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29.9.21

SINFONIA DA MEMÓRIA - PARTE XXV

 

- Como conseguiste? - perguntou Helena quando saíram do quarto. Não tem pesadelos com muita frequência, mas quando os teve só acalmou quando o levei para a minha cama.
- Segredo masculino, - disse ele sorrindo.- O Diogo é um menino muito inteligente. Joga com a tua ansiedade, para conseguir o que quer. E todas as crianças, gostam de se meter na cama dos pais, quando acordam de noite.
- Parece que percebes muito de crianças. Será que tens filhos?
- Não o creio. Se os tivesse, a mãe deles já teria entrado em contacto com a polícia, não achas?
-Sim claro. Perdi o sono. Vou beber um copo de leite. Também queres?
- Não. Mas também estou sem sono. Tive outro sonho estranho.

Dirigiram-se à cozinha. Ele sentou-se. Ela abriu o frigorífico despejou o leite no copo e colocou-o a aquecer no micro-ondas. 
- Não queres mesmo um copo de leite? Talvez um chá…
Ele moveu a cabeça negativamente e ela sentou-se à sua frente. Deu um gole no leite, e disse:
- Estou a ouvir-te

Ele contou o sonho como o tinha vivido, até ao momento em que o grito de Diogo o acordou.

- Que te parece. Achas que está relacionado comigo?
- Pode ser. Mas também pode ser, um reflexo do teu inconsciente, ao que o inspetor disse. Ou ainda, um daqueles sonhos que não se relacionam com coisa nenhuma e parecem ser brincadeiras do nosso cérebro. Reconheceste alguém?

- Sim. Na verdade reconheci as pessoas importantes da terra, mas não vi quem era o morto. Nem sequer sei se era homem ou mulher.  Havia um homem que me empurrou, e fechou a urna. Parece que  me queria afastar.
- Isso pode ser interessante. E quem era esse homem? Sabes?
- Não. Só que era pouco mais velho do que eu. E parecia que estava acompanhado da mãe.
- Olha são quatro horas, e a casa está fria. Porque não voltamos para a cama e de manhã pensamos nisso?

 Ele olhou-a intensamente e ela corou ao perceber o desejo nos olhos masculinos, e pensou que a sua ideia de voltarem para a cama podia ser interpretada como um convite.
Levantou-se, e voltou-se para colocar o copo no lava-loiça.

Ele aproximou-se, e pondo-lhe as mãos nos ombros, obrigou-a a voltar-se. Com o olhar fixo no dela, disse:
- Não tenhas medo, doutora. Por muito que te deseje, não vai acontecer nada entre nós, enquanto eu não souber, se sou digno de ti.
Virou-lhe as costas e dirigiu-se ao quarto.



Para os amigos que nos estimam.
Ontem chegou a biópsia do que tiraram do estomago do marido. E graças a Deus não é nada de origem maligna.

28.9.21

POESIA ÀS TERÇAS - QUANDO VIER A PRIMAVERA - ALBERTO CAEIRO


Quando Vier a Primavera




Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma

Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.

(Poemas Inconjuntos, heterónimo de Fernando Pessoa)

27.9.21

SINFONIA DA MEMÓRIA - PARTE XXIV




Estavam no cemitério. Fernando caminhava atrás de uma carrinha funerária. Ele e meia dúzia de pessoas. Um homem pouco mais velho do que ele, e dois outros bem mais velhos. E três mulheres. Todas idosas. Percebeu que uma delas seria a mãe do outro homem. As  duas restantes, as esposas dos outros dois. Ele estava sozinho. Atrás deles algumas pessoas importantes. 

Ele conhecia alguns. O doutor, o presidente da junta de freguesia, o dono do talho. Sentia-se triste, como sempre que entrava num cemitério. Embora naquela altura não soubesse o que fazia ali. Perguntou-se quem seria o defunto, mas não encontrou resposta para a sua própria pergunta. O carro funerário parou. Ao lado havia uma cova. Dois homens estavam ao lado dela com duas pás. Outros dois seguravam em cordas. A urna foi retirada da carrinha e colocada sobre uma banca ao lado da cova. Um padre aproximou-se e encomendou a Deus a alma do defunto. 

