foto minha.
Em 1962 Manuel continuava a viver no velho barracão de madeira, assente em pilares de cimento, junto ao rio Coina, Era, o lenhador da Seca, o homem que transformava os grossos troncos de azinheira, trazidos do Alentejo, em cavacos, que alimentavam os grandes fogões das "maltas" dos homens e mulheres. Pois o Manuel, não só cortava e rachava a lenha, como a transportava num carrinho de mão para estes locais, e também para a casa do Capitão, gerente da Seca, e para as casas dos residentes fixos no local, os empregados de escritório, os electricistas, os vigias e o posto de Guarda Fiscal, que asseguravam o bom funcionamento da Seca durante todo o ano. Manuel era um homem magro, de baixa estatura, mas de uma força extraordinária.
Causava espanto, a agilidade com que ele manejava uma marreta de 16 quilos, por ele, baptizada de segunda-feira. A mulher do Manuel, era simultaneamente porteira,e trabalhadora da Seca, já que era ela quem abria o portão, para o pessoal que vindo do Barreiro, encurtava caminho, passando pela caldeira do Alemão, (onde hoje se encontra a zona ribeirinha da Polis ) e seguindo junto ao rio, até ao portão de entrada na Seca, que lhe ficava à porta. Quando passavam as últimas pessoas, fechava o portão à chave, e seguia com elas para o trabalho de lavar, salgar, banhar, estender ou enfardar o bacalhau. À tarde saía um pouco mais cedo para ir abrir o portão, por onde o pessoal passava de regresso a casa. Cabia-lhe ainda, a ingrata tarefa de revistar os cabazes que o pessoal trouxera com o almoço, não fora alguém esconder nele algum bacalhau. Na Seca havia mais dois portões. O principal que ligava a Seca à Telha e o único servido por uma estrada por onde circulavam os carros e os camiões e o terceiro junto ao antigo moinho de maré. Este portão separava a Seca da Quinta do Himalaia, e dava entrada ao pessoal que vinha de Palhais e Santo António, atravessando a mata do Himalaia.
foto minha
Nessa época, o casal tinha três filhos com pequena diferença de idade e ainda criava um dos irmãos mais novos da mulher que tinha quase a idade da sobrinha mais velha. Dos finais de Março a Setembro, com a inactividade da Seca, a mulher do Manuel não tinha trabalho, e o ordenado dele, não dava para sustentar seis bocas. O pequeno terreno que desbravara ao mato, ajudava com os legumes, e a mercearia ele mandava pôr no rol, que pagava religiosamente quando a próxima safra começava, agora já com a ajuda da filha mais velha, e do cunhado, que já trabalhavam na safra. Estávamos em Maio, num daqueles dias quentes, que mais parecem de Julho, quando à Seca, chegaram dois polícias numa carrinha, em busca do Manuel. Ele estava no trabalho, no armazém da lenha, e lá chegados os polícias deram-lhe voz de prisão, e levaram-no sem sequer poder avisar a família. Entrar algemado na carrinha, foi para o Manuel uma vergonha e dor tão grande, que ele pensou não resistir.