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11.5.22

MEDO DE AMAR - PARTE VIII



Laura ficou na porta vendo o carro afastar-se, perguntando-se mentalmente porque tinha acedido ao convite que Fernando fizera a si próprio. Fechou a porta agradecendo a Deus que os pais iam chegar daqui a pouco e passar com ela a semana. Assim não teria de voltar a aceitar a visita diária do jovem.

 Não sabia o que se passava com ela, mas não se sentia bem na sua presença, ficava sempre inquieta, como se de algum modo a presença dele a incomodasse. E não devia ser assim, Fernando era o melhor amigo de Gonçalo, quase um irmão e durante toda a sua infância e adolescência, os três estavam sempre juntos, ora na casa deles ora na do Fernando, pois eram vizinhos e os seus respetivos pais amigos de longa data. Mas depois ela foi para a Universidade, conhecera Quim e afastara-se não só do vizinho, mas até da própria família. 

Foi como se os dois tivessem criado um mundo mágico, onde só existiam eles. Mais tarde após o casamento, com a ida para Lisboa essa separação foi ainda mais real.

 Apesar de Fernando continuar a ser um grande amigo de Gonçalo, Laura só o via ocasionalmente quando ia visitar o irmão, já que Fernando foi um grande apoio para Gonçalo após o grave acidente de mota, que quase lhe roubara a vida e o obrigara a longos meses de internamento hospitalar. 

Depois que o irmão recuperou, nunca mais o viu, até à morte repentina do marido.

Aí quando ela julgou endoidecer de dor, Fernando por vontade própria, ou a pedido de Gonçalo, esteve sempre lá, tentando apoiá-la com todo o seu conhecimento e amizade.

Esse apoio manteve-se na altura do parto e nos primeiros meses de vida do Miguel.

Mas um dia ela agradecera-lhe todo o apoio recebido até aí, disse-lhe que estava bem melhor e que desejava ficar sozinha com os filhos. Depois disso Fernando afastara-se e só voltaram a ver-se depois que o irmão encontrara Helena e a filha e começara a preparar o casamento.

Laura, não se lembrava bem de quando descobrira que Fernando tinha por ela um sentimento que nada tinha a ver com a amizade. Não que até à véspera, ele tivesse dito alguma coisa, mas se há coisa que não escapa a uma mulher é o desejo refletido no olhar masculino.

 A princípio ficou sem saber como proceder, o coração ainda cheio da imagem de Quim e da dor da sua ausência. Aceitara a companhia e ajuda de Fernando, como aceitara do irmão, ou dos pais. Nunca lhe passara pela cabeça que o amigo de infância pudesse ter por ela outro afeto que não fora uma amizade profunda de quem foi criado junto, quase como uma irmã.

 Tinha receio de magoá-lo, mas não podia fingir que desconhecia o que acabara de descobrir.  Por isso lhe pedira que não voltasse e ele afastara-se sem sequer tentar contestá-la. 

Talvez por perceber que não tinha qualquer hipótese de que ela viesse a corresponder ao seu sentimento.


27.10.21

UMA NOITE DE INVERNO - PARTE V




Mas Luís sentiu um aperto no coração. Não conhecia ninguém que tivesse aquela doença, mas um amigo tinha-lhe contado que a cunhada dele sofria dessa enfermidade e o que lhe disse, era suficiente para aterrorizar qualquer um. Fez perguntas ao médico, quis saber com que podia contar e se podiam fazer alguma coisa para impedir a doença de progredir.
E o neurologista explicou-lhe

"A Doença de Alzheimer é um tipo de demência que provoca uma deterioração global, progressiva e irreversível de diversas funções cognitivas, (memória, atenção, concentração, linguagem e pensamento, entre outras).
Esta deterioração tem como consequências alterações no comportamento, na personalidade e na capacidade funcional da pessoa, dificultando a realização das suas atividades de vida diária.
À medida que as células cerebrais vão sofrendo uma redução, de tamanho e número, formam-se tranças neurofibrilares no seu interior e placas senis no espaço exterior existente entre elas. 