Depois o homem da funerária abriu a urna, para uma última despedida. O choro das velhas aumentou. Ele ia aproximar-se, para ver quem estava lá, mas o outro homem empurrou-o, e fechou a urna. 

 Nesse momento alguém gritou.
-Mamã... mamã…
Era uma voz de criança e chorava. Acordou em sobressalto. Saltou da cama e saiu disparado em direção ao quarto de Diogo, quase chocando com a mulher que acudia aflita ao grito do filho.

Encontraram o menino, sentado na cama com o rosto banhado em lágrimas.
-Pronto, filho a mamã está aqui. Foi só um sonho, meu amor, não tenhas medo, -dizia Helena abraçando-o e beijando-o para o acalmar.  

Fernando sentou-se na cama, e passou a mão pela cabeça do menino.
- Então Campeão, o que é isso? Um menino tão corajoso como tu, tem medo de quê?
-Não tenho medo, tio Fernando, -disse o menino empertigando-se.
- Bem me queria parecer, Diogo. Mas sabes uma coisa? É noite, e de noite as pessoas dormem. E os meninos que não têm medo, também. Vamos dormir?
A criança subitamente calma, deitou-se e Fernando aconchegou-lhe a roupa, e deu-lhe um beijo na testa, perante o espanto da mãe.






26.9.21

DOMINGO COM HUMOR


 

Anedota retirada. Repito a explicação: Ela está presente em vários sites de anedotas, não é de minha autoria, eu nunca escrevi uma anedota, e não tenho absolutamente nada contra os alentejanos, considero-os tão inteligentes como quaisquer outros homens do mundo. 


                                                                          *******************

Estavam dois alentejanos debaixo de uma azinheira. Um deles trazia um porco ao colo e andava a dar-lhe bolota. Passam dois senhores e veem aquele quadro e dizem para o Alentejano:
- Então não era melhor derrubar a bolota e o porco comia no chão?
Nisto vira-se o Alentejano para o outro e diz-lhe:
- Ó compadre devem ser engenheiros!!!



Numa conversa entre velhotes, pergunta um:
- Conheces os Açores?

O outro:
- Conheço. Estive em S. Miguel.

O primeiro:
- E a Terceira?

O outro:
- Ainda tentei várias vezes, mas já não consigo…




Em campanha eleitoral, um dos candidatos andava pelas ruas. Ao avistar um homem aproxima-se e diz:
- Olá! Sou candidato nas próximas eleições…

E o homem, visivelmente assustado, levanta a mãos e grita:
- Pode levar tudo! Mas por favor, não me faça mal!



Uma mulher vai ao médico preocupadíssima:
- Sr. Doutor a minha filha comeu um euro, será que vai ter problemas?

E responde o médico tranquilamente:
- Esteja descansada, os políticos já comeram milhões e não têm problemas nenhuns…



O Primeiro Ministro e a sua secretária encontram-se no topo de um arranha-céus, de onde assistem à manifestação da população insatisfeita. Diz o Primeiro Ministro:
- Sabes… Eu só queria conseguir fazer esta gente toda feliz!

E responde a secretária:
- Hmmm… Então porque é que não saltas?




Depois de discursar, o político queixa-se à sua secretária:
- Caramba! Tinhas que me escrever um discurso tão longo?! Já estava toda a gente a bocejar, como se estivessem cansados de me ouvir ou já não estivessem interessados…

E responde a secretária:
- Na verdade, eu até escrevi um discurso razoável, cometi foi o erro de lhe entregar as três cópias…



24.9.21

SINFONIA DA MEMÓRIA - PARTE XXIII







- Nenhuma – disse Helena, para quem aquela aventura vinha dar um ar de graça à sua vida tão rotineira.

