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3.5.23

CICATRIZES DA ALMA - PARTE XLII


Eram quase sete horas quando Anabela chegou a casa de Paula carregada de embrulhos, quase tudo roupas e brinquedos para a sua afilhada, que entregou a Diogo quando ele abriu a porta dizendo:

- Tenho de voltar ao carro buscar a mala e o resto dos embrulhos.

-Entra. Está muito frio na rua. A Paula está a dar banho à Patrícia e eu vou só pôr isto debaixo da árvore e já vou buscar o que te falta.

A jovem aguardou que ele pousasse os embrulhos e entregou-lhe as chaves do carro dizendo-lhe:

-Vou ter com as meninas.

- No quarto da afilhada, Paula acabara de vestir a menina com um bonito pijama vermelho, que exibia um barbudo Pai Natal na parte de cima e dezenas de renas, nas calças.

-Olha, mãe a madrinha chegou, - disse a criança saindo a correr para os braços de Anabela que a ergueu do chão e lhe cobriu a carinha mimosa de beijos, perante o ar sorridente da mãe.

- Meu Deus, Paula como ela cresceu durante este mês! E já diz madrinha corretamente.

- É verdade! As crianças nestas idades surpreendem-nos todos os dias. E tu como estás?

Anabela pousou a criança no chão e abraçou a amiga. Só depois respondeu:

-Vai-se vivendo.

-Anda, o jantar está pronto, vamos jantar. Depois de deitar a Patrícia temos a noite toda para pôr a conversa em dia. Tens sido uma amiga má. Os teus emails só pedem notícias e dizes que estás bem, mas nunca falas do doente, nem de como ele tem evoluído.

Enquanto as duas se dirigiam à cozinha para levar o jantar para a mesa, na sala, Diogo impedia a filha de começar a rasgar os embrulhos que estavam debaixo da iluminada árvore. Pouco depois Anabela dava a sopa à afilhada, seguida de um puré de batata e cenoura com pequenas lascas de bacalhau a que foram cuidadosamente retiradas todas espinhas. Só depois da pequenita ter comido, os adultos iniciaram a refeição que decorreu em ambiente de sã amizade e camaradagem.

Depois do jantar, as duas amigas levaram a loiça suja para a cozinha, e voltaram a pôr a mesa com diversos pratos de iguarias tradicionais, entre as quais o famoso bolo-rei, o arroz-doce, os sonhos e filhoses, bem como os frutos secos, figos, nozes, amêndoas e outros.

Tinham acabado de pôr a mesa, quando a campainha tocou.

- Quem será? – perguntou Anabela, enquanto Diogo pegava a filha ao colo e se dirigia para a porta.

-É o Pai Natal, - respondeu a amiga rindo.

E na verdade, Diogo regressava com a figura do simpático velhinho, perante o olhar admirado de Anabela.

- Ô-Ô-Ô. Que linda menina temos aqui. Sabes quem eu sou? Eu sou o Pai Natal. Vim trazer um presente que me esqueci de deixar a noite passada debaixo da árvore e dizer que assim que eu sair já podes abrir os eus presentes, - disse estendendo-lhe uma caixa que a criança aceitou os olhos brilhando de alegria.

O Pai Natal despediu-se em seguida dizendo que ainda tinha muitos presentes para entregar, e Diogo acompanhou-o à porta, despedindo-se dele com um abraço de agradecimento. Logo voltou para a sala, separando os presentes para a filha e colocando na sua frente para que ela abrisse.

Na cozinha, Anabela perguntou:

-Quem era?

-Um colega do Diogo. Veio entregar o presente da firma. Como é solteiro é o encarregado de manter vivo a figura do Pai Natal para os mais pequenitos. Já o fez o ano passado, mas na altura estiveste de serviço no hospital.

6.2.23

CICATRIZES DA ALMA - PARTE XV


Anabela saiu da esquadra e encaminhou-se para a clínica de fisioterapia, onde trabalhara quase dois anos antes de ter vendido a casa que a “avó” Arminda lhe deixara por herança e ter decidido entregar-se apenas aos estudos.  Paula, a comadre, continuava trabalhando lá, bem como alguns dos fisioterapeutas que tinham sido seus companheiros de trabalho. Desde que se casara nunca mais lá passara, e tinha saudades, além de desejar falar com a amiga sobre a conversa com o inspetor, e o desejo de se candidatar a um hospital em Londres que a afastasse de Lisboa, dos possíveis encontros com os ex-sogros e de todo o sofrimento dos últimos tempos.