Esta situação impossibilita a comunicação dentro do cérebro e danifica as conexões existentes entre as células cerebrais. Estas acabam por morrer e isto traduz-se numa incapacidade de recordar a informação. Deste modo, conforme a Doença de Alzheimer vai afetando as várias áreas cerebrais vão-se perdendo certas funções ou capacidades."

Disse ainda que “ As células nervosas do cérebro comunicam umas com as outras através da libertação de substâncias químicas; que são denominadas por neurotransmissores. A acetilcolina é um neurotransmissor importante para a memória. As pessoas com Doença de Alzheimer têm níveis baixos de acetilcolina no cérebro. As enzimas designadas colinesterases destroem a acetilcolina no cérebro. Se a sua ação for inibida, mais acetilcolina estará disponível para a comunicação entre os neurónios.”

Então para tentar controlar o avanço da doença, ele podia receitar um inibidor de colinesterase, mas dizendo que o efeito deste medicamento variava muito de pessoa para pessoa, dado que havia pessoas que estabilizavam no ponto atual da doença, outras a progressão tornava-se muito mais lenta, e outras ainda, a doença continuava a sua evolução de destruição como se não tomasse medicação. Além de que a doença estava já muito avançada, Alzira devia ter ido a uma consulta de neurologia no início dos sintomas.

Informou ainda que era uma doença relativamente recente e que a própria ciência ainda sabia muito pouco sobre ela.






12.8.19

LONGA TRAVESSIA - PARTE XXII



Noite de Sábado. Teresa acabara de deitar o filho, quando o telefone tocou. Estranhou. Não conhecia o número.
- Olá - a voz rouca surpreendeu-a. Tardou em responder.
-Ficaste sem voz?
- Não. Não, estava à espera que telefonasses.
- Tenho saudades tuas. Olha, ainda não são dez horas. Vamos sair?
- Não. Não quero sair.
- Está bem. Mas continuo com saudades. E se não te apetece sair, vou a caminho da tua casa.
- Não – quase gritou.
Ele já não ouviu. Desligara a chamada. E antes que ela tivesse tido tempo de pensar em qualquer coisa a campainha da porta tocou. Ficou a pensar que  já devia estar à porta do prédio quando telefonou.
Abriu a porta mas não lhe deu passagem.
-Estás doido? Com que direito é que me vens incomodar na minha própria casa?
- Com o direito de ser o teu futuro marido.
- És muito engraçado.
De súbito, reparou que o rosto masculino, ficava extremamente pálido, enquanto olhava um ponto atrás de si. 
Voltou-se e ficou sem ação ao ver Martim em pijama de pé no corredor.
- Quem é mamã?
- Um amigo. – caminhou até ele. – Vai para a cama filho. A mãe já lá vai dar-te um beijo de boas-noites. Agora tenho que falar com este senhor.
O homem permanecia à porta, sem se mexer. Parecia petrificado.
- Entras, ou sais? – Perguntou sarcástica
Entrou. Agarrou-lhe num braço.
 - Porque não me contaste? – Perguntou  com a voz embargada pela emoção
- Não tinhas que saber. Não é teu filho.
- Não digas disparates. Vê-lo ali assustado no corredor, foi como recuar  trinta anos, e ver-me a mim mesmo. Não tinhas o direito de mo esconder.
- Direito? Mas que direito? - Interrogou agastada. -  Lembras-te que te pedi para irmos passar o Natal à terra, com a minha família? Disseste que não podias, que eu fosse sozinha. Foi lá que descobri que estava grávida. Regressei ansiosa, para te contar imaginando que ias ficar feliz. E adivinha o que aconteceu? Encontrei a casa vazia, sem um bilhete de despedida, que me desse sequer a ilusão, de que tinha significado alguma coisa na tua vida.
- Contra isso nada posso fazer. Reconheço que  me portei como um canalha. Sei que o meu arrependimento, não te retira o sofrimento que passaste. Se te serve de consolação, devo dizer-te que nunca o teria feito, se passasse pela minha cabeça, a ideia de que podias estar grávida. Mas tinhas-me dito que tomavas a pílula.
- E tomava. Mas lembras-te que estive doente, um tempo antes e que tomei alguns medicamentos? O médico disse-me depois, que um deles pode anular o efeito da pílula, devíamos ter tomado outras precauções. Mas na altura eu não sabia.
- Ouve, quero que amanhã digas ao menino que eu sou seu pai. Quero vê-lo crescer, passear com ele, acompanhá-lo à escola. Quero fazer parte da sua vida.
- Quero, quero, quero. É só isso que sabes dizer. Como se nós fossemos mais uma empresa, uma máquina ou um carro, que te dispões a comprar.  Somos gente e sentimos como tal. Não estamos à venda.  E se eu não lho disser? E se eu não quiser que ele te veja?- Estava cada vez mais exaltada.
- Vais fazê-lo, Tê. Tenho esse direito e juro-te que o vou conseguir, nem que seja através dos tribunais. 
Apertava-lhe o braço zangado, o rosto pálido. Ela nunca o tinha visto assim.
Curiosamente a fúria dele, acalmou-a.
-Vai. Amanhã falamos. Estamos os dois nervosos, precisamos pensar com calma.
E empurrou-o para a porta.