- Muito bem. Tenho aqui a indicação da sua morada. Mas por todas as razões expostas, não aconselho o seu regresso. Teria que destacar um polícia para o proteger, o que poria de sobreaviso, quem quer que queira acabar consigo. Pela sua segurança, pela investigação, pelos cuidados médicos que decerto continuará a precisar, é aconselhável que continue com a doutora. Entretanto – acrescentou – vamos prosseguir as investigações, agora seguindo as pistas que a direção de orquestra nos forneceu. Segundo eles, o senhor é solteiro, vivia sozinho, e os seus pais já faleceram. Mas não sabem se tem familiares vivos. Não se lembra se tem irmãos, tios, sobrinhos? Alguém que tenha, consigo algum laço familiar, ainda que afastado?

- Não inspetor. A única coisa que recordei, que nem foi bem recordar, foi que quando a doutora Helena, disse que tinha de me arranjar um nome, imediatamente me veio à memória o nome de Fernando. Mas nem sequer sabia se era realmente o meu. Depois um dia tive um sonho que me deixou desconcertado. 

Contou ao inspetor o sonho, tal como antes o contara a Helena.

- Deveria falar com um psiquiatra. Pode ser que a sua memória vá aparecendo assim. Por agora está tudo dito. Entro em contato logo que tenha mais notícias. E já sabe, qualquer lembrança que tenha deve comunicar-me imediatamente. Por mais insignificante que pareça. Espero que a resolução deste caso seja a seu contento.

Levantou-se e estendeu-lhes a mão dando a conversa por terminada.
Saíram. A caminho do carro, ela perguntou:

-Que se passa? Porque estás com esse ar tão macambúzio? Não é bom saberes quem és?
- Saber o meu nome, não é saber quem sou, doutora. Não percebeste que o inspetor suspeita de mim? Não percebes que posso ser um facínora?
- Tenho a certeza de que não o és, Fernando. Quando te olho, há desespero, e ansiedade no teu olhar. Maldade não. E eu acredito no que leio nos teus olhos.
- Deus te oiça, doutora, Deus te oiça.



22.9.21

SINFONIA DA MEMÓRIA - PARTE XXII




Quando chegaram, o inspetor Morais, ainda não tinha regressado do almoço, mas tinha deixado ordens para que lhe colhessem as impressões digitais e as comparassem com as de Fernando Monte Real que já lhes tinham sido enviadas de manhã pelo Arquivo Central. Depois de recolhidas e enviadas para os peritos que as iam analisar, eles ficaram a aguardar, até que o policial regressasse o que demorou apenas um quarto de hora. 

Depois de os cumprimentar, pediu que entrassem no seu gabinete, e explicou-lhes o trabalho de pesquisa já efetuado junto da direção da Orquestra Nova do Porto, que lhes facultara todas as informações sobre o pianista desaparecido juntamente com a sua fotografia, e ou ele tinha um sósia perfeito, ou era realmente a pessoa em questão.

 Faltava apenas a resposta dos peritos na comparação das impressões digitais mas isso era muito rápido, devia estar a chegar. E chegou cinco minutos mais tarde por fax. Sem qualquer dúvida, ele era o pianista desaparecido em Los Angeles no dia cinco de Dezembro, quando se encontrava em coma no Hospital de S. José em Lisboa, desde o dia três. 

- Um mistério bem cabeludo, - disse o inspetor. Está claro para nós que alguém se quis livrar de si. Assim depois de o abandonarem morto na berma da estrada, - acredito que quem o fez, estava convencido que estaria morto, viajaram para os Estados Unidos com os seus documentos e registaram-se no hotel. Provavelmente quem o fez, viajou de volta para Portugal, com a sua verdadeira identidade.

 O seu desaparecimento seria comunicado à polícia americana, e o senhor seria sepultado em Portugal como indigente. E todas as investigações posteriores diriam que tinha viajado e desaparecido no estrangeiro, pelo que o caso seria arquivado sem solução. 

