente em pilares de cimento, junto ao rio Coina, Era, o lenhador da Seca, o homem que transformava os grossos troncos de azinheira, trazidos do Alentejo, em cavacos, que alimentavam os grandes fogões das "maltas" dos homens e mulheres. Pois o Manuel, não só cortava e rachava a lenha, como a transportava num carrinho de mão para estes locais, e também para a casa do Capitão, gerente da Seca, e para as casas dos residentes fixos no local, os empregados de escritório, os electricistas, os vigias e o posto de Guarda Fiscal, que asseguravam o bom funcionamento da Seca durante todo o ano. Manuel era um homem magro, de baixa estatura, mas de uma força extraordinária.
 Causava espanto, a agilidade com que ele manejava uma marreta de 16 quilos, por ele, baptizada de segunda-feira. A mulher do Manuel, era simultaneamente porteira,e trabalhadora da Seca,  já que era ela quem abria o portão, para o pessoal que vindo do Barreiro, encurtava caminho, passando pela caldeira do Alemão, (onde hoje se encontra a zona ribeirinha da Polis ) e seguindo junto ao rio, até ao portão de entrada na Seca, que lhe ficava à porta. Quando passavam as últimas pessoas, fechava o portão à chave, e seguia com elas para o trabalho de lavar, salgar, banhar, estender ou enfardar o bacalhau. À tarde saía um pouco mais cedo para ir abrir o portão, por onde o pessoal passava de regresso a casa. Cabia-lhe ainda, a ingrata tarefa de revistar os cabazes que o pessoal trouxera com o almoço, não fora alguém esconder nele algum bacalhau. Na Seca havia mais dois portões. O principal que ligava a Seca à Telha e o único servido por uma estrada por onde circulavam os carros e os camiões e o terceiro junto ao antigo moinho de maré. Este portão separava a Seca da Quinta do Himalaia, e dava entrada ao pessoal que vinha de Palhais e Santo António, atravessando a mata do Himalaia.



                                              foto minha

Nessa época, o  casal tinha três filhos com pequena diferença de idade e ainda criava um dos irmãos mais novos da mulher que tinha quase a idade da sobrinha mais velha. Dos finais de Março a Setembro, com a inactividade da Seca, a mulher do Manuel não tinha trabalho, e o ordenado dele, não dava para sustentar seis bocas. O pequeno terreno que desbravara ao mato, ajudava com os legumes, e a mercearia ele mandava pôr no rol, que pagava religiosamente quando a próxima safra começava, agora já com a ajuda da filha mais velha, e do cunhado, que já trabalhavam na safra. Estávamos em Maio, num daqueles dias quentes, que mais parecem de Julho, quando à Seca, chegaram dois polícias numa carrinha, em busca do Manuel. Ele estava no trabalho, no armazém da lenha, e lá chegados os polícias deram-lhe voz de prisão, e levaram-no sem sequer poder avisar a família. Entrar algemado na carrinha, foi para o Manuel uma vergonha e dor tão grande, que ele pensou não resistir.

30.8.19

A HISTÓRIA DE UM PAR DE BOTAS...DA TROPA V


Mulheres a estenderem bacalhau na Seca da Azinheira. O edifício do lado direito, é a malta dos homens. Foto de Eduardo Martins.



O casarão, como ele lhe chamava, era um enorme barracão assente em pilares de cimento, com 1m de altura, para que a água passasse por baixo nas tempestades de Inverno, ou nas marés vivas de Agosto, pois ficava bem na margem do rio Coina, junto ao portão de acesso à Seca, pelo pessoal do Barreiro, que para encurtar caminho, vinham pela trilha da Caldeira do Alemão. Tinha quatro grandes quartos com portas e chave, mas apenas um tinha janela para o exterior. E um salão de 11 metros de comprimento por 4 metros de largura. Contrariamente aos quartos, este salão não tinha nenhum forro por baixo do telhado, pelo que não raras vezes pingava lá dentro quando chovia. Na frente duas enormes janelas para o exterior. Viradas para a Seca, cercada a toda a volta por arame farpado. A meio do salão uma grande mesa comprida, e de cada lado um banco corrido de madeira. A mesa era utilizada pelos quatro casais. A um canto do salão, sobre uma base de cimento, dois tijolos, com uma grelha de ferro em cima servia de fogão. A luz era fornecida pelos candeeiros a petróleo, e a água, as mulheres iam  buscá-la ao chafariz da Telha, em bilhas de barro, que transportavam à cabeça, sobre uma rodilha  de pano, também chamada de sogra. Entre o barracão e o chafariz uns quinhentos metros bem medidos. 