9.7.19

UM PRESENTE INESPERADO - PARTE XLIV

Boa noite, amigos. O estado do meu marido, continua estável e ele continua a fazer exames. Hoje está a fazer registo de Holter, fez vários testes neurológicos e falei com o neurologista que me disse que continuam à procura do que pode ter causado o AVC. Disse que vai continuar a fazer exames esta semana e dia 12 vai fazer uma ressonância a Lisboa. Também me disse que amanhã vão tentar levantá-lo e que vai ser visto por um colega de fisioterapia.
É tudo por hoje. A minha eterna gratidão para vós.


Artur já a esperava junto à porta quando saiu. Cumprimentou o amigo, e sentou-se a seu lado, apertando o cinto de segurança.
-Os meus parabéns – disse ele
- Obrigado. O Artur conhece o Ricardo há muito tempo? – perguntou
- Quase desde sempre. Morei durante quinze anos no mesmo andar que os seus pais. Quando fui para lá viver ele devia ter uns três ou quatro anos. E depois disso sempre estive mais ou menos em contacto com ele, exceto os anos que esteve em Angola.
-Então conheceu a primeira mulher dele?
-Claro!
- Estiveram casados muito tempo? Eram muito apaixonados? Como era ela?
- Porquê todas essas perguntas agora?
- Curiosidade. Ele nunca fala do seu passado. Não sei nada dele, até ao dia que me apareceu em casa.
- E isso é mau?
-É como se eu não tivesse qualquer importância para ele.
- Posso garantir-lhe que isso não é verdade. Às vezes há coisas que por muito dolorosas, ou estúpidas, um homem tem vergonha de contar. Isso, nada tem a ver com os sentimentos dele por si.
- E esse é o caso dele!
Não era uma pergunta, mas uma constatação.
- É. O que aconteceu com ele foi cruel e doloroso. Cabe-lhe a si fazê-lo esquecer, se é que já não esqueceu.
Tinham chegado à porta do prédio onde vivera até há meia dúzia de meses.
- Pode descer Isabel, eu vou ver se arranjo lugar para estacionar o carro.
A jovem desceu, abriu a porta do prédio e como tantas vezes fizera ao longo dos anos, bateu com os nós dos dedos na porta da amiga. Natália abriu a porta, e Matilde estendeu os braços para ela, feliz com a surpresa.
-Já comeu quase há uma hora, mas como ouviu que a Isabel vinha almoçar, cismou que a mãe ia deitá-la e não consegui fazê-lo.
Isabel pegou-lhe ao colo e depois de a beijar, ralhou:
- Sua marota! Vamos lá fazer ó-ó, senão logo os avós não a levam ao parque. Mas primeiro tens que fazer xixi!
Colocou-a no chão, e a menina encaminhou-se para o bacio atravessado na entrada de casa de banho. Puxou para baixo os calções e sentou-se.
- Muito bem! - aprovou a mãe.  
Esperou que ela urinasse, limpou-a e levou-a para o quarto. Deitou-a, deu-lhe um beijo e colocou o lençol por cima dela.
- Agora a Matilde vai fazer um soninho muito bom e depois do lanche vai ao parque. A mãe vai almoçar e depois vai trabalhar outra vez
 Fechou a porta suavemente e encontrou os amigos a conversar na cozinha.
- Vamos almoçar? – perguntou Natália. – O tempo passa a correr daqui a pouco já passou a sua hora de almoço.
- Vou só lavar as mãos e já volto!