O que levaria alguém a elaborar um tal plano é o que temos de descobrir. Ou o senhor está metido com algum gang que já se fartou de si, ou viu alguma coisa que não podia, nem devia ver. Em qualquer dos casos a sua vida não está fácil. Vamos manter segredo sobre o facto de estar vivo. 

Quem se deu a tanto trabalho para se livrar de si, vai querer acabar o serviço, se souber que está bem de saúde. Vou-lhe pedir que evite aparecer em locais onde possa ser fotografado. Continua em casa da doutora?
- Sim, - disseram os dois em uníssono.
- E há algum inconveniente em manter-se lá enquanto dura a investigação doutora? 



21.9.21

POESIA ÀS TERÇAS - DECLARO QUE SOU FELIZ - BRANCAS NUVENS NEGRAS


 Declaro que sou feliz


Aqui chegado tudo parece estar certo

mesmo quando a "certitude" 

é só dentro de nós. 

Sou tão feliz e em sossego

que os descendentes distantes

no seu labor e harmonia

descansam no meu descanso

ninguém ousa interromper. 


Sento-me no lugar que é só meu

a digerir com atraso as fatias

de sonho, fantasia e saber

que tenho na minha estante. 

Isto é felicidade

porque já esqueci a saudade 

de quando não estava só. 

Pouso o Manuel Bandeira

sobre a manta sobre os joelhos

e fico-me… 

com o som cavo deste contrabaixo.



Brancas nuvens negras

25 /9/ 2020

20.9.21

SINFONIA DA MEMÓRIA - PARTE XXI

 






 Mal Helena pôs o carro a rodar, Fernando perguntou ansioso.
-Era o inspetor, não era?
- Sim. Já viu a notícia. Quer que vás lá com urgência, tirar as impressões digitais, para confirmar no arquivo centrar se correspondem às do pianista. Só depois disso avançam com a investigação, pois dizem que há pessoas muito parecidas, e tu não podes confirmar nada devido à amnésia. Vamos lá, logo a seguir ao almoço. Já telefonei à Marta, pedindo-lhe para ficar com o Diogo, enquanto vamos à esquadra. A Marta é minha empregada, desde que vim para Lisboa. Ainda não a viste , porque está de férias, mas prontificou-se a ficar com ele. É uma boa mulher e adora o Diogo.

Falava baixo de modo a que o menino não os ouvisse.

- Não tiveste mais nenhum sonho?
- Não. Cada dia que passa estou mais desesperado. Será que sou realmente o tal pianista? E se for? Mudará essa certeza alguma coisa na minha cabeça?
- Não fiques assim, - disse atenta à estrada. Às vezes, basta relaxar um pouco para que as coisas comecem a surgir.

Ergueu a voz e falou para o filho.
- Diogo a mamã está quase a entrar na autoestrada. Tens vontade de fazer xixi?
-Não mamã.
- Vê lá, filho, depois são muitos quilómetros sem poder parar.
-Já disse que não, mamã.

Pouco depois entravam na A1 em direção a Lisboa, e três horas depois estavam em casa, depois de uma breve paragem em Aveiras.
A empregada já os esperava. Mais, tinha feito uma sopa de creme de abóbora, e um Bacalhau à Lagareiro, para o almoço. “Para desenjoarem do cabrito assado”- disse a sorrir. Comprara também alguma fruta para a sobremesa.

Marta era uma cinquentona, cuja simpatia parecia ser proporcional ao seu avantajado corpo. Adorava a patroa e o seu menino, de quem cuidava, como se de um neto se tratasse. 
Foi igualmente simpática com o desconhecido, não demonstrando qualquer curiosidade a seu respeito. De resto, era evidente o carinho do “seu” menino pelo desconhecido, e isso era suficiente para ela.
Depois do almoço, Marta foi deitar o menino, e eles seguiram para a esquadra.