                                      Candeeiro a petróleo
                                           

Os casais davam-se bem, eram colegas e amigos, gente da mesma terra, que migrara para ali, em busca de trabalho e uma vida melhor. Todos eram vigias, excepto o Manuel que era lenhador, por isso tinham trabalho todo o ano.
A primeira obra do Manuel no casarão, foi a construção de um forno, junto ao fogão, para que as mulheres pudessem cozer pão.
Se por um lado não havia grande privacidade, por outro havia sempre uma mulher disponível para cuidar dos miúdos, dois rapazes do Aires, um casal do António, mais um rapaz do Carlos, e a menina do Manuel. Em Setembro, regressavam os bacalhoeiros e recomeçava a labuta de mais de quatrocentas pessoas, que na Seca, descarregavam o bacalhau e iniciavam todo o processo de cura, como já expliquei noutro conto. Era a  festa do reencontro, entre os que partiram para a aldeia, e os que ficaram.
Pouco tempo depois, o António mudava-se com a mulher e os filhos para uma casa na Telha. Mais longe do trabalho, mas mais perto da mercearia, da escola, da padaria… E melhor que isso, com electricidade em casa e o chafariz à porta. No Barracão ficou um quarto vago que foi ocupado pelos dois filhos do Aires. No verão, seguinte, o Carlos mudou-se com a família para a Seca de Alcochete, onde tinha irmãos a trabalhar, e pouco depois, o Aires, também se mudou para uma casa na Telha. No “casarão” ficaram  apenas o Manuel e sua família.


29.8.19

A HISTÓRIA DE UM PAR DE BOTAS...DA TROPA IV


                                                foto minha

                                                      IV

O nosso Manuel foi falar com o Capitão, gerente da Seca, para tentar resolver o seu problema. Como ele trabalhava o ano inteiro e a mulher estava prenhe, ele queria uma casa para viver com ela. O pior é que as casas estavam todas habitadas. Só estava vaga a barraca do Pinheiro Manso.
Ele e a mulher não se importavam de ir viver para lá se o gerente autorizasse. E ele autorizou.
No fim de Março, eles mudaram-se para essa “casa”. Era uma barraca de madeira, com uma espécie de sala, com uma bancada,num canto, e dois quartos. Não tinha electricidade, não tinha água, mas tinha o telhado forrado, o que a tornava mais confortável no Inverno.
Manuel era um homem muito habilidoso. Com uma fita métrica, um martelo, escopro e polaina, cola, que ele fazia, misturando farinha com água, pregos e madeira, ele era capaz de fazer maravilhas. Mas onde ir arranjar a madeira?
Todos os anos, quando os navios chegavam, os botes eram trazidos para terra, para que fossem reparados. Eram trocadas as tábuas que estavam em mau estado, substituídas por novas, e calafetados, para que não apresentassem perigo quando voltassem ao mar. À porta da oficina, amontoavam-se as tábuas velhas, e pequenos pedaços de novas. Manuel conseguiu autorização para utilizar essas tábuas, e com elas fez um armário, para a loiça, uma arca para guardar as roupas, o berço para o filho que estava a caminho, e uma mesa. No ferro velho comprou uma cama e duas cadeiras de ferro, que lixou e  pintou de novo. Comprou ainda um fogão, a petróleo, e o resultado foi  que a casita estava “mobilada”, e pronta a habitar.



                  Fogão a petróleo, mais ou menos igual ao do Manuel
                                                     foto da Internet


O filho do Manuel chegaria no final de Setembro. Porém no início desse mês, uma daquelas tempestades de Verão, abateu-se sobre a Seca.
Na noite do dia dois para três, a trovoada rugia estrondosa como se estivesse por cima das suas cabeças. Ele abraçava a mulher que tremia de medo, e tentava esconder dela o seu próprio pavor, quando um enorme relâmpago fez da noite, dia, e o trovão os ensurdeceu. A mulher, aterrorizada de medo, sentia a criança “aos saltos” e ambos sentiram o cheiro a queimado. Pouco depois a trovoada afastou-se mas eles não mais dormiram. A mulher começou com contracções antes de tempo. Talvez por causa do medo, o certo é que a criança se aprestava para vir ao mundo. Quando pelas sete da manhã, Manuel abriu a porta da “casa” encontrou na sua frente, metade do pinheiro caído, cortado, de alto-a-baixo, pelo raio que o ferira. Tremendo, a pensar no perigo que correram, ele chamou a mulher. Ela no entanto não se levantou e apenas lhe pediu que fosse chamar a parteira. Às 11,20 desse dia, a mulher do Manuel dava à luz, o primeiro dos três filhos, que viria a ter, antes de uma infecção, pós parto que quase a matou e a deixou impossibilitada de ter mais filhos.
No final desse ano, o gerente disse ao Manuel, que ia precisar da barraquita, para a nova porteira. Disse-lhe ainda que ele teria que mudar para o barracão junto ao rio, onde já viviam três casais. Porém o barracão era grande, tinha um quarto vago, e ele e a família podiam usufruir dele.