Sentiu um arrepio e levantou a gola do casaco. Embora o céu se apresentasse limpo, estava bastante frio, o que não era de admirar, pois o inverno aproximava-se a passos largos. Olhou à sua volta. Apesar de não serem horas de entrada, nem saída de empregos, toda a gente caminhava apressada, como se estivessem atrasadas para qualquer coisa. Pareciam formigas gigantes, pensou, lembrando-se dos carreiros de formigas, que tantas vezes observara na aldeia.

As grandes montras à sua frente, brilhavam de enfeites natalinos, recordando-lhe que faltava menos de um mês para o Natal. Parou em frente de uma montra de roupa infantil, adornada por um Pai Natal, sentado num pequeno coche, puxado por duas renas. Aquilo lembrou-a de quando em criança se espantava com os brinquedos que nunca teria, mas com que brincava, apenas em imaginação, parada em frente de uma montra natalícia.

Abanou a cabeça, tentando afastar tristes pensamentos e olhou o relógio. Faltavam poucos minutos para o meio-dia. Tinha de se apressar se queria apanhar a amiga antes da hora de almoço para poder dar-lhe conta dos últimos acontecimentos. Durante o expediente era impossível, a clínica estava sempre cheia.

Chegou ao edifício quando todos saíam. Paula era a empregada mais antiga, a primeira a entrar e a última a sair por ser aquela a quem o doutor Moreira dera a chave da clínica.

-Anabela! Meu Deus mulher, há quanto tempo não te via, - disse Luís envolvendo-a num forte abraço que quase lhe esmagava os ossos. Luís era um homem grandão, com uma enorme força e um abraço de urso, como diziam os colegas, enquanto ela esteve ali empregada. Parecia impossível, que toda a sua força fosse canalizada para um enorme talento no trabalho, fazendo com que a maioria dos doentes sempre pedissem para serem tratados por ele. Era o único fisioterapeuta do seu tempo, que ainda estava na clínica. Todos os outros tinham saído, uns emigraram, outros simplesmente mudaram de clínica, ou porque fossem ganhar mais, ou porque lhes ficava mais perto de casa.

- Bom, menina adorei ver-te, mas uma hora não é muito tempo para almoçar, como sabes – disse despedindo-se precisamente quando Paula saía fechando a porta à chave.

-Anabela, que surpresa! Não esperava encontrar-te aqui. Nem telefonaste. Anda vamos almoçar- disse pegando-lhe no braço depois de a abraçar. Mas conta-me, tens novidades? Já descobriram alguma coisa?

Tinham entrado no café-restaurante, onde de Inverno o pessoal da clínica e de outros empregos naquela rua, faziam as suas refeições. De verão, muitos levavam sandes ou saladas, que comiam no pequeno jardim que havia ali perto.


5.12.19

CONTOS DE NATAL - O MENSAGEIRO



-O Pai Natal desapareceu!O Pai Natal desapareceu!- alertou, Jeremias, o chefe dos duendes.
Todos os duendes ficaram muito assustados com a notícia.
Era véspera de Natal e os presentes estavam quase todos prontos para serem distribuídos, mas... faltava o Pai Natal!
- Que vamos fazer? - perguntou um duende.
-Temos que o procurar.
-Sim! - disse o chefe - Germano pega num trenó e vai, com o Rudolfo, ver se encontras o Pai Natal.
- Mas, já são 9 horas da noite. E se não o encontrar?
- Nesse caso tenho que usar o segredo.
Esperaram que o Germano e o Rudolfo voltassem com notícias.
- Não encontrei o Pai Natal - disse o Germano muito triste.
- Bom! Nesse caso tenho mesmo que usar o tal segredo! - concluiu o Jeremias.
O Pai Natal estava muito preocupado porque já era quase meia-noite. Também estava muito cansado e com muito frio e, estava amarrado a uma cadeira numa casa de madeira.
No canto da casa estava um adulto sentado e falava com ele:
- Pois é Pai Natal! Agora como é que vais fazer para distribuíres os teus presentes? Este ano não...
O Pai Natal olhou para ele. Estava de boca aberta, pronto para dizer a próxima palavra, mas imóvel. O Pai Natal sorriu, olhou para o relógio que estava em cima da mesa, fechou os olhos, contou até dez e voltou a olhar para o relógio. Percebeu o que tinha acontecido e esperou.
Uma luz apareceu e, como por magia, desamarrou-o
- Pai Natal! O que lhe aconteceu? - perguntou o chefe dos duendes.
- Vamos ao meu gabinete e eu conto-lhe tudo - murmurou o Pai Natal.
No gabinete o Pai Natal revelou-lhe que tinha sido raptado.
-Raptado!? Mas porquê?
-Foi alguém que não gosta do Natal porque não tem família.
-Coitada dessa pessoa! Tenho pena dela!
-Mas isso vai ficar resolvido.
- Como, Pai Natal?
- Trouxe-a para trabalhar connosco.
- Foi uma boa ideia. Pai Natal, tenho uma coisa para lhe dizer.
- Diz!
- O senhor estava desaparecido e eu usei aquela coisa que só deve ser usada em caso de emergência. Peço desculpa.
- Não tens que pedir desculpa. Fizeste bem! Eu percebi que a tinhas usado.
- Mas pode ficar descansado, Pai Natal. Eu usei-a, sozinho, no meu gabinete. Ninguém ficou a saber que temos pó mágico capaz de parar o tempo! Graças a isso ainda vamos a tempo.
- Pois, ninguém dará por nada. Mas há uma coisa que todos deviam saber.
- O quê, Pai Natal?
- Que sou um mensageiro do Menino Jesus! Foi ele que enviou uma estrela para me salvar! Eu apenas distribuo os seus presentes.  É a ele que todas as crianças devem agradecer!