17.9.21

SINFONIA DA MEMÓRIA - PARTE XX





- Diogo adormeceu antes da hora da missa, e foi preciso levá-lo ao colo, tarefa dividida entre a mãe e os avós. Embora Fernando fizesse questão de o levar, Helena disse que não era prudente, havia apenas três semanas que tinha feito a cirurgia.
 Durante a missa, o homem suplicou ao Jesus Menino que lhe concedesse a graça de recuperar a memória. Helena também suplicou ao Deus Menino pela  recuperação dele.
No regresso foram distribuídos os presentes. Uma vez mais Fernando se emocionou ao ver que Helena embrulhara alguns presentes em seu nome para ele distribuir. Aquela mulher era um anjo que Deus lhe mandara num momento de provação. Por fim todos se foram deitar. 

O dia de Natal amanheceu coberto de neve, o que provocou a alegria do menino, que na sua curta vida nunca a tinha visto a não ser na televisão. Ele e Fernando, fizeram um belo boneco em frente à casa, antes da ida à missa matinal.

Depois da homilia, toda a família cumpriu o ritual de beijar o Menino Jesus.
Após o almoço, como o dia estava muito frio, e continuava a nevar, toda a família ficou em casa. Diogo adormeceu, e os adultos entretiveram-se com um animado jogo de cartas até à hora do lanche, altura em que a criança acordou. As horas decorriam lentamente. 

Helena pensava que nunca um dia de Natal lhe parecera tão longo. Esperava que no dia seguinte o inspetor visse a mensagem. E que dissesse alguma coisa. Mas como tudo que começa, acaba, também aquele interminável dia chegou ao fim.

No dia seguinte, encontravam-se à mesa, a tomar o pequeno-almoço, quando o telemóvel tocou. O inspetor informava que tinha lido a mensagem, mas precisava da presença urgente do jovem na esquadra. Precisavam tirar-lhe as impressões digitais, e verificar se correspondiam às de Fernando Monte Real, pois a foto só por si, não queria dizer que se tratasse dele, pois todos sabem que há pessoas que são cópias exatas de outras. E como ele continuava sem memória, só assim poderiam ter a certeza, para aprofundarem a investigação.

Helena desligou o telemóvel, e voltando-se para os pais,  disse:
-Era do hospital. Pedem-me para interromper as férias, há um grande afluxo de doentes com gripe, estão a chamar os médicos que estão de férias. Vamos acabar de comer e arrumar as nossas coisas para a viagem. Lamento ter ficado pouco tempo convosco, mas prometo voltar logo que possa.


15.9.21

SINFONIA DA MEMÓRIA - PARTE XIX

 



Ele sentou-se na cama e ela sentou-se a seu lado.
-Viste a fotografia. Sou eu, não sou doutora? Não estou doido, pois não? – perguntou com voz rouca, as mãos a tremer.
- Claro que és tu. Há alguma coisa de muito estranho em tudo isto. Penso que devíamos telefonar imediatamente para o inspetor. Espera, vou buscar o telemóvel, eu tenho o número dele.
- Mas hoje? Decerto não vai atender!

Ela foi à cozinha, pegou um copo de água e o telemóvel e voltou ao quarto.
- Toma, bebe um pouco. Vai fazer-te bem.
Ligou o número e aguardou um pouco.
- Está desligado. Era de prever. Vou mandar mensagem. Vê-la-á quando o ligar.

“Inspetor- foi dizendo em voz alta, o que escrevia.- Lembra-se do sinistrado que socorri no início do mês, sem documentos, nem memória? Acabamos de descobrir que desapareceu na América. Por favor contate-nos com urgência. E se puder veja o telejornal de hoje. Helena”

-Já está. Sentes-te melhor? A notícia não te fez recordar nada?
- Não. Contínuo vazio, de tudo o que me aconteceu até acordar no hospital.
-E no entanto quando quis inventar-te um nome, disseste imediatamente Fernando. E sonhaste com um concerto, e um pianista sem rosto. Agora sabemos que esse pianista, és tu. Tenta acalmar-te, desfruta da noite, logo ou amanhã, procuramos na internet, pelo teu nome. Pode ser que haja alguma coisa.