                                               

28.8.19

A HISTÓRIA DE UM PAR DE BOTAS...DA TROPA III


O Manuel e sua esposa no dia do casamento.





 Para ir ver a jovem, Manuel tinha que atravessar o rio e na Seca havia sempre um bote e um par de remos disponíveis para o fazer. Mas às vezes o mau tempo fazia perigar as visitas. Como naquele dia, 20 de Janeiro de 1946, noite de chuva forte, e ventos intensos, em que ao regressar com o Aires, que também tinha ido ver a namorada, a trabalhar na mesma Seca do Seixal, perderam os remos, e Manuel mergulhou várias vezes, perante o terror do amigo, até os conseguir apanhar e regressarem assim com dificuldade, mas sãos e salvos. O casamento fora marcado para Novembro, e embora faltasse pouco tempo, a Manuel parecia que ele tinha parado. O barquito e os remos, não descansavam um só dia, da travessia entre a Seca da Azinheira e a Seca do Seixal. A par da sua ansiedade, reinava o medo. Manuel tinha que tirar os documentos para se casar, e como era desertor, pensava que podia ser preso a qualquer momento.
Mas os documentos vieram sem problemas e o ele aquietou o seu coração. 
Finalmente, Novembro chegou, e com ele o tão ansiado dia do casamento. A 9 de Novembro, na Igreja de Santa Cruz, no Barreiro, o Padre Abílio Mendes, casava o Manuel com a sua amada Gravelina.
A partir desse dia, a mulher passou a trabalhar na Seca da Azinheira, e o bote e os remos foram dispensados.
Sem casa, nem dinheiro para a pagar, Manuel vivia na malta dos homens e a mulher na malta das mulheres.



                                           foto minha


A malta, era um enorme edifício que existia na Seca, para o pessoal que todos os anos, era recrutado nas aldeias do norte para a safra de bacalhau, que decorria entre Setembro e finais de Março, princípios de Abril. Este pessoal, mesmo sendo constituído muitas vezes, por marido e mulher, não podia, segundo a mentalidade de outrora, viver junto durante todo o tempo da safra. Logo, na Seca existiam dois edifícios, as  "maltas", uma para os homens e outra para as mulheres. As regras eram claras, os casais, podiam fazer as refeições juntos, num ou noutro local, mas antes das onze horas da noite, teriam que estar nas suas respectivas "maltas", sob pena de o vigia encerrar as portas e terem que dormir ao relento.
Para dar asas à paixão, os casais procuravam um pinhal que havia na Seca, situado numa ribanceira, que criava zonas ocultas aos olhares de quem por ele passava, ou o canavial, que ladeava a vedação da Seca, até à povoação da Telha.
 Usavam um nome de código que era: "Aviar a caderneta" Consta, que a pessoa que vos está a contar esta história, é filha de um "aviamento de caderneta". Em 1947, com o aproximar do final da safra, e com a mulher grávida, Manuel deita contas à vida, sem saber como evitar a ida da mulher para casa dos sogros, em Santa Cruz da Trapa, na Beira Alta.
Quer que esteja  junto de si, mas de Abril a Setembro a Seca, não tem trabalho a não ser para os que trabalham na sua manutenção. Logo a mulher não poderá ficar na malta das mulheres, e o que ele ganha, não dá para alugar uma casa.

                                               

27.8.19

NOTÍCIAS DO DIA



Estive hoje em Lisboa, fazendo novos exames ao meu olho. Pela primeira vez desde a última cirurgia a 19 de Fevereiro, conseguir distinguir a forma e a cor do balão que tinha de olhar na máquina. Até aqui nunca vi nada. Hoje apesar de só saber que era um balão por já ter visto no exame com o olho bom, eu distingui a forma e a cor.
O médico diz que  a retina mantém-se colada, e a córnea está melhor, mais transparente,  embora ainda esteja bastante frágil. Diz que já esteve a ver os meus exames com outros especialistas, mas que antes de tomar uma decisão, quer que a especialista em córneas me observe, aliás quer que ela esteja presente no dia da cirurgia. Acontece que a tal especialista está de férias, só volta dia 3 de Setembro. Falará com ela nesse dia e depois entrará em contacto comigo para me informar sobre o dia em que terei que lá ir, para que me ela observe e para marcar a cirurgia. 
E dia 4 de Setembro fá 7 meses que estou a sofrer este problema, sem qualquer visão no olho esquerdo e com dificuldades de visão no direito.  

