Na sexta-feira de semana anterior à Semana Santa, Matilde
acordou maldisposta e a queixar-se da barriga. Como pertencia aos escuteiros e
estivera três dias acampada com o grupo, inicialmente a mãe pensou que a má
disposição fosse efeito de qualquer coisa que teria comido no acampamento. Foi
fazer um chá e telefonou á Rita avisando que iria mais tarde, logo que a filha
se sentisse melhor. Todavia quando regressou com o chá encontrou-a a tiritar de
frio, e quando lhe mediu a temperatura verificou que estava com trinta e nove
graus de febre. Deu-lhe um comprimido antipirético, aconchegou-lhe a roupa e
disse-lhe para dormir um pouco mais.
Uma hora depois, ouviu-a gemer. Foi ao quarto e encontrou-a
toda encolhida com as mãos na barriga e a chorar. Voltou a medir a temperatura
e estava com quase quarenta graus. Assustada ajudou-a a vestir-se e a sair de
casa até ao carro, saindo para o hospital no limite da velocidade.
Foi atendida por uma médica que depois de um breve exame, perguntou
há quanto tempo ela tinha dores de barriga, ao que Matilde respondeu que tinha
começado no último dia de aulas, mas não se queixara com receio de que a mãe
não a deixasse ir acampar.
- É grave doutora? – perguntou Helena.
- Parece—me uma apendicite. Vai fazer umas análises e uma
ecografia, depois será observada pelo cirurgião, e dependendo da gravidade da
situação poderá ter que ser operada de urgência, pois como deve saber um
apêndice infetado é muito perigoso. Mas não se preocupe. Ultimamente estamos a
operar por laparoscopia, não tem perigo e recupera rapidamente. Mas o principal
agora é fazer os exames que eu pedi. Vou pedir a um maqueiro que a leve, ela
não pode ir a caminhar. Assim que chegarem os resultados, consoante a gravidade
da situação um colega lhe dirá se terá de ser ou não submetida a uma cirurgia
de urgência.
- Não será a doutora?
-O meu turno está prestes a terminar, os resultados levam
algum tempo a chegar. Mas fique descansada. Qualquer dos médicos da equipa é
tão ou mais competente que eu.
- E posso acompanhá-la, até fazer os exames? – perguntou Helena
preocupada.
-Claro que sim, mãe. E não esteja tão aflita por favor. De
todos os problemas que a Matilde poderia ter, apendicite é dos mais simples.
Entretanto chegou o maqueiro, a enfermeira passou a menina
da marquesa onde se encontrava deitada para a maca e os três dirigiram-se ao
laboratório.
Enquanto percorriam os enormes corredores que ligavam as
urgências ao laboratório, Matilde não parou de gemer e de apertar a mão da mãe.
A parte racional de Helena, repetia-lhe o que a médica dissera sobre a
apendicite, mas os olhos viam o sofrimento da filha e o seu coração de mãe, estava
num grande desassossego.
Quase três horas mais tarde, Matilde estava na maca, com a
mãe a seu lado, separada de outros doentes por cortinas de poliéster, no espaço,
fora dos gabinetes de atendimento médico. Esperavam o resultado dos exames
quando um médico se lhes dirigiu, e fez algumas perguntas. Ao vê-lo, Helena
quase ficava em choque, pois o médico em causa era Gonçalo Bacelar. Fazendo um
esforço sobre-humano, conseguiu olhá-lo e questionar o estado de saúde da
filha. Ele voltou-se e encarou-a. Tinha
uma expressão estranha, e Helena teve a certeza de que ele a teria reconhecido,
embora não o desse a entender.
- A Matilde está com uma apendicite aguda, vai ser operada
de urgência, a enfermeira Ilda vai prepará-la para a cirurgia e levá-la para o
bloco operatório, onde uma equipa médica já está à espera dela.
E voltando—se para a menina, disse:
- Vai correr tudo bem, não te preocupes, nem fiques com
medo. Dormes um bocadinho e quando acordares já passou, vais ver que não custa
nada. E tu tens cara de ser uma menina corajosa.
Virou costas e afastou-se depois de deixar em cima da maca
a papeleta com o nome e os resultados dos exames.
A enfermeira começou então a empurrar a maca dizendo:
-Venha comigo, mãe. Vou prepará-la para ir para o bloco e terá
que guardar as roupas dela.