Pôs-se de pé e deu-lhe a mão. Ele levantou-se. Ficaram os dois muito perto um do outro, tão perto que teria sido muito fácil ceder ao impulso de a abraçar e beijar, e talvez fosse o que ela desejava, mas a verdade é que ele estava por demais concentrado na sua situação, para se aperceber disso. Ela encaminhou-se para a sala, e ele limitou-se a segui-la.

-Está melhor? - perguntou o dono da casa, quando reentraram na sala.
-Sim já melhorou, obrigado. Mas não me levem a mal, não me apetece comer. Talvez mais logo.
- Queres que te dê um beijinho para ficares bom? A mamã costuma dar-me e a dor passa, - disse o menino aproximando-se dele, e provocando um sorriso nos adultos.

14.9.21

POESIA ÀS TERÇAS - TESTAMENTO - MANUEL BANDEIRA


Testamento

O que não tenho e desejo
É que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros — perdi-os…
Tive amores — esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.

Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado,
Foram terras que inventei.

Gosto muito de crianças:
Não tive um filho de meu.
Um filho!… Não foi de jeito…
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.

Criou-me, desde eu menino
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde…
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!

Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!

( Manuel Bandeira – 29 de janeiro de 1943)
(Poesia extraída do livro “Antologia Poética – Manuel Bandeira”, Editora Nova Fronteira – Rio de Janeiro, 2001, pág. 126.)

13.9.21

SINFONIA DA MEMÓRIA - PARTE XVIII

 




Os dias na aldeia passavam rapidamente. Os pais de Helena simpatizaram com Fernando, que também parecia à-vontade com eles. Os dois homens, e o menino,  tinham enfeitado a casa, enquanto ela e a mãe se dedicavam a juntar todos os ingredientes para uma ceia de Natal, repleta de boas iguarias.

E chegou enfim a noite santa. A família ia cear mais ou menos na hora do costume, queriam estar despachados quando chegasse a hora de irem à missa do galo. Depois da missa abririam os presentes.

António, o pai de Helena, tinha ligado a televisão a fim de ver o telejornal. De súbito, uma notícia, chamou-lhes a atenção. A Orquestra Nova do Porto, que se encontrava em digressão pelos Estados Unidos, apresentara às autoridades de Nova Iorque uma denúncia por desaparecimento do seu pianista, o jovem Fernando Corte-Real, que ali faria a sua estreia como solista, na primeira parte de um concerto. 

O jovem que por motivos pessoais, não viajara com os restantes membros da orquestra, fizera-o no dia seguinte.
Havia o registo da chegada dele, ao hotel em Los Angeles, cidade onde a orquestra deu o seu primeiro concerto, no passado dia quinze, mas ele não foi visto depois do registo, nem apareceu nos ensaios nem na hora da atuação.

E  também não apareceu para o concerto em Nova Iorque que se realizara nas vésperas. O pianista que é tido pelos colegas como um homem muito talentoso e responsável, não aparece nem dá notícias, desde o seu registo no hotel de Los Angeles, no passado dia cinco de Dezembro.
 No fim da notícia, a foto do pianista, tirou todas as dúvidas aos dois jovens.

-Meu Deus – disse Helena apertando a mão de Fernando cujo rosto estava extremamente pálido. Como é possível, teres feito o registo no hotel em Los Angeles, se nessa data estavas hospitalizado em Lisboa?
Felizmente os pais dela, estavam distraídos com as gracinhas do neto e não se aperceberam de nada.
- Desculpem-nos, - disse Helena. O Fernando não está bem, tenho que lhe dar um analgésico. Sequelas do acidente que teve no princípio do mês.