DANIELA DO CARMO    in Chiado Editora " Natal em Palavras" (Colectânea de Contos de Natal) 

22.8.19

LONGA TRAVESSIA - PARTE XXX


 Epilogo

E tinha chegado a noite de Natal.
Agora ali estavam na acolhedora sala dos amigos, depois de partilharem, de uma ceia de Natal, plena de alegria e amor.
As crianças brincavam juntas, encantadas com os presentes que o Pai Natal deixara debaixo da árvore, enquanto jantavam
Os adultos conversavam dos mais diversos temas. Rui continha, a vontade de chorar, mas os olhos brilhantes denunciavam a sua emoção. Nunca tivera uma noite de Natal assim. Às noites de sofrimento em criança, sucederam-se as noites de lobo solitário. E  aquelas pessoas aceitaram-no sem reservas e tratavam-no como se tivessem sido amigos, toda a vida. Nunca ninguém tinha sido tão generoso com ele.
A certa altura, André foi junto do pai e perguntou:
- Pai, o Martim pode ficar cá a dormir esta noite?
Os quatro olharam-se perplexos. Rui procurou o olhar de Teresa e o que viu encheu o seu coração de alegria.
- Por mim pode - respondeu Tiago. - Mas não sou eu quem decide, filho. São os pais do Martim, que têm que autorizar.
O garoto voltou-se para Rui.
- Claro que sim, - disse, ante o olhar suplicante do menino.
Já passava da meia-noite quando os dois se despediram, prometendo voltar no dia seguinte, para o almoço.
Já no carro, Rui perguntou:
- E agora?
- Agora, vamos para a nossa casa.
Emocionado, pôs o carro a trabalhar.
E aquela noite de Natal, foi de facto uma noite mágica.
 Uma noite de reencontro de dois corpos que se conheciam, se desejavam e saboreavam numa entrega total, só possível em duas almas gémeas. Reconheciam-se em cada toque, em cada olhar em cada gemido. E quando assim é, o sexo perde identidade, atravessa a alma e explode numa benção divina, a que se  chama amor.


………………………………………………………………………………
Casaram numa manhã fria de final de Janeiro. Faz hoje precisamente cinco anos. Agora, a “Tudilar” é a maior empresa do género em toda a Península Ibérica. Exporta mais de oitenta por cento da sua produção. Nestes cinco anos, Rui vendeu todos os seus negócios em Inglaterra, e decidiu investir no seu país. Fez sociedade com Tiago, e os dois fizeram parceria com uma conhecida marca de automóveis. E hoje, além da oficina de reparações e de um stand de vendas, têm uma fábrica de componentes para automóveis. É um homem feliz, e de bem com a vida. O filho Martim é já um garoto espigado  na pré adolescência. A filha, Sara, uma linda bonequita de cabelos encaracolados e cara de anjo, que com os seus três anos traz todos enfeitiçados. Naquele momento,  Rui pensava na longa travessia que foi a sua vida, até encontrar enfim, a porta de acesso à felicidade presente, quando Teresa se aproximou pela retaguarda, segurou-lhe o rosto entre as mãos e aproximando a boca do ouvido do marido perguntou:
- Gostas do número cinco?
- Porquê? – Perguntou pensando que se referia ao aniversário de casamento
- Porque dentro de alguns meses seremos cinco, - disse sorrindo.
Voltando-se Rui enlaçou-a e beijou-a apaixonadamente, demonstrando-lhe assim o quanto gostava do número... e dela!