A HISTÓRIA DE UM PAR DE BOTAS...DA TROPA II




                                            foto minha.



                                                   II

A Seca de Bacalhau, da Parceria Geral de Pescarias, da família Bensaúde, situava-se na Azinheira Velha, um local cheio de história, pois lá esteve sediada uma importante  base naval portuguesa, antes e depois dos descobrimentos. O local, situado na feitoria da Telha, era abrigado, estava afastado da base naval da Ribeira das Naus, embora funcionasse como complemento desta, mas suficientemente afastado, dos olhares dos espiões de outros países, que no século XV tentavam descobrir onde Portugal tentava chegar com os descobrimentos.
 Acresce a isto o facto da abundante madeira de qualidade, nos arredores, dos sapais do Coina, onde essa madeira era enterrada, num processo de preparação, para a construção das caravelas e de pertencer à histórica vila de Alhos Vedros, onde se refugiara D. João I, depois da morte da rainha, D. Filipa de Lencastre, vítima da Peste Negra que assolou a capital.
Era portanto na Azinheira Velha, que as naus eram construídas entre o Outono e a Primavera, chegando nesta à Ribeira das Naus para acabamento. Ou vice-versa, já que segundo a história, foi na Telha, no séc. XVI, na extinta Igreja de Santo André, que D. Manuel I terá assistido ao lançamento ao Tejo (1)  da Armada de Vasco da Gama. Atingida pelo terramoto de 1755 a feitoria foi destruída. Foi pois neste local cheio de história, que em 1891 a família Bensaúde, instalou a Parceria Geral de Pescarias, dedicada à indústria da pesca do bacalhau. A tão famosa Seca de Bacalhau, de que tanta vez, falo nas minhas histórias.
Em 1946, Manuel apaixona-se por uma das irmãs de um grande amigo, o Varandas, homem do norte como ele.
 Certo dia, logo no início do ano, o Varandas convidou o Manuel para ir com ele ao Seixal, onde ia visitar uma das suas irmãs a trabalhar na Seca, que aí existia. Para Manuel foi amor à primeira vista, pois ficou perdidamente apaixonado, mal viu a jovem. Ela porém não ficou muito interessada. Primeiro, porque Manuel tinha mais oito anos do que ela, segundo porque ele tinha fama de ser mulherengo, de não se prender a ninguém, e de gastar tudo o que ganhava, com “as meninas” em Lisboa.
Por pressão do irmão, mais velho, que ela respeitava, mais do que por amor, acabou por lhe aceitar namoro. Manuel estava perdidamente apaixonado. Tinha esquecido as idas a Lisboa, e tudo o que isso implicava. Todos os seus tempos livres serviam ao Manuel para ir ver a amada.
Na verdade a Seca da Azinheira, era conhecida por este nome, embora o seu verdadeiro nome, fosse Parceria Geral de Pescarias, e a Sociedade Lisbonense de Pesca de Bacalhau, conhecida por Seca do Picado, situada na Ponta dos Corvos, ficavam em frente uma da outra, apenas separadas pelo rio Coina.




                                  Antiga Seca do Seixal. 
                                  Foto de Hugo Gaito



1) Embora na história se fale de lançamento da Armada, ao Tejo, a feitoria estava no Coina, um afluente do Tejo e não nele. No entanto não sei se à época, os afluentes já estariam classificados, ou se todos eram considerados como sendo o Tejo. 
  



26.8.19

A HISTÓRIA DE UM PAR DE BOTAS... DA TROPA

Reedição
Ao lado da Igreja, o antigo colégio jesuíta, mais tarde transformado no quartel de B.C.5, e que hoje é ocupado pela Universidade Nova de Lisboa.
Foto  da Internet.





Aviso aos amigos: Por muito absurda que pareça esta história, é absolutamente real. Este Manuel, era o "Manel da lenha" o meu muito amado e saudoso pai