30.12.18

O AMOR E O BARQUEIRO

  

Chegando, afinal, à margem do grande rio, o Amor avistou três barqueiros que se achavam, indolentes, recostados às pedras.
Dirigiu-se ao primeiro:
– Queres, meu bom amigo, levar-me para a outra margem do rio?
Respondeu o interpelado, com voz triste, cheio de angústia:
– Não posso, menino! É impossível para mim.
O Amor recorreu, então, ao segundo barqueiro, que se divertia em atirar pedrinhas ao seio tumultuoso da correnteza.
– Não. Não posso – respondeu secamente.
O terceiro e último barqueiro, que parecia o mais velho, não esperou que o Amor viesse pedir-lhe auxílio. Levantou-se, tranquilo, e estendendo-lhe bondosamente a larga mão, disse-lhe:
– Vem comigo, menino! Levo-te sem demora para o outro lado.
Em meio da travessia, notando o Amor a segurança com que o velho barqueiro navegava, perguntou-lhe:
– Quem és tu? Quem são aqueles dois que se recusaram a atender ao meu pedido?
– Menino – respondeu, paciente, o bom remador – o primeiro é o Sofrimento; o segundo é o Desprezo. Bem sabes que o Sofrimento e o Desprezo não fazem passar o Amor.
– E tu, quem és, afinal?…
– Eu sou o Tempo, meu filho – atalhou o velho barqueiro. – Aprende para sempre a generosa verdade. Só o Tempo é que faz passar o Amor!
E continuou a remar, numa cadência certa, como se o movimento de seus braços possantes fosse regulado por um pêndulo invisível e eterno.
Sofrimento, Desprezo… Que importa tudo isso ao coração apaixonado? O Tempo, e só o Tempo, é que faz passar o Amor.

Malba Tahan, in Os Melhores Contos


Amigos continuo a vir ao pc o mínimo possível, pois vejo mal do olho esquerdo à espera da cirurgia logo que o direito esteja bem o que está difícil. Essa é a razão da minha ausência. Todos os contos apresentados durante o mês estavam programados desde Novembro. Estou muito grata a todos pelo vosso carinho. Bem Hajam.