Fim


Elvira Carvalho


27.12.18

UMA ÁRVORE DE NATAL ESPECIAL






Estar aborrecido com o que não tens é desperdiçar o que tens.
Ken S. Keyes





Era um dia frio, depressivo em vários sentidos. O Natal estava a aproximar-se e, como mãe solteira de três crianças a viver de apoios financeiros esporádicos, eu tentava fazer com que o pouco dinheiro que tinha esticasse em várias e diferentes direções. A minha mãe e o meu pai, juntamente com outros parentes bondosos, fariam com que os rapazes tivessem presentes, e a grande festa de Natal seria em casa do meu irmão. Por isso, eles cuidariam que o essencial não faltasse.
A festa de Natal anual feita na escola pouco contribuiu para me animar e, no caminho para casa, o vento cinzento e tempestuoso, arrastando a minha velha e pequena pick-up na estrada, apenas tornava as coisas pior.
Naquela noite, a questão seria colocada, como era todas as noites, por um ou por todos os rapazes: quando faremos a nossa árvore de Natal? E disseram-me de forma inequívoca que o Pai Natal não teria onde colocar os presentes se não tivéssemos uma árvore de Natal… Infelizmente, descobri que mesmo as árvores mais pequenas para venda nos Escuteiros estavam muito para além do meu orçamento.
Pequenos e grandes ramos agitavam-se em todas as direções, tornando a condução ainda mais desafiadora. Pareciam empurrar-se uns aos outros para fora do caminho, como se estivessem a fazer uma corrida para ver qual deles poderia saltar para a minha frente em primeiro lugar.
Muitos eram compactos, vacilando de um lado para o outro, como que a decidir o caminho a seguir. Alguns deles até se pareciam um pouco com uma árvore de Natal… De repente, fui arrastada para a berma da estrada, saí do carro e aguardei que um deles viesse ter comigo. O primeiro que vi era de tamanho médio, de cerca de sessenta centímetros de altura e noventa centímetros de largura. Amarrei-o na parte de trás do camião, e comecei a andar pelo campo, à procura de ramos ainda mais pequenos e com uma forma mais adequada. Não sabia muito bem o que ia fazer com eles, mas cheguei a casa com quatro e levei-os para a sala de estar. Quando as crianças chegaram, questionaram-me sobre a pilha de ramos a formarem um tufo denso e castanho…

— Esta vai ser a nossa árvore de Natal — disse eu, sabendo que seria realmente difícil convencê-los. — Será uma árvore como nenhuma outra e nenhum dos nossos amigos vai ter uma igual! E até ficaria muito surpreendida se nenhum fotógrafo viesse cá para lhe tirar uma foto…
Os meus filhos ouviram com educação, olhando fixamente o tempo todo para as quatro manchas de densa folhagem. O olhar de descrença no rosto deles era o mesmo que exibiram quando lhes disse que as cenouras eram boas para os olhos e que os espinafres iriam torná-los fortes…
No dia seguinte, tinha de pensar em algo antes que eles chegassem a casa da escola. Andei em torno das ramagens várias vezes, estudando a sua forma e tamanho individuais. A mais pequena era pontiaguda, e com uma fina corda branca pendurei-a no teto em frente da janela da sala de jantar, com o fundo arredondado virado para o chão. As três mais redondas foram penduradas à volta, dando a ilusão de árvores suspensas, com muito espaço em baixo para os presentes do Pai Natal.
Mas ainda não estava parecida com uma árvore de Natal!
Encontrei então uma lata de spray de tinta branca e alguns brilhantes multicoloridos que sobraram de um projeto da escola. Pendurei um lençol sobre a janela para protegê-la da tinta, pulverizei a “árvore” e, então, cuidadosamente, polvilhei-a com os brilhantes. Os arbustos eram demasiado frágeis para luzes tão pesadas. Então, cautelosamente, enfiei pequenas luzes brancas em volta do perímetro de cada um deles. O enfeite refletia as luzes, dando um efeito cintilante. Adicionei apenas os ornamentos mais pequenos, e o nosso anjo tradicional, que já vira melhores dias, encaixou-se perfeitamente no ponto mais alto do arbusto pontiagudo. Ficou maravilhoso!
As crianças olharam pela janela antes de entraram em casa, e correram para ver a minha criação.
— Parece um sonho bom! — disse o mais novo, aprovando.
Todas as crianças do bairro vieram naquela noite e ouviram-se ooohed! e aaahed! em torno da nossa árvore de Natal.
Felizmente, este seria o último ano em que teríamos um orçamento tão apertado. A nossa situação familiar mudou, e começou a haver dinheiro para uma grande árvore de Natal na nossa nova casa grande. Ficámos gratos por isso. Mas tempos difíceis tinham exigido criatividade, e não teríamos descoberto isso se tal não tivesse acontecido.
Os meus filhos são agora homens e têm as suas próprias famílias. Mas todos os anos, pelo Natal, alguém conta a história da nossa peculiar árvore de Natal. Como a mãe queria algo diferente, procurou arbustos ao longo de quilómetros pelos campos abertos, debaixo de uma enorme ventania, tentando apanhar os mais perfeitos. Estava cansada das mesmas árvores de sempre…
Sorrimos todos, e até hoje concordamos que aquela foi a árvore de Natal mais bonita de sempre!



