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28.8.19

A HISTÓRIA DE UM PAR DE BOTAS...DA TROPA III


O Manuel e sua esposa no dia do casamento.





 Para ir ver a jovem, Manuel tinha que atravessar o rio e na Seca havia sempre um bote e um par de remos disponíveis para o fazer. Mas às vezes o mau tempo fazia perigar as visitas. Como naquele dia, 20 de Janeiro de 1946, noite de chuva forte, e ventos intensos, em que ao regressar com o Aires, que também tinha ido ver a namorada, a trabalhar na mesma Seca do Seixal, perderam os remos, e Manuel mergulhou várias vezes, perante o terror do amigo, até os conseguir apanhar e regressarem assim com dificuldade, mas sãos e salvos. O casamento fora marcado para Novembro, e embora faltasse pouco tempo, a Manuel parecia que ele tinha parado. O barquito e os remos, não descansavam um só dia, da travessia entre a Seca da Azinheira e a Seca do Seixal. A par da sua ansiedade, reinava o medo. Manuel tinha que tirar os documentos para se casar, e como era desertor, pensava que podia ser preso a qualquer momento.
Mas os documentos vieram sem problemas e o ele aquietou o seu coração. 
Finalmente, Novembro chegou, e com ele o tão ansiado dia do casamento. A 9 de Novembro, na Igreja de Santa Cruz, no Barreiro, o Padre Abílio Mendes, casava o Manuel com a sua amada Gravelina.
A partir desse dia, a mulher passou a trabalhar na Seca da Azinheira, e o bote e os remos foram dispensados.
Sem casa, nem dinheiro para a pagar, Manuel vivia na malta dos homens e a mulher na malta das mulheres.



                                           foto minha


A malta, era um enorme edifício que existia na Seca, para o pessoal que todos os anos, era recrutado nas aldeias do norte para a safra de bacalhau, que decorria entre Setembro e finais de Março, princípios de Abril. Este pessoal, mesmo sendo constituído muitas vezes, por marido e mulher, não podia, segundo a mentalidade de outrora, viver junto durante todo o tempo da safra. Logo, na Seca existiam dois edifícios, as  "maltas", uma para os homens e outra para as mulheres. As regras eram claras, os casais, podiam fazer as refeições juntos, num ou noutro local, mas antes das onze horas da noite, teriam que estar nas suas respectivas "maltas", sob pena de o vigia encerrar as portas e terem que dormir ao relento.
Para dar asas à paixão, os casais procuravam um pinhal que havia na Seca, situado numa ribanceira, que criava zonas ocultas aos olhares de quem por ele passava, ou o canavial, que ladeava a vedação da Seca, até à povoação da Telha.
 Usavam um nome de código que era: "Aviar a caderneta" Consta, que a pessoa que vos está a contar esta história, é filha de um "aviamento de caderneta". Em 1947, com o aproximar do final da safra, e com a mulher grávida, Manuel deita contas à vida, sem saber como evitar a ida da mulher para casa dos sogros, em Santa Cruz da Trapa, na Beira Alta.
Quer que esteja  junto de si, mas de Abril a Setembro a Seca, não tem trabalho a não ser para os que trabalham na sua manutenção. Logo a mulher não poderá ficar na malta das mulheres, e o que ele ganha, não dá para alugar uma casa.

                                               

8 comentários:

Olinda Melo disse...


Bom dia, Elvira


Uma história de vida que adoro reler.

Desejo-lhe boas melhoras.

Bj


Olinda

Maria João Brito de Sousa disse...

Vida dura, a do herói desta história...


Abraço, Elvira.

chica disse...

Relendo e gostando! bjs,chica

noname disse...

Vida difícil mas, parece que nem isso impedia o amor de seguir em frente.

Bom dia, Elvira

Anete disse...


Puxa, ralação total nesse tipo de trabalho. É preciso muita fibra e garra do casal... Hummm, daí veio a "Elvira" a ser gerada com grande paixão...
Li o relato da sua consulta, continuarei torcendo c todo carinho e esperança...
Bjs e uma boa noite...

Majo Dutra disse...

Voltei a reler com interesse e voltei a rir com o «aviamento de caderneta»...
Foi uma vida muito dura...
Abraço afetuoso.
~~~

Ailime disse...

Boa noite Elvira,
Muito dura a vida dos seus progenitores.
Gostei de os ver na foto. Eram um casal lindo.
Um beijinho.
Ailime

Gaja Maria disse...

Já conheço a história, mas como gostei e achei tão interessante resolvi reler.
Abraço Elvira