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30.8.19

A HISTÓRIA DE UM PAR DE BOTAS...DA TROPA V


Mulheres a estenderem bacalhau na Seca da Azinheira. O edifício do lado direito, é a malta dos homens. Foto de Eduardo Martins.



O casarão, como ele lhe chamava, era um enorme barracão assente em pilares de cimento, com 1m de altura, para que a água passasse por baixo nas tempestades de Inverno, ou nas marés vivas de Agosto, pois ficava bem na margem do rio Coina, junto ao portão de acesso à Seca, pelo pessoal do Barreiro, que para encurtar caminho, vinham pela trilha da Caldeira do Alemão. Tinha quatro grandes quartos com portas e chave, mas apenas um tinha janela para o exterior. E um salão de 11 metros de comprimento por 4 metros de largura. Contrariamente aos quartos, este salão não tinha nenhum forro por baixo do telhado, pelo que não raras vezes pingava lá dentro quando chovia. Na frente duas enormes janelas para o exterior. Viradas para a Seca, cercada a toda a volta por arame farpado. A meio do salão uma grande mesa comprida, e de cada lado um banco corrido de madeira. A mesa era utilizada pelos quatro casais. A um canto do salão, sobre uma base de cimento, dois tijolos, com uma grelha de ferro em cima servia de fogão. A luz era fornecida pelos candeeiros a petróleo, e a água, as mulheres iam  buscá-la ao chafariz da Telha, em bilhas de barro, que transportavam à cabeça, sobre uma rodilha  de pano, também chamada de sogra. Entre o barracão e o chafariz uns quinhentos metros bem medidos. 



                                      Candeeiro a petróleo
                                           

Os casais davam-se bem, eram colegas e amigos, gente da mesma terra, que migrara para ali, em busca de trabalho e uma vida melhor. Todos eram vigias, excepto o Manuel que era lenhador, por isso tinham trabalho todo o ano.
A primeira obra do Manuel no casarão, foi a construção de um forno, junto ao fogão, para que as mulheres pudessem cozer pão.
Se por um lado não havia grande privacidade, por outro havia sempre uma mulher disponível para cuidar dos miúdos, dois rapazes do Aires, um casal do António, mais um rapaz do Carlos, e a menina do Manuel. Em Setembro, regressavam os bacalhoeiros e recomeçava a labuta de mais de quatrocentas pessoas, que na Seca, descarregavam o bacalhau e iniciavam todo o processo de cura, como já expliquei noutro conto. Era a  festa do reencontro, entre os que partiram para a aldeia, e os que ficaram.
Pouco tempo depois, o António mudava-se com a mulher e os filhos para uma casa na Telha. Mais longe do trabalho, mas mais perto da mercearia, da escola, da padaria… E melhor que isso, com electricidade em casa e o chafariz à porta. No Barracão ficou um quarto vago que foi ocupado pelos dois filhos do Aires. No verão, seguinte, o Carlos mudou-se com a família para a Seca de Alcochete, onde tinha irmãos a trabalhar, e pouco depois, o Aires, também se mudou para uma casa na Telha. No “casarão” ficaram  apenas o Manuel e sua família.


8 comentários:

noname disse...

Dura, mas bonita esta história de vida.

Boa noite, Elvira

Ailime disse...

Bom dia Elvira,
Muito difícil a vossa vida numa época em que as diferenças sociais eram abismais.
Com amor tudo se ia superando... Mas que foi duro lá isso foi.
Beijinhos
Ailime

Maria João Brito de Sousa disse...

Continuo a gostar muito desta genuína história de vida, amiga.

Forte abraço

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Está interessante minha amiga e aproveito para desejar um bom fim-de-semana.

Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
Livros-Autografados

isabel disse...

Grata por partilhar uma vivencia que me é completamente desconhecida.
Bom fim de semana!

Larissa Santos disse...

Bom dia queridas amizades. Derivado a trabalho a dobrar na empresa por causa das férias, passo numa visita rapidinha (copy-past) para vos saudar e deixar mais uma publicação da minha autoria. Peço desculpa por ser assim...Se acharem que mereço retribuição, agradeço :)) Muito grata a todos.

https://brincandocomaspalavrass.blogspot.com/

Bjos
Votos de um óptimo fim-de-semana. :))

Pedro Coimbra disse...

Os candeeiros de petróleo que ainda há lá em casa.
Um pivete!!
Bfds

lis disse...

Oi Elvira
Já tenho alguma intimidade com os contos sobre a Seca do Bacalhau e sempre me admiro da coragem e das dificuldades dessa época.
Me alinhei as capítulos anteriores e já posso seguir mais a tempo real.
Uma história digna de ser contada, Elvira.
Não só por ser real e particularmente sentimental, mas de grande motivação para aqueles que apesar de tudo mastigadinho em casa ainda reclamam da vida.
rs
Gostando muito!
Bom fim de semana e li sobre sua luta com agenda cheia de compromissos, muitos nem tao confortáveis. Mas, tudo vai bem quando cremos temos F e prosseguimos´.
Também estou lenta ,quase parando rs (fazendo fisioterapia justo no braço direito)_ o que preciso sempre mais .
=Estou crendo que vai passar e voltar ao normal.
grande abraço, Elvira