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29.8.19

A HISTÓRIA DE UM PAR DE BOTAS...DA TROPA IV


                                                foto minha

                                                      IV

O nosso Manuel foi falar com o Capitão, gerente da Seca, para tentar resolver o seu problema. Como ele trabalhava o ano inteiro e a mulher estava prenhe, ele queria uma casa para viver com ela. O pior é que as casas estavam todas habitadas. Só estava vaga a barraca do Pinheiro Manso.
Ele e a mulher não se importavam de ir viver para lá se o gerente autorizasse. E ele autorizou.
No fim de Março, eles mudaram-se para essa “casa”. Era uma barraca de madeira, com uma espécie de sala, com uma bancada,num canto, e dois quartos. Não tinha electricidade, não tinha água, mas tinha o telhado forrado, o que a tornava mais confortável no Inverno.
Manuel era um homem muito habilidoso. Com uma fita métrica, um martelo, escopro e polaina, cola, que ele fazia, misturando farinha com água, pregos e madeira, ele era capaz de fazer maravilhas. Mas onde ir arranjar a madeira?
Todos os anos, quando os navios chegavam, os botes eram trazidos para terra, para que fossem reparados. Eram trocadas as tábuas que estavam em mau estado, substituídas por novas, e calafetados, para que não apresentassem perigo quando voltassem ao mar. À porta da oficina, amontoavam-se as tábuas velhas, e pequenos pedaços de novas. Manuel conseguiu autorização para utilizar essas tábuas, e com elas fez um armário, para a loiça, uma arca para guardar as roupas, o berço para o filho que estava a caminho, e uma mesa. No ferro velho comprou uma cama e duas cadeiras de ferro, que lixou e  pintou de novo. Comprou ainda um fogão, a petróleo, e o resultado foi  que a casita estava “mobilada”, e pronta a habitar.



                  Fogão a petróleo, mais ou menos igual ao do Manuel
                                                     foto da Internet


O filho do Manuel chegaria no final de Setembro. Porém no início desse mês, uma daquelas tempestades de Verão, abateu-se sobre a Seca.
Na noite do dia dois para três, a trovoada rugia estrondosa como se estivesse por cima das suas cabeças. Ele abraçava a mulher que tremia de medo, e tentava esconder dela o seu próprio pavor, quando um enorme relâmpago fez da noite, dia, e o trovão os ensurdeceu. A mulher, aterrorizada de medo, sentia a criança “aos saltos” e ambos sentiram o cheiro a queimado. Pouco depois a trovoada afastou-se mas eles não mais dormiram. A mulher começou com contracções antes de tempo. Talvez por causa do medo, o certo é que a criança se aprestava para vir ao mundo. Quando pelas sete da manhã, Manuel abriu a porta da “casa” encontrou na sua frente, metade do pinheiro caído, cortado, de alto-a-baixo, pelo raio que o ferira. Tremendo, a pensar no perigo que correram, ele chamou a mulher. Ela no entanto não se levantou e apenas lhe pediu que fosse chamar a parteira. Às 11,20 desse dia, a mulher do Manuel dava à luz, o primeiro dos três filhos, que viria a ter, antes de uma infecção, pós parto que quase a matou e a deixou impossibilitada de ter mais filhos.
No final desse ano, o gerente disse ao Manuel, que ia precisar da barraquita, para a nova porteira. Disse-lhe ainda que ele teria que mudar para o barracão junto ao rio, onde já viviam três casais. Porém o barracão era grande, tinha um quarto vago, e ele e a família podiam usufruir dele.

                                               

8 comentários:

noname disse...

Caramba, isso é que é história de vida.

Boa noite, Elvira

Majo Dutra disse...

Depois de ter preparado tudo com carinho...
O pinheiro foi o pára-raios, foi uma sorte...
Tenho novamente Lagos no A Vivenciar.
Tudo pelo melhor.
Beijos
~~~

Maria João Brito de Sousa disse...

Apesar de cada vez mais fraca e debilitada, estou a gostar muito de acompanhar a história verídica do Manel das Botas.

Abraço, amiga.

Isa Sá disse...

A passar por cá para acompanhar a história.

Isabel Sá
Brilhos da Moda

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Comecei a ler agora mas acho bem interessante e vou dar uma vista de olhos nos capítulos anteriores, aproveito para desejar a continuação de uma boa semana.

Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
Livros-Autografados

esteban lob disse...

Historia inquietante, Elvira, que al tenor de tu relato la podemos seguir en plenitud, con todas sus facetas de esperanzas y angustias.

Abrazo.

Pedro Coimbra disse...

Para quem nunca conheceu essa realidade parece mentira.
Abraço

Ailime disse...

Bom dia Elvira,
Uma vida com muitas dificuldades. Muito se sofria antigamente. Ainda há quem se queixe hoje...
O pai habilidoso, como sua filha.
Beijinhos,
Ailime