                                                        Primeira Parte

No início do ano da graça de mil novecentos e quarenta e um, com a guerra a assolar a Europa, Manuel era um jovem de vinte e três anos e estava prestes a terminar a tropa, e passar à reserva, no Batalhão de Caçadores 5 em Campolide. Nessa altura porém, uma certa manhã, ao levantar-se, deu por falta das botas. Antes da partida lá da sua aldeia na Beira Alta para a tropa, o Sr. Américo, tinha-lhe dito “Manel, tem cuidado com as tuas coisas no quartel. Anda por lá, filho de muita mãe e de vez em quando, algumas coisas desaparecem. Se te faltar alguma coisa, não te queixes, tira essa mesma coisa a quem te ficar mais perto. Ele tirará a outro e no fim, tudo estará certo”.
Ele ouviu, mas nos dois anos que levava no quartel, nunca lhe tinha faltado nada e aos poucos foi deixando de se preocupar. Naquele dia porém, não tinha botas para a formatura e como tinha acordara depois dos outros, já não podia tirar as botas de ninguém. A dois dias de sair tropa, Manuel, teve que participar a “perda” das botas. E tinha que pagar umas botas novas ao exército.
Como porém ele não tinha dinheiro para pagar as botas, e havia falta de mancebos nos quartéis, por via do “sangramento” para os Açores e Cabo Verde, foi-lhe proposto que ele poderia pagar a dívida ao estado com mais dois anos de tropa, "voluntária". Sem outra alternativa, Manuel aceitou.
Meses depois, em Junho, num dia de licença, o Manuel, saiu e depois de várias voltas pela cidade, pensou que estava farto da vida da tropa, e que não estava para continuar mais tempo no quartel.
Decidido, mas sem dinheiro para o comboio, resolveu seguir a pé para a terra. Não seria uma viagem rápida, mas também não tinha pressa. Lá, era certamente o primeiro sítio onde iriam procurá-lo. E foi andando, ficando um dia ou dois nas quintas que lhe apareciam no caminho. O trabalho do campo não tinha segredos para ele, e assim ganhava algum dinheiro, além de encher a barriga. E foi deste modo que nos primeiros dias de Agosto chegou à sua aldeia, Carvalhais, no concelho de São Pedro do Sul. Se a mãe ficou surpresa, porque pensava que o filho estava no quartel, Manuel não ficou menos surpreso, ao saber que ninguém o tinha ido procurar. Ele não sabia, que na confusão reinante do período de guerra que se vivia, ninguém dera pela sua falta. E quando o capataz da Seca do Bacalhau, chegou à aldeia para o engajamento de pessoal para a próxima safra, Manuel integrou-se no grupo.

25.8.19

PORQUE HOJE É DOMINGO


Vai um casal francês de visita ao Alentejo, mas, ao descer do autocarro, a mulher tropeça, cai e o vestido sobe-lhe até à cintura...
Muito resignada, olha para o marido e comenta:
- C"est la vie!!!
O alentejano perto do local, que tinha apreciado toda a cena, replica:
- Se la vi! Se la vi! Vi la toda!





                                                  ************************
                                         
Joãozinho chegou muito atrasado à escola e a professora perguntou:
- O que aconteceu?
- Fui atacado por um crocodilo! – responde o menino.
Chocada, diz a professora:
- Oh, meu Deus! Como você está?
Responde o Joãozinho:
- Estou bem, mas o trabalho de matemática ele comeu todinho…

                                                   **********************


O hipocondríaco depois de descobrir que foi traído pela mulher foi muito preocupado ao médico. No médico diz:
- Doutor, a minha mulher traiu-me há uma semana e ainda não me nasceram os cornos…
- Não sei como o posso ser útil! – responde o médico.
E acrescenta o homem:
- Quero saber se será falta de cálcio…



                                                  **********************

Uma velhota viajava sozinha numa carruagem de um comboio. Numa das estações seguintes, entrou um tipo com quatro carrinhos, cada um com o seu bebé.
Curiosa, a senhora olha para o homem, olha para os bebés e, ao cabo de alguns minutos, rompe o silêncio e pergunta:
- São todos meninos?
Responde o homem:
- Não, minha senhora. São três meninas e um rapaz.
E a velhota:
- São seus filhos?
- Não, minha senhora. – diz-lhe o homem.
Insiste a velhota:
- Ah, então, são seus sobrinhos!
- Também não! – explica o homem – É que eu sou vendedor de preservativos e ”isto” são as reclamações de fabrico…


                                                 **********************


Um alentejano, numa visita a Lisboa, entrou num café e pediu uma cerveja em lata. O empregado entregou-lhe a cerveja e qual não foi a sua surpresa quando viu o alentejano sacar de uma abre-latas do bolso e começar a abrir a cerveja.
- O que estás a fazer?! – perguntou o empregado. – Você não sabe para que serve essa argolinha em cima da lata?
E diz o alentejano:
-  Mas claro que sei! É para aqueles que esquecem de trazer o abre-latas…

24.8.19

VISITANDO A CASA MUSEU DO BOCAGE

  Este espaço museológico tem, em exposição permanente, peças de arte e livros do Museu de Setúbal/Convento de Jesus e documentos da Biblioteca Pública Municipal de Setúbal que retratam a figura e obra de Bocage, nascido em Setúbal em 1765.
Em complemento, existe a cenografia de uma sala com uma figura de Bocage.
No primeiro andar, está instalado um Centro de Documentação Bocagiano, ligado, pela Internet, a bibliotecas e centros de estudo. No edifício funciona também o Arquivo Fotográfico Américo Ribeiro.