- Mas não comeram quase nada!- protestou a mãe dela.
- Já comemos quando voltarmos. Ou depois mais tarde. Não se preocupem. Porta-te bem com os avós, Diogo.
Ele dirigiu-se ao quarto que lhe tinham destinado, e ela seguiu-o




Nota:

Amigos, os pais da Margarida vão entrar de férias, e nós vamos aproveitar para tentar espairecer e recarregar baterias. Os recentes problemas de saúde, meus e do marido, aliado aos meus problemas de visão e ao resultado da biopsia do marido que nunca mais chega, têm-nos deixado de rastos. E depois há esta princesinha que adoramos, mas que como é normal está cada dia mais traquina e cansa mais. Como sabem tentamos ir de férias quando os pais tiveram  os primeiros quinze dias de férias em Agosto, mas problemas de saúde obrigaram-nos a regressar. Esperamos melhor sorte desta vez. Os posts estão programados até ao fim do mês, porque lá não tenho internet.



11.9.21

JORGE SAMPAIO

 

Ensino Superior no concelho do Barreiro
Obrigado Jorge Sampaio!

Ensino Superior no concelho do Barreiro<br>
Obrigado Jorge Sampaio!<br>
A última vez que Jorge Sampaio marcou presença no concelho do Barreiro foi no Lavradio, no dia 21 de Dezembro de 2013, onde participou acompanhado de Daniel Sampaio, na inauguração da Unidade de Saúde Pública Arnaldo Sampaio, junto ao Centro de Saúde.
A Unidade de Saúde recebeu o nome de Arnaldo Sampaio, pai de Jorge Sampaio, reconhecido como um dos fundadores da Saúde Pública, em Portugal.

“Fiquei contente. O meu pai foi um grande lutador pela saúde pública. Foi convidado a ficar lá fora mas quis voltar e trabalhar pelo país. Foi um grande impulsionador dos médicos de saúde pública, pois achou que uma especialidade de uma grande importância” – sublinhou Jorge Sampaio, no decorrer do acto inaugural.

Mas, na memória dos barreirenses vai ficar a grande manifestação de carinho, com banhos de multidão, que recebeu quando da sua presença em campanhas eleitorais.

Igualmente, quero, aqui e agora, recordar aquela que será sempre uma divida de gratidão do Barreiro para com Jorge Sampaio, presidente da República, quando da sua presença nas comemorações do cinquentenário da Escola Alfredo da Silva, deu um contributo decisivo para ser dado o pontapé de saída de instalação do Ensino Superior no concelho do Barreiro.

A presença de Jorge Sampaio, deu força e acarinhou as palavras reivindicativas de Pedro Canário, presidente da Câmara Municipal do Barreiro, e dos sonhos que António João Sardinha, alimentava e nos corredores do Ministério da Educação.

Jorge Sampaio deu um grande empurrão para que se concretizasse este sonho dos barreirenses, um sonho, um desejo, que se tornou realidade.

Por isso, hoje e aqui, neste dia de adeus, fica o OBRIGADO A JORGE SAMPAIO. Esta é uma divida de gratidão do Barreiro ao antigo Presidente da República.

Partiu um democrata. Partiu um lutador pela Liberdade. Partiu um homem que deu de si a Portugal.
Obrigado Jorge Sampaio!

António Sousa Pereira


https://www.rostos.pt/inicio2.asp?mostra=2&cronica=15002100

10.9.21

SINFONIA DA MEMÓRIA - PARTE XVII



 Eram dez horas da manhã de segunda-feira, quando os três partiram para a aldeia na Beira Alta onde iam passar o Natal na casa dos pais de Helena.  Nas vésperas tinham passado o dia no Centro Comercial, onde ela comprara para ele, várias peças de roupa. No inverno precisa-se muito mais roupa que no verão, especialmente no norte do país onde é mais rigoroso.

 Almoçaram num dos restaurantes do Centro e depois levaram a criança ao cinema para assistir à sessão de Minions. Mais tarde passaram no supermercado, e comparam frango assado e batatas fritas para o jantar.

 O menino adorou o dia, estava encantado, com tudo, especialmente com o “tio”. Helena nunca se tinha apercebido de como ele necessitava de uma figura masculina. Mas não era só Diogo que estava encantado com Fernando. Ela também estava. Tanto que receava estar a apaixonar-se por ele. 