Jackie Fleming


18.12.18

O NATAL EM QUE PERDI A INOCÊNCIA



Quando eu era menina (e já lá vão tantos anos) o Natal era uma festa.
Meus pais, e meus avós maternos, diziam que na noite de Natal, o Menino Jesus, vinha recompensar os meninos bons e trazer presentes. 
Nós vivíamos num barracão de madeira que em tempos fora habitado por quatro casais e respetivos filhos, mas no qual ficaram apenas os meus pais, quando os outros casais se foram. O barracão tinha um salão com onze metros de comprimento, ao fundo do qual havia um fogão, constituído por duas fileiras de tijolos, com uma grelha em cima, e um forno de tijolo onde minha mãe cozia o pão.
 Pelo Natal em alguns anos, vinham meus avós maternos, que viviam em Santa Cruz da Trapa, uma aldeia beirã, no concelho de S. Pedro do Sul, afim de passarem o Natal com os filhos, noras, genros e netos. Juntavam-se todos lá no barracão por ser o único sítio onde cabia toda a gente.
Por essa altura já o meu tio, Zé Varandas, e a minha mãe  tinham três filhos cada. 
Era uma ceia de muita gente, de muita alegria, embora as iguarias fossem poucas. Meus avós sempre traziam um pouco de queijo, coisa que não víamos no resto do ano,  minha mãe fazia rabanadas, e minha tia Celeste as filhoses. As couves e as batatas, eram do quintal que meu pai cultivava à roda da casa, e o bacalhau era comprado na Seca que naquela altura sempre era vendido aos trabalhadores, por um preço especial. Alguns anos, a tia Carolina fazia uma travessa de aletria, que tinha de ser muito bem dividida, para que todos pudessem provar. 
 Não havia rádio, nem televisão, nem sequer luz eléctrica. Mas havia em casa três candeeiros a petróleo, que na noite de Natal ficavam acesos até depois da meia-noite. 
Muito antes do Natal, meu pai colhia no pinhal perto da nossa casa, muitas pinhas, que secava, abria e debulhava. Partia alguns pinhões para comermos e os outros eram para jogarmos, nessa noite em que toda a gente ia para a cama muito tarde. Ele mesmo fazia uma piorra com o Rapa, Tira, Põe e Deixa. Ou então jogávamos ao "Pinhas Alhas" que era assim. Sentávamos-nos à roda da mesa e cada um tinha um pequeno monte de cinquenta pinhões, não descascados, para começar o jogo. Pegávamos uns quantos na mão fechada, e dizíamos para os parceiros  "Pinhas alhas" e os outros respondiam "abre a mão e dá-lhas". "Sobre quantas?" E cada um dizia um número. Se alguém acertasse  na quantidade que tínhamos na mão, tínhamos que dar os nossos pinhões. Mas em compensação recebíamos aquela mesma quantidade de cada um que errara. nas mãos. Era o nosso entretém.
Pelas onze horas, tios e primos regressavam às suas casas, e meu pai dizia que tínhamos de ir para a cama. Antes porém, íamos pôr os tamancos de madeira, que ele mesmo fazia, e que eram o nosso calçado, junto ao fogão, para o Menino Jesus deixar os presentes.
Sapatos só tínhamos um par, e era para a ida à missa, ou ao médico. E nós lá deixávamos os tamanquitos e íamos para a cama na esperança, de que nesse ano, o Menino Jesus, deixasse uns brinquedos, iguais ou parecidos, aos dos filhos do capitão, que geria a Seca do Bacalhau, onde os meus pais trabalhavam e nós vivíamos.
Não sei se foi assim convosco, mas eu nunca ouvi falar no Pai Natal, senão no final dos anos sessenta, em Lourenço Marques, atual Maputo. Talvez pela proximidade com a África do Sul, lá se cultivava muito o mito do Pai Natal. Por cá, na minha infância era o Menino Jesus, que em vez de receber prendas no seu aniversário,vinha distribuí-las pelos meninos, que se portaram bem durante o ano. Porém todos os anos no dia de Natal, era sempre uma desilusão, pois em vez dos brinquedos esperados, ou até de uma peça de roupa, mais bonita, só havia meia dúzia de rebuçados e dois ou três figos secos.
Lembro-me que um ano, talvez por volta dos meus seis anos, uma vez, que ainda não andava na escola, e naquela época entravamos aos sete anos, decidi esperar acordada a chegada do Menino Jesus, para lhe perguntar porque é que deixava lindos brinquedos aos filhos do capitão, que eram meninos ricos, a quem não faltava nada e a nós que éramos tão pobres, que não tínhamos sequer um boneco, só deixava rebuçados. Consegui manter-me acordada durante um bom bocado e a certa altura ouvi barulho e saltei da cama, para me confrontar com o Menino Jesus. 
Quando somos crianças, temos tanto de inocência como de atrevimento, de modo que saí decidida do quarto, e  apanhei a minha mãe a pôr os rebuçados nos tamancos. Fiquei muito revoltada, pensei que o Menino Jesus não queria saber de nós, porque éramos pobres e não tínhamos uma casa de pedra. Chorei tanto, que a  minha avó que para me acalmar, me explicou que o Menino Jesus, não vinha dar prendas a ninguém, que era uma tradição dizerem isso, porque fazia anos que Ele nascera, mas que na verdade, as prendas, eram dadas pelos pais e os meus não tinham dinheiro que desse para outra coisa que não os rebuçados. Foi um choque e um alívio ao mesmo tempo.