 Uma gravura de Setúbal, na época do poeta
 Foi Bocage um homem muito viajado
 Fragmentos de poemas 







 Este quadro retrata Bocage e as musas. Segundo me foi dito, este quadro do pintor setubalense Fernando dos Santos, seria originalmente igual à reprodução fotográfica em baixo. 
Acontece que o quadro terá sido considerado imoral, porque uma das musas estava algemada e totalmente exposta, e porque a moral da época achou que uma obra que retratava uma orgia, não podia ser considerada arte,  pelo que a obra foi retirada de exposição e guardada por longos anos numa armazém da câmara. Nos anos 50, houve um movimento para recuperar a obra que se encontrava muito degradada, mas foi pedido ao pintor que em vez de sugerir uma orgia, deveria sugerir um quadro cênico de um bailado, pelo que o pintor terá feito a reprodução fotográfica do original e recuperado a obra como se vê. A musa virou bailarina, e as expressões de êxtase, foram substituídas, por outras mais 
artísticas.
Ampliando as fotos pode ver-se as diferenças.




















À margem, fiz ontem dia 23 os meus exames ao ombro e braço direito. O médico que fez a eco confirmou a tendinite, ainda assim parece-me que tenho sorte pois não há rotura. Porém ainda assim tem sido bem dolorosa.

23.8.19

CONVERSANDO COM O LEITOR



Bom dia amigos
Chegou ao fim mais uma história, esta já uma reedição. Para aqueles que não a conheciam espero que lhes tenha agradado. É uma história de violência doméstica como tantas de que temos conhecimento  no dia-a-dia. Esta acabou bem, afinal trata-se de ficção. Provavelmente na vida real, teria acabado de forma bem diferente. Regra geral, crianças criadas em tal ambiente têm tendência a repetir na idade adulta a violência de que foram vítimas.
Mudando de assunto. Todos sabeis como este ano tem decorrido para mim, e para a minha família. Marido, cunhado, sobrinha. A única coisa boa que este ano me trouxe até agora, foi a Margarida no dia 12 deste mês. 
Por outro lado o pc ardeu, e se a neta me emprestou o portátil uns dias para que pudesse programar a reedição da "Longa travessia", diariamente tive que me desenrascar com o Smartphone, o que como devem calcular tem sido uma aventura.
Finalmente acabo de comprar um novo computador o que me vai facilitar a vida, não só para retomar a escrita, como para vos ler e comentar.
Neste momento, não tenho pois nada de novo para publicar. Provavelmente só no início de Setembro retomarei a escrita. Para a semana dia 26 tenho que acompanhar o marido a uma consulta de neurologia, dia 27 vou para a minha consulta ao olho em Lisboa, no dia 28 o marido tem consulta de pneumologia no  hospital, e dia 30 eu tenho consulta de Terapia do sono por causa da apneia também no hospital. Além das idas todos os dias com o marido à fisioterapia. Como devem calcular a disposição para a escrita não é nenhuma. Posso reeditar outra história, ou apresentar uma foto ou qualquer outra coisa, só para que o Sexta não fique parado. Vocês dirão.
Bom fim de semana

22.8.19

LONGA TRAVESSIA - PARTE XXX


 Epilogo

E tinha chegado a noite de Natal.
Agora ali estavam na acolhedora sala dos amigos, depois de partilharem, de uma ceia de Natal, plena de alegria e amor.
As crianças brincavam juntas, encantadas com os presentes que o Pai Natal deixara debaixo da árvore, enquanto jantavam
Os adultos conversavam dos mais diversos temas. Rui continha, a vontade de chorar, mas os olhos brilhantes denunciavam a sua emoção. Nunca tivera uma noite de Natal assim. Às noites de sofrimento em criança, sucederam-se as noites de lobo solitário. E  aquelas pessoas aceitaram-no sem reservas e tratavam-no como se tivessem sido amigos, toda a vida. Nunca ninguém tinha sido tão generoso com ele.
A certa altura, André foi junto do pai e perguntou:
- Pai, o Martim pode ficar cá a dormir esta noite?
Os quatro olharam-se perplexos. Rui procurou o olhar de Teresa e o que viu encheu o seu coração de alegria.
- Por mim pode - respondeu Tiago. - Mas não sou eu quem decide, filho. São os pais do Martim, que têm que autorizar.
O garoto voltou-se para Rui.
- Claro que sim, - disse, ante o olhar suplicante do menino.
Já passava da meia-noite quando os dois se despediram, prometendo voltar no dia seguinte, para o almoço.
Já no carro, Rui perguntou:
- E agora?
- Agora, vamos para a nossa casa.
Emocionado, pôs o carro a trabalhar.
E aquela noite de Natal, foi de facto uma noite mágica.
 Uma noite de reencontro de dois corpos que se conheciam, se desejavam e saboreavam numa entrega total, só possível em duas almas gémeas. Reconheciam-se em cada toque, em cada olhar em cada gemido. E quando assim é, o sexo perde identidade, atravessa a alma e explode numa benção divina, a que se  chama amor.


