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30.11.15

UM CRIME PERFEITO...

Na semana passada, a professora de escrita criativa mandou-nos escrever um conto  policial, obedecendo a estes tópicos. Tinha que ser uma mulher que matava o marido empurrando-o de umas rochas quando ele tirava uma fotografia, e a máquina tinha que se disparar no momento da queda.
Eu nunca experimentei o policial. Escrevi este conto. Aguardo a vossa opinião                                                                 


                              
                                         Fisgas do Ermelo


Já não eram um casal jovem, mas estavam ainda longe da velhice. Ele alto e magro, de rosto fechado e pouco dado a conversas. Pendia-lhe do pescoço, presa por uma alça negra, uma máquina fotográfica que a miúdo usava, e parecia ser a única coisa que lhe dava prazer, enfastiado que estava com a tagarelice da mulher Estavam de férias em Vila Real e encontravam-se a visitar o parque do Alvão. Por vaidade, ou talvez não, frequentemente ela pedia ao marido que a fotografasse. Coisa que ele fazia sem qualquer esgar de alegria, como quem cumpre uma tarefa. Se entre eles algum dia houve amor, há longo tempo tinha desaparecido. Viviam juntos, por quê? –  Ele já se tinha interrogado mais do que uma vez. Hábito, falta de vontade de encarar um divórcio, medo da solidão. Agora ela tinha inventado aquela viagem de férias, em vez de como era habitual nos outros anos irem para o Algarve. E o que mais o aborrecia, eram as demonstrações de carinho em público, que não tinham correspondência em privado, e que só tinham surgido depois que se hospedaram no hotel.
. Ela, quase tão alta como ele, elegante e sorridente. Era por natureza, alegre, e extrovertida.
Caminhava alegre, surpreendendo-se com a paisagem agreste do parque seguindo o trilho das fisgas do Ermelo, local de altas escarpas que ela vira na pesquisa que fizera na Internet. Na cabeça o plano que delineara, desde que vira a notícia de uma turista que ali morrera por acidente enquanto tirava umas fotografias, três meses atrás.
 O amor pelo marido, morrera há muito tempo. Há mais de dois anos que ela tinha outro amor, no coração, com o qual queria viver, sem peias nem esconderijos. Mas para isso ela precisava livrar-se do marido, já que era dele todo o dinheiro, e em caso de divórcio, não acreditava que ele lhe desse algo mais do que aquilo que tinham desde que se casaram. O resto era dele, estava no contrato nupcial. O dia anunciava-se de grande canícula, um daqueles dias que os transmontanos chamam de inferno, pois àquela hora, pouco passava das nove da manhã, já estava bem quente.
Finalmente chegaram às escarpas, de onde se via um panorama magnífico. Os dois, quase  na berma da escarpa, olham o vale lá no fundo e o belo horizonte. O marido tira várias fotos. E quando se preparava para sair do local, eis que a mulher se coloca bem na frente dele pedindo que lhe tirasse um retrato. O marido argumenta, que está demasiado perto, não fica nada de jeito, e aí ela pede para ele recuar um passo. Ele recua, ela avança e a situação mantém-se já que a distância é a mesma. Depois de ter recuado por três vezes, e de ela ter avançado outras tantas, ele não pode recuar mais, pois sabe que está na beira do abismo, e pode cair a qualquer momento. Inesperadamente a mulher estica o braço com violência e empurra o homem que se desequilibra mergulhando no abismo, ao mesmo tempo que a máquina se dispara.
A tremer, a mulher aproxima-se da beira das escarpas. O corpo do marido repousa lá no fundo, entre enormes pedaços de rocha. Mas a malfadada máquina ficou ali. Caída numa saliência da escarpa, uns três metros mais abaixo. Ela pensa que a máquina fotografou o crime. Se alguém a encontra, e será fácil a polícia encontra-la quando investigar a morte do marido, ela está perdida. O plano tão bem delineado, será facilmente descoberto através da maldita fotografia. Só havia uma solução. Difícil sim, mas não impossível. Então toma uma decisão. Devagar, com imenso cuidado, começa a descer a escarpa, o medo apertando-lhe o peito, o coração batendo desenfreado. Está quase a apanhar a máquina. Um pequeno esforço mais e pode regressar pelo mesmo caminho e livrar-se daquela prova que a incriminará. Mas eis que no momento em que apanha a máquina,  a pedra sobre a qual apoia o pé direito resvala, fazendo com que perca o equilíbrio,  e ela vai estatelar-se lá em baixo bem ao lado do marido.
Horas mais tarde, um turista dá o alarme, polícia e bombeiros chegam ao local. O casal está morto. A mulher segura ainda a máquina fotográfica. Na tentativa de descobrir o que se passou, a polícia visiona as fotografias. Pensa que deviam ser um casal muito apaixonado, dada a quantidade de fotos feitas pelo marido, em que aparece a mulher, sempre sorridente e feliz.
 Por fim a última fotografia que regista apenas, um pedaço de céu azul.


