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20.11.15

FOLHA EM BRANCO - PARTE XXXVII


Acordou cerca das dez. Curiosamente sentia-se bem. Como se a catarse que se seguiu à recuperação da memória, tivesse expurgado do seu espírito, toda a culpa que não tivera forças para carregar, e a levara a tentar o suicídio.
Enquanto tomava o duche matinal, recordava o que acontecera durante a noite. Como acordou assustada com a trovoada, e como de repente o som do trovão, já não era da trovoada, mas do choque entre os dois carros, e como num momento a morte do pai e tudo o que se seguiu, lhe surgira nítido na memória. 
Era como se estivesse vendo um filme, no qual, ela era a protagonista. Lembrou dos longos meses que passou no hospital, primeiro  em choque, depois perdida entre pesadelos e ataques de pânico. De quando teve alta. Dos dois dias que passou quase por inteiro no cemitério, junto da campa do pai. Da boleia que a levou até Faro. E da outra que a deixou em Lagos. Da decisão de não voltar para casa, onde sabia que não ia encontrar o pai, do  peso da culpa, do medo da solidão, do hostel onde deixara as suas coisas, naquela tarde em que procurara uma falésia mais escondida para acabar com o sofrimento, que a devorava por dentro.
Vestiu umas calças de lã cor de mel, e um camisolão branco. Prendeu a farta cabeleira, numa trança e olhou-se ao espelho. Gostou de se ver. Olhava com firmeza, a figura que o espelho lhe devolvia, sem medos, nem mudas interrogações. Tinha largado a pesada carga que há meses carregava. E agora?
Agora tinha que retomar a vida, que ficara lá atrás em suspenso.
Aprender a viver sem o pai, e sem culpas. Sentia que as sessões de psicoterapia a iam ajudar a ultrapassar, e quem sabe esquecer, aqueles meses em que a sua mente fora uma folha em branco.
Não. Esquecer, não. Esquecer, seria olvidar Miguel, a sua presença, o seu carinho, o seu riso, o seu cheiro. Os dias passados juntos, os passeios, os conselhos. Tudo o que tinha gravado para sempre no coração. Decididamente, o que mais lhe doía neste momento, já não era a ausência do pai, mas a eminente separação de Miguel.
E como doía pensar nisso.
Aos poucos enevoaram-se-lhe os olhos e uma lágrima deslizou pela face.
Porque tinha de ser assim? Era como se a vida estivesse sempre montando armadilhas no seu caminho. Porque tinha de se separar das pessoas que amava?






14 comentários:

Isa Sá disse...

Continuo a acompanhar. Bom fim de semana!

Isabel Sá
http://brilhos-da-moda.blogspot.pt

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Magnifico o texto e a "coisa" está a desenrolar bem, esperemos pelos próximos capítulos.
Um abraço e bom fim de semana.

Anete disse...

Elvira, ainda não peguei o ritmo do seu blog/postagens e sempre encontro capítulos avançados do seu "suspense"...
Gostei de ver a personagem sendo livre das culpas e pondo em ordem o seu mundo interior... Prosseguindo!
Pensei que era somente na 6a feira que tinha post novo por aqui...

Beijos e tudo de bom...

Unknown disse...

Naturalmente o som da trovoada acorda-a do sofrimento do esquecimento.
Naturalmente o silêncio dos dias vai marcar-lhe a vida de mais sofrimento.

Edum@nes disse...

Forçosamente, o destino a separou do pai, que agora o destino a junte à pessoa que ama, para aliviar um pouco a dor que nunca dela se separará?

Tenha uma boa tarde amiga Elvira, um abraço.
Eduardo.

Lua Singular disse...

Oi Elvira,
Miguel irá se declarar para alegrar seu coraçãozinho
Beijos no coração
Lua Singular

Maria do Mundo disse...

Com outra cara e outro nome, mas cá estou, acompanhando.

Rogério G.V. Pereira disse...

Te seguindo, depois de recuperar a leitura...

Mariangela l. Vieira - "Vida", o meu maior presente. disse...

Parece que agora vai!!! Ele vai se declarar.
Um abraço Elvira!
Mariangela

Socorro Melo disse...


Às vezes a vida se apresenta bem cruel, mas, esses desafios, por vezes, nos tornam mais fortes...

Olinda Melo disse...


Será que pensa fugir?

Bj
Olinda

Laura Santos disse...

Ah, mas eles não se irão separar decerto! :-)
xx

Rosemildo Sales Furtado disse...

Acho que a Mariana já sofreu demais e merece um pouco de paz, amar e ser amada com reciprocidade. Abraços,

Furtado.

Zilani Célia disse...

OI ELVIRA!
RECOMEÇANDO A LEITURA.
ABRÇS
-
http://zilanicelia.blogspot.com.br/