………………………………………………………………………………
Casaram numa manhã fria de final de Janeiro. Faz hoje precisamente cinco anos. Agora, a “Tudilar” é a maior empresa do género em toda a Península Ibérica. Exporta mais de oitenta por cento da sua produção. Nestes cinco anos, Rui vendeu todos os seus negócios em Inglaterra, e decidiu investir no seu país. Fez sociedade com Tiago, e os dois fizeram parceria com uma conhecida marca de automóveis. E hoje, além da oficina de reparações e de um stand de vendas, têm uma fábrica de componentes para automóveis. É um homem feliz, e de bem com a vida. O filho Martim é já um garoto espigado  na pré adolescência. A filha, Sara, uma linda bonequita de cabelos encaracolados e cara de anjo, que com os seus três anos traz todos enfeitiçados. Naquele momento,  Rui pensava na longa travessia que foi a sua vida, até encontrar enfim, a porta de acesso à felicidade presente, quando Teresa se aproximou pela retaguarda, segurou-lhe o rosto entre as mãos e aproximando a boca do ouvido do marido perguntou:
- Gostas do número cinco?
- Porquê? – Perguntou pensando que se referia ao aniversário de casamento
- Porque dentro de alguns meses seremos cinco, - disse sorrindo.
Voltando-se Rui enlaçou-a e beijou-a apaixonadamente, demonstrando-lhe assim o quanto gostava do número... e dela!



Fim


Elvira Carvalho


21.8.19

LONGA TRAVESSIA - PARTE XXIX


Iam passar o Natal em casa de Tiago e Luísa. Teresa apresentara-os dois dias antes, quando foram buscar Martim. Claro que Rui conhecia perfeitamente Luísa, uma vez que era a sua secretária, o que não sabia é que ela e o marido, eram os padrinhos do seu filho, e que fora o casal que acolhera Teresa durante toda a gravidez, e nos primeiros anos de vida do seu filho, para que ela pudesse continuar a estudar. Tinham-na amado e protegido como se fosse uma irmã mais nova.
Emocionado, ele agradeceu-lhes, e ofereceu os seus préstimos para tudo o que o casal precisasse. E terminou dizendo:
-Só não vos ofereço a minha amizade, porque não sei se a amizade de um traste como eu, vos interessa.
A resposta foi um forte abraço de Tiago e o convite do casal, para fazer parte da sua ceia de Natal, já que Teresa e o filho, costumavam passá-la com eles todos os anos. Aceitou, com o coração cheio de gratidão.
Depois jantaram em casa de Teresa, com Martim a falar pelos cotovelos, e a fazer inúmeras perguntas ao pai. E ele emocionado, abraçando-o e brincando com ele. Quando foi para a cama, Martim fez questão de ser o pai a ir com ele, e a contar-lhe uma história.
 Para a noite ser perfeita, faltou pernoitar lá em casa, mas compreendia que Teresa precisasse de algum tempo para assimilar a nova vida. Percebeu que se queria reconquistá-la, não podia nem devia forçá-la.
No dia seguinte, foram os três às compras. Presentes de Natal, e não só. Para eles e para Luísa, o marido e o filho. Depois foram para casa de Rui. Tê e o filho conheceram então a grande e luxuosa casa. Na sala de entrada, Rui pegou o filho ao colo e mostrou-lhe o retrato da mulher, que dominava o espaço, dizendo:
- Martim, esta era a tua avó. Uma grande mulher.
A criança olhava tudo com espanto. E com a curiosidade própria da idade, queria ver tudo. Na sala, em cima da mesinha estava o saco preto com os desenhos cinzentos, que guardava os ténis. Rui perguntou:
- Achas que servem ao Martim? Gostaria que ele os usasse se lhe servirem. Se ele os usar, é como se finalmente, eu os pudesse calçar.
- Sim. São muito bonitos, e ele nunca teve nada parecido. Vamos ver se lhe servem.
Serviam. A criança ficou encantada, e não parava quieta, só para ver as luzinhas nos ténis. Rui sorria feliz. Depois, pegando na mão de Teresa, perguntou.
-Gostas da casa? Se gostares, podemos ficar a morar aqui. Claro que poderás mudar a decoração, certamente haverá coisas de que não gostes. E quero que saibas que nunca trouxe nenhuma outra mulher a esta casa, - acrescentou fitando-a muito sério.
- Eu sei. Soube-o quando apresentaste a tua mãe ao Martim. Gosto da casa. Deveríamos mudar os sofás, ou forrá-los de novo. O branco é incompatível com crianças. Também não gosto dos reposteiros, são demasiado pesados. O resto está perfeito. Ah! E temos que fazer umas alterações num dos quartos. Decorá-lo mais de acordo com a idade do Martim.