2.7.18

O DIREITO À VERDADE - XI




Ajudou-a a sair do carro, e entraram no hospital. Acompanhou-a até uma cadeira e pediu.
-Tem o cartão de cidadão? Vou precisar dele para fazer a inscrição.
Abriu a mala e tirando o cartão estendeu-lho.
O homem afastou-se em direção do guichê. Ouviu-o conversar com a rececionista e só então arriscou olhá-lo
Deveria andar pelos trinta anos, era bastante alto, o cabelo castanho, e os olhos… bom, os olhos eram os olhos mais bonitos que ela já vira. Cinzentos, tão brilhantes que pareciam transparentes. E expressivos. Ela notara-o, na ira que espelhavam, quando ele chegou junto dela depois de a ter atropelado.  
Era um homem muito interessante. Um perigo para a sua alma tão carente de afetos. A sua visita à cidade de Coimbra, teria que ficar para outra altura. Não podia correr o risco de voltar a encontrar-se com aquele homem. O que menos precisava na vida, era uma paixão não correspondida.
Viu o homem sorrir para a rececionista, enquanto pegava de volta o seu cartão. Desviou o olhar, ao ver que ele regressava para junto de si. Estendeu-lhe o cartão, dizendo.
-Estamos com sorte. Está de plantão um amigo meu. Já lhe foram dizer que estamos aqui. Vai ser chamada de seguida.
- Obrigado.
Ela já tinha notado o à-vontade com que ele se movia. Seria médico? Não se conteve.
- É médico?
- Pareço médico, - perguntou por sua vez sorrindo.
-Não sei se um médico tem algum ar especial, mas pareceu-me estar familiarizado com o ambiente.
-Não. Não sou médico, nem é necessário que o seja, para ser amigo de um. Infelizmente nos últimos tempos, tenho vindo aqui várias vezes com a minha mãe, que agora, está internada. Foi submetida a uma cirurgia ao coração.
- Helena Trindade, à sala de triagem, - ouviu-se no altifalante.
A jovem pôs-se de pé, e seguiu acompanhada de Cláudio, para a sala, onde além da enfermeira, já se encontrava o médico amigo dele.
Os dois homens trocaram um forte abraço, que denunciava uma boa amizade, enquanto ela respondia a algumas perguntas da enfermeira.
Helena não ouvia o que os dois falavam em voz baixa e um pouco afastados do sítio onde se encontravam, mas quando a enfermeira acabou de falar com ela, entregou a papeleta ao médico que lhe pediu para os seguir, não sem antes lhe perguntar se andava bem, ou se precisava de uma cadeira de rodas. Depois de ela ter dito que embora com dores caminhava bem, encaminharam-se os três para o gabinete médico, onde ele a mandou deitar, e lhe movimentou os braços e pernas, e lhe apalpou a zona do baço. Depois examinou-lhe os olhos, fez-lhe várias perguntas e por fim disse:
- Não me parece que haja hemorragia interna, nem fraturas ósseas. Mas como em medicina temos que ter certezas, vai fazer uns RX, que eu volto a chamá-la logo que tenha aqui os resultados.
Com as requisições na mão, abandonaram  o gabinete, rumo à zona de radiologia.


29.5.18

CASAMENTO DE CONVENIÊNCIA - PARTE IX



Chegou ao restaurante, cinco minutos antes da hora marcada, mas não antes do amigo que já se encontrava na sua mesa habitual, num recanto mais afastado, mas de onde podia observar todo o movimento. Há anos que Ricardo ali almoçava quase diariamente, e não raro com clientes, razão de ter sempre aquela mesa reservada. Vendo o amigo aproximar-se, levantou-se para o receber com o social aperto de mãos. acrescentou.
- Fiquei surpreendido com a tua urgência em nos encontrarmos, tanto mais que fiquei com a estranha sensação de que não vamos falar de trabalho. Penso que correu tudo bem no Algarve e que já posso dar-te os parabéns pela nova aquisição.
Nesse momento o empregado, a quem Ricardo tinha dito quando entrou que esperava um cliente, aproximou-se com a ementa.
Ricardo pediu um bife à Marrrare, Pedro optou por bacalhau à Lagareiro. Para beber, optaram por vinho tinto, tendo o primeiro escolhido Esporão, o segundo, Fonte do Ouro Touriga Nacional.
- Preciso da tua ajuda, - disse Pedro assim que o empregado se afastou. Mas antes tenho que te contar algo estranho que se passou logo depois de teres saído, no último dia que estiveste lá na empresa. Apareceu por lá uma mulher com uma criança ao colo, dizendo à Rita que queria, porque queria, falar com Pedro Mesquita. Ela disse-lhe que não era possível falar comigo sem marcação, mas a mulher afirmava que não queria falar comigo, sim com um simples empregado com esse nome. Sem saber o que fazer a Rita disse-me o que se passava, e eu que no momento até estava bem-disposto, resolvi recebê-la e saber o que ela queria. E não é que ela queria que o Pedro Mesquita soubesse que era o pai do bebé?
- O quê? – Perguntou Ricardo quase gritando, E logo baixando a voz, perguntou: Mas tu conhecia-la?
- Claro que não. A princípio pensei que era uma oportunista, tentando vigarizar-me, mas a mulher insistia que não entendia porque havia de falar comigo, ela queria falar com um simples empregado. Mostrou-me uma fotografia da irmã com o namorado, antes de ele ter desaparecido. E então percebi que se tratava da última gracinha do meu primo. Sabes como o Paulo era, e a mania que tinha de se apresentar com o meu nome.
- Sei, mas que tinha o namorado da irmã a ver com o filho da tal mulher?
- Sobrinho, a criança era o filho da irmã. Segundo me contou, a irmã teve uma gravidez de alto risco e não sobreviveu ao nascimento do filho.
- Entendo. E o que é que ela quer?
-Nada. Depois que lhe disse  que aquele jovem, tinha trabalhado na firma, mas falecera havia seis meses, num acidente, disse que então não fazia ali nada e despediu-se.
-Assim?
-Bom, eu levei-a a casa. Ainda lhe perguntei se não me oferecia um café, mas desculpou-se e nunca mais a vi.
Calou-se ao ver que o empregado se aproximava com os pratos.