Elvira Carvalho


Nota: Um resumo deste conto foi publicado agora numa coletânea de contos de Natal da Chiado Editora.  Como não pude ir ao lançamento, ainda não tenho o livro, quando tiver publico a foto.
Teve que ser resumido pois eles limitavam os contos a 500 palavras.

18.11.18

ESTRANHO CONTRATO - PARTE XXXI









Afonso foi até ele. Dobrando os joelhos para ficar à altura da criança, perguntou:
-Estás triste? O Pai Natal enganou-se no presente?
-Não. Estou confuso.
- Queres dizer-me o que te faz confusão?
- Um menino na escola disse-me que não há Pai Natal. Que os presentes são os pais que os dão. No entanto tu estiveste sempre aqui. E o Pai Natal veio trazer os presentes. Tento perceber onde está a verdade.
Desde o primeiro momento, Afonso considerara Simão um menino muito especial.  Era muito precoce no entendimento das coisas, muito responsável, ele diria até que demais para a sua idade.
- Queres saber a verdade? E depois guardas segredo?
- Claro.
Afonso falou-lhe então, da lenda do Pai Natal. Disse-lhe que os irmãos acreditavam na sua existência e eram felizes com isso. Mas a verdade é que eram sim os pais que compravam os presentes. Depois pediam a alguém de confiança, que se vestisse de Pai Natal e fosse entrega-los naquela noite. Mas agora ele tinha que guardar segredo. Um dia quando os irmãos fossem maiores também iam descobrir a verdade. Mas por enquanto iam ficar muito desiludidos se perdessem aquela magia.
O menino sorriu feliz.
- Fica descansado. Sei guardar um segredo. E sabes uma coisa? Gosto muito de ti. 
-Também gosto muito de ti, filho – respondeu emocionado, abraçando o menino.
Por fim a noite chegou ao fim, as crianças recolheram aos quartos.
Mariana e Matilde, as gémeas, ficaram na cama de Ana, e esta foi dormir com a irmã. Os adultos trocaram então os presentes, com os pais de Francisca a retiraram-se logo a seguir, pois estavam habituados a dormir cedo. Na sala, Afonso conversava com o cunhado, e Graça aproveitou a ida de Francisca à cozinha, para a seguir.
- Ainda não tive oportunidade de falar contigo. Vejo que vocês se entenderam. Há muito tempo?
-Há dois dias.
-Por isso esse ar atarantado dos dois. Estão em lua-de-mel.
-Oh! Nota-se assim tanto? - Perguntou corando.
- Como não? – Vocês devoram-se com os olhos.
- Meu Deus que vergonha!
- Não sejas tonta, amar não é vergonha. Fico feliz por saber que vocês o são. Merecem-no bem. Estava preocupada convosco. Era evidente para mim que vocês estavam apaixonados um pelo outro. Mas são tão teimosos que temia, nunca viessem a reconhecê-lo.  