Fim

Maria Elvira Carvalho

23 comentários:

Unknown disse...

Ingenuidade dele. Se não a amava e se media o perigo porque recuou tanto?
Mais simples era tocarem de posição.
Finalmente a foto desejada.
Bom isto foram pensamentos meus,longe do programa apresentado pela professora.

Luis Eme disse...

Muito bom.

E ainda foi mais longe que o pedido, de uma assentada, despachou os dois. :)

abraço Elvira

Tintinaine disse...

A Elvira tem que pedir umas explicações ao José Rodrigues dos Santos que escreve 700 ou 800 páginas à volta de uma história de nada. O seu conto precisaria de ser um bocadinho mais longo para manter o leitor em suspense a tentar adivinhar o desfecho.
Continue que vai por bom caminho!!!

António Querido disse...

Nenhum crime é perfeito, há sempre algo que escapa ao assassino!
E ao contrário do anterior comentário do meu amigo "Tintinaine", prefiro os contos mais curtos, mas com princípio, meio e fim, para não cansar a minha vista já enfraquecida!
Com o meu abraço.

Anete disse...

Elvira, um conto policial muito bem escrito! Sua inspiração e expressão são grandes...
Gosto de saber que faz uma disciplina que a leva a escrever... Isso é ótimo!

A ambição, o egoísmo e a futilidade bem presentes no desenrolar dos fatos!...

Uma boa semana. Muita paz e abraço.

Rafeiro Perfumado disse...

Fiquei curioso em saber a marca da máquina fotográfica. Tinha de ser boa, para resistir a tanta queda! Beijoca!

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Uma bela história policial, gostei de a ler.
Um abraço e boa semana.

Mariangela l. Vieira - "Vida", o meu maior presente. disse...

Que bela história Elvira, gostei muito!
Um abração e boa semana!
Mariangela

Evanir disse...

Hoje decidi deixar uma pequena homenagem
a nossos idosos .
Aquele que são a razão do nosso
existir e viver.
Sem duvidas me coloco entre eles
no lugar deles confesso é triste o abandono.
A você na flor da vida com um longo
comigo quem sabe gostará de ler e ver um futuro
que vivendo passaremos por ele uma dia.
Benção de Deus para sua semana.
Beijos saudades.
Evanir.

Ana disse...

Olha por um lado fez-se justiça Ele morreu, coitado mas ela não ficou para contar a história.
Abraço

Vera Lúcia disse...


Olá Elvira,

O conto ficou absolutamente dentro dos tópicos indicados pela professora de escrita. Nunca acreditei em crime perfeito, pois sempre fica um detalhe que leva os investigadores e a polícia a desvendar o crime. No caso, eles procurariam descobrir quem faleceu primeiro, mesmo porque há uma lei de sucessão a ser seguida. Daí, já concluiriam que ele faleceu primeiro e começariam a conjecturar sobre o falecimento dela. O plano dela não foi perfeito, o que redundou em sua própria morte.

Achei o conto formidável.

Parabéns!

Feliz semana.

Beijo.

Andre Mansim disse...

Oi Elvirinha!
Contou com maestria uma bela narrativa.
Não digo um belo conto policial, porque tudo ficou bem claro desde o começo. Não teve mistério e suspense, e os personagens se apresentaram superficialmente. Mas como narrativa, esta perfeito.