17.3.18

A TRAIÇÃO - PARTE XXV





Duas horas mais tarde, Odete vestindo um conjunto de seda azul celeste, composto por calças e top, desceu do quarto de hóspedes, que ocupava desde que voltara na véspera, e encontrou o marido na cozinha, comendo uma sandes de presunto e bebendo cerveja.
- Que queres lanchar? – Perguntou levantando-se
- Nada. Não me apetece comer.
- Não podes estar muitas horas sem comer. Não ajudas em nada a tua mãe se ficares doente. 
- Eu sei. Como alguma coisa lá em casa se sentir fome.
- Então senta-te enquanto acabo de comer. Quero falar contigo antes de sairmos.
Sentou-se e aguardou.
-Estive ao telefone com o meu amigo e já está tudo tratado.
Amanhã às onze horas, vais com a tua mãe ao hospital S. Francisco, e pedes para falar com o Dr. Rui Teixeira. Dizes que vais da minha parte, ele já estará à vossa espera, para assinar os documentos de internamento. A tua mãe será operada, dentro de oito dias, mas terá que fazer vários exames, testes de anestesia, e tudo o que é necessário para acautelar possíveis problemas na cirurgia. Amanhã tenho um dia complicado no hospital, não posso acompanhar-vos, mas posso garantir-te que ela vai estar bem entregue, o Rui é do melhor que temos no país como cirurgião cardiovascular. E eu próprio o assistirei no dia da cirurgia, já combinámos.
Reparou no seu rosto preocupado.
- Não fiques assim. Vai correr tudo bem, verás. Queres um chá?
- Por favor, - respondeu quase sem voz.
Ele ligou a chaleira elétrica, pôs a garrafa de cerveja, vazia, no recetáculo de reciclagem, ligou a máquina do café, introduziu-lhe uma cápsula e tirou um café que encheu a cozinha de um aroma delicioso.
Depois de o beber, abriu o armário, procurou entre os vários pacotes de chá acabando por tirar um pacotinho de camomila que pôs na chávena despejando-lhe em cima a água que acabara de ferver.
- Açúcar, ou mel? Perguntou pondo a chávena na sua frente.
-Bebo simples. Obrigado.
- Come pelo menos duas ou três bolachas, - disse colocando o pote na sua frente. – Tens que te manter o mais serena possível. Sei que é difícil, mas tens de perceber que a tua mãe já está nervosa, e com medo, porque toda a gente teme a sala de operações mesmo que seja uma coisa muito simples, quanto mais quando mexe com o coração. Quanto mais serenos estiverem, tu e o teu pai, mais confiante, ela ficará. Os teus irmãos já sabem o que se passa?
- A minha irmã, ligou-me esta manhã, e com os meus irmãos falei ontem. Só o meu pai não sabe. Tive receio que ficasse desorientado e tivesse algum acidente.
- Está bem. Eu falo com ele quando chegar. Vai lavar a cara, para que a tua mãe não veja que choraste.
-Obrigado. Não sei como te agradecer. Tenho tanto medo que alguma coisa corra mal. Não estou preparada para perder a minha mãe.
- Não penses nisso, vai correr tudo bem, - disse passando-lhe a mão pelo rosto numa suave carícia  que ela não rejeitou