20.8.19

LONGA TRAVESSIA - PARTE XXVIII


- Em Londres, para cortar todos os vínculos com o passado, pus de parte o Rui, e adotei o meu segundo nome como principal. Com formação em economia, inglês e alemão,  pouco tempo depois, estava empregado numa multinacional, e muito bem remunerado. Continuei a estudar os movimentos das empresas e a investir na bolsa. Ganhei muito dinheiro. Em menos de dois anos mais que tripliquei o meu pecúlio. Era já uma fortuna considerável. Então comprei a primeira empresa. Uma pequena firma de indústria transformadora, em vias de falência. Recuperei-a e fiz dela uma empresa de sucesso. Depois dessa vieram outras. Todas prosperaram e são hoje uma fonte de riqueza. Penso que se fiz alguma coisa de jeito na vida, foram essas reestruturações e revitalizações de empresas. Estavam para fechar, iam despedir todo o pessoal. E graças a mim salvaram-se, e ninguém perdeu os seus empregos. 
Fez uma pausa. Era visível que aquelas recordações lhe provocavam grande sofrimento. 
- Dizem que dinheiro atrai dinheiro, e talvez por isso eu fui capitalizando cada dia mais. Pena que a minha mãe, não tenha vivido o suficiente para usufruir dele. No fundo ela foi a grande vítima. Primeiro do meu pai, e depois do seu amor por mim. Um amor que a levou a assumir uma culpa que não era sua, e lhe deu cabo da saúde e da vida. Por minha culpa.
A voz extinguiu-se-lhe num soluço.
-Não foi culpa tua, Rui, não foi - sussurrou Teresa apertando-lhe a mão.
Após um curto silêncio, ele continuou:
- É tudo Tê. Falta só dizer-te que é bem verdade que o dinheiro não dá felicidade.Sinto-me vazio. A solidão nunca foi uma companheira amorosa. Amarga os meus dias, e aterroriza hoje as minhas noites, quase tanto, quanto o meu pai o fazia outrora. Os dois anos mais felizes da minha vida, foram os que partilhamos. Nunca, nem antes nem depois de ti, uma mulher me fez sentir, tão completo como tu. E ontem, o meu coração quase explodiu de felicidade, quando descobri que me deste um filho. Mas não podia apresentar-me a ele, sem primeiro despir a alma, das negras recordações que carrego. Queria e precisava, ir para ele de espírito limpo. Consegues entender-me? – Perguntou fitando-a com ansiedade.
Ela continuava sem palavras.  Esmagada pelo sofrimento que via nos olhos dele. E ao mesmo tempo maravilhada, pela sinceridade masculina. Limitou-se a um aceno de cabeça.
- Casa comigo, Tê! E se esta ânsia de estar contigo, o resto da minha vida, se este desejo de vos proteger, e fazer felizes não é amor, ensina-me a amar-vos.
Ela tinha-lhe dito que tinha de ganhar a sua confiança.  Mas o que ele acabara de fazer, era a maior de todas as provas de amor. Finalmente, o homem deixara de ser o desconhecido, a quem tudo dera, sem nada receber em troca. Abrira-lhe as portas da sua alma. Mostrara-lhe quão vulnerável e sofrido era. E com isso matara todo o ressentimento, que ela experimentara.  Sentiu que o destino lhes estava a dar uma segunda oportunidade de serem felizes. 
Com os olhos rasos de água, e o coração exultante de alegria, fitou o rosto ansioso dele, e sem deixar de o olhar, segurou-lhe o rosto entre as mãos e beijou-o.
Maravilhado, ele retribuiu ao mesmo tempo que a abraçava.
Com a emoção à flor da pele, beijaram-se intensa e apaixonadamente. Era o reencontro de duas almas, livres de todos os obstáculos que outrora as mantiveram separadas, querendo apagar todo um passado de sofrimento. Mas quando a boca masculina roçou o pescoço feminino, a a mão dele acariciou o tecido sobre o seu seio, o corpo ansiando por algo mais, ela afastou-o suavemente dizendo:
-Hoje não, Rui. Vem. Vamos buscar o nosso filho.