Acordou cerca das dez. Curiosamente sentia-se bem. Como se a catarse que se seguiu à recuperação da memória, tivesse expurgado do seu espírito, toda a culpa que não tivera forças para carregar, e a levara a tentar o suicídio.
Enquanto
tomava o duche matinal, recordava o que acontecera durante a noite. Como
acordou assustada com a trovoada, e como de repente o som do trovão, já não era da trovoada, mas do choque entre os dois carros, e como num momento a
morte do pai e tudo o que se seguiu, lhe surgira nítido na memória.
Era como se estivesse vendo um filme, no qual, ela era a protagonista. Lembrou dos longos meses que passou no hospital, primeiro em choque, depois perdida entre pesadelos e ataques de pânico. De quando teve alta. Dos dois dias que passou quase por inteiro no cemitério, junto da campa do pai. Da boleia que a levou até Faro. E da outra que a deixou em Lagos. Da decisão de não voltar para casa, onde sabia que não ia encontrar o pai, do peso da culpa, do medo da solidão, do hostel onde deixara as suas coisas, naquela tarde em que procurara uma falésia mais escondida para acabar com o sofrimento, que a devorava por dentro.
Era como se estivesse vendo um filme, no qual, ela era a protagonista. Lembrou dos longos meses que passou no hospital, primeiro em choque, depois perdida entre pesadelos e ataques de pânico. De quando teve alta. Dos dois dias que passou quase por inteiro no cemitério, junto da campa do pai. Da boleia que a levou até Faro. E da outra que a deixou em Lagos. Da decisão de não voltar para casa, onde sabia que não ia encontrar o pai, do peso da culpa, do medo da solidão, do hostel onde deixara as suas coisas, naquela tarde em que procurara uma falésia mais escondida para acabar com o sofrimento, que a devorava por dentro.
Vestiu
umas calças de lã cor de mel, e um camisolão branco. Prendeu a farta cabeleira,
numa trança e olhou-se ao espelho. Gostou de se ver. Olhava com firmeza, a
figura que o espelho lhe devolvia, sem medos, nem mudas interrogações. Tinha
largado a pesada carga que há meses carregava. E agora?
Agora
tinha que retomar a vida, que ficara lá atrás em suspenso.
Aprender
a viver sem o pai, e sem culpas. Sentia que as sessões de psicoterapia a iam
ajudar a ultrapassar, e quem sabe esquecer, aqueles meses em que a sua mente
fora uma folha em branco.
Não.
Esquecer, não. Esquecer, seria olvidar Miguel, a sua presença, o seu carinho, o
seu riso, o seu cheiro. Os dias passados juntos, os passeios, os conselhos. Tudo
o que tinha gravado para sempre no coração. Decididamente, o que mais lhe doía
neste momento, já não era a ausência do pai, mas a eminente separação de
Miguel.
E
como doía pensar nisso.
Aos
poucos enevoaram-se-lhe os olhos e uma lágrima deslizou pela face.
Porque
tinha de ser assim? Era como se a vida estivesse sempre montando armadilhas no
seu caminho. Porque tinha de se separar das pessoas que amava?
14 comentários:
Continuo a acompanhar. Bom fim de semana!
Isabel Sá
http://brilhos-da-moda.blogspot.pt
Magnifico o texto e a "coisa" está a desenrolar bem, esperemos pelos próximos capítulos.
Um abraço e bom fim de semana.
Elvira, ainda não peguei o ritmo do seu blog/postagens e sempre encontro capítulos avançados do seu "suspense"...
Gostei de ver a personagem sendo livre das culpas e pondo em ordem o seu mundo interior... Prosseguindo!
Pensei que era somente na 6a feira que tinha post novo por aqui...
Beijos e tudo de bom...
Naturalmente o som da trovoada acorda-a do sofrimento do esquecimento.
Naturalmente o silêncio dos dias vai marcar-lhe a vida de mais sofrimento.
Forçosamente, o destino a separou do pai, que agora o destino a junte à pessoa que ama, para aliviar um pouco a dor que nunca dela se separará?
Tenha uma boa tarde amiga Elvira, um abraço.
Eduardo.
Oi Elvira,
Miguel irá se declarar para alegrar seu coraçãozinho
Beijos no coração
Lua Singular
Com outra cara e outro nome, mas cá estou, acompanhando.
Te seguindo, depois de recuperar a leitura...
Parece que agora vai!!! Ele vai se declarar.
Um abraço Elvira!
Mariangela
Às vezes a vida se apresenta bem cruel, mas, esses desafios, por vezes, nos tornam mais fortes...
Será que pensa fugir?
Bj
Olinda
Ah, mas eles não se irão separar decerto! :-)
xx
Acho que a Mariana já sofreu demais e merece um pouco de paz, amar e ser amada com reciprocidade. Abraços,
Furtado.
OI ELVIRA!
RECOMEÇANDO A LEITURA.
ABRÇS
-
http://zilanicelia.blogspot.com.br/
Enviar um comentário