13.9.17

À MÉDIA LUZ - PARTE XI






- Estou! 
-Pedro Matias?
- Sim.
-Gabriel Santana. Lembras-te de mim?
-Gabriel, que milagre. Há quanto tempo, não sabia de ti.
- Olha, queres jantar comigo? Preciso conversar contigo.
- Comigo ou com o inspetor?
- Para falar verdade, penso que preciso dos dois.
- Bom, bom, tens que pagar dobrado, - deu uma risada. E a que horas? Às oito? Sim, sim sei onde é. Lá estarei.
- Obrigado.
Desligou o telemóvel e ficou pensativo. Se na manhã do dia anterior lhe dissessem que passaria parte de sábado a pensar num facto ocorrido há quase quatro anos, ele diria que era uma loucura. Porém ali estava ele, depois de uma noite mal dormida, cheia de pesadelos, em que a sua secretária e a bailarina se sobrepunham até formarem uma só pessoa, que lhe apontava o dedo acusando-o nem bem sabia porquê. Por isso ligara ao amigo. Pedro era inspetor da Judiciária. Mas era também um bom amigo apesar de ultimamente os seus caminhos não se terem cruzado. Mas no passado, tinham sido companheiros de estudos e de borga. Se alguém, de alguma forma podia ajudá-lo, esse alguém era Pedro.
Recostou-se na cadeira recriminando-se. Estava demasiado preocupado com um caso que a polícia já resolvera. Que não era assunto seu. Porém a imagem chorosa da jovem, não lhe saía da cabeça. Tentava dizer a si mesmo que era uma questão de justiça, mas será que era assim? Tinha que ser sincero consigo mesmo e pensar se ele agiria da mesma forma se não tivesse visto a transformação que a jovem sofrera. Se antes daquela noite, quando ela se apresentava no emprego, feita “quadro de museu” lhe tivesse contado aquela história, ele ajudá-la-ia? Para ser honesto consigo mesmo, tinha que reconhecer que talvez nem a tivesse ouvido. Procurou umas pastas de quatro anos antes, folheou-as, tirou uns apontamentos e voltou a guardá-las.
Fechou o computador, vestiu o casaco, guardou o telemóvel, e as chaves no bolso, pegou nos óculos escuros e saiu fechando a porta. No caminho para o carro saudou o segurança com quem se cruzou e finalmente saiu.




PEÇO  DESCULPA, pela minha ausência. O meu pc, está em agonia, desliga-se de 5 em 5 minutos. Vou continuar a tentar, mas o mais certo será ele ir amanhã para o hospital...