reedição




ESTRANHO CONTRATO - PARTE XXX




Aquele Natal seria memorável para todos, naquela casa, onde para além dos moradores, se encontravam os pais de Francisca. E esperavam a qualquer momento a chegada de Graça e do marido. A felicidade do casal, era por demais evidente. Tão evidente que os pais de Francisca acreditaram finalmente no grande amor que a filha lhes descrevera como razão para um casamento tão rápido. 
Afonso tinha encomendado o serviço do mesmo restaurante que os tinha servido no dia do casamento e esperava-se a sua chegada com o jantar. Mais tarde viria o Pai Natal com os presentes para as crianças, que estavam excitadíssimas com a festa.
Pouco antes das oito Graça chegou. E protagonizou a maior surpresa da noite, ao trazer com ela duas meninas de seis anos, que apresentou como suas filhas. Eram-no legalmente desde o início do mês.
Perante o espanto da família, Eduardo contou que devido a uma anomalia  genética, ele não podia ter filhos. Sabendo como a mulher adorava crianças, e de como se sentia frustrada, nos seus anseios maternos, tinha-se decidido pela adoção. As duas meninas eram gémeas, estavam há muito tempo na instituição, porque ninguém se atrevia a adoptar as duas de uma só vez, e era cruel demais separá-las. Para eles não era problema, e foi por isso mais rápida a adoção,não precisaram ficar em lista de espera. Tinham guardado segredo, pois tinham receio de que alguma coisa não corresse bem, durante o processo. Elas eram amorosas e eles nunca estiveram tão felizes.
- Deviam ter-nos contado. Elas vão sentir-se excluídas, quando o Pai Natal chegar com os presentes.
- E porque é que pensas que te pedi o nome da empresa que contrataste? - Disse Graça. - Entrei em contacto com eles, e no dia em que aqui estive, fiz as compras e fui lá entregá-las.
- Pensaram em tudo. Mas que surpresa!
Entretanto as crianças já brincavam juntas. A princípio as meninas pareciam pouco à vontade, mas logo Marta, com a sua natural espontaneidade  tratou de fazer com que se integrassem na brincadeira.
Jantaram às nove, primeiro porque os mais pequenos tinham que jantar cedo, depois porque o serviço de restaurante por ser noite de Natal, encerrava às dez e meia, e os empregados teriam que sair a essa hora.
Pouco passava das dez, quando o Pai Natal chegou, carregado de presentes para alegria dos miúdos.
No meio da confusão, Afonso notou que Simão estava pensativo. Ele tinha recebido uma mala de pintor, um cavalete, tintas acrílicas e três telas. Adorava pintar e na sua carta ao Pai Natal, apenas pedira, material de pintura.



Pensavam que tinha acabado? Pois ainda não.  