Sentia um formigueiro no corpo e as pernas tremiam-lhe, cada vez que ele lhe tocava, ainda que fosse apenas para a aliviar do peso do saco das compras. Dava por si, a fantasiar como seria fazer amor com ele. Sentir-se beijada e acariciada por ele. Aquilo não podia estar a acontecer. Raio de sorte a sua. A primeira vez que se apaixonara, fora por um traste, e agora ia apaixonar-se por um homem que não sabia quem era? Não devia ter-se metido naquele imbróglio, mas agora o mal já estava feito.

Felizmente que em casa dos pais, não teriam a intimidade que tiveram naquele fim de semana, e seria bem mais fácil a convivência sem constrangimentos. Tinham chegado a um determinado ponto da estrada, numa longa reta, quando ela parou o carro e voltando-se para ele informou.
- Foi aqui, na berma, naquele lado da estrada.

Ele não disse nada. Limitou-se a olhar, viu as três árvores mais à frente, alguns arbustos, e então perguntou:
- Não pensaste que podia ser uma armadilha, que podia alguém estar escondido naqueles arbustos?
- Claro que pensei. Mas também pensei que podia ser alguém em perigo de vida. Sou médica, e felizmente o meu instinto sobrepôs-se ao medo.

Ele pegou-lhe na mão e levou-a aos lábios.
-Obrigado.
Sentiu-se recompensada com a rouquidão da sua voz, e o brilho húmido do seu olhar.


8.9.21

SINFONIA DA MEMÓRIA - PARTE XVI

                                             



- Que se passa, Fernando? Dormiste mal, ou lembraste alguma coisa? – perguntou, mal ficaram sozinhos.
- Não se pode dizer que dormi mal. Agradeço-te mais uma vez a atenção que tens comigo. Mas tive um sonho esquisito, que não sei se tem alguma coisa a ver comigo, ou se é apenas um daqueles sonhos estúpidos que por vezes povoam os nossos sonos.
- Queres contar?

Ele recordou em voz alta, todos os pormenores do sonho, enfatizando o facto de o pianista não ter rosto.

- Achas que pode ter a ver alguma coisa comigo?´
- Não sei. Gostas de música?
- Muito. Mas isso não quer dizer que a toque, pois não?
- Claro que não. Mas se fosses profissional da música, decerto eras conhecido, e a polícia já saberia que tinhas desaparecido. A não ser que não fosses profissional, mas a ser assim também não irias atuar num tão grande auditório. Não se encaixa. Ouve, seria um daqueles concursos em que os amadores vão mostrar os seus talentos, na busca de se tornarem conhecidos?

- Não. Lembro-me de ter visto anunciado na entrada, um concerto. E uma sala daquelas, completamente cheia, deveria querer dizer que era alguém conhecido.
- Então não pode ter a ver contigo. A polícia saberia. Deve ser um daqueles sonhos sem nexo que todos temos.
Apetece-te almoçar fora? - perguntou mudando o rumo à conversa.
- Preferia fazê-lo aqui. Deves compreender que não me sinto bem, contigo a pagar todas as contas. Mesmo que digas que se trata de um empréstimo e que te pago quando recuperar a memória. É humilhante.
- Para mim não. Mas se te sentes melhor em pagar o almoço, passamos pelo multibanco e levas dinheiro.

Ele baixou o rosto e escondeu-o entre as mãos. O seu desespero era uma realidade, mas ela estava disposta a ajudá-lo. O porquê, era algo em que não queria pensar de momento.

-Não fiques assim. Quando menos esperares, tudo se resolve. Vamos despachar-nos, para ir às compras. Precisamos comprar duas ou três mudas de roupas para ti, amanhã vamos para casa dos meus pais e não vais andar todos os dias com a mesma roupa.
- Mas doutora, o que vão dizer os teus pais? E que vou dizer-lhes eu, quando me fizerem perguntas?
- Logo se verá.  Cada coisa a seu tempo. Não te preocupes com isso agora.