10.9.17

À MÉDIA LUZ - PARTE V




Gabriel chegou à academia dez minutos antes do começo do espetáculo.
Encontrava-se acompanhado de um amigo, empresário como ele, e da esposa do amigo. Tinha recebido o convite na semana anterior, mas acabara por esquecê-lo, só voltando a recordá-lo, quando o amigo lhe telefonara. Na verdade se não fosse por se tratar de um espetáculo beneficente, não teria ido, não era apreciador daquele tipo de espetáculo, danças de salão, para ele, só como interveniente, e com uma bela mulher nos braços. Porém ali estava numa noite de sexta-feira, disposto a passar umas horas aborrecidas, em prol de uma boa causa. Pouco depois as luzes na sala, apagaram-se e um a um os seis pares foram entrando na pista. Recostado na cadeira, com os olhos semicerrados e uma posição indolente, Gabriel não parecia muito entusiasmado.
De súbito, alguma coisa lhe chamou a atenção. Endireitou-se e fixou o olhar no último par que acabara de entrar. Melhor, não no par, mas na bela figura feminina que envergava um lindo vestido vermelho. Havia qualquer coisa de familiar naquela mulher. Seria o cabelo preso no alto da cabeça, num coque embelezado por uma fita preta, adornada com uma rosa do mesmo tom do vestido?
Quando os pares se posicionaram nos seus lugares, o número seis ficou mais perto do local onde Gabriel se encontrava, e ele assombrado julgou reconhecer Sandra.
- Não pode ser, - murmurou.
Aquele “monumento” não podia ser o “estafermo” da Sandra. Ou seria? E como dançava, Santo Deus. Ele não conseguia desviar os olhos da bela figura feminina.
Após uma primeira apresentação, em que os seis pares dançaram a Valsa e o Foxtrot, os pares retiram-se e um apresentador fez uma breve explicação sobre a origem das danças de salão. Logo depois entraram dois pares que dançaram primeiro uma Polca e depois o Bolero.
Depois entraram outros dois pares e Gabriel disfarçou um gesto de enfado. Ele queria ver de novo a mulher de vermelho.
Depois de mais duas danças, desta vez a Salsa e o Chá Chá Chá, eis que voltam os últimos dois pares. Começam por dançar a Rumba, e Gabriel não desgrudava os olhos da figura feminina, que na pista se movimentava com graciosidade e agressividade, insistente e romântica, num jogo de sedução, que visava conquistar o parceiro, que é afinal o sentido da própria Rumba. A dança terminou sob um acalorado aplauso para logo de seguida se ouvirem os primeiros acordes dum Tango.
O Tango era a dança preferida de Gabriel, pelo papel dominante do homem na dança. Mas quando os pares se posicionaram na posição inicial do Tango, ele notou que a bailarina, arqueava ligeiramente o corpo, como que resistindo a deixar-se dominar.
Sorriu. Além de bela, tinha personalidade.

9.2.16

MANUEL DA LENHA - PARTE IV



Na volta, o Sr. Américo, chamou a Piedade, e perguntou-lhe se deixaria ir o garoto mais novo para a sua casa. Seria companhia para o filho, faria alguns trabalhos não muito pesados e teria cama e comida. A mulher respirou fundo, e ergueu uma prece a Deus. Era menos uma preocupação, menos uma boca com fome. Agora ficava ela e João. A carga tornava-se mais leve.
Os anos seguintes foram para Manuel os mais felizes da sua curta existência. Na casa do patrão não faltava comida. O trabalho fazia-o bem. Era um miúdo franzino, porém tinha força e gostava de estar ali. Para isso contribuía, além da boa comida, os filhos do patrão, especialmente o mais novo, um rapazito pouco mais ou menos da sua idade, com quem se dava muito bem e de quem herdava a roupa e o calçado que lhe iam deixando de servir.
O Arménio era um rapazito esperto, sempre pronto a descobrir uma maneira de não fazer o que o pai queria. Porém era bom estudante e quando ia ter com o Manuel aos pastos, onde este estava com o gado, gostava de ensinar ao amigo o que ia aprendendo. Este que nunca tinha ido à escola, ouvia com avidez e registava tudo o ouvia. Foi assim que aprendeu a ler, e mais tarde a escrever. Gostava tanto do Arménio que prometeu a si mesmo, que se um dia tivesse um filho ele se chamaria assim.
Nos meios pequenos, tudo se sabe, e há sempre uma “alma caridosa”, que gosta de dizer o que não deve. 
Manuel não sabia que era filho de pai incógnito. Mais, ele pensava que o seu pai tinha ido para o Brasil, e nunca mais dera notícias. Era o que ouvia aos irmãos, e nunca lhe passou pela cabeça que o seu pai, não era o mesmo pai dos irmãos.
Mas um dia, andaria o Manuel pelos dez anos, chegou à aldeia, o Armindo, um emigrante que vivia no Brasil. Vinha buscar a mãe que ficara viúva. Ele contou que António, o marido da Piedade, tinha ido trabalhar para uma padaria, lá nos arredores de S. Paulo, tinha casado com a filha do patrão, e já tinha uma “penca” de filhos. Quando Manuel soube, achou que o pai era um “sacana” e ficou muito zangado. Logo, a tal “alma caridosa” se encarregou de lhe dizer que não tinha porque estar assim, afinal o homem não era seu pai, o seu pai era o Alberto da aldeia de Mourel.