reedição




15.10.18

ENTRE O AMOR E A CARREIRA - PARTE XXVIII




Por essa altura, Clara tinha uma única certeza na sua vida. Estava irremediavelmente apaixonada pelo homem com quem celebrara um contrato de trabalho que incluía um casamento para sociedade ver. Não sabia quando isso acontecera nem esperara que tal viesse a acontecer, e Deus era testemunha que se tal ideia lhe atravessasse a mente, decerto agora não estaria ali. Mas o certo, é que acontecera, e agora o futuro apresentava-se-lhe pintado de sombrias cores. Porque uma coisa era estar ali cumprindo o contrato como uma empregada.
Outra coisa muito diferente, seria fazê-lo dia após dia, com o coração cheio de amor por alguém que não lhe correspondia.
Embora as mensagens de Ricardo chegassem quase diariamente, elas não acalmavam o seu coração, nem lhe davam qualquer esperança de que ele pensasse nela de outra maneira que não, a ama que lhe cuidava dos filhos.
Aquela última semana antes de Natal foi muito intensa. Alfredo trouxe para casa um vaso com um pequeno pinheiro, que Clara e Tiago enfeitaram com a ajuda das crianças.
Natal era festa de família. Uma vez que Ricardo não estava presente, Clara decidiu que a Ceia de Natal seria partilhada com os empregados. Afinal Antónia tinha um verdadeiro amor por todos os habitantes da casa. E dado que Adelaide, ficaria sozinha com os dois filhos, disse-lhe que os trouxesse e jantariam todos juntos. Natal é festa de Amor e partilha.  
Depois os dois irmãos foram ao Centro comercial e compraram as prendas para todos. Uma bola de futebol e um estojo completo de pintura, presentes que os filhos de Adelaide tinham pedido na carta ao Pai Natal. Um pequeno órgão para a Soraia, uma bicicleta para o irmão, também pedido por eles ao Pai Natal. Também comprou um traje completo para cada um. As crianças gostam de vestir roupa nova nos dias festivos.
 Tiago escolheu os seus próprios presentes. Um novo portátil, já que o seu estava avariado e um blusão. Para ela não comprou nada. Na verdade não tinha vontade de nada, e a noção que tinha da festa de Natal, era a partilha de Amor, não de presentes. Esses eram para as crianças. Depois passaram numa loja de disfarces e compraram um fato de Pai Natal
Todos os presentes acomodados no carro, regressaram a casa. Não os levaram para casa. Clara tinha combinado com Alfredo, que depois do jantar ele arranjaria alguma desculpa para se retirar, vestiria o fato e entregaria os presentes.
A meio da tarde Ricardo esteve com os filhos numa video-chamada.
Clara que o observava, achou-o mais magro. Também era visível o esforço que fazia para se mostrar feliz com os filhos. “Deve estar cheio de saudades” pensou. Depois que ele se despediu dos filhos ela pediu se ele podia ficar mais um pouco. Pediu às crianças que fossem brincar com os filhos de Adelaide e fechou a porta quando saíram. Voltou para o computador e disse:
 -Não me parece que estejas muito bem. Estás doente?
-Não. Apenas cansado e cheio de saudades. Daria qualquer coisa para estar aí.
- Calculo. Suponho que aí não festejem o Natal.
-Eu e os meus homens, vamos fazer uma ceia especial daqui a pouco.
A religião aqui é quase cem por cento muçulmana. Não há igrejas católicas no país. Há apenas uma capela na embaixada italiana em Cabul.
-Olha, vou filmar a hora em que eles vão receber os presentes e mando-te por correio eletrónico, ainda hoje.
- Agradeço-te. Só verei amanhã, porque depois das dez não temos acesso aos computadores.
-Cuida-te Ricardo. Nós precisamos de ti.
- Nós? Tu também?
- Não costumo dizer o que não sinto – ela tinha a noção de que devia estar mais vermelha do que a camisola que trazia vestida. – Adeus.
- Adeus Clara.


20.11.16

ESTRANHO CONTRATO - PARTE XXXI









Afonso foi até ele. Dobrando os joelhos para ficar à altura da criança, perguntou:
-Estás triste? O Pai Natal enganou-se no presente?
-Não. Estou confuso.
- Queres dizer-me o que te faz confusão?
- Um menino na escola disse-me que não há Pai Natal. Que os presentes são os pais que os dão. No entanto tu estiveste sempre aqui. E o Pai Natal veio trazer os presentes. Tento perceber onde está a verdade.
Desde o primeiro momento, Afonso considerara Simão um menino muito especial.  Era muito precoce no entendimento das coisas, muito responsável, ele diria até que demais para a sua idade.
- Queres saber a verdade? E depois guardas segredo?
- Claro.
Afonso falou-lhe então, da lenda do Pai Natal. Disse-lhe que os irmãos acreditavam na sua existência e eram felizes com isso. Mas a verdade é que eram sim os pais que compravam os presentes. Depois pediam a alguém de confiança, que se vestisse de Pai Natal e fosse entrega-los naquela noite. Mas agora ele tinha que guardar segredo. Um dia quando os irmãos fossem maiores também iam descobrir a verdade. Mas por enquanto iam ficar muito desiludidos se perdessem aquela magia.
O menino sorriu feliz.
- Fica descansado. Sei guardar um segredo. E sabes uma coisa? Gosto muito de ti. 
-Também gosto muito de ti, filho – respondeu emocionado, abraçando o menino.
Por fim a noite chegou ao fim, as crianças recolheram aos quartos.
Mariana e Matilde, as gémeas, ficaram na cama de Ana, e esta foi dormir com a irmã. Os adultos trocaram então os presentes, com os pais de Francisca a retiraram-se logo a seguir, pois estavam habituados a dormir cedo. Na sala, Afonso conversava com o cunhado, e Graça aproveitou a ida de Francisca à cozinha, para a seguir.
- Ainda não tive oportunidade de falar contigo. Vejo que vocês se entenderam. Há muito tempo?
-Há dois dias.
-Por isso esse ar atarantado dos dois. Estão em lua-de-mel.
-Oh! Nota-se assim tanto? - Perguntou corando.
- Como não? – Vocês devoram-se com os olhos.
- Meu Deus que vergonha!
- Não sejas tonta, amar não é vergonha. Fico feliz por saber que vocês o são. Merecem-no bem. Estava preocupada convosco. Era evidente para mim que vocês estavam apaixonados um pelo outro. Mas são tão teimosos que temia, nunca viessem a reconhecê-lo.