Pedro Coimbra disse...

Um típico caso em que o crime não compensa.
Gostei muito de ler.

Teresa Brum disse...

Sensacional querida Elvira.
Mas como ele foi ingênuo, não é mesmo?
Gostei muito, um abraço e agradecida por sua visita.

Laura Santos disse...

Gostei muito, Elvira. Uma mulher gananciosa e fria, no entanto o receio de vir a ser apanhada é que causou também o seu fim.
xx

Graça Sampaio disse...

Menina, como admiro a tua imaginação!!! Podes começar a publicar!

Beijinhos, contista!!

Parapeito disse...

Muito bom. Gostei muito de toda a descrição e do final .
Ficou a vontade de continuar a ler mais.
Brisas doces *

Portuguesinha disse...

Eu gostei, Elvira.
Faria apenas algumas correcções no texto, não me leves a mal. Ele está muito bom, mas qualquer texto escrito beneficia de uma re-leitura para remover algumas falhas que sempre surgem. Como estás a tirar um curso, imagino que a formadora te faça isso e te oriente.

Para quem está de fora a ler, é fácil sentir os 'caroços', mas quando se têm, ao mesmo tempo, muitas ideias na cabeça, tem de cumprir um objectivo, sente-se a pressão e se está a escrever ao mesmo tempo, é complicado. Eu sei, ainda noutro dia fiz um post que depois corrigi em espanto, rsss.

Mais uma vez agarraste-me com este conto. Sabia o que ia acontecer, porque o contas no início. Ainda assim fica-se para ler até o fim. Acrescentas detalhes que enriquecem a história e lhe conferem mais sentido. A parte que tive de reler foi quando dizes "interrogava-se por vezes", porque até ai não apresentaste um narrador na primeira pessoa, estás sempre a falar de um modo descritivo e omnipresente.

Mas isto sou eu que estou aqui a tentar lembrar-me do que aprendi lá atrás sobre o tipo de narradores, rsss. Já faz tanto tempooo...

Obrigada por me fazeres recuar e recordar!
Não leve a mal este apontamento, só quis ajudar, é a minha veia nunca-desenvolvida de professora a falar, ehehe.

Beijos e continue que é uma delícia!

Portuguesinha disse...

Fico muito contente com as palavras que me deixou.
Quis retribuir, por isso escrevo aqui a resposta. Como a publicação é automática, fico por menos palavras. Mas basta. Depois se quiser, por ser um pouco fora de tópico, pode eliminar.

Pessoas como a Elvira devolvem um pouco a minha fé na humanidade. No geral hoje em dia são poucos os que ouvem uma crítica sem a tomarem como um ataque pessoal e contra-atacar. Deve ser culpa dos filmes... não sei :D

Você detetou isso e outras coisas sobre o comportamento humano muito rapidamente. É uma lástima, pois não se evolui ou se demonstra maturidade se não se souber escutar, reflectir e aprender. Só espero que estas qualidades não sejam quase exclusivas da sua geração. Porque a razão do comportamento humano também me fascina e tem sido por aí que mais facilmente as tenho encontrado.

A Elvira é um exemplo. Um bom exemplo. Não imagina o quanto gostaria de ter exemplos como o seu nos que estão próximos de mim. Obrigada e continue. Eu vou aparecendo para lhe ler :)


Um abraço

Portuguesinha disse...

PS: reparei na alteração, rsss.
Pensei que era ela a interrogar-se, afinal foi ele :D
bjs

Rosemildo Sales Furtado disse...

O pouco com DEUS é muito e o muito sem DEUS é nada. De nada adiantou a ganância. Belo conto Elvira! Parabéns!

Abraços,

Furtado.

aluap disse...

Perfeito! Para cometer o crime, usou como arma a única coisa que dava prazer ao marido, mas é caso para dizer que o crime não compensa.

Dorli Ramos disse...

Oi amiga,
Não existe crime perfeito
Quem muito quer nada tem
Gostei do conto
Beijos
Minicontista2